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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

Erick Araujo da Silva | Nº USP 10324146

DES0329 - Um Direito Fundamental | Prof. Dr. Conrado Hübner Mendes

"Avalie, a partir da leitura do voto do ministro Fachin sobre abuso de poder religioso, no
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 82-85.2016.6.09.0139, e a disponível no
moodle, o desafio propriamente dogmático/interpretativo de se adotar a tese do
abuso de poder religioso em processos eleitorais. Fique livre para dialogar com outros
textos ou discussões do curso que considere pertinentes. Mas dê ênfase aos argumentos
apresentados do voto do ministro Fachin."

O ministro Fachin inicia seu voto lembrando-se da Lei Complementar 64/1990,


que em seu artigo 22, elenca os tipos de conduta que podem afetar a igualdade entre
candidatos em uma eleição, sendo hoje “uso indevido, desvio ou abuso do poder
econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de
comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”, ressaltando que o
presente caso diz respeito exclusivamente à interferência do elemento espiritual no
processo de captação de votos.

Continua falando da importância do Estado laico, pois ao mesmo tempo em que


não impõe uma religião em detrimento de outra, também não proíbe que as religiões
existam, garantindo o direito de liberdade religiosa previsto na Constituição da República.
Porém, não podemos esquecer que a vida em sociedade é permeada pela religião desde
que o mundo é mundo e para contextualizar isso o ministro traz algumas citações de
importantes pensadores, demonstrando um pouco da complexidade que permeia a vida
em grupos sociais, característica inerente ao ser humano.

O Estado laico favorece o pluralismo religioso, mas sem desvalorizar nenhuma


religião e sem deixar de reconhecer que a religião e os diversos cultos têm um importante
papel sociopolítico. Dentro dos direitos fundamentais, o ministro destaca a livre
manifestação do pensamento (inciso IV do art. 5º da CRFB) e a garantia fundamental a
liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos (inciso VI do art. 5º da CRFB)

O ministro traz exemplos da Declaração Universal dos Direitos do Homem


(1948), do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e da Convenção
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Americana de Direitos Humanos (1969) para demonstrar a importância desses direitos


fundamentais e cita até mesmo Fernando Pessoa para sustentar que o voto é uma
“expressão de sentimento”, onde em teoria “todo cidadão, independentemente do nível
educacional, da fé professada ou de qualquer outro motivo, possui plena capacidade para
elaborar as suas próprias escolhas”.

Porém, por outro lado, ressalta a necessidade de separação e independência entre


Estado e religião para garantir ao cidadão autonomia para escolher seus representantes
políticos, uma vez que é necessário amplo acesso a informação e conhecimento, pois o
debate democrático exige pluralismo e transparência das posições ideológicas.
Resumidamente o ministro citou jurisprudências internacionais sobre o tema e também
princípios constitucionais que garantem a pluralidade política e a liberdade religiosa.

Para existir liberdade é preciso que exista escolha, então a sociedade deve ser
pluralista. Porém, o ministro defende que deva existir limites, pois “no panorama do
Estado constitucional, inexistem direitos absolutos, de maneira que a liberdade religiosa,
quer em sua dimensão individual ou institucional, encontra, por certo, limites em outros
direitos fundamentais e na própria dignidade da pessoa humana”. Ou seja, sem diminuir
sua importância, num Estado democrático de direito a religiosidade encontra-se limitada.

Uma expressão popular que resume bem o que o ministro diz em seu voto é “o seu
direito termina onde o direito do outro começa”, pois as interferências das associações
religiosas nos processos eleitorais devem ser observadas com atenção, uma vez que as
igrejas e quem as comandam tem poder sobre os fieis, podendo interferir diretamente na
liberdade e exercício do sufrágio ou até mesmo modificar o equilíbrio entre quem disputa.
Se um candidato é bem quisto por uma igreja x com muitos fieis, o candidato sem apoio
religioso pode sair prejudicado.

O ministro destaca que a Justiça Eleitoral tem como missão zelar e proteger a
legitimidade do voto, além de impedir que qualquer força política possa coagir moral ou
espiritualmente os cidadãos, para que assim seja garantida a plena liberdade de
consciência do eleitor, o verdadeiro protagonista em uma disputa eleitoral democrática.
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Continuando, explica que “a imposição de limites às atividades eclesiásticas


representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria
legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das
igrejas em setores específicos da comunidade”.

Trazendo contexto de outros países, o ministro destaca que msmo aqui no Brasil
as igrejas adentram o rol de fontes vedadas de financiamento privado (art. 24, VIII da Lei
nº 9.504/97), sendo proibida a realização de proselitismo político no interior de templos
de qualquer culto, conforme determina a Lei das Eleições (art. 37, § 4º da Lei nº
9.504/97). E afirma que a exploração política da fé religiosa encontra obstáculo tanto no
âmbito da regulação publicitária (artigo 242 do Código Eleitoral) quanto na regra que
trata da anulação de eleições viciadas pela captação ilícita de votos, “conceito que
engloba, por expressa remissão legislativa, a interferência do poder (econômico e de
autoridade) em desfavor da liberdade do voto (artigo 237 do Código Eleitoral)”.

Após essa breve explicação, encontramos o desafio propriamente


dogmático/interpretativo de se adotar a tese do abuso de poder religioso em processos
eleitorais, pois por um lado há a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, mas por
outro há a soberania popular, um dos pilares do Estado democrático de direito que traz
diversas garantias fundamentais aos seus cidadãos.

Se um líder religioso critica um determinado candidato, como ocorreu agora nas


eleições de 2022, na qual diversos pastores evangélicos foram apoiadores de Bolsonaro e
durante seus cultos criticavam o presidente Lula, esses líderes estão exercendo seu direito
fundamental de livre manifestação de opinião e expressão ou estão ferindo a soberania
popular interferindo no Estado democrático de direito ao tentar virar votos para seu
candidato?

O ministro responde nosso questionamento ao afirmar que “na democracia não há


verdadeira liberdade sem limites legítimos” e que não existir previsão legal expressa,
como no caso do Brasil que não prevê “abuso de autoridade religiosa”, não deve ser
“obstáculo à necessária tutela da legitimidade dos pleitos por parte das autoridades
jurisdicionais constitucionalmente encarregadas dessa nobre tarefa”.
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Mais adiante o ministro apresenta algumas observações da professora Maria


Claudia Bucchianeri Pinheiro que resumem bem o perigo de um líder religioso ultrapassar
o direito de sua própria liberdade de expressão:

[...] torna-se mais delicada e limítrofe naquelas situações em que líderes


espirituais transformam seus altares em palanques e fazem uso de sua
ascendência espiritual para intimidar os fiéis, retirando-lhes a liberdade de
escolha.

Em tal ocorrendo, a liberdade de movimentação e organização das Igrejas


enquanto legítimos grupos de interesse se desnaturará em típica prática abusiva,
altamente comprometedora da legitimidade e validade de um dado processo
eleitoral.

Pense-se, por exemplo, em situações nas quais líderes religiosos indicam


determinados candidatos como os „escolhidos de Deus‟; ou recomendam o voto
em determinado concorrente, sob pena de incidirem as „sanções divinas
daquele que tudo vê‟; ou, ainda, mencionam que o voto em determinada pessoa
qualifica-se como uma verdadeira prova de fé e lealdade à Igreja.

Em todas essas situações, como visto, o que se vê é a subalterna manipulação


da crença e da fé para fins de aniquilamento da própria liberdade de escolha do
eleitor, em clara situação do que, para nós, poderia ser enquadrado como típico
„abuso de autoridade‟, passível de questionamento em sede de investigação
judicial eleitoral (LC 64/90, art. 22)

Portanto, por meio da liberdade de expressão, é garantido ao cidadão,


independentemente da sua posição ou condição social, a possibilidade de opinar sobre
qualquer tema. Todo cidadão tem direito de se manifestar livremente, conforme sua
convicção e também tem direito à participação política.

Entretanto, conforme o ministro sustenta em seu voto (“os direitos subjetivos não
são absolutos e, portanto, não podem ser exercidos arbitrariamente, com qualquer
intenção”), os direitos fundamentais também possuem restrições, principalmente quando
um direito fundamental colide com outro direito fundamental. Nessa seara, o direito de
livre manifestação do pensamento de um religioso que usa de sua posição e poder para
impor sua opinião política, seja de forma explícita ou subliminar, mitiga a liberdade de
escolha daquele fiel que o escuta com muita convicção e irá seguir o que for ordenado,
consequentemente afetando a soberania popular.
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Logo, como todos os direitos fundamentais, a liberdade de expressão não é


absoluta e a livre manifestação do pensamento não pode afrontar os demais direitos
fundamentais garantidos ao cidadão, uma vez que as eleições buscam converter a vontade
individual em coletiva, respeitando a soberania popular que passa a ser representada pelo
Estado.

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