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Representantes dos trabalhadores e despedimento:

uma proteção adequada e eficaz?

1. O direito à proteção adequada dos representantes dos trabalhadores

«Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informa-


ção e consulta, bem como à protecção legal adequada contra quaisquer formas
de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das
suas funções». Assim reza o n.º 6 do art. 55.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP). Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «a
proteção específica que é conferida aos representantes eleitos dos trabalhadores
decorre naturalmente da sua situação de particular “exposição” perante as
entidades empregadoras e as entidades públicas, encabeçando e dirigindo as
reivindicações para a defesa dos direitos dos restantes trabalhadores, o que os
transforma naturalmente em alvos privilegiados de retaliações ou outros abusos
de poder privado dessas entidades. Por isso acrescentam os Autores o
tratamento adequado deve ter particularmente em conta as dimensões garan-
tísticas necessárias contra os despedimentos sem justa causa, sobretudo os
despedimentos discriminatórios violadores dos princípios estruturantes do
Estado de direito democrático»1.
A matéria foi também objeto da Convenção n.º 135 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), adotada a 23 de Junho de 1971 (convenção
relativa aos representantes dos trabalhadores), a qual veio a ser aprovada, para
ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 263/76, de 8 de Abril. Nos termos do seu art.
1.º, «os representantes dos trabalhadores na empresa devem beneficiar de uma
proteção eficaz contra todas as medidas que lhes possam causar prejuízo,
incluindo o despedimento, e que sejam motivadas pela sua condição de
representantes dos trabalhadores ou pelas atividades dela decorrentes, pela sua
filiação sindical ou pela sua participação em atividades sindicais, na medida em
que atuem em conformidade com as leis, convenções coletivas ou outras
disposições convencionais em vigor».
Aquele art. 55.º, n.º 6, da CRP assume-se, assim, como uma inequívoca
credencial constitucional para uma tutela legal diferenciada dos representantes
eleitos dos trabalhadores. À luz desta norma, todos os representantes eleitos

1
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,
2007, p. 737, anotação XII ao art. 55.º.

1
dos trabalhadores (não apenas os representantes sindicais, mas também, por
exemplo, os membros das comissões de trabalhadores) gozam do direito a uma
proteção legal adequada. Não se trata, como é óbvio, de instituir um tratamento
privilegiado para esta classe de trabalhadores; trata-se, pelo contrário, de
respeitar escrupulosamente o princípio da igualdade, o qual, como é sabido,
manda tratar de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é desigual,
na proporção da respectiva diferença. Ora, a assunção de responsabilidades ao
nível das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores coloca aqueles
que são eleitos numa situação distinta da dos demais trabalhadores: serão eles
que, em princípio, irão encarnar a conflitualidade inerente à relação laboral,
serão eles que irão liderar os processos reivindicativos em relação à entidade
empregadora, serão eles os principais protagonistas do dissídio colectivo… o
que, evidentemente, os coloca numa situação de especial vulnerabilidade face
àquela. Daí que o art. 55.º, n.º 6, da CRP aponte para uma tutela reforçada
destes trabalhadores, assente numa dupla ratio: uma dimensão subjetiva,
consistente em acautelar a segurança no emprego dos trabalhadores em causa, e
uma dimensão objectiva, de molde a criar condições para o efectivo exercício da
liberdade sindical e dos direitos colectivos dos trabalhadores2.
Pergunta-se: a imposição legiferante contida no art. 55.º, n.º 6, da CRP
protecção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores
analisa-se numa simples permissão de diferenciação ou, mais do que isso, numa
autêntica obrigação de diferenciação? A nosso ver, protecção adequada significa
aqui, necessariamente, protecção diferenciada, isto é, implica um tratamento
específico, um regime especial, uma «mais-valia de protecção» para os traba-
lhadores em causa. Se assim não fosse, tratar-se-ia de modo igual o que é desi-
gual, o que se traduziria numa típica forma de violação do princípio da igual-
dade. E também não nos parece haver grandes dúvidas quanto à circunstância
de aquela differentia specifica na situação dos representantes eleitos reclamar um
regime legal diferenciado em matéria de despedimento patronal ou não fosse
nesta sede que, em primeira linha, se fazem sentir as tentações persecutórias e
os instintos retaliatórios da entidade empregadora3.

2
Sobre os fundamentos racionais e materiais para este tratamento garantístico, cfr., por
todos, GOMES CANOTILHO e JORGE LEITE, «A inconstitucionalidade da lei dos despedimentos»,
separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia, Coimbra, 1988, pp. 20 e 44-45.
3
Em sentido algo distinto, considerando nada impedir que, «estando garantida uma
proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores em sede de despedi-
mento, o legislador ordinário opte por alargar a mesma protecção a todos os trabalhadores», cfr.
JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora,

2
O Código do Trabalho (CT) em vigor dispõe de um conjunto de preceitos
relativos à proteção especial dos representantes dos trabalhadores4. Trata-se dos
arts. 408.º (crédito de horas), 409.º (faltas), 410.º (proteção em caso de
procedimento disciplinar e despedimento) e 411.º (proteção em caso de trans-
ferência). Vamos centrar a nossa atenção no art. 410.º, que se refere a um
aspetos particularmente delicado da disciplina jurídica da relação de trabalho, a
saber, o dos termos e condições em que o empregador poderá proceder ao
despedimento de um representante dos trabalhadores.

2. O despedimento patronal e o art. 410.º do Código do Trabalho

O art. 410.º do CT refere-se à «proteção em caso de procedimento


disciplinar e despedimento». Comecemos por transcrever este preceito, para em
seguida analisarmos o seu conteúdo normativo e a sua real valia protetora.

«1 – A suspensão preventiva de trabalhador membro de estrutura de


representação coletiva não obsta a que o mesmo tenha acesso a locais e exerça
atividades que se compreendem no exercício das correspondentes funções.
2 – Na pendência de processo judicial para apuramento de
responsabilidade disciplinar, civil ou criminal com fundamento em exercício
abusivo de direitos na qualidade de membro de estrutura de representação
coletiva dos trabalhadores, aplica-se ao trabalhador visado o disposto no
número anterior.
3 – O despedimento de trabalhador candidato a membro de qualquer dos
corpos sociais de associação sindical ou que exerça ou haja exercido funções nos
mesmos corpos sociais há menos de três anos presume-se feito sem justa causa.

Coimbra, 2005, p. 547, anotação XIII ao art. 55.º. Não podemos subscrever esta leitura do
preceito constitucional em questão. É certo que, como os Autores observam, o preceito exige
que os representantes eleitos dos trabalhadores tenham uma protecção adequada e não,
propriamente, uma proteção diferenciada. Parece-nos, no entanto, que um qualquer regime legal
igualitário em sede de despedimento desatenderia à supramencionada differentia specifica da
situação dos representantes face aos demais trabalhadores. Manifestamente, a CRP quer que o
legislador estabeleça um plus de proteção para aqueles, não se vislumbrando como é que, numa
óptica constitucionalmente adequada, tal plus poderá deixar de passar pelo regime do
despedimento.
4
As estruturas de representação coletiva dos trabalhadores que se encontram previstas
no art. 404.º do CT são as associações sindicais, as comissões e subcomissões de trabalhadores,
os conselhos de empresa europeus e os representantes dos trabalhadores para a segurança e
saúde no trabalho.

3
4 – A providência cautelar de suspensão do despedimento de
trabalhador membro de estrutura de representação coletiva dos trabalhadores
só não é decretada se o tribunal concluir pela existência de probabilidade séria
de verificação da justa causa invocada.
5 – A ação de apreciação da licitude do despedimento de trabalhador a
que se refere o número anterior tem natureza urgente.
6 – Em caso de ilicitude de despedimento por facto imputável ao
trabalhador membro de estrutura de representação coletiva, este tem direito a
optar entre a reintegração e uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do
artigo 392.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, não
inferior à retribuição base e diuturnidades correspondentes a seis meses».

2.1. Procedimento disciplinar e suspensão preventiva

A título preliminar, diga-se que os representantes dos trabalhadores não


gozam de qualquer imunidade disciplinar perante a entidade empregadora.
Enquanto trabalhadores, também eles se encontram sujeitos ao poder
disciplinar patronal, como decorre do art. 98.º do CT. Em qualquer caso, é óbvio
que a natureza das funções que exercem não deixa de se refletir na análise das
suas condutas, nesta sede. Assim, se, em geral, é reconhecida, no âmbito da
empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião,
por parte dos trabalhadores (nos termos do art. 14.º do CT), cremos que os
representantes eleitos não podem deixar de beneficiar de uma liberdade de
expressão forte, qualificada (um plus de liberdade), pois eles encarnam a
conflitualidade própria da relação de trabalho e são o porta-voz do coletivo que
os elegeu. Com efeito, a liberdade de expressão pressupõe a crítica, por vezes a
crítica dura. E a latitude da liberdade de expressão de um representante eleito
não pode deixar de ser superior à de um qualquer trabalhador comum. A
garantia do exercício da liberdade sindical e a ideia-chave de democracia na
empresa implicam que o representante eleito disponha de uma “liberdade de
palavra” bastante ampla. Neste sentido, cremos que um representante eleito
não poderá deixar ser assimilado a um jornalista, enquanto chien de garde da
democracia. E, mesmo quando se exceda na crítica, a medida do excesso deverá
ser adequadamente ponderada em sede disciplinar, com recurso a juízos de
proporcionalidade5.

5
Em sentido que cremos convergente, aludindo, em sede de valoração disciplinar dos
comportamentos dos representantes dos trabalhadores, à devida ponderação especial dos

4
Na prática, porém, cremos que isto nem sempre tem sucedido, a nossa
jurisprudência nem sempre revela sensibilidade para efetuar a necessária
concordância prática entre os vários direitos fundamentais em liça. Por vezes,
invoca-se mesmo que se a um delegado ou dirigente sindical, no exercício das
respetivas funções, deve ser reconhecida uma maior amplitude quanto à
liberdade de expressão, também lhe deverão ser exigidas maiores cautelas com
os termos que escolhe para veicular as suas críticas, devido ao cargo que ocupa.
Ora, confessamos ter as maiores reservas em relação a este tipo de
argumentação, que dá com uma mão e logo retira com a outra. O representante
dos trabalhadores tem especiais responsabilidades perante os que o elegeram,
responde perante estes pela forma como exerce as suas funções. E as funções
que desempenha não o obrigam a tornar-se numa espécie de colaborador
exemplar do empregador, qual “menino de coro”. Dir-se-ia até que pelo
contrário: as funções que desempenha obrigam-no, amiúde, a assumir,
protagonizar e verbalizar o conflito com a entidade empregadora6.
Em qualquer caso, a possível responsabilidade disciplinar do
representante eleito perante a entidade empregadora existe, de forma
indiscutível. Ora, segundo a regra geral contida no n.º 5 do art. 329.º do CT,
«iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o
trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o
pagamento da retribuição». Na mesma linha, o n.º 1 do art. 354.º do CT
estabelece que, «com a notificação da nota de culpa, o empregador pode
suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar
inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição»7.
Pois bem: tratando-se de um representante dos trabalhadores, a respetiva
suspensão preventiva não obsta ao exercício normal das suas funções de repre-
sentante, como resulta do art. 410.º, n.º 1. Dir-se-ia que o trabalhador poderá ser
preventivamente suspenso, mas não o representante eleito. As suas funções laborais
poderão ver-se transitoriamente paralisadas, mas as suas funções repre-

padrões correntes ligados à natureza das funções que exercem, pelo que a apreciação das suas
condutas, sob o ponto de vista disciplinar, «pode ter que ser matizada pela consideração do
facto de se inserirem na ação sindical e corresponderem a padrões de comportamento próprios
das atividades reivindicativas e reclamatórias», ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do
Trabalho, 18.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pp. 671 e 700.
6
Para uma boa ilustração do que vem de ser dito, seja-nos permitido remeter para o
nosso «Enredado: o Facebook e a justa causa de despedimento», Revista de Legislação e de
Jurisprudência, n.º 3994, Setembro-Outubro 2015, pp. 190-198.
7
O n.º 2 deste artigo esclarece que, em determinadas hipóteses e dentro de certos limi-
tes, a suspensão preventiva poderá mesmo anteceder a notificação da nota de culpa.

5
sentativas já não. Daí que a lei, sem excluir a possibilidade de suspensão
preventiva do trabalhador-representante, logo esclareça que a mesma não
poderá impedir ou dificultar o acesso deste aos locais de trabalho, bem como o
desempenho das atividades que se compreendam no exercício das suas funções
de representante. Trata-se de uma solução lógica, que salvaguarda os interesses
coletivos para defesa dos quais o trabalhador foi eleito, e que, aliás, tem reflexo
em outras disposições codicísticas8.
O mesmo vale, segundo o n.º 2 do artigo, na pendência de processo
judicial para apuramento de responsabilidade disciplinar, civil ou criminal com
fundamento em exercício abusivo de direitos na qualidade de membro de
estrutura de representação coletiva dos trabalhadores enquanto estiver
pendente tal processo, o representante eleito pode aceder ao local de trabalho e
exercer as atividades correspondentes à respetiva função.

2.2. A presunção legal de ausência de justa causa

Em matéria de despedimento, o n.º 3 do art. 410.º do CT estabelece uma


presunção de inexistência de justa causa. O despedimento de trabalhadores
candidatos ao exercício de funções sindicais, ou que as exercem ou exerceram
nos últimos três anos, «presume-se feito sem justa causa», afirma o preceito.
Prima facie, resulta desta norma um regime probatório privilegiado, mais
vantajoso para o representante eleito que tenha sido objeto de um despedi-
mento do que aquele aplicável à generalidade dos trabalhadores. A vantagem
regimental residiria na circunstância de, neste caso, ao contrário das demais
situações, se presumir juris tantum que o despedimento do trabalhador-repre-
sentante foi efetuado sem justa causa, assim cabendo ao empregador fazer
prova dos factos constitutivos da justa causa de despedimento.
A verdade, porém, é que esta vantagem só o é na aparência. Com efeito,
é ponto assente que, em todo e qualquer caso de despedimento com alegação de
justa causa, sempre recai sobre o empregador, nos termos do art. 342.º do
Código Civil, o ónus de provar os factos que integram a referida justa causa e
que, portanto, legitimam o despedimento. Repete-se: não existe, na economia
do CT, qualquer presunção de justa causa de despedimento, pelo que o onus

8
Veja-se, a este propósito, o art. 308.º do CT, relativo à suspensão do contrato de traba-
lho por facto respeitante ao empregador (situações de crise empresarial), o qual também escla-
rece que tal suspensão não prejudica o direito ao exercício normal das funções representativas
no interior da empresa.

6
probandi estará, invariavelmente, a cargo do empregador; a este competirá, em
qualquer caso, provar que o trabalhador incorreu em violação contratual e que
as infrações disciplinares pelo mesmo cometidas assumiram gravidade tal que
inviabilizaram (isto é, tornaram inexigível) a manutenção do contrato.
Ora, se assim é, parece inevitável extrair a seguinte conclusão, ainda que
um tanto desconsoladora: em rigor, o n.º 3 do art. 410.º do CT consiste numa
norma desprovida de conteúdo útil uma norma, dir-se-ia, de embalagem
vistosa, cujo invólucro atrai o olhar, mas cujo conteúdo se revela dececionante9.

2.3. Os meios de reação contra o despedimento

Não existe entre nós, atualmente, qualquer sistema de tutela preventiva


dos trabalhadores-representantes em matéria de despedimento. Ou seja, a deci-
são de despedimento pode ser tomada pelo empregador, no termo do compe-
tente procedimento disciplinar, sem que alguma entidade externa e imparcial
seja chamada a controlar/autorizar tal despedimento. Aqui, como em geral
sucede, o empregador é o acusador e é o primeiro juiz: a ele cabe instaurar o
procedimento disciplinar, remetendo ao trabalhador a respetiva nota de culpa
(empregador-acusador); e a ele cabe decidir, a final, se sanciona ou não o
trabalhador e, em caso afirmativo, se o sanciona com o despedimento (empre-
gador-juiz).
Em todo o caso, sendo certo que o ordenamento juslaboral reconhece a
existência de um autêntico poder punitivo autotutelar na esfera do empregador,
nenhuma dúvida existe quanto à possibilidade de o exercício daquele poder
punitivo particular vir, a posteriori, a ser escrutinado e sindicado pelos tribunais.
E isto é válido, em matéria de despedimento, quer em relação ao representante
eleito, quer em relação ao trabalhador comum. Um e outro podem, nos termos
gerais, recorrer à providência cautelar da suspensão judicial do despedimento
(art. 386.º do CT) e intentar a ação de impugnação do despedimento, ao abrigo
do disposto no art. 387.º do mesmo Código.
Significa isto que não há quaisquer especificidades regimentais, quanto
aos meios reactivos colocados à disposição do trabalhador-representante
despedido? Não. Os n.º 4 e 5 do art. 410.º introduzem, na verdade, alguns

9
Registe-se, ainda assim, o esforço interpretativo de LUÍS GONÇALVES DA SILVA, Autor
que tenta, a nosso ver sem grande êxito, encontrar um sentido útil para este preceito Código do
Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez et al., 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, pp. 945-947.

7
desvios (convenhamos que ligeiros) face ao regime aplicável aos demais traba-
lhadores. Vejamos quais.

2.3.1 Suspensão do despedimento facilitada

Como deverá o juiz decidir, caso um qualquer trabalhador seja despe-


dido e recorra à providência cautelar, requerendo a suspensão preventiva do
despedimento? Responde o art. 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho
(CPT): «A suspensão do despedimento é decretada se não tiver sido instaurado
processo disciplinar, se este for nulo ou se o tribunal, ponderadas todas as circuns-
tâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa»
(itálico nosso). E quando se trate da suspensão do despedimento de um repre-
sentante eleito? Responde o n.º 4 do art. 410.º do CT: «… esta só não é decretada se
o tribunal concluir pela existência de probabilidade séria de verificação da justa causa
invocada» (itálico nosso).
Deparamos aqui com uma nuance, porventura pouco significativa na
prática, mas ainda assim uma nuance: ao passo que, para o trabalhador comum,
a lei reclama uma convicção forte do julgador para que a providência cautelar
seja concedida (probabilidade séria de inexistência de justa causa), já no tocante
ao representante eleito a lei mostra-se menos exigente, na medida em que a
providência só não será decretada caso exista probabilidade séria de verificação
de justa causa. Dir-se-ia, pois, que, em caso de dúvida, a providência será
concedida ao representante eleito, mas não já ao trabalhador comum. Ainda
assim, e pela nossa parte, temos algumas dúvidas quanto à real “mais-valia”
protectora desta nuance legal. Não será, também esta, uma norma simpática mas
pouco mais do que ornamental?10

2.3.2. Impugnação do despedimento acelerada?

Se a concessão da providência cautelar é, ao menos teoricamente, facili-


tada em relação ao representante eleito, também em sede de impugnação do
despedimento o legislador emite um sinal de (aparente) maior presteza: nos
termos do n.º 5 do art. 410.º do CT, as acções de impugnação judicial do

10
Descortinando maiores potencialidades nesta disparidade regimental, BERNARDO
LOBO XAVIER qualifica como «sensível» a vantagem oferecida, nesta matéria, aos representantes
eleitos Manual de Direito do Trabalho, 4.ª ed., Rei dos Livros, 2020, p. 205. Sobre esta nuance
regimental, vd. ainda PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 9.ª ed., Almedina, Coimbra,
2019, p. 1121.

8
despedimento dos representantes eleitos têm «natureza urgente». Significaria
isto que o escrutínio judicial do despedimento seria, nestes casos,
tendencialmente mais rápido11, com as inerentes vantagens para todas as partes
envolvidas: para o trabalhador, a quem a celeridade convém, até para,
eventualmente, poder retomar o seu posto de trabalho; mas também para o
empregador, o qual, em caso de despedimento ilícito, verá os respetivos custos
aumentar na razão direta do tempo que mediar entre o despedimento e o trân-
sito em julgado da decisão condenatória (“salários intercalares”, “indemnização
de antiguidade”, etc.).
Acontece, todavia, que a ação de impugnação da regularidade e licitude
do despedimento, prevista no art. 387.º do CT e regulada nos arts. 98.º-B a 98.º-P
do CPT, possui, também ela, natureza urgente. E o mesmo se passa, de resto,
com a ação de impugnação do despedimento coletivo, prevista no art. 388.º do
CT e regulada nos arts. 156.º a 161.º do CPT12. Vale dizer, prima facie, todas as
ações de impugnação do despedimento possuem, hoje, caráter urgente, pelo
que a mais-valia representada pelo n.º 5 do art. 410.º se reduz, quase, a zero.
Note-se, no entanto, que a ação de impugnação judicial da regularidade e
licitude do despedimento consiste numa ação declarativa de condenação cujo
âmbito de aplicação se circunscreve aos casos «em que seja comunicada por
escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto
imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por
inadaptação» (art. 98.º-C do CPT). Exige- se, pois, para que o trabalhador lance
mão desta ação, que tenha havido uma decisão patronal de despedimento,
inequívoca e formalizada. Destarte, se o que se verificou foi, por exemplo, uma
decisão de despedimento meramente verbal, ou se a ligação contratual entre os
sujeitos cessou, alegadamente, por outra via que não o despedimento (pense-se,
desde logo, na hipótese de um contrato que o empregador considera ser um
contrato a termo, acionando a respetiva caducidade, mas que o trabalhador
considera ser um contrato sem termo, ilicitamente dissolvido pelo empregador;
ou na hipótese de contrato cuja qualificação jurídica é discutida, entendendo o
beneficiário dos serviços que se trata de um contrato de prestação de serviço, ao
passo que o prestador entende tratar-se de um verdadeiro contrato de trabalho,
feito cessar sem justa causa pelo empregador), parece que neste tipo de casos o

11
Tendo a ação natureza urgente, os prazos processuais não se suspendem durante as
férias judiciais, conforme resulta do art. 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
12
Sobre esta matéria, vd., por todos, JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, pp. 101-147.

9
trabalhador terá de recorrer a uma ação com processo comum, dispondo de um
ano para intentar a correspondente ação. À luz do CPT revisto, não existe,
portanto, unicidade em matéria de reação do trabalhador ao despedimento.
Nuns casos, a ação apropriada deverá ser a especial (ação de impugnação
judicial da regularidade e licitude do despedimento), noutros terá de ser a ação
comum. E, quando desta ação comum se tratar, nos limitados casos em que se
aplica, aí sim a tutela especial conferida pelo n.º 4 do art. 410.º do CT aos
representantes eleitos poderá ter algum significado. Mas, repete-se, apenas
neste limitados e contados casos.
Tudo visto e ponderado, reconhecer-se-á que, no atinente aos meios de
reação contra o despedimento colocados à disposição do trabalhador-repre-
sentante, o reforço da posição deste não é muito substancial, é mesmo marginal.
Há ganhos comparativos, há uma «mais-valia protectora», mas esta é pouco
significativa. Pouquíssimo significativa.

2.4. Os efeitos da ilicitude do despedimento

Em caso de despedimento ilícito, que direitos possui o trabalhador-repre-


sentante? Existem, nesta matéria, diferenças de regime face aos demais traba-
lhadores? E quais? Segundo o n.º 6 do art. 410.º do CT, «em caso de ilicitude de
despedimento por facto imputável ao trabalhador membro de estrutura de
representação coletiva, este tem direito a optar entre a reintegração e uma
indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 392.º»13. Que comentários
merece esta norma? E que dúvidas suscita?
Em termos gerais, dir-se-á que, quanto aos efeitos da ilicitude do
despedimento, a nossa lei concede ao representante eleito a opção pela reinte-
gração na empresa ou pela perceção de uma «indemnização de antiguidade»
majorada (majorada, leia-se, em relação aos demais trabalhadores). Na verdade,
a opção reintegração/indemnização substitutiva é concedida a qualquer traba-
lhador que tenha sido alvo de um despedimento ilícito, conforme resulta do
disposto nos arts. 389.º e 391.º do CT14. Simplesmente, ao passo que, para a

13
Recorde-se que, de acordo com a segunda parte deste preceito, a indemnização
devida ao trabalhador-representante ilicitamente despedido poderá ser estabelecida em
instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, sempre com observância do limite
mínimo constituído pela retribuição base e diuturnidades correspondentes a seis meses.
14
Sobre o tema, seja-nos permitida a remissão para JOÃO LEAL AMADO, MILENA SILVA
ROUXINOL, JOANA NUNES VICENTE, CATARINA GOMES SANTOS e TERESA COELHO MOREIRA, Direito
do Trabalho – Relação Individual, Almedina, Coimbra, 2019, pp.

10
generalidade dos trabalhadores, esta indemnização substitutiva será calculada
«entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo
ou fracção de antiguidade» (n.º 1 do art. 391º), não podendo ser inferior a três
meses (n.º 3), tratando-se de um trabalhador-representante a sua indemnização
será calculada entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada
ano completo ou fração de antiguidade, não podendo ser inferior a seis meses
(n.º 3 do art. 392.º, por remissão do n.º 6 do art. 410.º). E nesta «indemnização de
antiguidade» majorada residiria, afinal, a especial tutela deferida aos repre-
sentantes eleitos, quanto aos efeitos do despedimento ilícito.
Note-se que o n.º 6 do art. 410.º se refere, tão-só, ao caso de ilicitude do
despedimento por facto imputável ao trabalhador, isto é, às situações em que o
trabalhador é despedido, com invocação de justa causa. A previsão normativa
não abrange, assim, outras hipóteses de despedimento ilícito do representante
eleito, sem que se perceba muito bem porquê. Pense-se, por exemplo, num
despedimento por alegada inadaptação ou por suposta extinção do posto de
trabalho, em que a necessidade de tutela dos representantes dos trabalhadores
face a eventuais “desvios de poder” patronal se faz igualmente sentir, pois
também aqui o empregador poderá ser tentado a utilizar estas faculdades
extintivas em ordem a discriminar aqueles trabalhadores15.
Coloca-se, porém, uma questão suplementar, cuja resolução não se
mostra simples. Suponhamos que o trabalhador-representante labora numa
microempresa. Ou que o mesmo ocupa, na empresa, um cargo de administra-
ção ou de direção. Sabemos que, nestas duas hipóteses, o CT confere ao
empregador a faculdade de se opor à reintegração do trabalhador ilicitamente
despedido, «com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso
do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da
empresara» (art. 392.º, n.º 1). Pergunta-se: será esta oposição patronal à
reintegração admissível, quando o trabalhador em causa acumule a condição de
representante eleito com a de trabalhador dirigente ou que labora numa
microempresa?
Questão delicada. Como decidir? Por um lado, dir-se-á, o n.º 6 do art.
410.º limita-se a dizer que o trabalhador despedido «tem direito a optar entre a

15
Em todo o caso, o limite mínimo da indemnização poderá ascender à retribuição base
e diuturnidades correspondentes a doze meses de serviço, caso o tribunal conclua que o
despedimento foi motivado pelo facto de o trabalhador exercer funções em estruturas de
representação coletiva dos trabalhadores (cfr., a este propósito, o art. 331.º, n.º 1-c) e n.º 6-b), do
CT). Tratar-se-á, então, mais do que de um despedimento ilícito, de um autêntico despedimento
abusivo.

11
reintegração e uma indemnização», sem aludir a qualquer hipótese de oposição
patronal àquela reintegração. Logo, esta faculdade patronal decairia, atento o
silêncio do legislador… Mas este é, decerto, um argumento débil, pois do que se
trata é de concatenar os preceitos, isto é, de saber como se conjugam os artigos
em causa (arts. 391.º, 392.º e 410.º do CT), apurando se, à opção reintegratória
exercida pelo trabalhador-representante, o empregador poderá ou não retorquir
e manifestar a sua oposição a tal reintegração.
De outra parte, invocar-se-á o argumento do “lugar paralelo” constituído
pelo regime estabelecido para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes
(ou trabalhadores no gozo de licença parental), caso em que a lei afirma,
expressis verbis, que o empregador não se pode opor à reintegração do
trabalhador ilicitamente despedido (art. 63.º, n.º 8, do CT). Alegar-se-á, nesta
linha, que se a lei tivesse querido excluir idêntica faculdade patronal em sede de
despedimento de representantes eleitos, nada mais simples do que dedicar um
n.º 7 do art. 410.º a tal proibição... Não existindo semelhante disposição
proibitiva, nada justificaria que se impedisse a entidade empregadora de fazer
uso de tal faculdade contra um representante eleito dos trabalhadores.
Tendo, decerto, algum peso, este argumento também não se nos afigura
decisivo. Tem o peso, é claro, de mostrar que a questão é de resposta líquida
quanto àquelas trabalhadoras, abrangidas pelo art. 63.º, mas nem por isso
resolve o problema no que concerne aos representantes eleitos. Desde logo
porque, a nosso ver, também não poderá ser ignorado um outro dado
normativo. Com efeito, o mesmo legislador que veio conceder ao empregador a
faculdade de se opor à reintegração do trabalhador ilicitamente despedido, nos
casos do n.º 1 do art. 392.º, não deixou de compensar o trabalhador em sede de
indemnização substitutiva: como se sabe, se for o próprio trabalhador a optar
pela indemnização em detrimento da reintegração, aquela será calculada nos
termos dos n.º 1 e 3 do art. 391.º (em regra, entre 15 e 45 dias de retribuição por
cada ano, com o mínimo de 3 meses); porém, se o trabalhador optar pela
reintegração e o empregador se opuser à mesma, caso esta oposição patronal
seja julgada procedente pelo tribunal o trabalhador já receberá uma
indemnização majorada, nos termos do n.º 3 do art. 392.º (entre 30 e 60 dias de
retribuição, com o mínimo de 6 meses). E, note-se, esta majoração
indemnizatória compreende-se sem dificuldade, revelando-se mesmo de uma
lógica inatacável afinal, aqui o trabalhador foi ilicitamente despedido e
pretende ser reintegrado, sendo que, apesar disso, o tribunal acaba por
sacrificar o seu emprego no altar das conveniências empresariais…

12
Ora, sucede que este mecanismo compensatório (oposição patronal à
reintegração julgada procedente, indemnização substitutiva majorada para o
trabalhador) não existe em relação aos trabalhadores-representantes. Aqui,
conforme decorre do n.º 6 do art. 410.º do CT, caso o trabalhador despedido
opte, ele mesmo, pela indemnização, esta já será calculada nos termos do n.º 3
do art. 392.º (30-60 dias por ano, mínimo de 6 meses). E, se entendermos que o
empregador poderá lançar mão da faculdade de oposição prevista no art. 392.º,
n.º 1, ainda que esteja em causa um representante eleito, então a alternativa
será, para este trabalhador, receber a mesmíssima indemnização a que teria
direito caso ele mesmo tivesse optado pela indemnização… Que compensação
pela reintegração frustrada? Zero! Que preço a pagar pela oposição à reintegra-
ção? Nenhum!
Ou não estamos a ver bem o problema, ou algo não está bem nesta
“radiografia normativa”… Daí que sejamos levados a concluir, ainda que com
dúvidas, que da leitura conjugada do material normativo relevante se deverá
extrair a regra segundo a qual o empregador não poderá opor-se à reintegração
na empresa de um representante eleito que tenha sido ilicitamente despedido,
qualquer que seja a dimensão da empresa e qualquer que seja o cargo ocupado
pelo trabalhador na mesma. Dir-se-á, deste ponto de vista, que se o legislador
pretendesse admitir aquela oposição patronal teria, decerto, criado um n.º 7 do
art. 410.º, majorando a indemnização devida ao representante eleito caso a
oposição fosse julgada procedente pelo tribunal…
Seja como for, ainda que se proceda a uma outra leitura dos dados
normativos, concluindo pela possibilidade de recurso ao n.º 1 do art. 392.º em
caso de despedimento de um trabalhador-representante, sempre haverá que
não ignorar o n.º 2 do mesmo preceito, do qual decorre a inaplicabilidade da
oposição à reintegração «sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em
motivo político, ideológico, étnico ou religioso, ainda que com invocação de
motivo diverso»16. Ou seja, caso se trate de um despedimento discriminatório,
de um caso em que o trabalhador-representante foi despedido por ser repre-
sentante, então estaremos perante um despedimento abusivo, que permitirá ao
trabalhador optar entre a reintegração (sem possibilidade de oposição patronal)
e a «indemnização de antiguidade», com o limite mínimo majorado previsto no

16
Cremos que esta norma se aplica, não apenas quando o despedimento se funde em
motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, mas também quando ele se baseie em
qualquer forma inadmissível de discriminação. De resto, parece-nos que um despedimento de
um representante devido à sua atividade sindical, por exemplo, poderá qualificar-se como um
despedimento baseado em motivos políticos ou ideológicos, para efeitos desta norma.

13
art. 331.º, n.º 6, al. b), do CT. Neste quadro, só quando o despedimento do
trabalhador-representante se mostrasse ilícito mas não discriminatório (isto é,
desprovido de justa causa mas não motivado pelo especial estatuto desse
trabalhador) se poderia colocar o problema da oposição patronal à reintegração.

3. Balanço: uma proteção adequada e eficaz?

Tendo passado em revista as normas codicísticas destinadas a conceder


ao trabalhador-representante uma especial proteção em caso de despedimento,
julgamos poder concluir, com segurança, que o balanço não é famoso. Com
efeito, a lei institui uma presunção de inexistência de justa causa sem conteúdo
útil, introduz uma nuance pouco significativa em matéria de suspensão do
despedimento, aparenta conferir (mas, na verdade, quase não confere) maior
celeridade à ação de impugnação do despedimento (o que aproveita ao
empregador, tanto ou mais do que ao trabalhador), eleva o montante da
indemnização substitutiva da reintegração mas não esclarece se o empregador
poderá, nesta sede, opor-se à reintegração do trabalhador-representante
ilicitamente despedido…17
De todo o modo, julgamos que a principal pecha do atual sistema de
tutela dos representantes eleitos face ao despedimento é de ordem temporal,
sequencial, cronológica, visto que todos estes (muito débeis) mecanismos de
tutela apenas operam a posteriori, isto é, já depois de o despedimento se
consumar: presunção de ausência de justa causa, suspensão e impugnação do
despedimento, indemnização majorada, etc. Ora, como há muito afirmaram
GOMES CANOTILHO e JORGE LEITE, «o direito à proteção adequada dos
representante eleitos dos trabalhadores é um direito incindível de garantias
processuais e procedimentais». «O problema fundamental acrescentam, a
nosso ver com inteira razão, os Autores é o de saber se a proteção adequada
dos representantes dos trabalhadores não exigirá uma dimensão
procedimental/processual traduzida num due process que, preventivamente,
impeça à entidade patronal a consumação do despedimento de um

17
Registe-se, ademais, que o CT aboliu a preferência na manutenção do emprego dentro
da mesma secção e categoria, outrora concedida aos representantes dos trabalhadores pela
legislação, em sede de despedimento coletivo (constante do art. 23.º do revogado Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27-2). Ora, a preferência concedida pela anterior legislação, sendo discutível, não
correspondia a outra coisa senão à proteção de alvos prediletos de represália.

14
representante dos trabalhadores com base em qualquer aparência de justa
causa»18.
Um sistema de tutela preventiva face ao despedimento dos
representantes eleitos existiu, entre nós, ao abrigo da Lei n.º 68/79, de 9 de
outubro (reserva de ação judicial prévia)19, tendo sido abandonado a partir de
1989. Mas esse sistema existe hoje, no domínio do CT, quando se trate do
despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, ou de trabalhador
no gozo de licença parental, o qual «carece de parecer prévio da entidade
competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres»
(n.º 1 do art. 63.º), isto é, da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego -
CITE20.
Pergunta-se: tendo em conta a norma inscrita no art. 55.º, n.º 6, da CRP
direito à proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores
contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do
exercício legítimo das suas funções , não seria mais curial reintroduzir no
nosso ordenamento um qualquer sistema de tutela preventiva nesta matéria, à
imagem do que vigora para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes?
Não seria mais adequado, numa ótica de ponderação dos bens e valores
constitucionais, prevenir do que punir, evitar do que reagir?
Certo, o ordenamento jurídico deve tutelar com particular carinho uma
trabalhadora grávida, por exemplo, visto que ela é, amiúde, alvo de
procedimentos discriminatórios. Mas não se passará o mesmo, mutatis mutandis,
em relação a um delegado sindical ou a um membro da comissão de
trabalhadores? Parece-nos que só alguma ingenuidade permitirá dar uma
resposta negativa a esta questão. Trata-se, em ambos os casos, de trabalhadores
particularmente expostos, particularmente vulneráveis ao exercício abusivo dos
poderes patronais, seja por poderem implicar, na ótica do empregador, um

18
«A inconstitucionalidade da lei dos despedimentos», cit., pp. 48 e 80.
19
Esta lei estabelecia um sistema de controlo judicial prévio do despedimento destes
trabalhadores. Era, sempre, o empregador a proferir o despedimento, mas só por meio de ação
judicial, se, durante o procedimento disciplinar, o trabalhador em causa e a respetiva estrutura
de representação coletiva se tivessem pronunciado contra o despedimento. O tribunal tinha,
assim, de dar luz verde para que o despedimento se consumasse, sob pena de invalidade do
mesmo. Sobre este diploma, por todos, JORGE LEITE, Coletânea de Leis do Trabalho, Coimbra
Editora, 1985, pp. 276-278.
20
Caso este parecer não seja solicitado, o despedimento será ilícito (al. d) do art. 381.º).
E, se o parecer for desfavorável ao despedimento, este só poderá ser efetuado pelo empregador
após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo (n.º 6 do art. 63.º). Sobre
a CITE, JORGE LEITE e MILENA SILVA ROUXINOL, «Enquadramento jurídico-institucional», in
Virgínia Ferreira e Rosa Monteiro, Trabalho, Igualdade e Diálogo Social, Estudos 9, CITE, 2013, pp.
61-102.

15
custo, uma perturbação da normalidade produtiva da empresa (no caso da
trabalhadora grávida ou do trabalhador no gozo de licença parental), seja por se
poderem revelar trabalhadores incómodos, que reivindicam e, amiúde, criticam
(no caso dos representantes eleitos)21.
Objetar-se-á que a maternidade e a paternidade constituem valores
sociais eminentes, de acordo com o próprio texto constitucional (art. 68.º, n.º 2,
da CRP) coisa que, por óbvia, não se discute. Mas não se deverá ignorar que
as associações sindicais (e as restantes estruturas de representação coletiva dos
trabalhadores) constituem peças essenciais de qualquer democracia digna desse
nome. E aqueles que, numa relação fortemente assimétrica e marcadamente
conflitual como é a relação laboral, assumem a condição de representantes dos
trabalhadores, carecem de uma proteção adequada (segundo a CRP) e eficaz
(segundo a OIT) coisa que, pelos motivos expostos, é muito discutível que
exista no nosso ordenamento.
Trata-se, sem dúvida, de um sinal dos tempos. Tempos em que os
direitos dos trabalhadores ligados à sua condição de pessoa, de cidadão, de pai
ou de mãe, tendem a ser valorizados (e bem!). Mas tempos, outrossim, em que
os direitos laborais qua tale, os direitos dos trabalhadores enquanto
trabalhadores, sobretudo os seus direitos coletivos, não gozam de grande
cotação (mas mal!). Produto, quiçá, de um tempo pós-moderno mais
individualista, das conceções ideológicas neoliberais dominantes, das novas
tecnologias e das novas formas de viver e de trabalhar, da globalização
capitalista, das novas estruturas empresariais, pequenas e em rede, de um outro
perfil de trabalhador, cada vez mais qualificado e menos dado ao coletivo ou
motivado para a solidariedade, o certo é que o Direito do Trabalho vem
experimentando uma evolução ambivalente.
Contudo, aquelas são, ambas, dimensões importantes, a da pessoa (a
grávida, a mãe, o pai) que existe em cada trabalhador, a do trabalhador que
existe em muitas pessoas. E, em ambos os casos, quer em virtude da condição
de gravidez quer da condição de representante, a vulnerabilidade do
trabalhador-pessoa perante o empregador e os seus poderes acentua-se. A
criação de mecanismos de tutela preventiva dos seus direitos, que previnam a

21
Sublinhando que a situação dos representantes dos trabalhadores, em matéria de
despedimento, apresenta marcadas semelhanças com a das trabalhadoras grávidas, puérperas
ou lactantes, e dos trabalhadores em gozo de licença parental, dado que, embora por razões
diferentes, se trata de trabalhadores mais vulneráveis perante o empregador, ROSÁRIO PALMA
RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte III – Situações Laborais Coletivas, Almedina,
Coimbra, 2012, p. 82.

16
violação da segurança no emprego desses trabalhadores-representantes e que
criem condições para o efetivo exercício da liberdade sindical, afigura-se ser a
melhor se não mesmo a única forma de dar corpo ao mandato constante do
n.º 6 do art. 55.º da CRP, assim logrando conceder a estes direitos fundamentais
a “proteção jurídica temporalmente adequada” reclamada, há muito, por
GOMES CANOTILHO22.

João Leal Amado

22
Na Lição de GOMES CANOTILHO, qualquer direito fundamental pressupõe um suporte
procedimental, qualquer direito material postula uma dimensão processual, cabendo ao Estado
conformar e ordenar as relações jurídicas privadas, de modo a evitar a violação dos direitos,
criando instrumentos procedimentais adequados à defesa e à garantia de eficácia desses direitos
– Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 75-78.

17

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