Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
1007856-95.2018.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante TONI CHARLES PEREIRA (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados OSVALDO ZAMAI e ANA SABO ZAMAI.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ
JOAQUIM DOS SANTOS (Presidente) E JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES.
São Paulo, 10 de novembro de 2020.
HERTHA HELENA DE OLIVEIRA
Relatora Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação Cível 1007856-95.2018.8.26.0477
Apelante: Toni Charles Pereira Apelados: Osvaldo Zamai e Ana Sabo Zamai Praia Grande Procedimento Comum Cível Juíza prolatora da sentença: Edna Kyoko Kano Voto nº 4711
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE E RESCISÃO
CONTRATUAL, CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DO AUTOR – DESCABIMENTO – NÃO HÁ QUE SE FALAR NA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO PRESENTE CASO – RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE PARTICULARES, QUE NÃO SE CONFUNDEM COM AS FIGURAS DE FORNECEDOR E CONSUMIDOR, PREVISTAS PELO CDC – NÃO SE VISLUMBRA QUALQUER VÍCIO DE CONSENTIMENTO A MACULAR O DISTRATO CELEBRADO LIVREMENTE ENTRE AS PARTES - NEGÓCIO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO – PARTES MAIORES E CAPAZES – AUTOR/APELANTE QUE SE QUALIFICA COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO, PORTANTO, PRESUME-SE QUE POSSUI CAPACIDADE DE DISCERNIMENTO E TEM TOTAL COMPREENSÃO DOS TERMOS DA AVENÇA AJUSTADA, TRANSIGINDO SOBRE DIREITOS DISPONÍVEIS – OBSERVÂNCIA ART. 849 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO NÃO PROVIDO – SENTENÇA MANTIDA.
Trata-se de apelação cível, interposta contra a sentença
proferida a fls. 112/115 nos autos da ação declaratória de nulidade e rescisão contratual cumulada com devolução de quantias pagas e cláusulas abusivas, que dera pela improcedência dos pedidos formulados pelo autor TONI CHARLES PEREIRA em face de OSVALDO ZAMAI e ANA SABO ZAMAI.
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Em breve síntese dos fatos, o requerente aduz que firmou
contrato de compra e venda com os requeridos, referente à aquisição do apartamento n. 21, localizado no Edifício Residencial Giovana, na Rua Carlos Martiniano de Andrade Bittencourt, nº 283, Campo da Aviação, Praia Grande/SP, sob o valor total de R$ 307.480,00.
Com efeito, após adimplir um total de R$63.796,92, o
comprador pleiteou a rescisão contratual com os vendedores, por estar em situação vulnerável financeiramente.
Todavia, alega que os réus, por serem da área imobiliária,
aproveitando-se da situação do requerido, o ludibriaram, devolvendo, tão somente, a quantia de R$30.000,00.
Neste sentido, o autor afirma que os requeridos utilizaram de
cláusula abusiva e leonina para que ele assinasse o distrato, razão pela qual merece ser considerada nula, de modo a obrigar que os réus devolvam valores a maior para o comprador.
Deste modo, suscitando observância ao Código de Defesa de
Consumidor, requer que os réus restituam ao autor valor correspondente a 80% do que fora pago, nos termos adotados jurisprudencialmente em casos de distrato de contrato de compra e venda.
A r. sentença julgou a demanda improcedente, uma vez que a
relação contratual das partes não se caracteriza como de consumo, devendo ser regida pelo direito civilista. Assim, por não vislumbrar qualquer abusividade na cláusula rescisória, dera pela improcedência do pedido.
Inconformado com a r. sentença, insurge-se o autor, pleiteando
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a sua reforma.
Em síntese, reitera a argumentação aduzida à inicial, qual seja,
de existência de cláusula leonina no contrato pactuado, razão pela qual é de rigor a incidência do Código de Defesa do Consumidor, a fim de declará-la nula de plano direito.
Ademais, suscita observância à Súmula 543 do STJ, pleiteando a
restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador, admitindo a retenção de, no máximo, 20% dos valores pagos.
Deste modo, requer que o presente recurso seja provido, a fim
de declarar nulo e rescindido o contrato, determinando a abusividade da cláusula rescisória, devolvendo o valor de R$21.037,54 em favor do comprador, ora apelante.
Recurso processado com gratuidade; respondido a fls. 128/137.
Sem oposição ao julgamento virtual.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
Em que pese o inconformismo do recorrente, não vislumbro
qualquer dos supostos direitos suscitados pelo autor, ora apelante.
De plano, conforme oportunamente ressaltado pelo juízo a quo,
não há que se falar na incidência do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso.
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Com efeito, no presente caso, a relação jurídica entre as partes
não está submetida às regras consumeristas, uma vez que o contrato de compromisso de compra e venda fora firmado entre dois particulares, que não se confundem com as figuras de fornecedor e consumidor, expressamente previstas pela Lei nº 8.078/1990.
Pelo mesmo motivo, por óbvio, não há que se falar na
observância da Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça ao presente caso, tendo em vista que tal disposição protetiva incide, tão somente, aos contratos de compra e venda forjados sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, que não é o caso dos autos.
Deste modo, não havendo que se falar na rescisão contratual
nos termos pleiteados pela parte autora, ora apelante, é de rigor a salvaguarda da autonomia da vontade das partes, por força do princípio do pacta sunt servanda.
Não obstante, não se vislumbra qualquer vício de consentimento
a macular o distrato livremente celebrado entre as partes.
Neste sentido, o autor, que é parte maior e capaz, se qualifica
como funcionário público, presumindo-se, portanto, que é pessoa com capacidade de discernimento e que tem total compreensão dos termos da avença ajustada, transigindo sobre direitos disponíveis, livre de qualquer coação.
Nos termos do art. 849 do Código Civil: “A transação só se
anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa”.
Deste modo, uma vez que o autor, ora apelante, não
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apresenta qualquer prova de que tenha havido vício de consentimento,
capaz de invalidar o negócio jurídico em questão, as suas cláusulas permanecem hígidas.
Logo, não é razoável que, por arrependimento quanto ao
negócio jurídico celebrado, queira o comprador impor à outra parte a revisão dos termos da avença, notadamente porque ajuizou a demanda para rescindir o contrato, pedindo a majoração dos valores a serem restituídos, sendo que ele próprio deu causa ao distrato do contrato, ante a sua incapacidade de honrar com os pagamentos vindouros.
Ademais, se o autor considerava que o valor devolvido seria
insuficiente, deveria ter se recusado em proceder com a formalização do distrato, ajuizando a competente ação de rescisão contratual.
Todavia, em flagrante contradição com a vontade externada
na transação firmada voluntariamente, ajuizou a presente ação para alcançar percentual maior de devolução. Ora, "a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta, quando essa conduta interpretada objetivamente segundo a lei, os bons costumes ou a boa-fé, justifica a conclusão de que não se fará valer o direito, ou quando o exercício posterior choque contra a lei, os bons costumes ou a boa-fé" (Apud, NERY JUNIOR, Nelson. Código civil comentado (...), 6ª. ed. p.507). (REsp 1.040.606/ES; Quarta Turma; Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO; julgado em 24/04/2012).
Neste sentido, transcrevo extensa jurisprudência desta E.
Corte de Justiça. Confira-se:
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. DISTRATO.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. Não indicação de vício de consentimento apto a gerar a anulabilidade do distrato. Art. 849 do Código Civil. Coação não configurada, nos termos do Apelação Cível nº 1007856-95.2018.8.26.0477 -Voto nº 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
art. 151 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor veda
apenas a perda total das parcelas pagas, o que não é o caso dos autos. Distrato assinado livremente pela apelada, que deve ser respeitado. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1000513-46.2017.8.26.0004; Relator (a): Fernanda Gomes Camacho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/05/2018; Data de Registro: 24/05/2018)
Compromisso de venda e compra de imóvel.
Distrato. Retenção de 50% dos valores pagos. Transação envolvendo direitos disponíveis. Ausência de vício de consentimento. Devolução que deve ser mantida na forma e no valor estabelecidos distrato. Sentença acertada. Ação que é improcedente. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1062384-46.2018.8.26.0100; Relator (a): Maia da Cunha; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; do Julgamento: 31/01/2019; Data de Registro: 06/02/2019)
COMPRA E VENDA DE UNIDADE AUTÔNOMA.
RESCISÃO DE CONTRATO. MORA DOS COMPRADORES. DEVOLUÇÃO DE PARTE DAS PARCELAS PAGAS, NOS TERMOS DA SÚMULA 1 DESTE TJSP. TERMO DE DISTRATO EXTRAJUDICIAL. RETENÇÃO DE 30% DOS VALORES PAGOS. TRANSAÇÃO ENVOLVENDO DIREITOS DISPONÍVEIS. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DEVOLUÇÃO QUE DEVE SER MANTIDA NA FORMA E NOS VALORES ESTABELECIDOS NO DISTRATO. RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1044225-60.2015.8.26.0100; Relator (a): Alfredo Attié; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV - Butantã - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/02/2019; Data de Registro: 01/03/2019)
Portanto, é mesmo de rigor a manutenção da r. sentença, em
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sua integralidade, em razão dos motivos e fundamentos apresentados.
Ante o exposto, por meu voto, NEGO PROVIMENTO ao
presente recurso, mantendo-se a r. sentença. Uma vez sucumbente, elevo a condenação do apelante ao pagamento dos honorários para 15% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §11º, do CPC, observado o benefício da gratuidade judiciária concedido.