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3 de Setembro de 2021

As duas "faces" do ativismo judicial

1. INTRODUÇÃO

O discurso acerca dos direitos fundamentais, no decorrer dos tempos,


passou a fazer parte da “consciência e do tráfego social”, bem como, a se
localizar no ponto central da jurisprudência do Supremo, não apenas sob a
perspectiva qualitativa, como também quantitativa[1].

E na busca de terem esses direitos fundamentais satisfeitos e resguardados,


a sociedade tem buscado cada vez mais o Judiciário, que por outro lado
acaba por expandir suas funções objetivando satisfazer os anseios sociais e
solucionar as lides que chegam em números avassaladores, criando assim o
chamado ativismo judicial.

Para Vicente Paulo[2], o ativismo caracteriza-se da seguinte maneira:

O termo ativismo caracteriza-se pelas decisões judiciais que impõem


obrigações ao administrador, sem, contudo, haver previsão legal
expressa. Decorre da nova hermenêutica constitucional na
interpretação dos princípios e das cláusulas abertas, o que tem
despertado pesadas críticas ao Poder Judiciário, notadamente, ao
Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, neste cenário, o ativismo assume duas “faces”: uma negativa e
a outra positiva. A primeira feriria a separação dos poderes, gerando o
enfraquecimento dos poderes eleitos e a desmobilização popular, bem
como o exclusivismo moral do judiciário[3], e consequente insegurança
jurídica. Já na segunda face, a fundamentação resta-se baseada na
igualdade social, na garantia do mínimo existencial e na dignidade da
pessoa humana, havendo interferência no dever de legislar, nas políticas
públicas e nas decisões alocativas de recursos estatais e na atuação ativa
diante das omissões e retardamentos do Legislativo[4].

2. FACE NEGATIVA
A constituição Federal de 1988, estabelece o princípio da separação dos
poderes, qual seja a distinção entre as funções legislativa, executiva e
jurisdicional.

De modo que, cada poder deve exercer sua função dentro do limite legal
estabelecido, não devendo adentrar a esfera do outro poder, pois a atuação
de um poder acaba por limitar a atuação de um outro poder.

Desta maneira evidencia-se que o judiciário não possui função originária de


lesgilar, mas ele acaba por atuar quando há vácuo institucional dos outros
poderes, [5] especialmente o legislativo.

Carlos Alexandre[6] traz que:

Ante a omissão legislativa, o STF tem sido chamado a se pronunciar


sobre determinadas matérias que caberiam ao Legislativo
regulamentar. Por vezes, o STF não se limita a declarar a omissão
legislativa, indo além do que a dogmática legalista tradicional
convencionou ser o papel do Judiciário, qual seja, a subsunção do fato à
norma, e ante a imposição de obrigações aos outros poderes e aos
administrados em geral, a doutrina diz que há intromissão indevida do
Judiciário nos demais Poderes da República, ferindo os princípios da
separação dos poderes, a democracia e o estado democrático de direito.

E nesse meio de atuação acaba por ferir a separação dos poderes e intervir
nas ações regulatórias, fator que pode sem dúvida gerar insegurança
jurídica.

Conforme mencionou Geórgia Lage[7]:


(...) a crítica se funda na alegação de que o Poder Judiciário não possui
legitimidade democrática para, em suas decisões, insurgir-se contra os
atos instituídos pelos poderes eleitos pelo povo. Assim, o Poder
Judiciário, com seus membros não eleitos, não poderia demudar ou
arredar leis elaboradas por representantes escolhidos pela vontade
popular. Este poder não teria legitimidade para isso. É o que se chama
de desafio contramajoritário, interferindo diretamente no poder
regulatório e ferindo o princípio da separação dos poderes. Ou seja,
onde estaria, a sua legitimidade para proscrever decisões daqueles que
desempenham mandato popular, que foram escolhidos pelo povo?.

No que tange tal interferência ao poder regulatório, temos o exemplo


clássico da “progressão de regime de cumprimento de pena em crimes
hediondos”[8], decidido pelo Supremo Tribunal federal no HC 82.959, que
buscava a declaração de inconstitucionalidade da Lei dos Crimes
Hediondos (Lei Federal nº 8.072/1990, especificamente o seu art. 2º, § 1º,
que impossibilitava progressão do regime de cumprimento de pena dos
acusados de crimes classificados como hediondos.

Em fevereiro de 2006, a maioria da Suprema Corte deferiu pedido de


Habeas Corpus e declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de
cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo
diploma legal. A decisão do STF, no entanto, não é de caráter vinculante,
tendo acontecido em controle difuso de constitucionalidade. O STF
entendeu que a vedação de progressão de regime prevista no referido
dispositivo normativo viola o direito à individualização da pena, prevista no
art. 5º, LXVI da Constituição Federal. No mais, que tal vedação é
incongruente, uma vez que desconsidera o princípio da individualização da
pena no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 e impõe o regime integralmente
fechado, mas admite em seu art. 5º o livramento condicional.

Por fim, o Tribunal alegou que o enunciado do § 7º, do art. 1º, da Lei
9.455/971 derrogou o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Ainda que se refira
especificamente ao crime de tortura esse é hediondo, passando assim ser o
cumprimento de pena do crime hediondo inicialmente fechado, e não
expressa e integralmente fechado. Desta maneira, trazia a legislação
medidas de execução penal mais favoráveis aos acusados.[9]
O argumento principal utilizado para fundamentar a decisão foi o princípio
constitucional da dignidade da pessoa. Ocorre que sob tal argumento, o
poder de punir do Estado restou mitigado, pois foi sobreposto pela
interpretação do judiciário, que acabou por declarar inconstitucional parte
de uma lei que fora criada pelo legislativo (a quem cabe precipuamente
legislar) e a quem o povo elegeu para o fazer, objetivando maior rigidez na
punibilidade, em busca de garantir a individualização da pena para
proteger a dignidade da pessoa humana.

Nesse prisma, a sociedade fica a mercê de uma insegurança jurídica. Pois


não há garantia de que o judiciário não continuará a declarar leis
inconstitucionais face à interpretação de outros princípios, para assegurar
outras garantias, invadindo outras esferas do poder. Um outro ponto
pertinente é a fundamentação principiológica. Segundo Streck[10]:

Ativismo é quando os juízes substituem os juízos do legislador e da


Constituição por seus juízos próprios, subjetivos, ou, mais que
subjetivos, subjetivistas (solipsistas). No Brasil esse ativismo está
baseado em um catálogo interminável de “princípios”, em que cada
ativista (intérprete em geral) inventa um princípio novo. Na verdade,
parte considerável de nossa judicialização perde-se no emaranhado de
ativismos.

Sobre o assunto preleciona Daniel Sarmento[11]:


E a outra face da moeda é o lado E a outra face da moeda é o lado do
decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados
diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a
justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu
dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta
"euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o
decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do
politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e
com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os
princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em
verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão
consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente
danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de
Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não
eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados,
muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela
compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as
funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica,
porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente
das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a
capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de
acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico.

Assim sendo, o ativismo além de ferir a separação dos poderes expressa na


Constituição Federal, o que gera o enfraquecimento dos poderes eleitos
pelo povo com a consequente desmobilização popular, nos coloca diante do
exclusivismo moral do judiciário, que de acordo com seu solipisismo decide
com base no argumento principiológico, fatores preponderantes para o
ocasionamento da insegurança jurídica.

3. FACE POSITIVA
Ao longo do tempo, o judiciário vem mudando, e sem dúvida, adotando
novas abordagens interpretativas e decisórias.[12] Objetivando alcançar a
igualdade social e garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa
humana, tem assumido papel ativo na vida institucional brasileira[13],
inclusive cobrando ao legislativo e buscando corrigir suas omissões e
retardamentos.
Em discurso proferido na Suprema Corte em 23/04/2008 o Sr. Ministro
Celso de Melo[14], em nome do Supremo Tribunal Federal, pronunciou o
seguinte acerca do ativismo judicial:

“Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema


Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam
esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta
uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade
de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas
vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente
omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal
Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e
ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela
inércia dos poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua
missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito
incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da
República. Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora
moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos
excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os
órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o
cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa
determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver
presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos
estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de
pura passividade. A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em
maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto
constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior
gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público
também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se
fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas
concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios
da Lei Fundamental.

Desta maneira o ativismo surge como forma de suprir as omissões e


retardamentos do judiciário que deixam de cumprir seu papel, respeitando
a própria Constituição, de modo que, as lides não decididas por ausência de
leis ou de suas votações nas casas do Congresso Nacional, bem como os
conflitos não resolvidos, acabam por chegar ao Judiciário, que não podendo
se omitir de julgar, tomam decisões ativistas, com o fim de garantir os
direitos expressos na própria Constituição.

A exemplo, entre tantas outras situações que ocasionaram decisões ativistas


positivas, temos a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a
União estável entre casais do mesmo sexo, conforme ementa do julgado
abaixo:[15]
1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO.
RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU
RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA
DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA.
JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF
nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir
“interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código
Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE
DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO
PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO
PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A
PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO
CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO
PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL.
LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA
NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO,
EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À
INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das
pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.
Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição
Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a
respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da
kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não
estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente
permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como
direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”:
direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do
indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição
do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O
concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das
pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da
intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia
da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA
INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO
“FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA
TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-
CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE
CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O
caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial
proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família.
Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico,
pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se
integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A
Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não
limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade
cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como
instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas
adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária
relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus
institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria
Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do
art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que
somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito
subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como
figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo.
Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família
como instituição que também se forma por vias distintas do casamento
civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes.
Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-
cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter,
interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental
atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito
quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL.
NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER,
MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO
PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES
JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS
TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE
CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E
“FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica
homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de
não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas
horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas.
Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal
dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da
Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há
como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo
terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade
familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de
constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do
fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A
Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo
sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão
em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de
outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice.
Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-
equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do
§ 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos
e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do
regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5.
DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO
ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento
da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva
nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem
embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como
uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação
legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-
aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO
CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”).
RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA.
PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em
sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil,
não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da
técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir
do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas
do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união
estável heteroafetiva.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação


Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a
união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na
Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral[16].

As ações julgadas buscavam o reconhecimento da união entre pessoas do


mesmo sexo como entidade familiar, e que os direitos e deveres dos
companheiros nas uniões heteroafivas fossem estendidas às uniões
homoafetivas. A justificava baseava-se nos preceitos fundamentais de
igualdade e liberdade, bem como o princípio da dignidade da pessoas
humana, todos expressos na Constituição.

Necessário se observar, que a referida decisão adveio das Ações de Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Direta de
Inconstitucionalidade (ADI), ou seja, a decisão fora tomada mediante
provocação do Executivo e do próprio Judiciário, e não do legislativo, a
quem caberia legislar sobre o assunto. Porém, diante da omissão, coube ao
Judiciário, mais especificamente ao Supremo tribunal Federal, decidir de
maneira ativista.

Ainda que assim não fosse, faz-se necessário pontuar alguns outros
argumentos favoráveis ao ativismo judicial.

No que tange à questão principiológica, segundo Canotilho[17], os


princípios não são mais abstratos e gerais, sem qualquer aproveitamento
como no jusnaturalismo, ou de uso subsidiário como no juspositivismo.
Hoje, passaram a ter status de norma constitucional, alcançando o cume do
ordenamento jurídico, denotando os valores necessários trazidos pela lei
maior.
Quanto à legitimidade dos membros do Poder Judiciário decorre da própria
constituição. De tal modo, os juízes não atuam em nome próprio, mas de
acordo com a lei e com autorização da própria constituição. Deste modo, ao
aplicarem as leis e a própria constituição estão consolidando a vontade da
maioria, a própria vontade majoritária. Assim, o ativismo seria então um
instrumento que promove a democracia.[18]

Não obstante o já demonstrado, há crítica de que o ativismo judicial estaria


violando a separação dos poderes, porém esta atuação proativa na
Constituição Federal de 1988 com a disciplina tripartite das funções do
poder, foi transformada consideravelmente. O princípio da separação de
poderes evoluiu desde a sua sistematização inicial, sobrevindo uma
flexibilização[19], que permite ao judiciário intervir positivamente nas
outras esferas do poder.

4. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, conclui-se que o ativismo judicial tem relevância


fundamental para a concretização dos direitos fundamentais previstos na
Constituição Federal, especialmente o princípio da dignidade da pessoa
humana.

Não obstante o risco de ensejar insegurança jurídica, especialmente pela


possibilidade de decisões solipisistas, a atuação ativa e ativista do judiciário
no cenário atual, apresenta-se, sem dúvida como premissa para a
manutenção do Estado Democrático de Direito.

BIBLIOGRAFIA

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[1] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial


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[3] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial:


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[4] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial


do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p. 328.

[5]ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo judicial. Revista Jus


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[6] CAMPOS, op. Cit., p. 210.

[7] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial:


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Disponível em:< http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=
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[8] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial


do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p.326.

[9] Disponível em:. Acesso em 01 abril 2015.


[10] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração
hermenêutica da construção do direito. 5ª Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004.

11SARMENTO, Daniel l (Org.) A Constitucionalização do Direito:


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Janeiro. Lúmen Júris. 2007.

[12] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial:


super poder judiciário?. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 05 abr.2015.
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[13] BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: Judicialização, ativismo e


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[14] MELLO, celso de. Discurso proferido pelo ministro Celso de Mello...,
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federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/
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[15] STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de
Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198
DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-
00341)

[16] Disponível em: <


http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?
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[17] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria


da Constituição.Coimbra: Livraria Almedina, 2003. P. 172.

[18] CARMONA, Geórgia Lage Pereira. A propósito do ativismo judicial:


super poder judiciário?. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 05 abr.2015.
Disponível em:. Acesso em: 02 abril 2015
[19] CARMONA, op. Cit.

Disponível em: https://evagomess.jusbrasil.com.br/artigos/214075682/as-duas-faces-do-ativismo-


judicial

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