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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2020.0000912330

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1007856-95.2018.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é
apelante TONI CHARLES PEREIRA (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados
OSVALDO ZAMAI e ANA SABO ZAMAI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de


Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade
com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ


JOAQUIM DOS SANTOS (Presidente) E JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES.

São Paulo, 10 de novembro de 2020.

HERTHA HELENA DE OLIVEIRA


Relatora
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível 1007856-95.2018.8.26.0477


Apelante: Toni Charles Pereira
Apelados: Osvaldo Zamai e Ana Sabo Zamai
Praia Grande
Procedimento Comum Cível
Juíza prolatora da sentença: Edna Kyoko Kano
Voto nº 4711

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE E RESCISÃO


CONTRATUAL, CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE
QUANTIAS PAGAS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA –
INSURGÊNCIA DO AUTOR – DESCABIMENTO – NÃO HÁ
QUE SE FALAR NA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR AO PRESENTE CASO – RELAÇÃO
JURÍDICA ENTRE PARTICULARES, QUE NÃO SE
CONFUNDEM COM AS FIGURAS DE FORNECEDOR E
CONSUMIDOR, PREVISTAS PELO CDC – NÃO SE
VISLUMBRA QUALQUER VÍCIO DE CONSENTIMENTO A
MACULAR O DISTRATO CELEBRADO LIVREMENTE
ENTRE AS PARTES - NEGÓCIO JURÍDICO PERFEITO E
ACABADO – PARTES MAIORES E CAPAZES –
AUTOR/APELANTE QUE SE QUALIFICA COMO
FUNCIONÁRIO PÚBLICO, PORTANTO, PRESUME-SE QUE
POSSUI CAPACIDADE DE DISCERNIMENTO E TEM TOTAL
COMPREENSÃO DOS TERMOS DA AVENÇA AJUSTADA,
TRANSIGINDO SOBRE DIREITOS DISPONÍVEIS –
OBSERVÂNCIA ART. 849 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO
NÃO PROVIDO – SENTENÇA MANTIDA.

Trata-se de apelação cível, interposta contra a sentença


proferida a fls. 112/115 nos autos da ação declaratória de nulidade e
rescisão contratual cumulada com devolução de quantias pagas e
cláusulas abusivas, que dera pela improcedência dos pedidos formulados
pelo autor TONI CHARLES PEREIRA em face de OSVALDO ZAMAI e
ANA SABO ZAMAI.

Apelação Cível nº 1007856-95.2018.8.26.0477 -Voto nº 2


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Em breve síntese dos fatos, o requerente aduz que firmou


contrato de compra e venda com os requeridos, referente à aquisição do
apartamento n. 21, localizado no Edifício Residencial Giovana, na Rua
Carlos Martiniano de Andrade Bittencourt, nº 283, Campo da Aviação,
Praia Grande/SP, sob o valor total de R$ 307.480,00.

Com efeito, após adimplir um total de R$63.796,92, o


comprador pleiteou a rescisão contratual com os vendedores, por estar
em situação vulnerável financeiramente.

Todavia, alega que os réus, por serem da área imobiliária,


aproveitando-se da situação do requerido, o ludibriaram, devolvendo, tão
somente, a quantia de R$30.000,00.

Neste sentido, o autor afirma que os requeridos utilizaram de


cláusula abusiva e leonina para que ele assinasse o distrato, razão pela
qual merece ser considerada nula, de modo a obrigar que os réus
devolvam valores a maior para o comprador.

Deste modo, suscitando observância ao Código de Defesa de


Consumidor, requer que os réus restituam ao autor valor correspondente
a 80% do que fora pago, nos termos adotados jurisprudencialmente em
casos de distrato de contrato de compra e venda.

A r. sentença julgou a demanda improcedente, uma vez que a


relação contratual das partes não se caracteriza como de consumo,
devendo ser regida pelo direito civilista. Assim, por não vislumbrar
qualquer abusividade na cláusula rescisória, dera pela improcedência do
pedido.

Inconformado com a r. sentença, insurge-se o autor, pleiteando

Apelação Cível nº 1007856-95.2018.8.26.0477 -Voto nº 3


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a sua reforma.

Em síntese, reitera a argumentação aduzida à inicial, qual seja,


de existência de cláusula leonina no contrato pactuado, razão pela qual é
de rigor a incidência do Código de Defesa do Consumidor, a fim de
declará-la nula de plano direito.

Ademais, suscita observância à Súmula 543 do STJ, pleiteando a


restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador, admitindo a
retenção de, no máximo, 20% dos valores pagos.

Deste modo, requer que o presente recurso seja provido, a fim


de declarar nulo e rescindido o contrato, determinando a abusividade da
cláusula rescisória, devolvendo o valor de R$21.037,54 em favor do
comprador, ora apelante.

Recurso processado com gratuidade; respondido a fls. 128/137.

Sem oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Em que pese o inconformismo do recorrente, não vislumbro


qualquer dos supostos direitos suscitados pelo autor, ora apelante.

De plano, conforme oportunamente ressaltado pelo juízo a quo,


não há que se falar na incidência do Código de Defesa do Consumidor ao
presente caso.

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Com efeito, no presente caso, a relação jurídica entre as partes


não está submetida às regras consumeristas, uma vez que o contrato de
compromisso de compra e venda fora firmado entre dois particulares, que
não se confundem com as figuras de fornecedor e consumidor,
expressamente previstas pela Lei nº 8.078/1990.

Pelo mesmo motivo, por óbvio, não há que se falar na


observância da Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça ao presente
caso, tendo em vista que tal disposição protetiva incide, tão somente, aos
contratos de compra e venda forjados sob a égide do Código de Defesa do
Consumidor, que não é o caso dos autos.

Deste modo, não havendo que se falar na rescisão contratual


nos termos pleiteados pela parte autora, ora apelante, é de rigor a
salvaguarda da autonomia da vontade das partes, por força do princípio
do pacta sunt servanda.

Não obstante, não se vislumbra qualquer vício de consentimento


a macular o distrato livremente celebrado entre as partes.

Neste sentido, o autor, que é parte maior e capaz, se qualifica


como funcionário público, presumindo-se, portanto, que é pessoa com
capacidade de discernimento e que tem total compreensão dos termos da
avença ajustada, transigindo sobre direitos disponíveis, livre de qualquer
coação.

Nos termos do art. 849 do Código Civil: “A transação só se


anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa
controversa”.

Deste modo, uma vez que o autor, ora apelante, não

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apresenta qualquer prova de que tenha havido vício de consentimento,


capaz de invalidar o negócio jurídico em questão, as suas cláusulas
permanecem hígidas.

Logo, não é razoável que, por arrependimento quanto ao


negócio jurídico celebrado, queira o comprador impor à outra parte a
revisão dos termos da avença, notadamente porque ajuizou a demanda
para rescindir o contrato, pedindo a majoração dos valores a serem
restituídos, sendo que ele próprio deu causa ao distrato do contrato,
ante a sua incapacidade de honrar com os pagamentos vindouros.

Ademais, se o autor considerava que o valor devolvido seria


insuficiente, deveria ter se recusado em proceder com a formalização do
distrato, ajuizando a competente ação de rescisão contratual.

Todavia, em flagrante contradição com a vontade externada


na transação firmada voluntariamente, ajuizou a presente ação para
alcançar percentual maior de devolução. Ora, "a ninguém é lícito fazer
valer um direito em contradição com sua anterior conduta, quando essa
conduta interpretada objetivamente segundo a lei, os bons costumes ou
a boa-fé, justifica a conclusão de que não se fará valer o direito, ou
quando o exercício posterior choque contra a lei, os bons costumes ou a
boa-fé" (Apud, NERY JUNIOR, Nelson. Código civil comentado
(...), 6ª. ed. p.507). (REsp 1.040.606/ES; Quarta Turma; Rel.
Min. LUIS FELIPE SALOMÃO; julgado em 24/04/2012).

Neste sentido, transcrevo extensa jurisprudência desta E.


Corte de Justiça. Confira-se:

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. DISTRATO.


DEVOLUÇÃO DE VALORES. Não indicação de vício de
consentimento apto a gerar a anulabilidade do distrato. Art.
849 do Código Civil. Coação não configurada, nos termos do
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art. 151 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor veda


apenas a perda total das parcelas pagas, o que não é o caso
dos autos. Distrato assinado livremente pela apelada, que deve
ser respeitado. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP;
Apelação Cível 1000513-46.2017.8.26.0004; Relator (a):
Fernanda Gomes Camacho; Órgão Julgador: 5ª Câmara
de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 3ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 23/05/2018; Data de
Registro: 24/05/2018)

Compromisso de venda e compra de imóvel.


Distrato. Retenção de 50% dos valores pagos. Transação
envolvendo direitos disponíveis. Ausência de vício de
consentimento. Devolução que deve ser mantida na forma e no
valor estabelecidos distrato. Sentença acertada. Ação que é
improcedente. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível
1062384-46.2018.8.26.0100; Relator (a): Maia da
Cunha; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado;
Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; do Julgamento:
31/01/2019; Data de Registro: 06/02/2019)

COMPRA E VENDA DE UNIDADE AUTÔNOMA.


RESCISÃO DE CONTRATO. MORA DOS COMPRADORES.
DEVOLUÇÃO DE PARTE DAS PARCELAS PAGAS, NOS TERMOS
DA SÚMULA 1 DESTE TJSP. TERMO DE DISTRATO
EXTRAJUDICIAL. RETENÇÃO DE 30% DOS VALORES PAGOS.
TRANSAÇÃO ENVOLVENDO DIREITOS DISPONÍVEIS.
AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DEVOLUÇÃO QUE
DEVE SER MANTIDA NA FORMA E NOS VALORES
ESTABELECIDOS NO DISTRATO. RECURSO PROVIDO. (TJSP;
Apelação Cível 1044225-60.2015.8.26.0100; Relator (a):
Alfredo Attié; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito
Privado; Foro Regional XV - Butantã - 2ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 28/02/2019; Data de Registro:
01/03/2019)

Portanto, é mesmo de rigor a manutenção da r. sentença, em

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sua integralidade, em razão dos motivos e fundamentos apresentados.

Ante o exposto, por meu voto, NEGO PROVIMENTO ao


presente recurso, mantendo-se a r. sentença. Uma vez sucumbente,
elevo a condenação do apelante ao pagamento dos honorários para 15%
sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §11º, do CPC, observado o
benefício da gratuidade judiciária concedido.

HERTHA HELENA DE OLIVEIRA


Relatora
Assinatura Eletrônica

Apelação Cível nº 1007856-95.2018.8.26.0477 -Voto nº 8

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