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SUMÁRIO

1. Introdução....................................................................................................................................3

2. O que se Costuma Entender por Acesso à Justiça?..........................................................3

3. A Evolução Constitucional do Acesso à Justiça.................................................................4

4. A Defensoria Pública e suas Missões Institucionais.......................................................5

5. Desafios e Perspectivas do Acesso à Justiça:


Implementação das Regras de Brasília...................................................................................8

6. Quais as Principais Regras de Brasília sobre


o Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade?...............................10

7. Considerações Finais.............................................................................................................. 15
ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA
Karoline Leal

Karoline Leal
Defensora Pública do DF aprovada em 3º lugar. Única candidata com nota máxima na fase oral.
Aprovada em diversos concursos, em especial na Defensoria Pública do Tocantins e no Superior Tribu-
nal Militar. Graduada pela Universidade de Brasília, pós-graduada pela Fundação Escola Superior do
MPDFT e mestranda pela Universidade de Girona – Espanha.

ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA

1. INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre esclarecer que o presente material foi elaborado por ocasião do
Seminário 100 Regras de Brasília, realizado nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2019, pelo
Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do DF e pelo Instituto Brasiliense de
Direito Público (IDP).

2. O QUE SE COSTUMA ENTENDER POR ACESSO À JUSTIÇA?

A mais conhecida referência bibliográfica sobre acesso à justiça é a obra homônima, de


Mauro Cappelletti e de Bryant Garth. O livro é resultado de um projeto internacional de pes-
quisa, que contou com a participação de mais de 100 pesquisadores de diversas áreas do
conhecimento, oriundos de trinta diferentes países.
Trata-se do Projeto Florença de Acesso à Justiça, que dissecou os obstáculos jurídicos,
econômicos, políticos, culturais e psicológicos que tornavam inacessível ou de difícil acesso
o uso do sistema judicial de resolução de conflitos. Em 1979, como produto desses estudos,
foram publicados quatro volumes em seis tomos, em língua inglesa.
O Projeto Florença, ao analisar a evolução do movimento mundial de acesso à justiça,
construiu a amplamente conhecida metáfora das três ondas renovatórias do acesso à justiça.
A primeira onda renovatória é a de garantia de assistência jurídica aos pobres. Foi nesse
contexto que surgiram a isenção de custas processuais para o acesso ao Judiciário e os
outros dois modelos de assistência jurídica aos pobres, além da advocacia pro bono: o modelo
de particulares conveniados com o Estado e remunerados pelo Estado e o modelo de presta-
ção direta pelo Estado, por meio, por exemplo, de funcionários assalariados contratados com
essa função.
Como expressão do modelo de particulares conveniados, há o modelo Judicare, em que
advogados dativos são pagos pelo Estado para judicialização de casos individuais e os Escritó-
rios de Vizinhança (Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity – 1965).
A segunda onda renovatória consistiu no surgimento de instrumentos processuais de
tutela de interesses metaindividuais, pertencentes a toda sociedade, a grupos, categorias ou

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classes de pessoas ou a pessoas que possuem ações tendentes à resolução de um conflito


com a mesma origem fática. Nesse contexto, surgiram as ações de classe, ações coletivas ou
ações civis públicas.
A terceira onda renovatória se dedicou aos problemas dos custos econômicos e da moro-
sidade dos procedimentos judiciais. Nesse contexto, foram desenvolvidas soluções que esti-
mulavam a oralidade dos processos judiciais, a concentração dos ritos, a noção de sistema
multiportas de justiça e a adoção de meios de resolução de conflitos alternativos à judicializa-
ção, como conciliações, mediações e arbitragem.
Há quem preconize o surgimento de uma quarta onda renovatória do acesso à justiça. O
professor Kim Economides – professor da Universidade de Flinders (Austrália) e um dos inte-
grantes do Projeto Florença – expõe a dimensão ética e política da administração da justiça,
ao defender a reformulação do ensino jurídico e o acesso de minorias à educação em direitos
e às profissões jurídicas, como forma de promoção de valores igualitários e da ideia de Direi-
tos Humanos.
Também já se aponta uma quinta onda renovatória. Ela consiste na garantia de efetividade
da proteção jurídica do indivíduo em face do próprio Estado que deveria protegê-lo, por meio
do acesso a Cortes e Tribunais Internacionais e da reivindicação da aplicação do Direito Inter-
nacional dos Direitos Humanos.

3. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA

• Constituição de 1934 (art. 113, inc. 32): previsão de assistência judiciária gratuita (isen-
ção de taxas e custas para acessar o Judiciário).
• Constituição de 1937: nada dispôs.
• Constituição de 1946 (art. 141, inc. 35): previsão de assistência judiciária gratuita aos
necessitados.

No plano infraconstitucional, a gratuidade de acesso à justiça foi inicialmente regulamen-


tada pela Lei n. 1.060, de 1950. Ela previu a gratuidade de taxas e custas judiciárias e a assis-
tência jurídica, a ser prestada pelo Estado, pelos advogados cadastrados junto à OAB ou por
advogados dativos escolhidos pelas partes e nomeados pelo Juízo.
Em 1954, surgiu o primeiro serviço estatal de assistência judiciária, no Estado do Rio de
Janeiro (então Capital da República). A função de prover assistência judiciária passou a ser do
Ministério Público, como classe inicial da carreira.

• Constituição de 1967 (art. 150, inc. 32): repetiu as disposições da Constituição de 1946.

Em 1975, a Assistência Judiciária do RJ passou a existir como Órgão de Estado distinto


do MP, embora fosse presidido pelo Procurador-Geral de Justiça.

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Em 1981, a Assistência Judiciária do RJ passou a ser vinculada à Secretaria de Estado


de Justiça do RJ. Outros órgãos estaduais de assistência judiciária surgiram em MG, MS, PI
e BA com esse mesmo perfil.
Em 1987, surgiu a Defensoria Pública-Geral do Estado do RJ vinculada ao Gabinete do
Governador. O Centro de Assistência Judiciária do DF surgiu nesse mesmo ano.

• Constituição de 1988: art. 5º, inc. 74: assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos. Art. 134: trouxe, pela primeira vez, a referência
à Defensoria Pública, conceituada como uma “instituição essencial à função jurisdicio-
nal do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados (na forma do art. 5º, inc. 74)”.

Emenda Constitucional n. 45 de 2004:


• concurso público de provas e títulos;
• inamovibilidade e vedação da advocacia extrainstitucional;
• autonomia funcional, administrativa e iniciativa de proposta orçamentária para as Defen-
sorias Públicas Estaduais.

Emenda Constitucional n. 74 de 2013:


• autonomia funcional, administrativa e iniciativa de proposta orçamentária para as Defen-
sorias Públicas da União e do DF.

Emenda Constitucional n. 80 de 2014:


• instituição permanente;
• orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e da defesa judicial e extrajudicial,
individual ou coletiva, dos necessitados;
• princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional.

4. A DEFENSORIA PÚBLICA E SUAS MISSÕES INSTITUCIONAIS

Art. 134 (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 80, de 2014): “A Defensoria Pública
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a
promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados,na forma do
inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”
O artigo 4º da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei Complementar n. 80, de
1994, modificada pela Lei Complementar n. 132, de 2009) atribui à Defensoria Pública as suas
funções institucionais. Elas podem ser divididas em quatro categorias:

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Primeira categoria: função institucional de promoção dos direitos humanos

Inciso III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e


do ordenamento jurídico;

• Educar em e para os Direitos Humanos, por meio de Programas, Cursos e Palestras.


• Garantir a presença dos direitos humanos na agenda governamental e promover a
pauta legislativa relacionada ao tema.

Segunda: funções institucionais de proteção dos direitos humanos

• Proteger os direitos humanos e blindá-los contra situações de violação.


• Proteger os direitos humanos implica participar na construção e realizar o monitoramento
das políticas públicas voltadas para grupos sociais em situação de vulnerabilidade.

Inciso XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da


prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;
Inciso XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de ado-
lescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno
de seus direitos e garantias fundamentais;
Inciso XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais
afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos;

Terceira: funções institucionais de defesa dos direitos humanos

• Defender os direitos humanos é reagir a uma violação.

Inciso I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;
Inciso II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à compo-
sição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitra-
gem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;
Inciso VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e indi-
viduais homogêneos e dos direitos do consumidor;
Inciso X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abran-
gendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;
Inciso XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adoles-
cente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais (pessoa com deficiência),
da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que
mereçam proteção especial do Estado;

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Outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado:


• vítimas da pobreza e da miséria, sobretudo quando em situação de rua;
• pessoas vítimas de preconceito de identidade de gênero, de orientação sexual, de raça,
de etnia e de religião;
• pessoas em situação de cárcere.

Inciso XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura,
abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando
o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas.

Quarta: funções institucionais instrumentais para o exercício das demais funções

Inciso IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de


suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições;
Inciso V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o con-
traditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais,
perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando
todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;
Inciso VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos,
postulando perante seus órgãos;
Inciso VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar
a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resul-
tado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
Inciso IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de
segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de
seus órgãos de execução;
Inciso XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da
prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;
Inciso XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;
Inciso XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;
Inciso XIX – atuar nos Juizados Especiais;
Inciso XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação,
inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela
Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e
à capacitação profissional de seus membros e servidores;
Inciso XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas
funções institucionais.

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5. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ACESSO À JUSTIÇA: IMPLEMENTAÇÃO DAS


REGRAS DE BRASÍLIA

As Regras são um conjunto de normas sobre o acesso à justiça de pessoas em situação


vulnerável. As Regras nasceram na XIV Cúpula Judicial Interamericana, celebrada em Brasí-
lia, em março de 2008.
A Cúpula Judicial Ibero-americana tem sua origem em 1990. Ela é a coluna vertebral das
atividades de cooperação entre o Poder Judiciário de vinte e três países da Comunidade Ibero-
-americana de Nações, integrada, entre outros países, por Portugal, Espanha e os países da
América do Sul e da América Central.
A Cúpula aglutina em um só foro as instâncias máximas de Administração da Justiça dos
sistemas judiciais ibero-americanos. Reúne em seu seio, portanto, a Presidência das Cortes
Supremas e dos Conselhos das Judicaturas ou Magistraturas desses 23 países.
Na Cúpula de 2008, quando surgiram as Regras, também participaram a Associação
Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP), a Associação Interamericana de Defenso-
res Públicos (AIDEF), a Federação Ibero-americana de Ombudsman (FIO) e a União Ibero-
-americana de Colégios e Agrupamentos de Advogados (UIBA).
A premissa fundamental das Regras é a de que o sistema judicial deve ser compreendido
como instrumento para a defesa efetiva dos direitos das pessoas em condição de vulnerabili-
dade e deve contribuir para a redução das desigualdades sociais.
De acordo com o seu próprio artigo 24, as Regras têm por destinatários: “a) Os respon-
sáveis pela concepção, implementação e avaliação de políticas públicas dentro do sistema
judicial; b) Os Juízes, Fiscais, Defensores Públicos, Procuradores e demais servidores que
laborem no sistema de Administração de Justiça em conformidade com a legislação interna
de cada país; c) Os Advogados e outros profissionais do Direito, assim como os Colégios e
Agrupamentos de Advogados; d) As pessoas que desempenham as suas funções nas insti-
tuições de Ombudsman (Provedoria); e) Polícias e serviços penais; f) E, com carácter geral,
todos os operadores do sistema judicial e quem intervém de uma ou de outra forma no seu
funcionamento”.
Conquanto não estejamos diante de um instrumento de aplicação compulsória e passível
de sanções no caso de descumprimento, seu valor como soft law não deve ser desprezado.
Para se ter uma ideia de seu alcance, como exemplo, a Corte Suprema de Justiça da Nação
da Argentina já assinalou, no acórdão 05, de 2009, que as Regras constituem “una valiosa
herramienta en un aspecto merecedor de particular atención en materia de acceso a la jus-
ticia”, y que, por lo tanto, “deben ser seguidas como guía en los asuntos a que se refieren”
(Manual de aplicación de las 100 Reglas de Brasilia en el ámbito de la Defensa Pública. Docu-
mento elaborado por la Asociación Interamericana de Defensorías Públicas (AIDEF), p. 18).
A Exposição de Motivos das Regras elucida os seus objetivos com clareza:

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“O sistema judicial deve configurar-se, e está a configurar-se, como um instrumento para


a defesa efectiva dos direitos das pessoas em condição de vulnerabilidade. Pouca utilidade
tem que o Estado reconheça formalmente um direito se o seu titular não pode aceder de forma
efectiva ao sistema de justiça para obter a tutela do dito direito. Se bem que a dificuldade de
garantir a eficácia dos direitos afecta com carácter geral todos os âmbitos da política pública,
é ainda maior quando se trata de pessoas em condição de vulnerabilidade, dado que estas
encontram obstáculos maiores para o seu exercício. Por isso, dever-se-á levar acabo uma
actuação mais intensa para vencer, eliminar ou mitigar as ditas limitações. Desta forma, o
próprio sistema de justiça pode contribuir de forma importante para a redução das desigual-
dades sociais, favorecendo a coesão social. As presentes Regras não se limitam a estabele-
cer bases de reflexão sobre os problemas do acesso à justiça das pessoas em condição de
vulnerabilidade, mas também recolhem recomendações para os órgãos públicos e para os
quais prestam os seus serviços no sistema judicial. Não somente se referem à promoção de
políticas públicas que garantam o acesso à justiça destas pessoas, mas também ao trabalho
quotidiano de todos os servidores e operadores do sistema judicial e quem intervém de uma
ou de outra forma no seu funcionamento”.
A Primeira Seção do Primeiro Capítulo das Regras também indica os valores que inspira-
ram a edição do Documento:
“(1) As presentes Regras têm como objectivo garantir as condições de acesso efectivo à
justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade, sem discriminação alguma, englobando
o conjunto de políticas, medidas, facilidades e apoios que permitam que as referidas pessoas
usufruam do pleno gozo dos serviços do sistema judicial.
(2) Recomenda-se a elaboração, aprovação, implementação e fortalecimento de políticas
públicas que garantam o acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade. Os
servidores e operadores do sistema de justiça outorgarão às pessoas em condição de vulne-
rabilidade um tratamento adequado às suas circunstâncias singulares. Assim recomenda-se
dar prioridade a actuações destinadas a facilitar o acesso à justiça daquelas pessoas que
se encontrem em situação de maior vulnerabilidade, quer seja pela concorrência de várias
causas ou pela grande incidência de uma delas.”
De acordo com o jurista colombiano Federico Adreu-Guzman e o professor de Filosofia
do Direito da Universidade de Buenos Aires Christian Courtis, funcionários do Alto Comissa-
riado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: “As Regras podem ser lidas no contexto
de três importantes avanços em direitos humanos. A primeira consiste no reconhecimento de
que o direito de respeitar as garantias do devido processo legal e o direito à proteção judicial
efetiva em caso de violação de um direito fundamental, implica o direito de acesso à justiça. A
segunda é a aplicação concreta do direito de acesso à justiça para a existência de obrigações
positivas do Estado sobre direitos humanos, com vista a eliminar essas barreiras e obstáculos
de ordem jurídica, social, econômico e cultural que dificultam ou impedem a plena exercício
dos direitos humanos pelos seus titulares. A terceira é a crescente conscientização das bar-

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reiras ao acesso à justiça e o exercício de qualquer outro direito que não seja individual, mas
social ou grupal. Isso significa que as dificuldades sentidas pelas pessoas em acessar a jus-
tiça e exercer seus direitos se devem, em parte, à sua pertença a grupos sociais em situação
de vulnerabilidade” (Cf. Adreu-Guzman, Federico y Courtis, Christian “Comentarios sobre las
100 Reglas de Brasilia sobre Acceso a la Justicia de las Personas en Condición de Vulnerabi-
lidad” en Defensa pública: garantía de acceso a la justicia, Buenos Aires, 2008, Ed. Ministerio
Público de la Defensa, pp. 52-55, tradução livre do autor).
As Regras de Brasília estão situadas num eixo transversal que perpassa as ondas renova-
tórias e que promove a ideia mais ampla de justiça, segundo a qual não há efetiva justiça se o
Sistema de Administração de Justiça não contemplar os interesses específicos dos segmen-
tos mais vulneráveis de nossa comunidade jurídica e política.

6. QUAIS AS PRINCIPAIS REGRAS DE BRASÍLIA SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA


DAS PESSOAS EM CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE?

Este documento inicia um Capítulo que, depois de concretizar a sua finalidade, define
tanto os seus beneficiários como os seus destinatários:
“(3) Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da
sua idade, género, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, económicas, étnicas
e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema
de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
(4) Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras, as seguintes: a idade, a
incapacidade, a pertença a comunidades indígenas ou a minorias, a vitimização, a migração e
o deslocamento interno, a pobreza, o género e a privação de liberdade. A concreta determina-
ção das pessoas em condição de vulnerabilidade em cada país dependerá das suas caracte-
rísticas específicas, ou inclusive do seu nível de desenvolvimento social e económico”.
O Capítulo seguinte contém uma série de regras aplicáveis àquelas pessoas em condição
de vulnerabilidade que buscam acesso à justiça, como parte do processo, para a defesa dos
seus direitos.
De modo geral, o Capítulo prevê regras para que em qualquer intervenção num ato judicial
se respeite a dignidade da pessoa em condição de vulnerabilidade, outorgando-lhe um trata-
mento específico adequado às circunstâncias próprias da sua situação. Essas regras versam
a respeito de informações adequadas sobre os atos a serem praticados, a serem prestadas
desde o início do processo, mediante ferramentas acessíveis. As condições de compareci-
mento aos atos processuais devem assegurar um lugar cômodo, acessível, seguro e tranquilo,
a prestação de informações sobre a relevância desse comparecimento, a disponibilização de
assistência jurídica e psicossocial, o uso de linguagem adequada às necessidades da pessoa
em situação vulnerável e a proteção de sua imagem e privacidade.

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• Ao tratar da proteção das meninas, dos meninos e dos adolescentes, convém des-
tacar as regras 5, 78 e 82:

“(5) Considera-se criança e adolescente todas as pessoas menores de dezoito anos de


idade, salvo se tiver alcançado antes a maioria de idade em virtude da legislação nacional
aplicável. Toda a criança e adolescente deve ser objecto de uma especial tutela por parte dos
órgãos do sistema de justiça em consideração ao seu desenvolvimento evolutivo.”
“(78) Nos actos judiciais em que participem menores deve ter-se em conta a sua idade e
desenvolvimento integral, e em todo o caso:
• Devem celebrar-se numa sala adequada.
• Deverá facilitar-se a compreensão,utilizando uma linguagem simples.
• Deverão evitar-se todos os formalismos desnecessários, tais como a toga, a distância
física com o tribunal e outros semelhantes.”

“(82) Em todo o caso, não deve ser permitida a captura e difusão de imagens em rela-
ção às crianças e adolescentes, pois afecta de forma decisiva o seu desenvolvimento como
pessoa.”

• Ao cuidar da facilitação do acesso à justiça das pessoas idosas, dispõe a regra 06:

“(6) O envelhecimento também pode constituir uma causa de vulnerabilidade quando a


pessoa adulta maior encontrar especiais dificuldades, atendendo às suas capacidades funcio-
nais, em exercitar os seus direitos perante o sistema de justiça.”

• No tocante à proteção das pessoas com deficiência, é importante reproduzir o con-


teúdo das regras 7, 8, 37, 72 e 77:

“(7) Entende-se por incapacidade a deficiência física, mental ou sensorial, quer seja de natu-
reza permanente ou temporal, que limite a capacidade de exercer uma ou mais actividades
essenciais da vida diária, que possa ser causada ou agravada pelo ambiente económico e social.
(8) Procurar-se-á estabelecer as condições necessárias para garantir a acessibilidade ao
sistema de justiça das pessoas com incapacidade, incluindo aquelas medidas conducentes a
utilizar todos os serviços judiciais exigidos e dispor de todos os recursos que garantam a sua
segurança, mobilidade, comodidade, compreensão, privacidade e comunicação.”
“(37) Antecipação jurisdicional da prova
Recomenda-se a adaptação dos procedimentos para permitir a prática antecipada da
prova na qual participe a pessoa em condição de vulnerabilidade, para evitar a reiteração
de declarações, e inclusive a prática da prova antes do agravamento da incapacidade ou da

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doença. Para estes efeitos, pode ser necessária a gravação em suporte audiovisual do acto
processual no qual participe a pessoa em condição de vulnerabilidade, de tal forma que possa
reproduzir-se nas sucessivas instâncias judiciais.”
“(72) Procurar-se-á adaptar a linguagem utilizada às condições da pessoa em condição
de vulnerabilidade, tais como a idade, o grau de maturidade, o nível educativo, a capacidade
intelectual, o grau de incapacidade ou as condições sócio-culturais. Deve procurar-se formular
perguntas claras, com uma estrutura simples.”
“(77) Facilitar-se-á a acessibilidade das pessoas com incapacidade para a celebração do
acto judicial naquilo em que devam intervir, e promover-se-á em particular a redução de bar-
reiras arquitectónicas, facilitando tanto o acesso como a permanência nos edifícios judiciais.”

• Quanto à proteção dos povos indígenas e das minorias éticas, religiosas e linguís-
ticas, merecem destaque as regras 09, 48, 49 e 79:

“(9) As pessoas integrantes das comunidades indígenas podem encontrar-se em condi-


ção de vulnerabilidade quando exercitam os seus direitos perante o sistema de justiça estatal.
Promover-se-ão as condições destinadas a possibilitar que as pessoas e os povos indígenas
possam exercitar com plenitude tais direitos perante o dito sistema de justiça, sem discrimi-
nação alguma que possa ser fundada na sua origem ou identidade indígenas. Os poderes
judiciais assegurarão que o tratamento que recebem por parte dos órgãos da administração
de justiça estatal seja respeitoso com a sua dignidade, língua e tradições culturais.
Tudo isso sem prejuízo do disposto na Regra 48 sobre as formas de resolução de conflitos
próprios dos povos indígenas, propiciando a sua harmonização com o sistema de administra-
ção de justiça estatal.”
“(48) Com fundamento nos instrumentos internacionais na matéria, é conveniente estimu-
lar as formas próprias de justiça na resolução de conflitos surgidos no âmbito da comunidade
indígena, assim como propiciar a harmonização dos sistemas de administração de justiça
estatal e indígena baseada no princípio de respeito mútuo e de conformidade com as normas
internacionais de direitos humanos.
(49) Além disso serão de aplicação as restantes medidas previstas nestas Regras nos
casos de resolução de conflitos fora da comunidade indígena por parte do sistema de adminis-
tração de justiça estatal, onde é conveniente abordar os temas relativos à peritagem cultural e
ao direito a expressar-se no próprio idioma.”
“(79) Na celebração dos actos judiciais respeitar-se-á a dignidade, os costumes e as tra-
dições culturais das pessoas integrantes de comunidades indígenas, conforme a legislação
interna de cada país.”

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Para a proteção das vítimas de delitos, são pertinentes as regras 10, 11, 12, 75 e 76:

“(10) Para efeitos das presentes Regras, considera-se vítima toda a pessoa física que
tenha sofrido um dano ocasionado por uma infracção penal, incluída tanto a lesão física ou
psíquica, como o sofrimento moral e o prejuízo económico. O termo vítima também poderá
incluir, se for o caso, a família imediata ou as pessoas que estão a cargo da vítima directa.
(11) Considera-se em condição de vulnerabilidade aquela vítima do delito que tenha uma
relevante limitação para evitar ou mitigar os danos e prejuízos derivados da infracção penal
ou do seu contacto com o sistema de justiça, ou para enfrentar os riscos de sofrer uma nova
vitimização. A vulnerabilidade pode proceder das suas próprias características pessoais ou
das circunstâncias da infracção penal. Destacam para estes efeitos, entre outras vítimas, as
pessoas menores de idade, as vítimas de violência doméstica ou intra familiar, as vítimas de
delitos sexuais, os adultos maiores, assim como os familiares de vítimas de morte violenta.
(12) Estimular-se-á a adopção daquelas medidas que sejam adequadas para mitigar os
efeitos negativos do delito (vitimização primária).
Assim procurar-se-á que o dano sofrido pela vítima do delito não seja incrementado como
consequência do seu contacto com o sistema de justiça (vitimização secundária).
E procurar-se-á garantir, em todas as fases de um procedimento penal, a protecção da inte-
gridade física e psicológica das vítimas, sobretudo a favor daquelas que corram risco de intimi-
dação, de represálias ou de vitimização reiterada ou repetida (uma mesma pessoa é vítima de
mais do que uma infracção penal durante um período de tempo). Também poderá ser necessá-
rio outorgar uma protecção particular àquelas vítimas que vão prestar testemunho no processo
judicial. Prestar-se-á uma especial atenção nos casos de violência intra familiar, assim como nos
momentos em que seja colocada em liberdade a pessoa à qual se atribui a ordem do delito.”
“(75) Recomenda-se adoptar as medidas necessárias para garantir uma protecção eficaz
dos bens jurídicos das pessoas em condição de vulnerabilidade que intervenham no processo
judicial na qualidade de vítimas ou testemunhas; assim como garantir que a vítima seja ouvida
nos processos penais em que estejam em jogo os seus interesses.
(76) Prestar-se-á especial atenção àqueles casos em que a pessoa está submetida a um
perigo de vitimização reiterada ou repetida, tais como vítimas ameaçadas nos casos de delin-
quência organizada, menores vítimas de abuso sexual ou maus tratos, e mulheres vítimas de
violência dentro da família ou do casal.”

• No tocante à proteção dos migrantes, refugiados e solicitantes de asilo, as regras


13, 14 e 32 trazem normas importantes:

“(13) A deslocação de uma pessoa fora do território do Estado da sua nacionalidade pode
constituir uma causa de vulnerabilidade, especialmente nos casos dos trabalhadores migrató-
rios e seus familiares. Considera-se trabalhador migratório toda a pessoa que vá realizar, realize

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ou tenha realizado uma actividade remunerada num Estado do qual não seja nacional. Assim
reconhecer-se-á uma protecção especial aos beneficiários do estatuto de refugiado conforme
a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, assim como aos solicitantes de asilo.
(14) Também podem encontrar-se em condição de vulnerabilidade os deslocados internos,
entendidos como pessoas ou grupos de pessoas que se tenham visto forçados ou obrigadas
a escapar ou a fugir do seu local ou do seu lugar de residência habitual, em particular como
resultado ou para evitar os efeitos de um conflito armado, de situações de violência genera-
lizada, de violações dos direitos humanos ou de catástrofes naturais ou provocadas pelo ser
humano, e que não cruzaram uma fronteira estatal internacionalmente reconhecida.”
“(32) Garantir-se-á o uso de intérprete quando o estrangeiro que não conheça a língua ou
línguas oficiais nem, se for o caso, a língua oficial própria da comunidade, tenha de ser inter-
rogado ou prestar alguma declaração, ou quando fosse preciso dar-lhe a conhecer pessoal-
mente alguma resolução.”

• As pessoas em situação de pobreza são signatárias das regras 15 e 16:

“(15) A pobreza constitui uma causa de exclusão social, tanto no plano económico como
nos planos social e cultural, e pressupõe um sério obstáculo para o acesso à justiça especial-
mente daquelas pessoas nas quais também concorre alguma outra causa de vulnerabilidade.
(16) Promover-se-á a cultura ou alfabetização jurídica das pessoas em situação de pobreza,
assim como as condições para melhorar o seu efectivo acesso ao sistema de justiça.”

• Às mulheres cabe a proteção estabelecida nos artigos 17, 18, 19 e 20:

“(17) A discriminação que a mulher sofre em determinados âmbitos pressupõe um obstá-


culo no acesso à justiça, que se vê agravado naqueles casos nos quais concorra alguma outra
causa de vulnerabilidade.
(18) Entende-se por discriminação contra a mulher toda a distinção, exclusão ou restrição
baseada no sexo que tenha por objecto ou resultado menosprezar ou anular o reconheci-
mento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente do seu estado civil, sobre a base
da igualdade do homem e a mulher, dos direitos humanos e as liberdades fundamentais nas
esferas política, económica, social, cultural e civil ou em qualquer outra esfera.
(19) Considera-se violência contra a mulher qualquer acção ou conduta, baseada no seu
género, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no
âmbito público como no privado, mediante o emprego da violência física ou psíquica.
(20) Impulsionar-se-ão as medidas necessárias para eliminar a discriminação contra a
mulher no acesso ao sistema de justiça para a tutela dos seus direitos e interesses legítimos,
atingindo a igualdade efectiva de condições. Prestar-se-á uma especial atenção nos casos de
violência contra a mulher, estabelecendo mecanismos eficazes destinados à protecção dos
seus bens jurídicos, ao acesso aos processos judiciais e à sua tramitação ágil e oportuna.”

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ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA
Karoline Leal

• As pessoas privadas de liberdade são destinatárias das regras 22 e 23:

“(22) A privação da liberdade, ordenada por autoridade pública competente, pode gerar
dificuldades para exercer com plenitude perante o sistema de justiça os restantes direitos dos
quais é titular a pessoa privada da liberdade, especialmente quando concorre com alguma
causa de vulnerabilidade enumerada nos parágrafos anteriores.
(23) Para efeitos destas Regras, considera-se privação de liberdade a que foi ordenada
pela autoridade pública, quer seja por motivo da investigação de um delito, pelo cumprimento
de uma condenação penal, por doença mental ou por qualquer outro motivo.”

As pessoas LGBTI não foram destinatárias de regras especiais. No entanto, isso não
impede o reconhecimento de sua situação de vulnerabilidade. Isso porque a regra 04 não é
taxativa em elencar as causas de vulnerabilidade.
O último Capítulo contempla uma série de medidas destinadas a fomentar a eficácia
destas Regras, de maneira que possam contribuir de forma eficaz para a melhoria das condi-
ções de acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As modernas concepções de democracia, república e igualdade compartilham a premissa


de que os cidadãos de uma mesma comunidade devem reconhecer a si e aos outros como
pessoas com a igual liberdade de levarem a vida do jeito que quiserem e de lutarem pelo
alcance dos seus projetos pessoais de felicidade.
As democracias contemporâneas assumem como verdadeira a premissa de que todos os
seres humanos, independentemente de sua situação social, são iguais em dignidade e em
valor. Por isso, sempre que não houver lesão aos direitos e liberdades dos demais integrantes
da comunidade, as escolhas pessoais de um indivíduo devem ser respeitadas e a igualdade
de oportunidades de escolha entre os indivíduos deve ser estimulada.
Quando houver a violação dos espaços individuais de liberdade assegurados pela ordem
jurídica, o funcionamento regular dessa mesma ordem jurídica pressupõe a existência de ins-
trumentos de acionamento de um Sistema de Justiça capaz de restaurar as liberdades vio-
ladas, de compensar as vítimas dessa violação e de punir os responsáveis pela ação lesiva.
As Regras de Brasília acentuam a imprescindibilidade do acesso fácil, igualitário e huma-
nizado ao Sistema de Justiça, para a tutela dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais
e culturais assegurados pela ordem jurídica a todos os indivíduos dessa comunidade, e, em
especial, aquelas pessoas que, por razão da sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou
por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificul-
dades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo
ordenamento jurídico.

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ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA
Karoline Leal

Em certa medida, as Regras de Brasília constituem um refinamento do artigo 8º da Decla-


ração Universal dos Direitos Humanos, que assegura a toda pessoa humana o direito de
acesso efetivo a jurisdições nacionais competentes para prevenir e reparar atos que violem os
direitos reconhecidos pela Constituição ou pelas leis.
O acesso efetivo à justiça deve reconhecer as diferenças culturais, sociais e econômicas
entre as pessoas. A igualdade formal de direitos é insuficiente se não vier acompanhada de
políticas públicas e ações afirmativas destinadas a garantir que as pessoas mais vulneráveis
de nossa comunidade política e jurídica usufruam, com liberdade e igualdade, dos serviços de
resolução de conflitos oferecidos pelo Sistema de Justiça.
Nesse contexto, as Regras de Brasília anseiam uma mudança paradigmática no saber e
no fazer dos operadores do Sistema de Justiça, na direção da elaboração, da aprovação, da
implementação e do fortalecimento de políticas públicas que garantam o acesso à justiça das
pessoas em condição de vulnerabilidade.

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