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Acórdão Nº 1269230
EMENTA
2. Ademais, consoante destacou o Juiz a quo, ” a cobrança da taxa estava amparada em cláusula
contratual – presumidamente aceita pelas partes, que até ser declarada abusiva, gozava de presunção de
legalidade, não havendo razões, portanto, para se concluir que a conduta da instituição financeira foi
motivada por má-fé ou mesmo culpa, de forma que a repetição do indébito deve ser dar de forma
simples”.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação interposto por JOSÉ JUSTINO DA CRUZ, em face da sentença
proferida pelo MMº Juízo da 2ª Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões de São Sebastião em
face da r. sentença id 16949135 - Pág. 1/9 que, em demanda revisional de contratos, ajuizada pelo
autor/apelante, em desfavor da ré, CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E
INVESTIMENTOS, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, resolvendo o mérito nos
termos do art. 487, I, do CPC.
Na sentença combatida, o juízo apreciou o mérito para revisar o contrato firmado entre as partes, no
que tange à taxa de juros, restrito às quatro primeiras parcelas, cujo valor será apurado em liquidação
de sentença, por simples cálculo aritmético, observados os seguintes parâmetros: 1) Ao valor tomado
no empréstimo serão aplicados juros remuneratórios de 6,57% ao mês, capitalizados mensalmente, em
parcelas fixas; 2) Apurado o valor de cada parcela, deverão ser compensadas as quatro primeiras
parcelas adimplidas, bem como a diferença entre o valor da parcela utilizando os juros estabelecidos
nesta sentença e as quatro primeiras parcelas fixadas com os juros do contrato (17%). O valor pago em
excesso (leia-se: tão somente DAS QUATRO PRIMEIRAS PARCELAS), deverá ser devolvido,
corrigido monetariamente pelos índices da tabela do TJDFT desde o ajuizamento desta demanda (art.
1º, § 2º, da Lei 6.889/81) e mais juros de mora de 1% ao mês, contados da citação.
Nas razões recursais (id 16949136 - Pág. 1/7) defende que a r. sentença merece reforma, porquanto a
exorbitante abusividade nos juros cobrados afasta a presunção de boa-fé, incidindo a aplicação do art.
42, parágrafo único do CDC. Ressalta que a taxa remuneratória mensal de 17%, quando a média de
mercado para a época da contratação não ultrapassava os 6,57%, não deixa dúvida da exorbitância.
Diz que a prática é reiterada e contumaz da requerida e que já existe julgado deste e. Tribunal
determinando a revisão de cinco contratos de empréstimo, dentre os quais estão previstas taxas
remuneratórias mensais de até 22%, quando a média de mercado não ultrapassava os 6,88%.
Diante disso, aduz que fica patente que a situação se afasta da noção de boa-fé contratual, não sendo
razoável admitir que a requerida, ora apelada, ao elaborar seu contrato de adesão estivesse atuando com
a crença de que o instrumento estivesse de acordo os entendimentos jurídicos consagrados.
Destaca que o perfil de pessoas que recorrem a estas instituições são aquelas que por não terem
relacionamento com instituições bancárias convencionais, não tem acesso ao crédito, razão pela qual se
socorrem de empresas como a requerida, não tendo outra opção senão se submeter aos juros
exorbitantes que lhe são impostos, situação que demonstra claramente a vulnerabilidade deste perfil de
consumidores.
Ressalta que os precedentes desta Corte defendem que, apesar de a tabela do Banco Central que
divulga a taxa remuneratória média de mercado não ter aplicação obrigatória, ela serve de parâmetro
para negócios jurídicos semelhantes, levando em conta à abusividade daquelas cláusulas que se
afastarem de forma exorbitante e desarrazoada destes limites.
Afirma que enquanto os contratos, objeto da revisão pretendida, previam taxas remuneratórias de 17%,
as taxas médias de mercado eram inferiores a 6,57%, o que representa uma vantagem de exatos
258,75%.
Colaciona diversos excertos jurisprudenciais deste Tribunal de Justiça para abonar a tese defendida.
Sem recolhimento das custas processuais, em vista da gratuidade judiciária concedia ao apelante.
É o relatório.
VOTOS
Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou
pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que
houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
Por sua vez, o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor aduz que:
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por
valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo
hipótese de engano justificável.
Depreende-se do dispositivo acima destacado que, para haver a devolução em dobro, é necessária a
comprovação de três requisitos, a saber: (i) que a cobrança realizada tenha sido indevida; (ii) o efetivo
pagamento pelo consumidor; e (iii) o engano injustificável ou má-fé.
No presente caso, conquanto tenha entendido pela abusividade no percentual de juros cobrados no
empréstimo efetuado pelo autor (aliás, a a ré nem sequer se insurgiu contra a r. sentença), reduzindo o
percentual à taxa média de mercado, andou bem o d. magistrado ao consignar na r. sentença que a
ausência de demonstração de conduta maliciosa da parte recorrida impede a aplicação da sanção
pleiteada pelo apelante. in verbis:
(...) “Ressalto que a matéria versada não trata de capitalização de juros e muito menos do exame da
incidência da Súmula Vinculante nº 7 do STF, mas sim mera readequação dos juros pactuados aos de
mercado, diante do caráter abusivo da taxa pactuada no contrato de mútuo, conforme acima já
ressaltado.
Todavia, não é o caso de aplicabilidade da sanção que determina a devolução em dobro (art. 42 da Lei
8.078/90 e 940 do Código Civil), por se tratar de matéria controvertida na qual não se vislumbra a
ocorrência de dolo ou má-fé (Sumula 159 do STF).
1. Trata-se de apelação contra a sentença que declarou inexistentes os débitos relativos aos
empréstimos creditados na conta corrente da autora e condenou o réu a restituir, de forma simples, a
quantia de R$ 11.897,52 (onze mil oitocentos e noventa e sete reais cinquenta e dois centavos),
relativa à repetição do indébito, além do pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de danos morais.
(...) 4. É cediço ser a restituição em dobro sanção destinada a reprimir a postura do credor que
demanda por dívida inexistente, já paga, ou exige seu crédito em excesso sem ressalvar as
importâncias recebidas (artigo 42 do CDC e 940 do Código Civil). Todavia, o entendimento deste
Tribunal de Justiça trilha firme no sentido de que, para legitimar o pedido de devolução em dobro
de quantia indevidamente cobrada, é necessária a prova de má-fé do credor.
(...) 3 - Para que haja a repetição do indébito em dobro (art. 940 do Código Civil), é preciso haver uma
cobrança por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do
que for devido, estando sua incidência, contudo, sujeita a uma conduta temerária da parte
contrária. Ou seja, somente restando comprovada a má-fé do credor é que será aplicada a
sanção. Tal compreensão decorre do entendimento firmado na Súmula nº 159 do Supremo Tribunal
Federal, segundo o qual, a "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1531
do Código Civil".
4 - A despeito de a Executada alegar que o Exequente agiu de má-fé na cobrança do total da dívida,
deixou de se desincumbir de seu ônus de comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos
de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC.
5 - A condenação por litigância de má-fé exige comprovação do dolo processual da parte, o que
inexiste nos autos. (...) Apelação Cível do Exequente parcialmente provida. Apelação Cível da
Executada desprovida. (Acórdão 1235535, 07047825520198070007, Relator: ANGELO
PASSARELI, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 4/3/2020, publicado no PJe: 13/3/2020. Pág.: Sem
Página Cadastrada.)
A pretensão autoral e o recurso somente teriam o condão de agravar dita sanção, acrescendo-lhes a
dobra penal por suposta má-fé do recorrido que, se admitidas fossem, terminariam por incutir
verdadeiro bis in idem ante a ausência do comprovado dolo de cobrar o indevido.
Assim, inviável a restituição em dobro pleiteada pelo apelante, porquanto ausente a demonstração de
má-fé por parte da apelada.
Todavia, ao ensejo da análise da questão versada nestes autos, pressente-se a hipótese de cobrança
abusiva de encargos contratuais em autêntica relação de consumo, com possível prejuízo à ordem
econômica e à esfera de interesses coletivos inerentes à classe dos consumidores de crédito, fazendo
assim oportuno que se dê conhecimento do episódio ao Ministério Público, de modo a avaliar a
possibilidade de adoção de medidas de proteção a interesse difuso ou coletivo.
Em razão da sucumbência recursal ora experimentada pela parte apelante, com apoio no § 11º do art.
85 e no art. 87, § 2º do Código de Processo Civil, majoro a verba arbitrada com o sentenciamento,
elevando-a para R$ 1.000,00 (um mil reais).
Dê-se conhecimento mediante vista à d. Procuradoria de Justiça, para avaliação quanto à oportunidade
e conveniência na a adoção de medidas de tutela coletiva em face de interesses coletivos da classe de
consumidores.
É como voto.
DECISÃO