Você está na página 1de 11

CAMPANHA ELEITORAL:

ABUSO DO PODER RELIGIOSO DURANTE A CAMPANHA

Resumo
O presente trabalho propõe como tema de estudo o abuso do poder religioso
durante as campanhas eleitorais e possui como objetivo principal levantar a questão
da influência das igrejas, templos religiosos e suas autoridades religiosas fase aos
fiéis, na politica, destacando-se a figura do abuso do poder religioso, a ausência de
tipificação específica e as divergências doutrinarias e jurisprudenciais recentes. A
pesquisa foi desenvolvida através de fontes bibliográficas.

Palavras-chave: ABUSO DE PODER RELIGIOSO. RELIGIÃO. CAMPANHA


ELEITORAL. IGREJA.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é fazer uma abordagem sobre a influência exercida


pelas igrejas, templos religiosos e suas autoridades fase aos fiéis, no curso do pleito
eleitoral, buscando configurar, enquadrar determinadas práticas no abuso do poder
religioso, a ausência de tipificação especifica, bem como a existência de
divergências doutrinarias e jurisprudências na atualidade.

A IGREJA E SEU PODER AO LONGO DOS SÉCULOS

Em um breve histórico, vale mencionar que em 1500, com a chegada dos


portugueses ao Brasil, o Catolicismo Apostólico Romano foi reconhecido como a
religião oficial do país, e perpetuou desde então o enorme poder de resiliência,
resistência, persuasão e dominação em relação aos católicos.
Mesmo com a promulgação da constituição de 1891, que separou a figura do
Estado e da Igreja, criando o chamado “Estado Laico”, encerrando imposição da
“Religião Católica Apostólica Romana” como oficial do país, e criando a figura da
2

liberdade religiosa, mesmo com o decorrer dos séculos, o surgimento e


reconhecimento de diversas outras religiões, credos, e formas de manifestação da
fé, a religião, ainda hoje, possui um poder de convencimento, controle e imposição
muito forte perante a população brasileira.
A Carta Magna de 1988, como muitas anteriores, mantiveram em seus textos
a liberdade religiosa, positivando-a inclusive como direito fundamental, assegurando,
assim a inviolabilidade da liberdade de consciência e credo, permitindo aos
indivíduos não só a livre manifestação de suas crenças, mas também o livre
exercício dos cultos, sendo considerado um Estado Laico, conforme prevê o art. 5º,
inciso VI e VIII, ambos da Constituição Federal.
Não há como negar que as autoridades de instituições religiosas em geral,
seja ela igreja católica, batista, adventista, universal do reino de Deus, seja o
candomblé, a umbanda, o espiritismo, ou qualquer outra, indiscutivelmente, possui a
eminente existência da figura de um líder, e por obvio, este se apresenta em um
papel de destaque, na condição de autoridade máxima, possuindo um enorme poder
de convencimento, de persuasão intrínseca e naturalmente acaba por transmitir aos
seus fieis, seu pensamento e entendimento sobre determinados assuntos, afetando
e interferindo diretamente nas atitudes, comportamento, pensamento e tomadas de
decisões dos seus seguidores, dos seus fiéis.
Dessa forma, a religião acaba sendo um meio de influenciar nas escolhas dos
fiéis, razão pela qual o líder religioso não pode usar de suas habilidades e do seu
púlpito para impor a escolha do seu candidato aos demais, não pode de forma
alguma atuar de maneira ardilosa, associando o candidato de seu interesse ao
Sagrado, gerando o abuso do poder religioso.
Antes de adentrar ao abuso do poder religioso, faz-se indispensável analisar
minuciosamente e compreender detidamente cada caso apresentado, já que tem
sido muito discutida a existência da liberdade religiosa, da liberdade de expressão e
o afronta ao equilíbrio eleitoral, a isonomia eleitoral e a liberdade do voto.
De fato é uma linha tênue, porém, o direito constitucional a livre manifestação
religiosa e liberdade de culto não pode ser utilizado como escudo para o
cometimento de excessos, até porque se sabe que nenhum direito é absoluto, sendo
impossível pautar-se nos direitos e garantias fundamentais para utilizar-se da
liberdade de cultos religioso e assim interferir, de maneira ilegítima, na liberdade de
escolha dos fiéis, usando a estrutura do templo religioso e da fé distorcida, em
3

palavra de ordem celestial, para impor a alienação e dominação em proveito político


próprio.
O que o legislador busca é sopesar os direitos fundamentais, impondo
limites, para então frear os abusos, cada vez mais frequentes das entidades
religiosas, garantindo que atitudes desarrazoadas não viole o ordenamento pátrio e
interfira diretamente na liberdade de voto, na isonomia e paridade entre os
candidatos, na normalidade, na legitimidade e lisura do pleito eleitoral.

DAS MODALIDADES DE ABUSO DE PODER PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO

As modalidades de abuso de poder encontram previsão legal na lei


complementar nº. 64 de 1990, em seu art. 22, no artigo 14, §9º e §10º da
Constituição Federal e no art. 237 do Código Eleitoral, sendo estes conhecidos
como abuso de poder econômico, abuso de poder de autoridade mais conhecido
como abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
O Portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em seu Glossário
Eleitoral Eletrônico, prevê que:

O abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder se vale da
posição privilegiada para agir de maneira a influenciar o eleitor. Caracteriza-se, dessa
forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.
Já o abuso do poder econômico, na esfera eleitoral, está relacionado ao uso
excessivo, antes ou durante a campanha, de recursos materiais ou humanos que
representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido político ou
coligação, afetando, assim, a normalidade e a legitimidade das eleições.
(https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Abril/glossario-esclarece-diferencas-
entre-abusos-do-poder-politico-e-economico)

Para o ilustre Frederico Alvim, em sua obra o Manual de Direito Eleitoral, a


utilização indevida dos meios de comunicação social, “conceitua-se na extrapolação
do uso dos veículos de imprensa no intuito de promover a candidatura de modo
desproporcional que permita desequilibrar ou comprometer a legitimidade do
processo eleitoral.” (ALVIM, F. F, 2012. p. 420.)
4

Nos casos em que são verificadas alguma das modalidades acima descritas,
seja esta antes ou no curso do processo eleitoral, estas são coibidas por meio das
ações eleitorais a AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral e a AIME – Ação de
impugnação do mandato Eletivo.
Os legitimados para propositura destas, à Justiça Eleitoral, são os partidos
políticos, federação, candidatos ou pelo Ministério Público e as consequências são a
inelegibilidade do candidato, pelo período de 8 anos, além da cassação do registro
ou diploma. (Art. 22, Caput e inciso XIV, da LC nº 64/1990)

A AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO E PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA DO “ABUSO


DO PODER RELIGIOSO”

O abuso do poder religioso é extremamente controvertido e tem sido


amplamente discutido entre os estudioso e aplicadores do direito, posto que a
prática é cada vez mais difundida, principalmente, em anos eleitorais, onde costuma
ser permitida a utilização dos púlpitos como palanque eleitoral, permitindo não só o
uso da pregação para apresentar candidatos, mas também como formas de
testemunhos inflamados e convincentes, promessas implícitas, travestidas de
propaganda eleitoral, dentre outras práticas religiosas capazes de imprimir
confiança, exercer fascinação e até mesmo de intimidação em seus seguidores, o
que tem sido repudiado pelos juristas.

O advogado especialista em direito eleitoral, Amilton kufa defende o abuso do


poder religioso como sendo:

O desvirtuamento das praticas e crenças religiosas, visando a influenciar ilicitamente


a vontade dos fiéis para a obtenção do voto, para a própria autoridade religiosa ou
terceiro, seja através da pregação direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou,
ainda, outro meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica, casos que
extrapolam os atos considerados como de condutas vedadas, previstos no art. 37,
§4º da Lei nº. 9504/97. (Kufa, 2016, p.123)
5

Atualmente não temos em nosso ordenamento, tipificação específica para o


abuso do poder religioso, e como forma de coibir a propaganda eleitoral no interior
de igrejas, a legislação enquadrou os templos como “Bem de Uso Comum” vedando
a referida prática, na forma do art. 37, § 4º, da Lei 9.504/97.
Existe muita discussão acerca do assunto, que se reveste de divergências
doutrinarias e jurisprudenciais, onde parte entende pela impossibilidade de aplicação
de sanção pela inexistência de tipificação na legislação constitucional e
infraconstitucional, bem como existem entendimentos de que mesmo não havendo
previsão legal específica, este tipo encontra-se vinculação com as demais formas de
abuso, devendo ser punidas com a cassação do registro ou diploma e
inelegibilidade.
O advogado Mateus Abreu, em sua mais recente obra, Eleições e Religião:
abuso de poder religioso nas eleições, assevera que:

O poder decorrente da religião tanto pode ter uma utilização plasmada na


razoabilidade, representando assim um uso moderado e razoável, portanto tolerado,
como também pode ser empregado de maneira ostensiva e ardilosa, representando
uma forma ilegítima e desautorizada de denominação: Abuso de poder.

O TSE já tentou pacificar o assunto em alguns dos seus julgados, e embora


ainda não haja previsão legal, as irregularidades verificadas nestas seara tem sido
interpretadas por meio de vinculação com os três tipos abusos já previstos no
ordenamento jurídico, ou seja, verifica-se que de fato a utilização da fé com objetivo
precípuo de angariar voto, interfere na liberdade de escolha dos fiéis, afeta na
igualdade de chances, na lisura e legitimidade das eleições, sendo
reconhecidamente, uma prática abusiva e como não existe a figura do abuso de
poder religioso, nem na constituição federal e nem na legislação eleitoral, os atos
oriundos de autoridade religiosa, ao realizar propaganda em favor de candidato em
seus templos religiosos, seja implícita ou explícita, se enquadra no abuso de poder
econômico, político e uso indevido de meio de comunicação social, devendo ser
investigada após a instauração, junto a justiça eleitoral, da AIJE – Ação de
Investigação Judicial Eleitoral ou da AIME – Ação de impugnação do mandato
eletivo, podendo ser proposta pelos partidos políticos, federações, candidatos ou
6

pelo Ministério Público, e em caso de condenação, as consequências são a


inelegibilidade do candidato, pelo período de 8 anos, além da cassação do registro
ou diploma. (Art. 22, Caput e inciso XIV, da LC nº 64/1990)
Segue entendimentos jurisprudências de diversos tribunais a cerca do
assunto:

“ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL


ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. NÃO
CONFIGURADO. ABUSO DE PODER RELIGIOSO. NÃO CARACTERIZADO.
PROVAS. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO. 1. Suposto abuso de poder político e
econômico por parte dos representados, por meio de eventos religiosos apontado
sem que houvesse provas suficientes aptas a caracterizar a ocorrência do abuso. 2.
O autor da ação de investigação judicial eleitoral não se desincumbiu do ônus de
fazer prova segura para caracterização de abuso de poder político e econômico por
parte dos recorridos. 3. Para configuração do abuso de poder e a aplicação das
sanções previstas no art. 22 da LC nº 64 /1990, faz-se necessário a comprovação da
gravidade das circunstâncias do caso concreto suscetível a reduzir a igualdade de
chances na disputa eleitoral. 4. A participação em eventos religiosos, por si só, não
configuram, o abuso de poder econômico ou político, sendo imprescindível, a partir
de elementos objetivos, a demonstração do caráter eleitoral da conduta para a sua
caracterização. 5. Não restou comprovado a prática de atos apta a caracterizar
o abuso do poder econômico e a conotação eleitoral na participação da recorrida no
evento religioso. 6. O Tribunal Superior Eleitoral entende inviável, por ausência de
alicerce legal, a figura do abuso de poder religioso como categoria ilícita autônoma,
no plano da ação de investigação judicial eleitoral. 7. Não provimento do recurso
manejado. (TRE-PE - Recurso Eleitoral RE 06006822920206170031 primavera/PE
060068229 (TRE-PE). Data de publicação: 07/06/2021).”

“AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO


ESTADUAL. ABUSO DO PODER RELIGIOSO COMO COROLÁRIO
DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO. GRAVIDADE. PRESSUPOSTO. ART. 22 ,
INC. XVI DA LEI COMPLEMENTAR Nº 064 /1990. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE.
IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. De acordo com o inciso XVI , do art. 22 da Lei
Complementar nº 064 /1990, incluído pela Lei Complementar nº 135 /2010, nas
Ações de Investigação Judicial Eleitoral por abuso de poder deverá ser analisada a
gravidade das circunstâncias que o caracterizaram. 2. Sendo assim, eventual
conduta ilícita não autoriza, isoladamente, o automático reconhecimento
de abuso de poder. No caso, não restou caracterizada a concreta gravidade das
circunstâncias, com força suficiente para interferir na liberdade do voto e
desequilibrar a disputa eleitoral. Precedentes do TSE. 3. Pedidos julgados
improcedentes. (TRE-AP - Ação de Investigação Judicial Eleitoral AIJE 060155923
MACAPÁ AP (TRE-AP). Data de publicação: 21/02/2019).”
7

“ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE.


CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504
/97. ABUSO PODER RELIGIOSO E ECONÔMICO. FRAGILIDADE DO ACERVO
PROBATÓRIO. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS CONTRADITÓRIOS.
DESPROVIMENTO. 1. Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte, para a
configuração da captação ilícita de sufrágio, é necessária a demonstração do
especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto
do eleitor e existência de conjunto probatório robusto e inconteste da pratica do
ilícito, o que não ocorreu no caso dos autos. 2- Embora
o abuso do poder religioso não esteja previsto expressamente na Constituição da
Republica e na legislação eleitoral, o TSE firmou entendimento que a prática de atos
de propaganda em prol de candidatos por entidade religiosa, inclusive os realizados
de forma dissimulada, pode caracterizar a hipótese de abuso do poder econômico,
mediante a utilização de recursos financeiros provenientes de fonte vedada.
(Precedente Recurso Ordinário nº 265308, Min. Henrique Neves Da Silva), fato que
não foi demonstrado neste feito. 3. Recurso desprovido. (TRE-GO - Recurso Eleitoral
RE 47628 GAMELEIRA DE GOIÁS GO (TRE-GO).Data de publicação: 09/03/2018).”

“ELEICÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AIJE E AIME JULGADAS


CONJUNTAMENTE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. UTILIZAÇÃO DE
GRANDIOSO EVENTO RELIGIOSO EM BENEFÍCIO DE
CANDIDATURAS ÀS VÉSPERAS DO PLEITO. PEDIDO EXPRESSO DE
VOTOS.
REspe nº 82-85.2016.6.09.0139/GO9PROCEDÊNCIA NO TRE/MG.
DESPROVIMENTO.[...]Do recurso interposto pelo PC do B na condição de
terceiro interveniente 3. Ainda que superável a irregularidade decorrente da
não indicação, pelo PC do B, da parte a quem pretende assistir, o possível
assistido e autor das ações se quedou inerte, contra a decisão regional, vedada
a interposição de recurso autônomo pelo assistente simples. 4. Não se evidencia,
ainda, interesse jurídico direto na causa, a viabilizar a admissão como
terceiro prejudicado. Deixou a agremiação de demonstrar de que forma a sua
esfera jurídica seria diretamente atingida pela manutenção da cassação dos
diplomas dos recorrentes. Na linha da orientação firmada por este Tribunal Superior,
os votos anuláveis pertencem à legenda pela qual eleitos os parlamentares
eventualmente cassados, a teor do art. 175, §§ 3º e 4º do Código Eleitoral, uma
vez proferida a decisão pela Justiça Eleitoral, no caso concreto, após a
realização do pleito, em 27.8.2015. 5. À míngua da demonstração do
interesse jurídico, resta inviabilizado o conhecimento do recurso especial, uma vez
que, na linhada jurisprudência desta Casa, ‘a incidência de efeitos jurídicos
por via reflexa não tem o condão de possibilitar a intervenção na lide de
terceiro interessado’(REspe nº264164/RR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ
de28.2.2014).”(RO nº 5370-03/MG, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 27.9.2018).”

“RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL.


ELEIÇÕES 2012. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. ABUSO DO
PODER RELIGIOSO. UTILIZAÇÃO DA IGREJA PARA INTENSA CAMPANHA
ELEITORAL EM FAVOR DE CANDIDATO A VEREADOR. PREGAÇÕES, APELOS
E PEDIDOS EXPRESSOS DE VOTOS. CITAÇÕES BÍBLICAS COM METÁFORAS
ALUSIVAS AO BENEFICIÁRIO. PESQUISAS DE INTENÇÃO DENTRO DOS
CULTOS. DISCURSOS DO CANDIDATO NO ALTAR. DISTRIBUIÇÃO DE
MATERIAL PUBLICITÁRIO NA PORTA DA IGREJA. PRESSÃO PSICOLÓGICA
8

RELATADA EM DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. VIOLAÇÃO À MORALIDADE,


À LIBERDADE DE VOTO E AO EQUILÍBRIO DA DISPUTA AO PLEITO.
POTENCIALIDADE LESIVA IRRELEVANTE. GRAVIDADE DA CONDUTA
CONFIGURADA. MANUTENÇÃO DA CASSAÇÃO OU DENEGAÇÃO DO
DIPLOMA DO CANDIDATO E DA INELEGIBILIDADE DE TODOS OS
REPRESENTADOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1) A entidade religiosa,
enquanto veículo difusor de doutrinas apto a alcançar um número indeterminado de
pessoas, é talvez o meio de comunicação social mais poderoso de todos,
porquanto detém a capacidade de lidar com um dos sentimentos mais intrigantes e
transcendentais do ser humano: a fé. 2) Os depoimentos testemunhais
demonstraram que os pastores representados, muito mais do que apenas induzir
ou influenciar os fiéis, efetuaram, ao longo do período eleitoral, uma pressão para
que votassem no candidato indicado pela igreja, incitando um ambiente de temor e
ameaça psicológica, na medida em que levavam a crer que o descumprimento das
orientações, que mais pareciam ordens, representaria desobediência à instituição e
uma espécie de desafio à vontade Divina. 3) O abuso da confiança de um sem
número de seguidores, representou conduta violadora à liberdade de voto e ao
equilíbrio da concorrência entre candidatos. 4) Propósito religioso que restou
desvirtuado em prol de finalidades eleitoreiras, com templos transformados em
verdadeiros comitês de campanha, cuja localização em áreas humildes da região
pressupõe público-alvo, em princípio, mais suscetível a manipulações. 5) A prática
vem se mostrando cada vez mais freqüente na sociedade, levando alguns
estudiosos a vislumbrar uma nova figura jurídica dentro do direito eleitoral: o abuso
do poder religioso. Apesar de não possuir regulamentação expressa, tal
modalidade, caso não considerada como uso indevido dos meios de comunicação,
merece a mesma reprimenda dada as demais categoriais abusivas legalmente
previstas. 6) Recuso desprovido. (TRE-RJ - RE: 49381 RJ, Relator: LEONARDO
PIETRO ANTONELLI. Data de Julgamento: 17/06/2013)”

“[...] Abuso de poder de autoridade religiosa. Necessidade de entrelaçamento com


formas típicas de abuso de poder. Ausência de conexão no caso concreto. [...] o
presente caso é de ser examinado em consonância com a jurisprudência deste
Tribunal Superior, firmada no sentido de que
o abuso de poder de autoridade religiosa, porquanto falto de previsão expressa no
ordenamento eleitoral, só pode ser reconhecido quando exsurgir associado a alguma
forma tipificada de abuso de poder. 3. Os elementos constantes do acervo fático–
probatório não permitem inferir a presença associada do abuso de poder econômico,
tampouco do uso indevido dos meios de comunicação social. A moldura fática indica
que o uso desvirtuado do fator religioso, conquanto inequívoco, ocorreu à margem do
aporte de incentivos financeiros e sem a intervenção incisiva de veículo da indústria
da informação. 4. Ausente o requisito do entrelaçamento, na linha da
jurisprudência deste Tribunal Superior, revela–se impossível o reconhecimento
do abuso de poder religioso como figura antijurídica autônoma. [...] (Ac. de 9.9.2021
no AgR-AI nº 42531, rel. Min. Edson Fachin.)”

“[...] Da imputação de abuso de autoridade religiosa 12. O atual debate sobre os


limites da interferência de movimentos religiosos no âmbito do eleitorado, com a
possível quebra da legitimidade do pleito, é desafiador dentro de uma
sociedade pluralista. A influência da religião na política e, na linha inversa, da política
na religião, é via de mão dupla que se retroalimenta, conhecidamente indissociável
em diversas culturas. 13. Sem a emissão de juízo de valor sobre as diferentes
9

convicções religiosas - direito fundamental protegido pela Constituição Federal - a


exercerem influência sobre as opções políticas do indivíduo e, em última análise, da
comunidade a que pertence, é inegável que declarações públicas de apoio ou
predileção a determinada candidatura estão resguardadas pela
liberdade de manifestação assegurada constitucionalmente. Além disso, tendem os
indivíduos a um alinhamento natural a candidatos oriundos da fé professada. 14. A
utilização do discurso religioso como elemento propulsor de candidaturas, infundindo
a orientação política adotada por líderes religiosos - personagens centrais
carismáticos que exercem fascinação e imprimem confiança em seus seguidores -, a
tutelar a escolha política dos fiéis, induzindo o voto não somente pela consciência
pública, mas, primordialmente, pelo temor reverencial, não se coaduna com a própria
laicidade que informa o Estado Brasileiro. 15. Diante desse cenário é que se torna
imperioso perscrutar em que extensão cidadãos são compelidos a
apoiar determinadas candidaturas a partir da estipulação de líderes religiosos - os
quais, por vezes, vinculam essa escolha à própria vontade soberana de Deus -, em
cerceio à liberdade de escolha do eleitor, de modo a interferir, em larga escala, na
isonomia entre os candidatos no pleito, enfraquecendo o processo democrático. 16.
A reiterada conclamação aos fiéis durante as celebrações religiosas, por seus
líderes, para que suportem determinada campanha, cientes do seu
poder de influência sobre a tomada de decisões de seus seguidores, é conduta que
merece detido exame pela Justiça Eleitoral, considerada a nobre missão de que
investida, pela Carta Magna, quanto ao resguardo da legitimidade do pleito. 17. A
modificação do prisma histórico-social em que se concretiza a aplicação da norma
torna imperiosa uma releitura do conceito de ‘autoridade’, à luz da Carta Magna e da
teleologia subjacente à investigação judicial eleitoral, a revelar de todo inadequada
interpretação da expressão que afaste do alcance da norma situações fáticas
caracterizadoras de abuso de poder em seus mais diversos matizes - as quais
manifestam idênticas e nefastas consequências -, sabido que a alteração semântica
dos preceitos normativos deve, tanto quanto possível, acompanhar a dinâmica da
vida. 18. Porque insofismável o poder de influência e persuasão dos
membros de comunidades religiosas - sejam eles sacerdotes, diáconos, pastores,
padres etc -, a extrapolação dessa ascendência sobre os fiéis deve ser enquadrada
como abuso de autoridade - tipificado nos termos do art. 22, XII, da LC nº 64/1990,
que veio a regulamentar o art. 14, § 9º, da CF - e ser sancionada como tal. 19. Nessa
quadra, revelam-se passíveis, a princípio, de configuração do abuso de autoridade -
considerada a liderança exercida e a possibilidade de interpretação ampla do
conceito - os atos emanados de expoentes religiosos que subtraiam, do
âmbito de incidência da norma, situações atentatórias aos bens jurídicos tutelados, a
saber, a normalidade e a legitimidade das eleições e a liberdade de voto (art. 19 da
LC nº 64/1990). 20. Todavia, sem embargo da pungente discussão sobre o tema, a
se realizar em momento oportuno, a solução da controvérsia que se põe na espécie
prescinde desse debate, uma vez incontroversa a utilização, a favor da candidatura
dos recorrentes, de sofisticada estrutura de evento religioso de grande proporção, à
véspera do pleito, que contou com shows e performances artísticas, cujo dispêndio
econômico foi estimado em R$ 929.980,00 (novecentos e vinte e nove mil e
novecentos e oitenta reais) - valores não declarados em prestação de contas e
integralmente custeados pela Igreja Mundial Poder de Deus -, cujas circunstâncias
indicam a configuração do abuso do poder econômico. [...]”. NE: No caso
o abuso religioso foi enquadrado como abuso do poder econômico. Ocorreu
evento religioso a menos de 24 horas da eleição, com pedido expresso de voto ao
final do evento, por parte do condutor da celebração, com a presença dos candidatos
beneficiados no palco, mesmo que sem uso da palavra. Ademais, houve a
distribuição de adesivos e propaganda eleitoral por pessoas com crachá da igreja.
(Ac. de 21.8.2018 no RO nº 537003, rel. Min. Rosa Weber.)”
10

CONCLUSÃO

Conforme mencionado anteriormente, frente a presença cada vez mais


maciça dos templos religiosos na política e da possibilidade de atitudes capazes de
modificar consideravelmente o resultado de uma eleição, é que se faz indispensável
a tipificação de forma autônoma de abuso de poder, sendo denominado como abuso
de poder religioso, até mesmo para que possa assegurar a normalidade, a paridade
e lisura da disputa eleitoral, a legitimidade do voto, garantindo ainda autonomia e
segurança jurídica aos tribunais eleitorais pátrios.
11

Referência

ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a Política no Brasil, São Paulo: Editora


Brasiliense, 1979.

Glossário Eleitoral - https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Abril/glossario-


esclarece-diferencas-entre-abusos-do-poder-politico-e-economico - Página
eletrônica consultada em 17/06/2022.

ALVIM, Frederico Franco. Manual de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012,
p. 420.

KUFA, Amilton Augusto da Silva. O controle do poder religioso no processo eleitoral,


à luz dos princípios constitucionais vigentes, como garantia do estado democrático
de direito. Ballot, vol.2, 2016, p.123.

ABREU, Mateus Barbosa Gomes. Eleições e Religião: abuso de poder


religioso nas eleições. Juruá, 2020.

ABREU, Mateus Barbosa Gomes. Nem sempre há ligação do abuso de poder


religioso com as hipóteses da lei. https://www.conjur.com.br/2020-set-28/entrevista-
mateus-barbosa-abreu-especialista-direito-eleitoral - Página eletrônica consultada
em 17/06/2022.

Você também pode gostar