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PRINCÍPIOS DO DIREITO ELEITORAL

José Durval de Lemos Lins Filho1

1. Conceitos e Objetivo do Direito Eleitoral; 2.


Fontes do Direito Eleitoral; 3. Hermenêutica
eleitoral e o princípio da razoabilidade; 4.
Princípios do Direito Eleitoral.

1. Conceitos e objetivo do Direito Eleitoral

Segundo Marcos Ramayana, Direito Eleitoral consiste no conjunto de


normas jurídicas que regulam o processo de alistamento, filiação partidária, convenções
partidárias, registro de candidaturas, propaganda eleitoral, votação, apuração,
proclamação dos eleitos, prestação de contas de campanhas eleitorais, e diplomação,
bem como as formas de acesso aos mandatos eletivos, através dos sistemas eleitorais2 .

Por seu turno, Fávila Ribeiro entende que o Direito Eleitoral dedica-se ao
estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do
poder de sufrágio popular, de modo que se estabeleça a precisa adequação entre a
vontade do povo e a atividade governamental3 .

Em seus Elementos de Direito Eleitoral, Cristiano Vilela de Pinho et al.


assinalam que o Direito Eleitoral é o ramos do Direito Público, cujo objeto são os
institutos, as normas e os procedimentos regularizadores dos direitos políticos, porquanto
normatiza o exercício do sufrágio com vistas à concretização da soberania popular4.

Percebe-se claramente que o Direito Eleitoral é um ramo do Direito Público,


voltado ao disciplinamento da manifestação dos Direitos Políticos por exercício do
sufrágio e das questões que lhes são circunstantes, porquanto o ponto central é a
concretização da democracia e da representação popular, dentro dos delineamentos
constitucionais em vigor.

Ao cautelosamente traçar limites para a propaganda eleitoral e para o


financiamento das campanhas eleitorais, impondo padrões de comportamento e regras a
serem seguidas por candidatos e agentes públicos, o que se pretende juridicamente é

1 Professor de Direito Eleitoral da UPE - Universidade de Pernambuco e da UNICAP -


Universidade Católica de Pernambuco.
2 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. Niterói: Impetus, 2015, p. 19
3 RIBEIRO, Fávila. Abuso de Poder no Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 12
4PINHO, Cristiano Vilela; CAETANO, Flávio Crocce; e GOMES, Wilton Luís da Silva. Elementos
de Direito Eleitoral. São Paulo: Suplegraf, 2010, p. 17.
viabilizar a concretização dos princípios e valores que envolvem o exercício do poder
político, nos moldes estabelecidos pela Constituição Federal, a fim de que a democracia
seja exercida por intermédio do voto universal, secreto, direto e periódico.

2. Fontes do Direito Eleitoral

Fonte de um ramo do Direito é o ambiente em que se estribam suas


normas. Nesse sentido, é evidente que a primeira fonte do Direito Eleitoral é a própria
Constituição, porquanto aborde a temática dos direitos políticos e várias nuances de seu
exercício. Em termo de Direito Eleitoral, Sávio Chalita aponta a existência de fontes
primárias (diretas) e de fontes secundárias (indiretas).

Para ele, são fontes primárias (ou diretas): a Constituição Federal, o Código
Eleitoral, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº
9.096/96) e a Lei Complementar nº 64/90 (lei das inelegibilidades); e fontes secundárias
(ou indiretas): as resoluções do TSE, as consultas ao TSE, o Código Civil, o Código de
Processo Civil, o Código Penal e o Código de Processo Penal5 .

3. Hermenêutica eleitoral e o princípio da razoabilidade

Nenhuma norma, por mais clara que aparente ser, dispensa ser
interpretada. A atividade é extremamente importante, porquanto confere alcance e
significado aos postulados legais, fazendo-lhes incidir (ou não), regular desse ou daquele
modo, uma determinada situação. Acerca da questão Ronaldo Dworkin afirma que o
direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do possível, que o
direito estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o
devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes
apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa6.

Isso significa que o dispositivo legal considerado em determinado problema


não deve ser compreendido de forma isolada, mas sim à vista do sistema em que se
encontra inserido. E o Direito Eleitoral não está alheio a todo esse debate, e nesse
sentido, a boa qualidade da interpretação se apoia na sua melhor justificação racional,
bem como sua adequação à Constituição Federal.

Em termos de hermenêutica, cumpre tangenciar aqui o princípio da


razoabilidade, que surge no pós-Segunda Guerra Mundial, com a fisionomia que mais se
aproxima de método cujo objetivo é alcançar uma decisão racional, que propriamente de
um princípio. Robert Alexy sugere a operacionalização do método por três etapas, a

5 CHALITA, Sávio. Manual Completo de Direito Eleitoral. Indaiatuba: Foco, 2014, 28-29.
6DWORKIN, Ronald. O império do Direito. (Trad. Jefferson Luiz Camargo) São Paulo: Martins
Fontes, 2010, 291.
saber: adequação, necessidade e proporcionalidade (em sentido estrito). É certo que o
critério (ou etapa) da adequação está atrelado à idoneidade, e à viabilidade, para que o
resultado possa ser alcançado. Já a necessidade se caracteriza quando é menos
gravoso para atingimento do objetivo visado. Por seu turno, proporcionalidade diz
respeito ao sopesamento de valores ou interesses conflitantes, que ensejam a
ponderação desses valores para que um se imponha sobre (ou se articule com) o outro.
Como preceitua Virgílio Afonso da Silva, diante de um caso concreto, deve-se observar a
ordem em que essas três regras aparecem, pois tal ordem é essencial. Contudo, não é
preciso que todas sejam sempre examinadas, porquanto há entre elas uma relação de
subsidiariedade7.

Essa harmonização deve considerar que os princípios não possuem todos a


mesma densidade, sendo certo, por exemplo, que a “vida” deve se sobrepor à
“propriedade”, p.ex. Contudo, é certo que a perspectiva do Direito favorece a
reconsideração de posicionamentos acerca de aparentes conflitos normativos
decorrentes de regras ou de princípios, que devem conviver e interagir com os demais
elementos do sistema para que se estabeleça um sistema normativo.

Nesse contexto, cabe aqui tratar do princípio da razoabilidade, intimamente


relacionado ao substantive due process of law, e que se encontra implícito na
Constituição Federal de 1988, e ao qual o Ministro Luís Roberto Barroso empresta uma
certa “fungibilidade” com relação à proporcionalidade, por acreditar que ambos os
termos abrigam valores semelhantes8.

Buscando delimitar os institutos, contudo, pode-se dizer que a


proporcionalidade se identifica mais como método, enquanto à razoabilidade cabe o
papel de princípio, eficaz para resguardar a racionalidade das decisões jurídicas,
identificando-se com aquilo que é consentâneo com a razão, o que é revestido de bom
sendo ou prudência, o que é justo ou equitativo, despontando em quatro dimensões
básicas, a saber: 1) a razoabilidade como exigência de razões públicas, sendo razoável
aquilo que pode ser justificado, independentemente de interesses sectários ou
particulares, bem como de doutrinas religiosas ou metafísicas; 2) a razoabilidade como
coerência, vedando-se ao Estado agir de modo contraditório; 3) a razoabilidade como
congruência, não se permitindo a adoção de medidas que não se amparem na
realidade. Nesse sentido, não se pode, por exemplo, estabelecer férias para
aposentados, p.ex.; e 4) a razoabilidade como equidade, permite que, em situações
excepcionais, as normas sejam adaptadas, em sua aplicação, às exigências do caso
concreto.

7SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
pp. 23-50.
8BARROSO, Luís Roberto. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, pp.
98-102.
4. Princípios do Direito Eleitoral

A despeito de eventuais acréscimos doutrinários razoáveis, e para efeitos


didáticos, assinale-se que o panorama jurídico eleitoral brasileiro é estruturado sobre
princípios gerais, todos de ordem constitucional, a exemplo dos princípios do devido
processo legal e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV), da legalidade da lei penal eleitoral
(art. 5º, XXXIX), da inafastabilidade da jurisdição eleitoral (art. 5º, XXXV) e da
estabilidade das relações jurídicas (art. 5º, XXXVI). Além desses, há outros, de
contornos mais ajustados ao Direito Eleitoral, especificamente, a saber:

4.1 Princípio da lisura das eleições

Contemplado no art. 23, da Lei Complementar nº 64/90, que assinala que o


tribunal formaram sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos
indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos , ainda
que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de
lisura eleitoral. Toda atuação da Justiça Eleitoral deve se pautar na preservação da
lisura das eleições, uma vez que eleições corrompidas, viciadas, fraudadas e usadas
como campo férias para a proliferação de crimes eleitorais costumam violar o princípio
democrático e burlar a vontade popular nele contida.

Marcos Ramayana assinala que a garantia da lisura das eleições nutre-se


de especial sentido de proteção aos direitos fundamentais da cidadania (cidadão-eleitor),
bem como encontra alicerce jurídico-constitucional nos arts. 1º, inciso II, e 14, §9º, da Lei
Fundamental9.

4.2 Princípio da igualdade eleitoral

É nitidamente um consectário do princípio genérico da igualdade de todos


perante a lei, dessa feita aplicado à dinâmica eleitoral a partidos, coligações, eleitores, e/
ou candidatos. Assim sendo, a disciplina jurídica aplicada aos partidos deve ser a
mesma, não se admitindo distinção entre organizações partidárias e coligações que
usufruam do mesmo contexto jurídico.

Exemplificativamente, quanto aos candidatos, a igualdade de regras para


alistamento eleitoral, filiação partidária, participação nas convenções partidárias, e
processo eleitoral de modo geral.

4.3 Princípio da proporcionalidade das penalidades eleitorais

9 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. Niterói: Impetus, 2015, p. 31.


Em Direito Eleitoral nem todos os ilícitos caracterizam crime,
evidentemente. Diante de um ilícito eleitoral, a Justiça Eleitoral deverá aferir a gravidade
da conduta violadora para impor a sanção respectiva de modo proporcional. A
jurisprudência do TSE agasalha esse princípio, porquanto afastou, p.ex., a incidência do
art. 81, da Lei nº 9.504/97, de acordo com a gravidade da conduta, em processo relatado
pela Ministra Carmem Lúcia (Recurso Especial Eleitoral nº 484-72/MG).

Entende-se, pois, que, dentro de um universo de ilegalidades, é necessário


que a Justiça Eleitoral guarde coerência e pertinência entre a penalidade aplicada e a
infração praticada, de modo que, quanto mais grave a infração, mais severa seja a
punição aplicada.

4.4 Princípio do aproveitamento do voto

O aproveitamento do voto deve pautar a atuação da Justiça Eleitoral, de


modo que a soberania popular seja preservada. Da mesma forma que o Direito Penal
trabalha com a idéia do in dubio pro reo, mutatis mutandi, em Direito Eleitoral trabalha-se
a idéia de in dubio pro voto. O aproveitamento do voto guarda estreita relação com a
lisura das eleições.

Este princípio foi ser invocado para evitar nulidade de votos contidos em
urnas eletrônicas ou nas cédulas, quando a Junta Eleitoral verificar que é possível, pela
adoção do princípio da razoabilidade, separar os votos nulos dos válidos (não
contaminados pela eventual fraude).

4.5 Princípio do sigilo das votações

O voto é secreto, desde 1892, no Brasil. A Constituição de 1988 estabelece


que a garantia do voto secreto é, inclusive, cláusula que não pode ser suprimida (cláusula
pétrea). O art. 312, do Código Eleitoral tipifica penalmente a conduta de quem viola ou
tenta violar o sigilo da votação.

Para assegurar o sigilo das votações, o art. 91-A, da Lei nº 9.504/97 proíbe
que o eleitor acesse a cabine de votação com máquinas fotográficas, filmadoras ou
aparelhos celulares. O sigilo do voto compreende, pelo menos, duas vertentes: a) para
que o eleitor não sofra pressões políticas quanto ao voto, e b) para não se permitir ao
terceiro (ou ao próprio eleitor) revelar seu voto ou publicá-lo ilegalmente.

4.6 Princípio da anualidade (ou anterioridade)

Insculpido no art. 16, da Constituição Federal, ele estabelece que a lei que
alterar o processo eleitoral entrará em vigor na das de sua publicação, e não se aplicará à
eleição que ocorra em até um ano da data de sua vigência. Esse dispositivo procura dar
segurança e estabilidade jurídica às eleições, posto que os pleitos não devem ficar à
mercê de inovações ou mudanças repentinas de última hora.

4.7 Princípio da celeridade

Se é verdade que a justiça em geral deve ser célere, essa verdade torna-se
verdadeiro dogma em termos eleitorais, já que as eleições obedecem a um calendário
apertado e não pode haver vácuo de poder. Essa celeridade processual destaca-se em
vários momentos, inclusive no art. 257, do Código Eleitoral que determina que a
execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, por comunicação, ofício ou
telegrama, pela simples cópia do acórdão. Em atenção à celeridade, os advogados dos
candidatos, partidos e coligações devem fornecer obrigatoriamente o número do fax,
telefone e endereço, inclusive eletrônico de seus escritórios, para as devidas
comunicações.

4.8 Princípio da execução imediata as decisões eleitorais

Por esse princípio, entende-se que as decisões da Justiça Eleitoral devem


ser cumpridas de forma célere, em observancia aos prazos fixados pelo calendário
eleitoral. Na Justiça Eleitoral, em regra, os recursos possuem apenas efeito devolutivo,
igualmente na forma do art. 257, do Código Eleitoral.

4.9 Princípio da preclusão instantânea

Mais um princípio que se articula com o princípio da celeridade, e pode ser


exemplificado pelo art. 147, §1º, do Código Eleitoral, no sentido de que a impugnação à
identidade do eleitor, formulada pelos membros da mesa, fiscais, delegados, candidatos
ou qualquer eleitor, será apresentada verbalmente ou por escrito, antes de ser o mesmo
admitido a votar.

Votou? Precluiu o direito de reclamar. Os arts. 149 e 223, ambos do Código


Eleitoral também exemplificam bem a preclusão instantânea. Após o voto do eleitor, não
se admite impugnação quanto à sua identidade, considerando a conclusão do ato do
sufrágio.

4.10 Princípio da irrecorribilidade das decisões do TSE

Este princípio é extraído do art. 281, do Código Eleitoral, a seguir transcrito:

art. 281. São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior, salvo as que


declararem a invalidade de lei ou ato contrário à Constituição Federal e as
denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança, das quais
caberá recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, interposto no
prazo de 3 dias.

Esses são os princípios mais destacados na seara do Direito Eleitoral. É


certo que há vários outros, muitas vezes consectários de alguns já apresentados, mas
esses são os que se apresentam para o momento.

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