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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Autos nº. 0007876-40.2021.8.16.0069

Recurso Inominado Cível n° 0007876-40.2021.8.16.0069


Juizado Especial Cível de Cianorte
Recorrente(s): IDENELSON DE JESUS CHICONATO
Recorrido(s): LEONARDO ITIKAWA
Relator: Maurício Doutor

RECURSO INOMINADO. RESIDUAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO


DE DANOS MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA
SENTENÇA. NÃO ACOLHIMENTO. POSSIBILIDADE DE
APRECIAÇÃO DO PEDIDO CONTRAPOSTO EM RECURSO.
ART. 1.013, § 1º, DO CPC. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE
INTERESSE PROCESSUAL, ILEGITIMIDADE ATIVA E
INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL
RECHAÇADAS. ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL.
CONTRAPRESTAÇÃO DEVIDA PELO RÉU ESTABELECIDA NA
FORMA POR ELE ALEGADA. BASE DE CÁLCULO. PREÇO DA
SACA DE SOJA NO MÊS DE MARÇO DE 2020. JUROS DE
MORA A PARTIR DA CITAÇÃO. OBRICAÇÃO CONTRATUAL.
ART. 405 DO CC. PEDIDO CONTRAPOSTO. RESCISÃO
FUNDADA NO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. PRAZO DE
SEIS MESES PARA NOTIFICAÇÃO QUE NÃO SE APLICA AO
CASO EM COMENTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO
E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO.

1. RELATÓRIO

1.1. LEONARDO ITIKAWA ajuizou ação de reparação de danos materiais


contra IDENELSON DE JESUS CHICONATO, narrando, em síntese, que,
juntamente com seu genitor, arrendou seu imóvel rural para o réu, no ano de
2015, ficando ajustado o pagamento de 30% (trinta por cento) sobre os
produtos agrícolas comercializados. Entretanto, o réu não repassou a
porcentagem devida pela venda de mandioca e cultivou, em seguida, o milho
safrinha. Promovida a notificação do réu acerca da rescisão do contrato, ele
desocupou o imóvel, mas não realizou o pagamento das contraprestações
devidas nem justificou o descumprimento do contrato. Por isso, requereu a
condenação do réu ao pagamento do valor de R$ 8.441,85 (oito mil
quatrocentos e quarenta e um reais e oitenta e centavos), referente à venda da
colheita de mandioca, R$ 1.946,80 (mil novecentos e quarenta e seis reais e
oitenta centavos), da venda do milho safrinha, e R$ 1.500,00 (mil e quinhentos
reais) dos honorários advocatícios decorrentes da notificação extrajudicial.

1.2. Julgados parcialmente os pedidos para “condenar o requerido em adimplir


o requerente no valor de R$ 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos reais),
correspondente a quarenta sacas de soja, ao preço médio de R$ 135,00 a saca
de 60 kg, pois em Março de 2020 o preço era de R$ 90,00 e agora está em R$
180,00, devendo tal valor ser devidamente corrigido pela média do INPC e
IGP-M e juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado desta
decisão e pelas razões expostas acima” (seqs. 60.1, 62.1, 75.1 e 77.1), interpôs
o réu recurso inominado (seq. 81.1), sustentando: a) a nulidade da
sentença; b) a carência da ação; c) a necessidade de perícia para aferir a
metragem da área cultivada; d) a ilegitimidade ativa; e) a inépcia da inicial; f)
quando da mudança de cultura, acordou com o genitor do autor o pagamento
do valor correspondente a sessenta sacas de soja para as safras 2016/2017 e
2017/2018, adiantando, assim, o valor correspondente à quarenta sacas da
safra de 2019/2020, ficando, em contrapartida, com o valor integral da colheita
de mandioca; g) ainda que houvesse valor devido pela colheita da mandioca,
seria correspondente à quarenta sacas de soja; h) a impossibilidade de
cobrança de honorários contratuais; i) não é devido qualquer pagamento sobre
o milho safrinha, tanto porque não houve contração e é costume não haver
cobrança de arrendamento sobre plantios de inverno; j) o não cabimento de
honorários de sucumbência no rito sumaríssimo; k) a ilegalidade da notificação
extrajudicial a autorizar a restituição da posse sobre o imóvel; l)
subsidiariamente, pediu que, para a quantificação do valor devido, seja
considerado o valor da saca de soja no ano de 2020 e exigível o valor do mês de
maio, incidindo correção monetária e juros de mora a partir da citação.

1.3. Contrarrazões à seq. 92.1.

2. PRELIMINARES APRESENTADAS EM CONTRARRAZÕES

2.1. REGULARIDADE FORMAL – ÔNUS DE IMPUGNAR


ESPECIFICAMENTE OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA
– “PRINCÍPIO” DA DIALETICIDADE

2.1.1. O sistema processual brasileiro consagra e positiva o comumente


designado “princípio” da dialeticidade ao exigir que o recurso se ocupe da
impugnação específica aos fundamentos do provimento jurisdicional atacado.
Por essa razão, ao interpor qualquer recurso, deve a parte recorrente apresentar
as razões pelas quais é necessária a reforma ou a anulação da decisão recorrida,
sob pena de não conhecimento da irresignação recursal.

2.1.2. Sobre a regra da dialeticidade recursal, assim se manifestou o Superior


Tribunal de Justiça no julgamento do AgInt no MS nº 26.142/DF, de relatoria
do e. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. em 26/08/2020, DJe 16/09
/2020: “Acerca do princípio recursal da dialeticidade, ensina ARRUDA ALVIM
que ‘A intenção da parte prejudicada em interpor um recurso é sempre ver
atendida a sua postulação. A maneira por meio da qual isso ocorre é com a
substituição da decisão que o prejudica por outra favorável, total ou
parcialmente, prolatada pelo órgão destinatário do recurso. Assim, importa ao
órgão ad quem saber exatamente os motivos pelos quais as razões da decisão
recorrida não são adequadas. Isto é, não basta a manifestação da voluntariedade
da insurgência, é fundamental que, aliada à voluntariedade, exista a
dialeticidade da irresignação, mediante discurso argumentativo contra a
decisão, alinhando as razões de fato e de direito pelas quais entende que a
decisão está errada e solicita nova decisão’ (Manual de direito processual civil.
18 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 1208). Também a consolidada
jurisprudência do STJ assinala que, ‘pelo princípio da dialeticidade, se impõe à
parte recorrente o ônus de motivar seu recurso, expondo as razões hábeis a
ensejar a reforma da decisão, sendo inconsistente o recurso que não ataca
concretamente os fundamentos utilizados no acórdão recorrido’ (AgInt no RMS
58.200/BA, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, DJe 28/11
/2018)”.

2.1.3. O ônus de impugnar especificamente a decisão recorrida é


preenchido desde que se possa inferir das razões recursais o motivo
do antagonismo propulsor do recurso. Não se pode tomar a
exigência como algo duro, máxime no universo dos Juizados
Especiais – orientados por princípios de informalização e
simplificação (Lei n. 9.099/1995, art. 2º).

2.1.4. É possível extrair das razões recursais o motivo da insurgência do autor


contra a sentença objurgada.

2.1.6. Portanto, não merece prosperar a preliminar de inadmissibilidade recursal


aventada pelo autor em suas contrarrazões (seq. 92.1, p. 4-5).

2.2. JUSTIÇA GRATUITA

2.2.1. Rejeito a impugnação à justiça gratuita apresentada pelo autor (seq. 92.1,
p. 5-8), porque não há elementos nos autos que causem desconfiança em relação
à presunção de insuficiência que emana da declaração de seq. 81.2.

3. ADMISSIBILIDADE RECURSAL
3.1. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL

3.1.1. Os pedidos de condenação do réu ao pagamento da contraprestação devida


pela colheita do milho safrinha e honorários advocatícios não foram acolhidos
pelo Juízo de origem (seq. 60.1, p. 5):

Em relação ao pedido da safra do milho safrinha e também de


honorários advocatícios, concluo que não há como prover tais
pedidos, pois não restou o mínimo de comprovação da colheita do
milho safrinha e os honorários advocatícios, tal verba incumbe a
quem contrata.

3.1.2. Logo, o recorrente não possui interesse recursal no tocante às alegações


voltadas contra esses pedidos.

3.2. No mais, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de


admissibilidade recursal, o recurso inominado deve ser conhecido.

4. MÉRITO RECURSAL

4.1. NULIDADE DA SENTENÇA

4.1.1. A despeito de o pedido contraposto formulado pelo réu não ter sido
julgado pelo Juízo de origem, possível sua apreciação em recurso, consoante
disposto no art. 1.013, § 1º, do CPC:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões


suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que
relativas ao capítulo impugnado.

4.1.2. Logo, a consequência da identificação da omissão é o seu suprimento em


grau recursal, e não a desconstituição da parte já julgada.

4.2. CARÊNCIA DA AÇÃO – INTERESSE PROCESSUAL E


ILEGITIMIDADE ATIVA

4.2.1. Em seu depoimento pessoal, o autor confirmou que trabalha na terra do


autor desde o ano de 2000, mas não sabia que era dele, pois toda a negociação
foi realizada com o genitor do autor (a partir do momento 0’57” do vídeo de seq.
56.3).

4.2.2. Outrossim, a prova documental produzida tempestivamente (art. 33 da


Lei n. 9099/1995) confirma que o autor é proprietário do imóvel arrendado
(seq. 55.2).
4.2.3. Portanto, tendo o genitor do autor apenas intermediado a negociação
entre as partes, entendo demonstrado o interesse processual e a legitimidade
ativa para propor a presente demanda.

4.3. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL

4.3.1. Desnecessária a produção de prova complexa, haja vista que a alegação do


réu de que ficou acordado como contraprestação pelo cultivo de mandioca o
valor de quarenta sacas de soja foi acolhida pelo Juízo de origem, tornando-se
fato incontroverso.

4.4. ARRENDAMENTO RURAL

4.4.1. As partes, cuja negociação foi intermediada pelo genitor do autor,


entabularam contrato verbal de arrendamento rural, obrigando-se o réu a pagar
o valor correspondente a quarenta sacas de soja pela utilização do imóvel rural.

4.4.2. Alega o réu que nada é devido pelo cultivo de mandioca porque, nas safras
anteriores, adiantou o pagamento do valor devido.

4.4.3. Entretanto, o réu não comprovou documentalmente que pagou a mais nas
duas safras anteriores o valor correspondente a vinte sacas de soja em cada ano.

4.4.4. Portanto, não se desincumbindo o réu de seu ônus de comprovar o fato


extintivo do direito do autor (CPC, art. 373, II), é devido o pagamento do valor
correspondente a quarenta sacas de soja.

4.4.5. Por outro lado, parcial razão assiste ao recorrente quanto ao valor base
para o cálculo do montante devido.

4.4.6. Tendo em vista que, conforme lançado na sentença, o valor da saca de soja
no mês de março de 2020 era de R$ 90,00 (noventa reais), deve o réu pagar ao
autor o valor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais).

4.4.6. No tocante à correção monetária e os juros de mora, verifico que a


sentença fixou como termo inicial para incidência dos encargos o trânsito em
julgado da sentença.

4.4.7. O recorrente, por sua vez, protesta pela aplicação dos juros de mora a
partir da citação (seq. 81.1, p. 12), o que acolho, com fulcro no art. 405 do CC.

4.5. PEDIDO CONTRAPOSTO

4.5.1. Alega o recorrente que o prazo da notificação para rescisão não respeitou o
prazo de seis meses previsto no art. 95, IV, do Estatuto da Terra.
4.5.2. Conforme notificação de seq. 1.6, o réu foi cientificado em 26/05/2020 de
que deveria desocupar o imóvel no prazo de três meses.

4.5.3. Ocorre que a rescisão do contrato, no presente caso, se justifica pelo


descumprimento contratual do réu ao não efetuar o pagamento da
contraprestação devida.

4.5.4. Logo, incide o disposto no art. 92, § 6º, do Estatuto da Terra combinado
com o art. 475 do CC:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato
expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade
agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária,
agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.

[...]

§ 6º O inadimplemento das obrigações assumidas por qualquer das partes dará lugar,
facultativamente, à rescisão do contrato de arrendamento ou de parceria, observado o
disposto em lei.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não
preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por
perdas e danos.

4.5.5. Destarte, julgou improcedente o pedido contraposto de reintegração na


posse.

4. DISPOSITIVO

4.1. Com esses fundamentos, voto no sentido de conhecer parcialmente do


recurso inominado e, na parte conhecida, dar-lhe parcial provimento a fim de
condenar o réu a pagar ao autor o valor de 3.600,00 (três mil reais), quantia que
deverá ser corrigida a partir da data do trânsito em julgado, pela média INPC
/IGP-M, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (art. 405
do Código Civil).

4.2. Em razão do parcial êxito recursal, condeno o recorrente ao pagamento das


custas e de honorários advocatícios sucumbenciais de 10% sobre o valor
atualizado da condenação (art. 55 da Lei n. 9.099/1995). Declaro suspensa a
exigibilidade das verbas sucumbenciais, em razão dos benefícios da justiça
gratuita deferidos ao autor (seq. 89.1).

Ante o exposto, esta 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais


resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de IDENELSON DE JESUS
CHICONATO, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Conhecimento em Parte e Provimento
em Parte ou Concessão em Parte nos exatos termos do voto.
O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Irineu Stein Junior,
com voto, e dele participaram os Juízes Maurício Doutor (relator) e Alvaro Rodrigues Junior.

31 de março de 2023

Maurício Doutor
Juiz Relator

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