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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0000907472

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


1006324-43.2016.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que são apelantes e apelados
WHILLIAM DE GOIS WILMSEN FERREIRA (JUSTIÇA GRATUITA) e CLARO S/A.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Privado


do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em
parte aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores THIAGO DE SIQUEIRA


(Presidente) e MELO COLOMBI.

São Paulo, 21 de novembro de 2018.

Tavares de Almeida
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO Nº: 1006324-43.2016.8.26.0223


APELANTES: WHILLIAM DE GOIS WILMSEN FERREIRA (JUSTIÇA
GRATUITA) E CLARO S/A
APELADOS: OS MESMOS
COMARCA: GUARUJÁ
JUIZ DE 1º GRAU: EDMUNDO LELLIS FILHO
SENTENÇA PUBLICADA EM 2.4.2018
VOTO Nº 7058

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA -


TELEFONIA CELULAR - DIREITO DISPONÍVEL - REVELIA -
VERACIDADE DOS FATOS - PRESUNÇÃO RELATIVA - ART. 344 DO
CPC.

AUTOR - PLANO “CLARO CONTROLE” - MIGRAÇÃO PARA OUTRO


COM MAIS BENEFÍCIOS - MANUTENÇÃO DA MENSALIDADE
ANTERIOR - RÉ - FATURA - COBRANÇA SUPERIOR - AUTOR -
INSURGÊNCIA - RÉ - NÃO RESOLUÇÃO - RELAÇÃO DE CONSUMO -
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/90 -
PEDIDO - CANCELAMENTO DO PLANO E RESTABELECIMENTO DO
ANTERIOR - PEDIDO - PROCEDÊNCIA - SENTENÇA - MANUTENÇÃO.

COBRANÇA - ABUSIVIDADE - MÁ-FÉ - DEVOLUÇÃO EM DOBRO -


CABIMENTO - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - ATO - OFENSA A
DIREITO DA PERSONALIDADE - PERDA DE TEMPO ÚTIL PARA
EQUACIONAR O PROBLEMA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO E
JUDICIAL - VALOR - JUÍZO A QUO - ARBITRAMENTO - OBSERVÂNCIA
AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE -
ART. 8º DO CPC.

CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL - ASTREINTE - JUÍZO A QUO -


FIXAÇÃO - VALOR DIÁRIO EQUÂNIME - LIMITAÇÃO - REDUÇÃO -
CABIMENTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 413 DO CÓDIGO CIVIL -
MULTA - EXIGÊNCIA - NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO
PESSOAL DA PARTE - SÚMULA 411 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - BALIZAMENTO - JUÍZO A QUO -


OBEDIÊNCIA AOS REQUISITOS DO ART. 85, § 2º, DO CPC.

APELOS DAS PARTES PARCIALMENTE PROVIDOS.

Apelação nº 1006324-43.2016.8.26.0223 -Voto nº 7058 2


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VISTOS.

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com


indenizatória sob fundamento de que é titular de linha celular, com adesão ao plano “Claro
Controle”, no valor mensal de R$ 64,99, que possibilitava a realização de até R$ 25,00 em
ligações para outras operadoras e 2GB de internet. Em abril de 2016 foi contatado por
preposto da ré que ofereceu outro plano com ligações ilimitadas para celulares Claro e
linhas fixas, envio ilimitado de SMS, internet de 500MB e R$ 30,00 em ligações para
outras operadoras. A promessa foi a de que se manteriaq o valor mensal de R$ 64,99, nos
moldes dos protocolos de atendimento nºs 2016192815521 e 2016228643733.

Contudo, na fatura com vencimento para 25.5.2016 houve a


cobrança de quantia mais elevada (R$ 64,99), com acréscimo de R$ 25,63. Não obteve
êxito em resolver a questão administrativamente, a despeito dos contatos que receberam os
protocolos nºs 2016294758494, 201629476123 e 2016294776741. Realizou o pagamento
da fatura no valor integral de R$ 91,93 para evitar a negativação do nome.

Procedeu a novo contato em 27.5.2016 (protocolo nº


2016311201245) e a questão não foi solucionada. Na oportunidade aguardou atendimento
por mais de setenta minutos. No dia 1º.6.2016 recebeu a notícia de que o valor cobrado na
fatura de maio estava correto e que era impossível o cancelamento do plano e retorno ao
anterior em razão do prazo de fidelidade de doze meses, sob pena de pagamento de multa,
que desconhecia (protocolo nº 2016320772982).

Relata ainda a interrupção dos serviços por mais de vinte e


quatro horas em meados de abril de 2016, consoante reclamação registrada através do
protocolo nº 2016244321338. Pugna por tutela provisória para o cancelamento do plano
sem a aplicação de multa, a migração para anterior (Claro Controle) e o envio das faturas
respectivas sob pena de multa diária de um salário mínimo. Ao final pretende a condenação
da ré à restituição em dobro do que cobrado indevidamente, corrigidos desde o efetivo
desembolso e dano moral não inferior a trinta salários mínimos.
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Sentenciou-se o feito nos seguintes termos: “... O processo


comporta julgamento no estado, à medida que as provas necessárias são documentais e já
se ensejou oportunidade para produzi-las. Procede a ação. Observa-se, de saída, haver o
réu confessado que dirigiu cobrança a mais para o autor. Acrescenta-se que o autor não
discute os valores de serviços, mas, justamente, o valor a mais cobrado inicialmente e cujo
caráter indevido reconhece o prestador de serviço contestante. São várias os contatos que
o autor fez com o réu e não se verifica uma resposta desse dando conta de que a situação
foi resolvida. Com os meios de comunicação rápidos e telemáticos possíveis hoje em dia,
os quais, inclusive, deixam prova de sua realização, inaceitável a omissão do réu que,
"data venia", sabe achar o cliente e contatá-lo quando lhe interessa. Nada obstante
confessado o erro, não aponta o réu a compensação que diz ter feito a partir da
documentação juntada. Logo, cabíveis, primeiro, a resolução culposa do novo contrato
pela cobrança indevida, tal qual requerido pelo consumidor que, ao cabo, restou
insatisfeito com novo serviço, de modo que, consequentemente, condena-se a ré à
obrigação de fazer consistente em diligenciar o retorno ao contrato anterior, inclusive,
sob pena de multa diária de R$ 150,00 até R$ 50.000,00, reversíveis a favor do
consumidor; segundo, à mercê de reparação de danos materiais, a restituição dos valores
cobrados a mais, com correção monetária do desembolso e juros moratórios da citação,
de acordo com a inicial, já que os valores ali descritos não foram, satisfatoriamente,
impugnados na resposta; terceiro, indenizar o autor por danos morais em R$ 3.500,00
(correção do arbitramento. Juros moratórios da citação), considerando-se que a falha na
prestação de serviço lhe causou transtornos, perda de tempo e, sobretudo, frustração
porque, extrajudicialmente, não foi atendido e obrigado a demandar a solução de simples
impasse. Assim, pelas razões expendidas como fundamento da sentença, julgo procedente
a ação para condenar o réu nos termos do pedido, de modo que fica o réu condenado
ainda em custas e em verba honorária de 1% sobre o total da condenação.” (fls. 181/183).

Na sequência, acolheram-se os embargos de declaração


opostos pelo autor: “Recebo os embargos e lhes dou provimento. Quanto à devolução em
dobro, fica indeferida, porque os valores cobrados a mais decorrem de aparente
deficiência, e não de má-fé do prestador de serviço. Por isso, não havendo dolo, não se

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aplica a pena da devolução dobrada. Quanto à tutela provisória, não houve omissão,
porque tal postulação foi indeferida a fls. 25, de modo que o sentenciante não está
obrigado a reviver o assunto. Todavia, assiste direito à tutela, nesse momento e, no caso,
de evidência, acolhendo-se o que requer o autor: 'A Tutela Provisória consiste na
obrigação de fazer, em compelir a empresa-ré em cancelar o atual plano telefônico do
autor sem qualquer multa, migrando o autor para o plano anterior (CLARO CONTROLE),
enviando as faturas compatíveis com este último, sob pena de multa diária no importe de
um salário mínimo'. Assim, fica deferida, em sentença, a tutela de evidência para
determinar que o réu, imediatamente, cancele o plano atual, sem qualquer ônus ao autor,
retornando os serviços do plano anterior com os respectivos valores, sob pena de multa de
R$ 150,00 por dia, até R$ 50.000,00, conversíveis em perdas e danos a favor do autor.”
(fls. 188/189).

Ainda: “Recebo os embargos para retificar o dispositivo da


sentença, lendo-se 10% onde está 1% de verba honorária.” (fls. 193).

Irresignadas, as partes apelaram. O autor insistiu na


restituição em dobro dos valores pagos em excesso, nos termos do art. 42, parágrafo único,
do CDC. Pugnou pela majoração da verba indenizatória, conforme a postulação inicial ou a
critério do colegiado, assim como a elevação dos honorários advocatícios para 20% sobre o
valor da condenação (fls. 196/205).

Por sua vez, a ré se insurgiu contra a fixação de multa diária


para o cumprimento da obrigação de fazer. Ressaltou a necessidade de intimação pessoal,
consoante Súmula 410 do STJ. Argumentou que se entende como pessoal a intimação
realizada por oficial de justiça e não por carta AR. Asseverou que o ofício expedido pelo
juízo não foi protocolado pelo autor, mas enviado pelo correio. Questionou o arbitramento
de multa e pugnou pela observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
A hipótese dos autos não caracterizou dano moral indenizável, mas mero aborrecimento.
Exaltou ainda que o mero descumprimento contratual não gera dano extrapatrimonial.
Como pedido alternativo, pleiteou a redução da multa e do dano moral (fls. 209/231).

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Somente a ré contrarrazoou (fls. 237/248).

É O RELATÓRIO.

Em relação à revelia, é certo que a ré não observou o prazo


previsto no art. 335, I, do CPC. A audiência de conciliação para a qual a ré foi intimada se
realizou em 13.9.2016 (fls. 70) e a contestação protocolada extemporaneamente em
10.10.2016 (fls. 73/92). Como se trata de direito disponível, impunha-se a presunção de
veracidade dos fatos deduzidos na inicial (art. 344 do CPC).

No mais, o autor se insurge contra a cobrança de valores


superiores ao plano de telefonia celular. Possuía o Claro Controle e a promessa da ré foi a
de que, caso migrasse para outro, ainda que com tais benefícios, o valor se manteria o
mesmo, o que inocorreu (fls. 12). Não obteve êxito na readequação do contrato, a par dos
inúmeros contatos na esfera administrativa, conforme protocolos de atendimento (fls.
13/14). Para evitar maiores transtornos, quitou as faturas (fls. 21/22).

Trata-se de relação de consumo. Era mesmo o caso de se


inverter o ônus da prova. O art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90 não limita a possibilidade apenas
quando da verossimilhança da alegação, mas também quando da hipossuficiência da parte,
hipótese em apreço. Neste sentido, ensinamento doutrinário:

“Reza o art. 6º, VIII, do CDC que é direito básico do


consumidor 'a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação
ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências'. Note-se
que a partícula 'ou' bem esclarece que, a favor do consumidor, pode o juiz inverter o ônus
da prova quando apenas uma das duas hipóteses está presente no caso. Não há qualquer
outra exigência no CDC, sendo assim facultado ao juiz inverter o ônus da prova inclusive
quando esta prova é difícil mesmo para o fornecedor, parte mais forte e expert na relação,
pois o espírito do CDC é justamente de facilitar a defesa dos direitos dos consumidores e
não o contrário, impondo provar o que é em verdade o 'risco profissional' ao - vulnerável

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e leigo - consumidor.” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Cláudia Lima Marques,


Antonio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, 4ª edição, 2013, Ed. Revista dos Tribunais, págs. 291/292).

Acrescente-se ainda que a responsabilidade é objetiva, à luz


do art. 14 da Lei 8.078/90:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.

A dinâmica dos fatos orienta no sentido de que a ré agiu com


má-fé. Objetivou vantagem patrimonial em detrimento do consumidor. Cabível a
devolução em dobro do que cobrado e pago a mais. Aplicável o art. 42, parágrafo único, da
Lei 8.078/90:

Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não


será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou
ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia


indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável.

Sobre o tema, leciona Claudia Lima Marques:

“Prevista como uma sanção pedagógica e preventiva, a


evitar que o fornecedor se 'descuidasse' e cobrasse a mais dos consumidores por 'engano',
que preferisse a inclusão e aplicação de cláusulas, ou que o fornecedor usasse de métodos
abusivos na cobrança correta do valor, a devolução em dobro acabou sendo vista pela
jurisprudência, não como uma punição razoável ao fornecedor negligente ou que abusou

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de seu 'poder' na cobrança, mas como uma fonte de enriquecimento 'sem causa' do
consumidor. Quase que somente em caso de má-fé subjetiva do fornecedor, há devolução
em dobro, quando o CDC, ao contrário, menciona a expressão 'engano justificável' como
a única exceção. Mister rever esta posição jurisprudencial. A devolução simples do
cobrado indevidamente é para casos de erros escusáveis dos contratos entre iguais, dois
civis ou dois empresários, e está prevista no CC/2002. No sistema do CDC, todo o engano
na cobrança de consumo é, em princípio injustificável, mesmo o baseado em cláusulas
abusivas inseridas no contrato de adesão, ex vi o disposto no parágrafo único do art. 42.
Cabe ao fornecedor provar que seu engano na cobrança, no caso concreto, foi justificado.
(Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e
Bruno Miragem, 3ª edição, 2010, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 805).

E mais, a conduta superou o mero dissabor. Trouxe grave


transtorno ao autor. Caracterizou-se ofensa a direito da personalidade, inclusive porque,
segundo histórico, perdeu tempo útil para a resolução da questão no âmbito administrativo
e, após, no judicial. Cuida-se da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor. O
Desembargador fluminense Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho descreve que:

“O tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o


indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de
tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se
razoável que a perda desse bem, ainda que não implique em prejuízo econômico ou
material, dê ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para
englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em
razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de uma sociedade
que não está disposta a suportar abusos” (Dano Moral em Caso de Descumprimento de Obrigação
Contratual, in AMAERJ Notícias Especiais, n. 20, junho/2004).

Cabe lembrar ainda ensinamentos de Leonardo de Medeiros


Garcia:

“A indenização pela perda do tempo livre é possível em


situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes
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se vêem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para solucionar problemas
causados por atos ilícitos ou condutas abusivas de fornecedores. Tais situações fogem do
que usualmente se aceita como 'normal', em se tratando de espera por parte do
consumidor. São aqueles famosos casos de call center em que se espera durante 30
minutos ou mais, sendo transferido de um atendente para outro. Nesses casos, percebe-se
claramente o desrespeito ao consumidor, que é prontamente atendido quando da
contratação, mas, quando busca o atendimento para resolver qualquer impasse, é
obrigado, injustificadamente, a perder seu tempo livre” (Direito do Consumidor Código
Comentado e Jurisprudência, 6ª ed., Niterói/RJ, Editora Impetus, 2010, p. 67).

Sobre o tema, pronunciamento do Superior Tribunal de


Justiça:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.260.458 - SP


(2018/0054868-0) RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO
BELLIZZE.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA
DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO, CUMULADA COM
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO.
1. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. ALTERAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ.
2. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. MESMO
ÓBICE SUMULAR. 3. AGRAVO CONHECIDO PARA NÃO
CONHECER DO RECURSO ESPECIAL.
O Tribunal estadual, ao dirimir a controvérsia, concluiu que
ficaram caracterizados o ato ilícito e o consequente dever de
indenizar, conforme se colhe dos excertos do aresto
recorrido (e-STJ, fls. 346-349): É que, consoante emerge
cristalino dos autos, comunicou a autora ao banco a regular
disponibilização em sua conta bancária dos valores
necessários à quitação das parcelas dos meses de novembro
e dezembro de 2010, e de fevereiro de 2011 (fls. 87/91),

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solicitando imediatas providências para que fossem cessadas


as cobranças de encargos bancários por suposto
inadimplemento de aludidas prestações, cujo valor total, sem
contribuição da autora para tanto, apenas foi debitado em
sua conta em 23 de março de 2011, acrescido, ainda assim,
de encargos relativos ao pagamento em atraso, que, no
momento da propositura da ação, correspondiam a R$
5.043,36. É certo, de igual modo, que, em momento
precedente ao ajuizamento desta ação, já havia a autora
demandado o réu pela cobrança indevida da parcela do
mútuo com vencimento no dia 31 de janeiro de 2013, tendo
sido realizada composição amigável entre as partes (fls.
127/130) para o reconhecimento de quitação desta
prestação, além da obrigação do banco de excluir o nome da
recorrida do cadastro dos inadimplentes. Não satisfeito e
agindo com total descaso com a consumidora, insistiu o
banco na cobrança de encargos abusivos, sob a infundada
alegação de que agiu no exercício regular de direito, tendo
em vista a alegada legitimidade das tarifas exigidas por
serviços efetivamente usufruídos pela autora, conquanto
motivada sua recusa em efetuar o pagamento de despesas
cuja cobrança não lhe podia ser atribuída [a autora
comprovou o depósito de valores suficientes para a quitação
das parcelas posteriormente exigidas pelo banco réu
(novembro e dezembro de 2010 e fevereiro de 2011- fls. 24 e
27)], o que escancara a ilegitimidade de aludidos
lançamentos a débito na conta corrente da recorrida, ante a
comprovação de que o descontrole da conta decorreu da
desídia da casa bancária, que deixou de efetuar, na época
oportuna, os débitos dos valores pertinentes, sobrevindo a
cobrança única e integral de tais valores (fls. 28), mas
acrescida, abusivamente, de encargos bancários indevidos

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(fls. 28/40). Isto assentado, bom é realçar que a situação


vivenciada pela autora realmente extrapolou o simples
dissabor resultante de insucesso negocial, visto que foi a
consumidora obrigada a entrar em contato com a central de
atendimento do banco e ajuizar a presente ação com a
finalidade da consignação do valor das parcelas do contrato
em cotejo para evitar nova restrição cadastral a seu nome
(fls. 87), além da iminência de execução do contrato, na
forma prevista nos artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/97 (fls.
104, cláusula vigésima primeira), cumprindo observar,
ainda, que, durante anos, teve a autora que se submeter a
penalizantes percalços para conseguir a exclusão de
encargos bancários abusivamente lançados em sua conta
corrente, por ela devidamente contestados e que não foram
espontaneamente reembolsados pelo réu, sob a infundada
alegação de que a sua exigibilidade era proveniente de
exercício regular de direito por consubstanciar serviços
efetivamente usufruídos pela autora. Ademais, não há se
cogitar no caso da caracterização de ato de terceiro hábil a
constituir fator excludente da responsabilidade civil do
banco, porquanto não se cuida aqui de fato imprevisível e
inevitável ou, mesmo, de intensidade tamanha que tenha se
prestado a excluir a liberdade de ação do causador direto do
dano, mesmo porque, como é sabido, o fato de terceiro
somente materializa excludente da obrigação de indenizar
quando for a causa exclusiva do prejuízo, o que,
evidentemente, não ocorreu no caso em análise, como antes
salientado. Aliás, releva considerar que se cuida aqui de
responsabilidade objetiva da instituição financeira ré, por
força da aplicação do artigo 14, do Código de Defesa do
Consumidor, estando, no caso em exame, a obrigação de
indenizar assentada na demonstração da conduta desidiosa

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do banco, na configuração do dano moral à consumidora e


no nexo de causalidade entre a falha do serviço e o resultado
lesivo imposto à autora, consubstanciados tais pressupostos,
como assinalado, na ação negligente da instituição
financeira, que, por defeito operacional do serviço
disponibilizado à consumidora, lançou por relevante período
de tempo encargos bancários indevidos na conta corrente da
autora. Com efeito, tem-se como absolutamente injustificável
a conduta da instituição financeira em insistir na cobrança
de encargos fundamentadamente impugnados pela
consumidora, notório, portanto, o dano moral por ela
suportado, cuja demonstração evidencia-se pelo fato de ter
sido submetida, por longo período [por mais de três anos,
desde o início da cobrança e até a prolação da sentença], a
verdadeiro calvário para obter o estorno alvitrado,
cumprindo prestigiar no caso a teoria do Desvio Produtivo
do Consumidor, por meio da qual sustenta Marcos Dessaune
que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a
solução de problemas gerados por maus fornecedores
constitui dano indenizável, ao perfilhar o entendimento de
que a 'missão subjacente dos fornecedores é - ou deveria ser
- dar ao consumidor, por intermédio de produtos e serviços
de qualidade, condições para que ele possa empregar seu
tempo e suas competências nas atividades de sua preferência.
Especialmente no Brasil é notório que incontáveis
profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de
atender ao cidadão consumidor em observância à sua
missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e
serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no
mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o
consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu
valioso tempo e a desviar as suas custosas competências - de

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atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer -


para tentar resolver esses problemas de consumo, que o
fornecedor tem o dever de não causar. Tais situações
corriqueiras, curiosamente, ainda não haviam merecido a
devida atenção do Direito brasileiro. Trata-se de fatos
nocivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de
'dano material', de 'perda de uma chance' e de 'dano moral'
indenizáveis. Tampouco podem eles (os fatos nocivos) ser
juridicamente banalizados como 'meros dissabores ou
percalços' na vida do consumidor, como vêm entendendo
muitos juristas e tribunais.' [2http://revistavisaojuridica.uol.
com.br/advogados-leis-j urisprudencia/71/desvio-produto-
doconsumidor-tese-do-advogado-marcos -
ddessaune-255346-1. asp] . (...) Com efeito, a abusiva
cobrança de encargos bancários indevidos e a recalcitrância
injustificada por tempo expressivo [três anos] do réu em
proceder a cessação desta exação e o espontâneo
ressarcimento à correntista, constitui injusta agressão,
porquanto privou a autora de utilizar o seu tempo disponível
na forma que melhor lhe aprouvesse, de molde a provocar
sofrimento psíquico que molesta direitos inerentes à
personalidade, vulnerando seu patrimônio moral, a justificar
a reparação almejada. (...) Indisputável, destarte, a
configuração dos danos morais indenizáveis, bem é de ver
que considerado o critério de que a indenização não deve
prestar-se ao enriquecimento ilícito, mas considerando o
aspecto inibitório da condenação ora enfocada, em relação
ao autor do ilícito, a fim de que invista na qualificação de
seus prepostos, de sorte a aprimorar seus procedimentos,
não há se olvidar, de outra parte, do caráter compensatório
da reparação, de molde a possibilitar sentimento que se
preste ao menos a mitigar o sério constrangimento suportado

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pela vítima da injusta ofensa, afigurando-se, sob tal


perspectiva, razoável o arbitramento da indenização em
cinco mil reais. Nesse contexto, reverter a conclusão do
Tribunal local para acolher a pretensão recursal, quanto à
existência de ato ilícito e a redução do quantum
indenizatório, demandaria o revolvimento do acervo fático-
probatório dos autos, o que se mostra inviável ante a
natureza excepcional da via eleita, consoante enunciado da
Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. Ante o exposto,
conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os
honorários em favor do advogado da parte ora recorrida em
2% sobre o valor da condenação. Publique-se. Brasília-DF,
05 de abril de 2018. (grifo proposital)

Nesse sentido, também julgados da mesma Corte (REsp nº


1.763.052/RJ, AREsp 1.167.382/SP, AREsp 1.167.245/SP, AREsp 1.274.334/SP, AREsp
1.271.452/SP).

No que diz respeito à quantificação do valor indenitário, há


de se ter como pressuposto a justa recomposição pelo dano experimentado. A verba não
tem como premissa o enriquecimento, ao tempo em que também deve se revestir do caráter
punitivo e desestimulador, visando a que a ofensora não reitere o ato. Nesse sentir, em
atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 8º do CPC), equânimes
os R$ 3.500,00 fixados na origem.

Quanto à astreinte estabelecida para a implementação da


ordem judicial, dispõe o art. 497, parágrafo único, do CPC:

Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não


fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará
providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Apelação nº 1006324-43.2016.8.26.0223 -Voto nº 7058 14


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica


destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua
remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa
ou dolo.

A fixação é necessária e a incidência se condiciona ao


descumprimento do que determinado. A quantia diária de R$ 150,00 é ponderada e
consonante à obrigação. Porém, no que se refere ao teto, de R$ 50.000,00, necessário ajuste
para evitar o enriquecimento sem causa da parte contrária, estabelecendo em R$ 10.000,00,
importância mais adequada, em atenção ao disposto no art. 413 do Código Civil:

A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a


obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

A exigência somente incidirá após intimação pessoal da ré


para cumprimento da tutela de evidência (fls. 188/189), nos termos da Súmula 411 do
Superior Tribunal de Justiça:

A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição


necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer.

O posicionamento sumulado continua vigente após o advento


do Novo Código de Processo Civil:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÃO EM
OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA DIÁRIA POR
DESCUMPRIMENTO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA
PARTE. SÚMULA N. 410/STJ. DECISÃO MANTIDA.

Apelação nº 1006324-43.2016.8.26.0223 -Voto nº 7058 15


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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

1. "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição


necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer" (enunciado n. 410 da
Súmula do STJ).
2. Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt no AREsp
1295123/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA
TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 10/10/2018).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO


ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA
COMINATÓRIA. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO
PESSOAL.
JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NO STJ. DECISÃO
MANTIDA.
1. "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição
necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer." Entendimento
compendiado na Súmula n. 410, editada em 25.11.2009, anos
após a entrada em vigor da Lei 11.232/2005, o qual continua
válido em face do ordenamento jurídico em vigor.
Esclarecimento do decidido pela Segunda Seção no EAg
857.758-RS" (REsp 1.349.790/RJ, SEGUNDA SEÇÃO, DJe
27/2/2014).
2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp
1726817/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA,
QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2018, DJe 12/09/2018).

Por fim, com relação aos honorários advocatícios, o


balizamento, no piso de 10% sobre o valor da condenação, atendeu ao grau de zelo do
profissional, ao lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho
realizado e o tempo exigido (art. 85, § 2º, do CPC). Não merece modificação.

Apelação nº 1006324-43.2016.8.26.0223 -Voto nº 7058 16


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos


recursos para: 1) determinar a devolução em dobro dos valores cobrados em excesso e
efetivamente pagos pelo autor, apurando-se o montante em fase liquidação de sentença; 2)
estabelecer que a multa diária, em caso de descumprimento da obrigação de fazer, incida
somente após a intimação pessoal da ré, no valor diário de R$ 150,00 até o limite de R$
10.000,00. No mais, mantenho as verbas sucumbenciais como lançadas na sentença.

TAVARES DE ALMEIDA
RELATOR

Apelação nº 1006324-43.2016.8.26.0223 -Voto nº 7058 17

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