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Registro: 2019.0001081884
ACÓRDÃO
Apelação n. 1020617-52.2017.8.26.0071
Comarca: Bauru
Apelante: Adriano da Silva Braz
Apeladas: Rodobens Negócios Imobiliários S.A. e Terranova
Rodobens Incorporadora Imobiliária Bauru I SPE
Ltda.
VOTO N. 15452
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA.
INDENIZAÇÃO DE LUCROS CESSANTES. MULTA
CONTRATUAL. JUROS DE OBRA. PRESCRIÇÃO. Sentença de
improcedência do pedido do autor e de procedência do pedido
reconvencional das rés, condenando este ao pagamento de juros
de obra, desembolsados pela ré-reconvinte, no valor total de R$
5.220,44 (cinco mil, duzentos e vinte reais e quarenta e quatro
centavos), com correção monetária desde cada pagamento e
juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação
à reconvenção. Irresignação do autor.
1. Legitimidade passiva. Pedido de ressarcimento de juros de
obra que decorre do atraso por culpa das vendedoras. Cobrança
pelo agente financeiro que seria ilícita em razão do atraso da
obra. Ressarcimento por enriquecimento sem causa que leva à
configuração da legitimidade passiva das rés.
2. Prescrição – lucros cessantes. Inocorrência em relação
aos lucros cessantes. Pretensão de reparação civil. Ilícito
contratual. Prazo decenal. Entendimento do STJ.
3. Prescrição – juros de obra. Ocorrência em relação aos
juros de obra. Pretensão à devolução de valores pagos que não
se refere a perdas e danos. Pretensão fundada no
enriquecimento sem causa (art. 206, § 3°, IV do CC).
Semelhança com a devolução de corretagem/SATI
indevidamente cobradas (REsp n° 1.551.951/SP) ou com a
devolução de valores após declaração de abusividade de
mensalidades de plano de saúde (REsp 1.360.969/RS). Caso em
que a prescrição está configurada: parcelas pagas setembro de
2011, termo final do atraso, e ação ajuizada em julho de 2017.
4. Prescrição – reconvenção. Pretensão reconvencional
também prescrita, pois pagamento realizado pelas rés até julho
de 2013 e a reconvenção foi formulada em agosto de 2017.
5. Atraso na entrega. Abusividade de cláusula que previa o
prazo de um ano a partir de contrato de financiamento da
construção. Entendimento do STJ em recursos repetitivos (Tema
996, 1.1). Interpretação mais favorável ao consumidor que leva
à consideração do prazo de conclusão das obras até 18 de
dezembro de 2010, conforme comunicado enviado pelas
próprias vendedoras (art. 6º, III, e 47, CDC). Tolerância
contratual não abusiva, pois inferior a 180 (cento e oitenta) dias
(tese 01, IRDR nº 0023203-35.2016.8.26.0000, TJ-SP). Prazo
final de entrega das obras em 09/06/2011. Entrega das chaves
Apelação Cível nº 1020617-52.2017.8.26.0071 -Voto nº 2
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chaves, seria abusivo, ainda mais em razão das apeladas não terem
comprovado qualquer caso fortuito para o atraso. Aduz que, nos termos
das Súmulas 160 e 161 do TJ-SP, o atraso na expedição do “habite-se”
não seria justificável, além de que apenas com a entrega das chaves
esgotar-se-ia a mora da vendedora. Pretende a indenização por multa
contratual reversa, aplicando-se os mesmos percentuais para os casos
de mora dos compradores, com base nos artigos 421 e 422 do Código
Civil. Assim, pretende a indenização pelo pagamento, no período do
atraso, de juros de mora de 1% (um por cento) e multa contratual de
2% (dois por cento), tudo sobre o valor corrigido do contrato, por cada
mês de atraso. Sustenta também que faria jus à indenização pela
cobrança indevida de juros de obra, de diferenças de financiamento
imobiliário durante o período de mora das apeladas. Pretende
igualmente a indenização a título de aluguéis, pelos meses de atraso,
nos termos dos artigos 389 e 402 do Código Civil e da Súmula 162 do
TJ-SP, o que encontraria amparo contratual, pela cláusula 5.7.2, a,
aplicável aos casos de inadimplemento do comprador que permanecer
no imóvel. Por fim, requer a improcedência do pedido reconvencional.
Recurso regularmente processado.
Contrarrazões a ps. 307/338, com preliminar de
suspensão do processo em razão de recurso especial repetitivo, Tema
970 do STJ, e preliminar de ilegitimidade passiva quanto ao pedido de
restituição de juros de obra.
Sem oposição ao julgamento virtual.
Processo suspenso em razão do processamento dos
Recursos repetitivo REsp nº 1.614.721/DF e nº 1.631.485/DF (p. 355),
tendo retornado do acervo após o julgamento dos recursos repetitivos.
Os autos encontram-se em termos de julgamento.
É o relatório.
juros de obra quando eles já não deveriam mais ser cobrados, o que
seria responsabilidade da ré e, portanto, a torna parte passiva legítima
para a demanda.
Preliminar de prescrição
De início, deve ser afastada a alegada ocorrência de
prescrição em relação à pretensão de reparação dos danos materiais
da multa contratual, dos aluguéis e dos lucros cessantes , matéria
controvertida de ofício nos termos do artigo 487, § único, do CPC (p.
341).
Esse valor indenizatório, da pretensão do apelante, diz
respeito ao suposto atraso ocorrido entre termo final da tolerância
contratual e a data de entrega das chaves.
O termo inicial da prescrição, com isso, deve ser
considerado o período de atraso da construtora, quando violado o
direito do apelante, dando origem à pretensão de indenização (art. 189,
CC).
A controvérsia está no prazo prescricional a ser
considerado: para a apelada, o prazo é trienal, do artigo 206, §3º,
inciso V, do Código Civil; para o apelante, o prazo é decenal, do artigo
205 do Código Civil.
Com razão o apelante.
De fato, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento recente, distinguindo o prazo prescricional da indenização
por responsabilidade civil contratual e extracontratual:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO.
INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRAZO DECENAL.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. REGIMES JURÍDICOS
DISTINTOS. UNIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA.
OFENSA. AUSÊNCIA.
1. Ação ajuizada em 14/08/2007. Embargos de divergência em
recurso especial opostos em 24/08/2017 e atribuído a este
gabinete em 13/10/2017.
2. O propósito recursal consiste em determinar qual o prazo de
prescrição aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em
inadimplemento contratual, especificamente, se nessas hipóteses
o período é trienal (art. 206, §3, V, do CC/2002) ou decenal (art.
205 do CC/2002).
3. Quanto à alegada divergência sobre o art. 200 do CC/2002,
aplica-se a Súmula 168/STJ ("Não cabem embargos de
divergência quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no
mesmo sentido do acórdão embargado").
4. O instituto da prescrição tem por finalidade conferir certeza às
relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria
possível suportar uma perpétua situação de insegurança.
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“O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda
e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção
monetária, mas tão somente dos juros e multa contratual sobre o saldo devedor.
Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da
construção civil por outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais
gravosos ao consumidor.”
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das rés.
A cláusula 5.7.2, a (p. 31) prevê justamente o valor locativo do imóvel,
em 1% (um por cento) do preço atualizado do contrato, por mês de uso
do imóvel pela parte inadimplente.
O fato de se tratar de cláusula prevista exclusivamente para a mora do
comprador não impede sua aplicação ao caso, de forma reversa.
Quanto a isso, o E. Superior Tribunal de Justiça também firmou
entendimento em julgamento de recursos repetitivos:
A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo
adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em
valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros
cessantes. (Tema 970)
No contrato de adesão firmado entre o comprador e a
construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal
apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser
considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do
vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de
dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.
(Tema 971)
A cláusula que deve ser aplicada para a indenização dos lucros
cessantes do apelante é a cláusula 5.7.2, a, que calcula o valor locatício
do imóvel.
Não é o caso de aplicação da multa de 2% (dois por cento) prevista no
item c da cláusula 5.1 (p. 29).
Como há multa contratual fixada em valor locativo, a multa reversa a
ser aplicada é apenas a do valor locativo, conforme a tese 970 acima,
não havendo que se falar em conversão da obrigação heterogênea.
Ademais, o contrato do apelante é do Programa Minha Casa Minha Vida,
cuja tese prevê apenas a indenização dos lucros cessantes pelo valor
locatício do imóvel, em cálculo diverso da cumulação com a multa
contratual por obrigação heterogênea (pagar x entregar o imóvel).
Portanto, as apeladas devem ser condenadas no pagamento do valor de
1% (um por cento) ao mês de atraso, percentual calculado sobre valor
atualizado do contrato, por cada mês de atraso. Isto é, deve-se calcular
o valor do contrato atualizado em junho, julho e agosto/2011, incidindo
em cada mês o percentual de 1% (um por cento), o que representará o
valor locativo mensal da indenização devida.
Após, cada valor locativo será atualizado monetariamente pela tabela
prática do TJ-SP, até o efetivo pagamento pelas apeladas, bem como
com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação
(art. 240, CPC).
Diante do exposto, reconhece-se de ofício (art. 487,