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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0001081884

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1020617-52.2017.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante ADRIANO DA
SILVA BRAZ, são apelados RODOBENS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A e
TERRANOVA RODOBENS INCORPORADORA IMOBILIÁRIA BAURU I - SPE
LTDA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em
parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO PAZINE NETO


(Presidente) e ALEXANDRE MARCONDES.

São Paulo, 18 de dezembro de 2019.

CARLOS ALBERTO DE SALLES


Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação n. 1020617-52.2017.8.26.0071
Comarca: Bauru
Apelante: Adriano da Silva Braz
Apeladas: Rodobens Negócios Imobiliários S.A. e Terranova
Rodobens Incorporadora Imobiliária Bauru I SPE
Ltda.

Juiz sentenciante: João Thomaz Diaz Parra

VOTO N. 15452
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA.
INDENIZAÇÃO DE LUCROS CESSANTES. MULTA
CONTRATUAL. JUROS DE OBRA. PRESCRIÇÃO. Sentença de
improcedência do pedido do autor e de procedência do pedido
reconvencional das rés, condenando este ao pagamento de juros
de obra, desembolsados pela ré-reconvinte, no valor total de R$
5.220,44 (cinco mil, duzentos e vinte reais e quarenta e quatro
centavos), com correção monetária desde cada pagamento e
juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação
à reconvenção. Irresignação do autor.
1. Legitimidade passiva. Pedido de ressarcimento de juros de
obra que decorre do atraso por culpa das vendedoras. Cobrança
pelo agente financeiro que seria ilícita em razão do atraso da
obra. Ressarcimento por enriquecimento sem causa que leva à
configuração da legitimidade passiva das rés.
2. Prescrição – lucros cessantes. Inocorrência em relação
aos lucros cessantes. Pretensão de reparação civil. Ilícito
contratual. Prazo decenal. Entendimento do STJ.
3. Prescrição – juros de obra. Ocorrência em relação aos
juros de obra. Pretensão à devolução de valores pagos que não
se refere a perdas e danos. Pretensão fundada no
enriquecimento sem causa (art. 206, § 3°, IV do CC).
Semelhança com a devolução de corretagem/SATI
indevidamente cobradas (REsp n° 1.551.951/SP) ou com a
devolução de valores após declaração de abusividade de
mensalidades de plano de saúde (REsp 1.360.969/RS). Caso em
que a prescrição está configurada: parcelas pagas setembro de
2011, termo final do atraso, e ação ajuizada em julho de 2017.
4. Prescrição – reconvenção. Pretensão reconvencional
também prescrita, pois pagamento realizado pelas rés até julho
de 2013 e a reconvenção foi formulada em agosto de 2017.
5. Atraso na entrega. Abusividade de cláusula que previa o
prazo de um ano a partir de contrato de financiamento da
construção. Entendimento do STJ em recursos repetitivos (Tema
996, 1.1). Interpretação mais favorável ao consumidor que leva
à consideração do prazo de conclusão das obras até 18 de
dezembro de 2010, conforme comunicado enviado pelas
próprias vendedoras (art. 6º, III, e 47, CDC). Tolerância
contratual não abusiva, pois inferior a 180 (cento e oitenta) dias
(tese 01, IRDR nº 0023203-35.2016.8.26.0000, TJ-SP). Prazo
final de entrega das obras em 09/06/2011. Entrega das chaves
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em 13/09/2011. Mora das vendedoras entre 09/06/2011 e


13/09/2011.
6. Danos materiais. Lucros cessantes configurados pelo mero
atraso. Tese firmada pelo STJ em recursos repetitivos (Tema
996, 1.2). Cláusula contratual que previa indenização, à
vendedora, por uso do imóvel pelo comprador inadimplente.
Aplicação por analogia (Tema 970, repetitivos STJ).
Inadmissibilidade da cumulação com cláusula reversa pelo
inadimplemento de obrigação de pagar. Aplicação reversa da
cláusula pelo valor locatício que atende às teses firmadas pelo
STJ. Indenização em 1% (um por cento) valor do contrato,
atualizado para junho, julho e agosto/2011, 1% sobre cada
mês. Posterior correção monetária pela tabela prática do TJ-SP e
juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação,
até o pagamento pelas rés.
Reconhecida de ofício (art. 487, II, e § único, CPC) a ocorrência
de prescrição da pretensão reconvencional das rés e da
pretensão do autor no ressarcimento dos juros de obra
cobrados; a sentença é reformada, para (i.) reconhecer a mora
das construtoras na entrega do imóvel, de 09/06/2011 a
13/09/2011, e (ii.) condenar as rés a indenizarem os lucros
cessantes pelo período da mora, calculado em 1% (um por
cento) ao mês de atraso, percentual calculado sobre valor
atualizado do contrato, por cada mês de atraso, posteriormente
corrigido monetariamente pela tabela prática do TJ-SP e com
juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação.
Sucumbência recíproca proporcional (art. 86, CPC). Recurso
parcialmente provido.
Trata-se de apelação interposta contra sentença de
ps. 240/251, que julgou improcedentes pedidos indenizatórios por
atraso na entrega de imóvel, formulados por Adriano da Silva Braz em
face de Rodobens Negócios Imobiliários S.A. e Terranova Rodobens
Incorporadora Imobiliária Bauru I SPE Ltda., e procedente pedido
reconvencional, da primeira ré em face do autor, condenando este ao
pagamento de juros de obra, desembolsados pela ré-reconvinte, no
valor total de R$ 5.220,44 (cinco mil, duzentos e vinte reais e quarenta
e quatro centavos), com correção monetária desde cada pagamento e
juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação à
reconvenção.

Inconformado, apela o autor (ps. 253/276), alegando,


em síntese, que teria contratado a compra e venda de um imóvel, cuja
entrega seria em um ano da data da assinatura de financiamento
imobiliário, ocorrido em 18 de dezembro de 2009. Porém, a entrega
apenas ocorreu em 13 de setembro de 2011, quase nove meses depois
da data prevista. Em razão disso, o autor faria jus à indenização pelo
pagamento de multa contratual, pelo período do atraso, além de
ressarcimento pelos juros de obra cobrados pela CEF, durante o período
de atraso. Sustenta que o prazo de tolerância contratual, com tolerância
para a conclusão das obras e mais tolerância para a entrega das

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chaves, seria abusivo, ainda mais em razão das apeladas não terem
comprovado qualquer caso fortuito para o atraso. Aduz que, nos termos
das Súmulas 160 e 161 do TJ-SP, o atraso na expedição do “habite-se”
não seria justificável, além de que apenas com a entrega das chaves
esgotar-se-ia a mora da vendedora. Pretende a indenização por multa
contratual reversa, aplicando-se os mesmos percentuais para os casos
de mora dos compradores, com base nos artigos 421 e 422 do Código
Civil. Assim, pretende a indenização pelo pagamento, no período do
atraso, de juros de mora de 1% (um por cento) e multa contratual de
2% (dois por cento), tudo sobre o valor corrigido do contrato, por cada
mês de atraso. Sustenta também que faria jus à indenização pela
cobrança indevida de juros de obra, de diferenças de financiamento
imobiliário durante o período de mora das apeladas. Pretende
igualmente a indenização a título de aluguéis, pelos meses de atraso,
nos termos dos artigos 389 e 402 do Código Civil e da Súmula 162 do
TJ-SP, o que encontraria amparo contratual, pela cláusula 5.7.2, a,
aplicável aos casos de inadimplemento do comprador que permanecer
no imóvel. Por fim, requer a improcedência do pedido reconvencional.
Recurso regularmente processado.
Contrarrazões a ps. 307/338, com preliminar de
suspensão do processo em razão de recurso especial repetitivo, Tema
970 do STJ, e preliminar de ilegitimidade passiva quanto ao pedido de
restituição de juros de obra.
Sem oposição ao julgamento virtual.
Processo suspenso em razão do processamento dos
Recursos repetitivo REsp nº 1.614.721/DF e nº 1.631.485/DF (p. 355),
tendo retornado do acervo após o julgamento dos recursos repetitivos.
Os autos encontram-se em termos de julgamento.

É o relatório.

O recurso comporta parcial provimento.


Preliminar legitimidade passiva da ré
Em primeiro lugar, afasta-se a alegação da ré de
ilegitimidade passiva.
O fato de os pagamentos de juros de obra serem
decorrência do contrato de financiamento firmado com a Caixa
Econômica Federal não torna a ré parte ilegítima para este feito.
O que o autor pretende, em realidade, é a indenização
decorrente do atraso na entrega do imóvel, atraso de responsabilidade
da ré, o que teria ocasionado cobrança em excesso de juros de obra,
por período além do termo final contratado.
Ou seja, em razão do atraso, teria havido cobrança de
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juros de obra quando eles já não deveriam mais ser cobrados, o que
seria responsabilidade da ré e, portanto, a torna parte passiva legítima
para a demanda.
Preliminar de prescrição
De início, deve ser afastada a alegada ocorrência de
prescrição em relação à pretensão de reparação dos danos materiais
da multa contratual, dos aluguéis e dos lucros cessantes , matéria
controvertida de ofício nos termos do artigo 487, § único, do CPC (p.
341).
Esse valor indenizatório, da pretensão do apelante, diz
respeito ao suposto atraso ocorrido entre termo final da tolerância
contratual e a data de entrega das chaves.
O termo inicial da prescrição, com isso, deve ser
considerado o período de atraso da construtora, quando violado o
direito do apelante, dando origem à pretensão de indenização (art. 189,
CC).
A controvérsia está no prazo prescricional a ser
considerado: para a apelada, o prazo é trienal, do artigo 206, §3º,
inciso V, do Código Civil; para o apelante, o prazo é decenal, do artigo
205 do Código Civil.
Com razão o apelante.
De fato, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento recente, distinguindo o prazo prescricional da indenização
por responsabilidade civil contratual e extracontratual:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO.
INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRAZO DECENAL.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. REGIMES JURÍDICOS
DISTINTOS. UNIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA.
OFENSA. AUSÊNCIA.
1. Ação ajuizada em 14/08/2007. Embargos de divergência em
recurso especial opostos em 24/08/2017 e atribuído a este
gabinete em 13/10/2017.
2. O propósito recursal consiste em determinar qual o prazo de
prescrição aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em
inadimplemento contratual, especificamente, se nessas hipóteses
o período é trienal (art. 206, §3, V, do CC/2002) ou decenal (art.
205 do CC/2002).
3. Quanto à alegada divergência sobre o art. 200 do CC/2002,
aplica-se a Súmula 168/STJ ("Não cabem embargos de
divergência quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no
mesmo sentido do acórdão embargado").
4. O instituto da prescrição tem por finalidade conferir certeza às
relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria
possível suportar uma perpétua situação de insegurança.
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5. Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual,


aplica-se a regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de
prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade
extracontratual, aplica-se o disposto no art. 206, § 3º, V, do
CC/02, com prazo de três anos.
6. Para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo
"reparação civil" não abrange a composição da toda e qualquer
consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do
descumprimento de um dever jurídico, mas, de modo geral,
designa indenização por perdas e danos, estando associada às
hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente
o ato ilícito.
7. Por observância à lógica e à coerência, o mesmo prazo
prescricional de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões
do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual, incluindo o
da reparação de perdas e danos por ele causados.
8. Há muitas diferenças de ordem fática, de bens jurídicos
protegidos e regimes jurídicos aplicáveis entre responsabilidade
contratual e extracontratual que largamente justificam o
tratamento distinto atribuído pelo legislador pátrio, sem qualquer
ofensa ao princípio da isonomia.
9. Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa
parte, não providos. (STJ, 2ª S., EREsp nº 1.280.825/RJ, Rel.
Mina. Nancy Andrighi, DJe 02/08/2018).
Assim, contando-se o prazo prescricional decenal a
partir de 2012, a prescrição ocorreria somente em 2022.
Por outro lado, deve ser reconhecida a prescrição no
tocante à pretensão de devolução dos valores pagos a título de juros de
obra e, pelo mesmo fundamento, do pedido reconvencional da
apelada, que decorre de cobrança de juros de obra em face dela.
A situação apresentada guarda maior semelhança
com a hipótese do artigo 206, § 3°, inciso IV, do Código Civil, referente
à pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Afinal,
trata-se de uma cobrança que, inicialmente, mostrava-se lícita ao longo
do contrato e que, após o decurso do prazo de entrega do imóvel,
tornou-se ilícita, conforme estabelecido pelo IRDR nº
0023203-35.2016.8.26.0000, Tema 08.1
Da mesma forma, é o que ocorre com a cobrança
indevida de comissão de corretagem, que é considerada ilícita quando
não há informação suficiente ao consumidor.

1
“O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda
e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção
monetária, mas tão somente dos juros e multa contratual sobre o saldo devedor.
Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da
construção civil por outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais
gravosos ao consumidor.”
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Para essa hipótese, com base no mencionado artigo,


o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o prazo de prescrição era
de três anos: “(i) Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de
restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço
de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (artigo 206,
§ 3º, IV, CC)” - STJ, Segunda Seção, REsp n° 1.551.951/SP, Rel. Min. Paulo
de Tarso Sanseverino, j. em 24/08/2016.
Analogamente, ainda, em contratos de plano de
saúde, temos a aplicação do prazo de prescrição trienal referente à
pretensão de devolução de valores pagos indevidamente ao longo do
contrato: “Na vigência dos contratos de plano de saúde, a pretensão
condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste
nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC/1916) ou em 3 anos (art.
206, § 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do artigo 2.028 do
CC/2002” STJ, 2ª Seção, REsp 1.360.969/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/
Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 10/08/2016.
Em resumo, quanto à pretensão de devolução de
valores indevidamente pagos como “juros de obra”, o prazo de
prescrição é de três anos, contados do pagamento de cada parcela, uma
vez que seu desconto é mensal nas prestações do imóvel.
No caso em tela, como os pagamentos supostamente
indevidos teriam ocorrido durante o alegado atraso da entrega do
imóvel de 18 de dezembro de 2010 a 13 de setembro de 2011 -, a
prescrição deve ser reconhecida, já que a ação foi ajuizada apenas em
19 de julho de 2017, mais de três anos depois do termo final acima
referido.
Da mesma maneira, o pedido reconvencional da
apelada é fundamentado na cobrança dos juros de obra, pelo agente
financiador, em face da construtora, em razão do inadimplemento de
tais juros pelo comprador.
Trata-se também de pretensão à reparação do
enriquecimento sem causa, o que faz incidir o prazo trienal do artigo
206, §3º, inciso IV, do Código Civil.
No caso, os valores teriam sido pagos pela vendedora
entre 28 de fevereiro de 2011 e 28 de julho de 2013 (p. 230), mais de
três anos antes do pedido reconvencional, formulado em 25 de agosto
de 2017.
Assim, deve ser reconhecida a prescrição da
pretensão reconvencional da ré e da pretensão do autor de
ressarcimento de ambos por juros de obra cobrados do agente
financeiro em face de ambos.
Atraso na entrega
Remanesce o exame do atraso na entrega do imóvel,
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se ocorrido e se por culpa da ré, além do período de atraso.


O contrato previa que o prazo de conclusão da obra
seria de até 12 (doze) meses, contados da data de assinatura do
“Contrato de Financiamento à Produção de Imóveis Pessoa Jurídica”,
entre a VENDEDORA e o AGENTE FINANCEIRO (Gestor do “Programa
Minha Casa Minha Vida PMCMV”) item 6, p. 21.
Trata-se de cláusula abusiva, conforme a tese firmada
pelo E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento de recursos
repetitivos Tema 996:
1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o
contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível,
o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar
vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro
negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.
Nessa situação, tem-se considerado o prevalecimento
da estipulação que indica data certa para entrega do imóvel ou a data
mais benéfica ao consumidor. A propósito:
“APELAÇÃO. CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA
E VENDA. Sentença de procedência parcial. PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. Apontada a responsabilidade
da empresa pelo atraso na entrega da unidade e sendo este o
evento que deu causa ao pagamento dos "juros da obra" e
fundamento para a pretensão de reembolso do quanto pago a
esse título, adequado o direcionamento da ação contra a MRV,
sendo irrelevante que o pagamento tenha sido efetivado ao
agente financeiro, que não precisa integrar a lide na medida em
que não está em discussão o contrato com ele celebrado, mas
apenas seus efeitos em relação ao financiado. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL AFASTADA, desnecessária a participação da
CEF na lide. CORRETAGEM. PRESCRIÇÃO DECRETADA E MANTIDA.
Prazo trienal do artigo 206, §3º, IV do CC. Matéria assentada em
Recurso Repetitivo. JUROS DA OBRA. Contrato que não prevê
prazo definido, quer para a entrega da obra (24 meses
após assinatura do financiamento), quer para o "habite-
se". Indefinição que viola regras de informação e
transparência que regem as relações consumeristas. Abuso
que resulta na consideração do prazo estimado, acrescido da
tolerância de 180 dias, disposição contratual aceita como válida
pela jurisprudência. Súmula nº 164 desta Corte. Entrega da
unidade ocorrida em junho/2012, mas com registro do habite-se
apenas em 31/10/2012, sem qualquer justifica capaz de afastar a
mora da ré. Delimitação da obrigação de reembolso aos meses de
setembro a novembro/2012. DESPESAS CONDOMINIAIS
ANTERIORES À POSSE. Não pode o adquirente ser
responsabilizado por despesas condominiais anteriores à imissão
na posse, quando não usufrui os serviços prestados pelo

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condomínio, especialmente sendo o atraso motivado pela


vendedora. Dever de restituição mantido. Precedentes desta
Câmara e do STJ. DESPESAS COM REFORMAS. Ausência de prova
do nexo causal entre os prejuízos alegados e defeito da
construção. Ressarcimento afastado, com manutenção da
sentença neste aspecto. RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE
PROVIDO para delimitar o reembolso dos "juros de obra" pelo
período de setembro a novembro/2012. RECURSO DA AUTORA
IMPROVIDO.” (TJSP, 9ª Câmara de Direito Privado, Apelação
nº 1003635-93.2015.8.26.0309, Rel. Des. Mariella Ferraz de
Arruda Pollice Nogueira, j. 25/07/2017 sem destaque no
original).
“Compra e venda Indenização Legitimidade passiva da Ré para
responder pelos juros de obra - Ausência de pertinência subjetiva
da CEF para a causa Atraso incontroverso Juros de obra devem
ser arcados pela Ré, vez que se tratam, na verdade, de juros
devidos ao Banco pela construtora em decorrência do atraso na
conclusão da obra - Inobservância da previsão contratual para
entrega do bem Declaração de abusividade da estipulação
que autoriza a entrega do imóvel 24 meses após a
assinatura do contrato de financiamento Desvantagem
exagerada ao consumidor Prevalecimento da estipulação
que indica data certa para entrega do bem Legalidade da
cláusula de tolerância de 180 dias Súmula 164 deste E. Tribunal
Afastamento da condenação da Ré ao pagamento de multa
moratória de 2% ao mês - Despesas de corretagem
Reconhecimento da prescrição (Recurso Especial Repetitivo nº
1.551.956-SP) Prescrição trienal - - Dano moral não configurado
Sentença reformada Recurso da Autora improvido e
parcialmente provido o da Ré.” (TJSP, 7ª Câmara de Direito
Privado, Apelação nº 1011443-86.2014.8.26.0309, Rel. Des.
Luiz Antonio Costa, j. 14/03/2017 sem destaque no
original).
Quanto a isso, o comunicado de ps. 77, enviado pela
vendedora, não deixa dúvidas de que o prazo de conclusão das obras
deveria ser 18 de dezembro de 2010, um ano depois da assinatura do
financiamento imobiliário da construtora com a CEF.
Trata-se da interpretação mais favorável ao
consumidor (arts. 6º, III, e 47, CDC), apesar da abusividade da
cláusula, com base no precedente do STJ.
Assim, realmente o prazo final deveria ser fixado em
18 de dezembro de 2010.
A cláusula 6.1 do contrato, todavia, previa a tolerância
de mais 120 (cento e vinte) dias úteis, que não pode ser considerado
abusivo.

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Conforme o entendimento da tese 01 firmada no


julgamento do IRDR nº 0023203-35.2016.8.26.0000, deste tribunal de
Justiça: “É válido o prazo de tolerância, não superior a cento e oitenta dias
corridos estabelecido no compromisso de venda e compra para entrega de
imóvel em construção, desde que previsto em cláusula contratual expressa,
clara e inteligível”.
A contagem de 120 (cento e vinte) dias úteis
corresponde, em média, a menos do que 180 (cento e oitenta) dias
corridos, o que afasta a abusividade da tolerância.
Contados os 120 (cento e vinte) dias úteis a partir de
18/12/2010, o termo final da tolerância seria em 09/06/2011, prazo
que é inferior a 180 (cento e oitenta) dias corridos daquela primeira
data.
As chaves, porém, somente foram entregues ao apelante em
13/09/2011 (p. 78), três meses depois do término da tolerância
contratual.
Não se pode considerar como válida a cláusula 7.1 do contrato (p. 35),
que admitia até 60 (sessenta) dias úteis além do prazo de tolerância,
após a conclusão das obras. Trata-se de cláusula abusiva, por superar o
limite de 180 (cento e oitenta) dias admitidos pela jurisprudência.
Portanto, o atraso na entrega do imóvel deve ser reconhecido entre
09/06/2011 e 13/09/2011.
Lucros cessantes e multa reversa
Reconhecido o atraso das rés na entrega do imóvel,
deve ser ressarcida a autora pelos lucros cessantes suportados.

Os lucros cessantes, vale pontuar, estão configurados


simplesmente pelo atraso na entrega do imóvel, por não ter a autora
recebido o imóvel na data prevista.
Pouco importa não tenham sido apresentados documentos provando a
destinação do bem, pois o imóvel adquirido poderia ser usado e fruído
pela compradora nesse período em que não foi entregue.
Nesse sentido, a tese firmada pelo E. Superior Tribunal de Justiça no
julgamento de recursos especiais repetitivos Tema 996:
1.2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do
imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador
é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a
ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal,
com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo
final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da
unidade autônoma.
O apelante pretende a indenização dos aluguéis no valor de 1% (um por
cento) ao mês, em decorrência de índice previsto no contrato em favor
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das rés.
A cláusula 5.7.2, a (p. 31) prevê justamente o valor locativo do imóvel,
em 1% (um por cento) do preço atualizado do contrato, por mês de uso
do imóvel pela parte inadimplente.
O fato de se tratar de cláusula prevista exclusivamente para a mora do
comprador não impede sua aplicação ao caso, de forma reversa.
Quanto a isso, o E. Superior Tribunal de Justiça também firmou
entendimento em julgamento de recursos repetitivos:
A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo
adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em
valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros
cessantes. (Tema 970)
No contrato de adesão firmado entre o comprador e a
construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal
apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser
considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do
vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de
dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.
(Tema 971)
A cláusula que deve ser aplicada para a indenização dos lucros
cessantes do apelante é a cláusula 5.7.2, a, que calcula o valor locatício
do imóvel.
Não é o caso de aplicação da multa de 2% (dois por cento) prevista no
item c da cláusula 5.1 (p. 29).
Como há multa contratual fixada em valor locativo, a multa reversa a
ser aplicada é apenas a do valor locativo, conforme a tese 970 acima,
não havendo que se falar em conversão da obrigação heterogênea.
Ademais, o contrato do apelante é do Programa Minha Casa Minha Vida,
cuja tese prevê apenas a indenização dos lucros cessantes pelo valor
locatício do imóvel, em cálculo diverso da cumulação com a multa
contratual por obrigação heterogênea (pagar x entregar o imóvel).
Portanto, as apeladas devem ser condenadas no pagamento do valor de
1% (um por cento) ao mês de atraso, percentual calculado sobre valor
atualizado do contrato, por cada mês de atraso. Isto é, deve-se calcular
o valor do contrato atualizado em junho, julho e agosto/2011, incidindo
em cada mês o percentual de 1% (um por cento), o que representará o
valor locativo mensal da indenização devida.
Após, cada valor locativo será atualizado monetariamente pela tabela
prática do TJ-SP, até o efetivo pagamento pelas apeladas, bem como
com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação
(art. 240, CPC).
Diante do exposto, reconhece-se de ofício (art. 487,

Apelação Cível nº 1020617-52.2017.8.26.0071 -Voto nº 11


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

II, e § único, CPC) a ocorrência de prescrição da pretensão


reconvencional das rés e da pretensão do autor no ressarcimento dos
juros de obra cobrados; e dá-se parcial provimento à apelação do
autor, para reformar a sentença, (i.) reconhecendo a mora das
construtoras na entrega do imóvel, de 09/06/2011 a 13/09/2011, e
(ii.) condenando as rés a indenizarem os lucros cessantes pelo período
da mora, calculado em 1% (um por cento) ao mês de atraso, percentual
calculado sobre valor atualizado do contrato, por cada mês de atraso,
posteriormente corrigido monetariamente pela tabela prática do TJ-SP e
com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação.
Com a reforma da sentença, reconhece-se a
sucumbência recíproca das partes (art. 86, CPC). Cada parte arcará
com a metade das custas e das despesas do processo, bem como com
honorários advocatícios ao patrono da parte contrária, arbitrados
igualmente em R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada lado (art. 85,
§8º, CPC).

CARLOS ALBERTO DE SALLES


Relator

Apelação Cível nº 1020617-52.2017.8.26.0071 -Voto nº 12

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