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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2023.0000438184

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1000480-39.2023.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante SHIRLEY
LOPES DE ALENCAR (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado BANCO MERCANTIL
DO BRASIL S/A.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CARLOS ABRÃO


(Presidente) E THIAGO DE SIQUEIRA.

São Paulo, 30 de maio de 2023.

CÉSAR ZALAF
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 4871


APELAÇÃO Nº: 1000480-39.2023.8.26.0071
COMARCA: BAURU 2 ª VARA CÍVEL
APELANTE: SHIRLEY LOPES DE ALENCAR (JUSTIÇA GRATUITA)
APELADO: BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A
JUIZ: JOÃO THOMAZ DIAZ PARRA

RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE REVISÃO DE


EMPRÉSTIMO PESSOAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA AUTORA.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO DEVIDA DE FORMA
SIMPLES. TEMA 929 DO STJ. PEDIDO DE
MAJORAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. ACOLHIMENTO.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE.
OUTROSSIM, VALORES CONSTANTES NA TABELA
DO CONSELHO SECCIONAL DA OAB SÃO
MERAMENTE ORIENTADORES (ART. 85, §8º-A, DO
CPC). SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Trata-se de Recurso de Apelação interposto contra r.


sentença de fls. 87/94 que julgou procedente Ação Revisional promovida por
SHIRLEY LOPES DE ALENCAR em face de BANCO MERCANTIL DO
BRASIL S/A, nos seguintes termos: “para, declarando a abusividade da taxa de
juros contratada, determinar o recálculo do débito com observância do percentual
médio de mercado para o mês da contratação para operações da mesma espécie,
devendo a requerida proceder a devolução dos valores pagos em excesso pela
autora, de forma simples, ou a compensação, se o caso, com atualização monetária
pelos índices oficiais desde os respectivos desembolsos, sem prejuízo dos juros
legais à taxa de 1% (um por cento) ao mês, estes a contar da citação. Sucumbente,
responderá a requerida pelo pagamento das custas judiciais, despesas processuais e
honorários advocatícios, estes fixados em 12%
(doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do
Código de Processo Civil.
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Inconformada, a Autora aduz que ser devida a


restituição em dobro e a majoração dos honorários advocatícios, com fundamento no
artigo 85, § 8º-A do CPC ou alternativamente seja fixado pelo princípio da equidade.

Recurso tempestivo, processado e recebido. Sem


recolhimento de custas, por ser a Autora beneficiária da Justiça Gratuita.
Contrarrazões pelo improvimento. Não há oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Não há questões que impeçam o conhecimento do


recurso, e, quanto ao seu objeto, merece ser parcialmente provido.

Trata-se de ação revisional por meio da qual busca a


Autora o reconhecimento da abusividade da taxa de juros remuneratórios prevista no
seguinte contrato de empréstimo pessoal:

a) Contrato nº 950000603244, celebrado em 03/10/2022 (fls. 60) no valor de


R$1.927,00, a ser pago em 24 parcelas de R$ 361,55, com taxa de juros
mensal de 17,50% e anual de 592,56%.

Sobreveio a r. sentença que deu provimento ao pleito


autoral, nos seguintes termos:

“Assentadas essas premissas, deve ser dito que, no


caso
dos autos, a "TAXA DE JUROS MENSAL" de "17,50%"
pactuada na avença celebrada entre as partes (fls. 20),
supera significativamente a taxa média cobrada pelas
demais instituições financeiras, conforme
demonstrativo apresentado pela autora às fls. 23.
Portanto, como já se decidiu em caso de certa
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parecença, "as taxas de juros pactuadas revelam-se


abusivas, em evidente afronta ao princípio da boa-fé
objetiva e função social do contrato, comportando
adequação para restabelecer o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato. Assim, nítida a abusividade dos
juros cobrados pela ré, muito acima da taxa média de
mercado para esta modalidade" (TJSP - Ap. Cív. nº
1008557-23.2017.8.26.0079 - Botucatu - 13ª Câmara
de Direito Privado - Rel. Francisco Giaquinto - J.
28.08.2019). Daí, em suma, a manifesta procedência
da ação, com a observação de que, como já assinalado,
"o recálculo do débito deverá observar a taxa média de
juros remuneratórios cobrada pelo mercado em
operações da mesma espécie e período. Eventuais
valores pagos em excesso serão restituídos na forma
simples.”

A relação jurídica entabulada entre as partes é regulada


pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos da súmula nº 297 do C. STJ: “O
Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Diante deste cenário, foi reconhecida que está


configurada a abusividade da taxa de juros de frente à taxa média de mercado, para o
mesmo período de contratação, não havendo recurso de nenhuma das partes neste
sentido.

Quanto à devolução em dobro, o E. Superior Tribunal


de Justiça decidiu que a devolução prevista pelo art. 42, § único do CDC não exige a
prova de dolo ou má-fé, e tão somente a simples cobrança da quantia indevida, salvo
hipótese de engano justificável (Tema 929). Porém, ficou instituída a modulação dos
efeitos da decisão, qual seja: a solução adotada apenas se aplica a cobranças
efetuadas após a data da publicação do indigitado acórdão: 30/3/2021.
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Ainda que o contrato tenha sido celebrado em


03/10/2022, não é o caso de ser determinada a restituição em dobro, como pretende a
Autora, porque se trata de hipótese de revisão contratual e não de cobrança indevida,
cuja cobrança abusiva somente foi reconhecida após a realização do julgamento da
ação, contexto em que não se evidencia a ausência de boa-fé da instituição financeira.

Nesta intelecção já se manifestou esta E. Câmara:


Apelação. Contrato de empréstimo pessoal não
consignado. Abusividade na cobrança de taxas de juros
excessivas reconhecida. Adequação da taxa à
modalidade da contratação. Repetição do indébito
devida de forma simples. Danos morais não
configurados. Honorários sucumbenciais fixados
adequadamente. Parcial procedência da ação mantida.
Recurso do autor improvido. (TJSP; Apelação Cível
1006841-88.2022.8.26.0077; Relator (a): Luis
Fernando Camargo de Barros Vidal; Órgão Julgador:
14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Birigui - 1ª
Vara Cível; Data do Julgamento: 17/03/2023; Data de
Registro: 17/03/2023)

Pretende ainda a Autora, a majoração dos honorários de


sucumbência em favor de seu patrono, dado que foram fixados em 12% sobre o valor
da atualizado da causa (R$ 5.225,76), o equivale a aproximadamente a R$ 630,00,
quantia que não se presta a remunerar os trabalhos do patrono da Autora.

Todavia, no que se refere à majoração dos honorários


sucumbenciais, com fundamento no artigo 85, § 8º A do CPC, sugestionando a
aplicação da tabela da OAB, não vinga.

A interpretação que a Autora pretende dar ao


dispositivo legal ensejaria a conclusão de que o arbitramento dos honorários
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advocatícios estaria vinculado a uma tabela de entidade de classe, a qual sequer é


obrigatória aos advogados, quanto mais aos Magistrados, a quem a lei confere a
competência para verificação dos requisitos do art. 85, § 2 do CPC.

Destarte, adotar um parâmetro fixo para arbitramento


de honorários é contrariar a própria razão de ser da norma, situação que, inclusive,
poderia prejudicar o advogado em causas de maior complexidade, porém com baixo
valor.

Neste sentido, já se decidiu esta E. Câmara:

APELAÇÃO - AÇÃO REVISIONAL C.C.


INDENIZATÓRIA - EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS
- SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA -
RECURSO - JUROS REMUNERATÓRIOS
CONTRATUAIS SUPERIORES AO DOBRO DA
MÉDIA DE MERCADO - ABUSIVIDADE
CARACTERIZADA - PRECEDENTES DO STJ E DO
TJSP - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
SUCUMBENCIAIS - APLICAÇÃO LITERAL DO
ARTIGO 85, § 8º-A, DO CPC - DESCABIMENTO -
INVIÁVEL VINCULAR O JUDICIÁRIO A TABELA
UNILATERALMENTE ESTIPULADA POR ÓRGÃO
DE CLASSE SEM FUNÇÃO LEGISLATIVA -
SOMA ARBITRADA QUE SE AFIGURA
DESPROPORCIONAL COM AS
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO -
PRECEDENTES DA CORTE - MINORAÇÃO
PERTINENTE - RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível
1006109-82.2022.8.26.0344; Relator (a): Carlos
Abrão; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito
Privado; Foro de Marília - 3ª Vara Cível; Data do
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Julgamento: 17/03/2023; Data de Registro:


17/03/2023)

Já em relação à aplicação do princípio da equidade para


fixação dos honorários, em recentíssima decisão, a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça concluiu o julgamento do Tema 1.076 dos recursos repetitivos e,
por maioria, decidiu pela inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por
apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem
elevados. De acordo com o relator dos recursos submetidos a julgamento, Exmo.
Min. Og Fernandes, foram estabelecidas duas teses sobre o assunto: “1) A fixação
dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da
condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É
obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º
ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) a depender da presença da
Fazenda Pública na lide, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor:
(a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado
da causa. 2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando,
havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for
inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.”

No caso dos autos, considerando o baixo valor da causa


e até o baixo proveito econômico obtido, a fixação de honorários dentro dos
parâmetros previstos no artigo 85, §2º, do CPC não atende aos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, o que permite a aplicação do princípio da
equidade.

Portanto, considerando ser causa de baixa


complexidade e ter o advogado atuado em três oportunidades no processo (inicial,
réplica e apelação) fixo o valor de R$ 1.500,00, nos termos do artigo 85, §8º do CPC.

Para se evitar incidentes desnecessários, importante


ressaltar que não está o órgão julgador obrigado a tecer considerações acerca de toda
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a argumentação deduzida pelas partes, senão aquelas que interfiram no deslinde da


causa, o que se verificou no caso concreto.

Ademais, para acesso às instâncias extraordinárias é


desnecessária expressa menção a todos os dispositivos legais deduzidos pelas partes.
De todo modo, registra-se que é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça no sentido de que “tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a
citação numérica dos dispositivos legais bastando que a questão posta tenha sido
decidida” (ED em RMS nº 18205-SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 18.04.2006).

Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso da


Autora para fixar os honorários de sucumbência em conformidade com o princípio da
equidade, instituindo a quantia de R$ 1.500,00.

CÉSAR ZALAF
Relator

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