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Princípio da Laicidade do Estado e a Liberdade Religiosa em Moçambique na Constituição


de 2004

Introdução

As relações entre a Igreja e o Estado variaram de época para época mas do seu conhecimento
depende a compreensão perfeita da história e das forças profundas que orientam e explicam os
acontecimentos históricos. Os três primeiros séculos são dominados pelo Estado que persegue a
Igreja. Com a realização do Edito de Milão em 313 d.C, a Igreja conquista a sua liberdade e
entra a influir no Estado. Mais tarde, no Império Bizantino e também no Ocidente, o Estado
esforça-se por dominar e absorver a Igreja. Assim, a grande luta das investiduras, que domina
grande parte da Idade Média, é uma luta entre os dois poderes, o Sacerdócio e o Império e é a
partir deste período que pensadores como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho começam a
discutir o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. Contudo, a Reforma protestante e o
liberalismo moderno tentaram dar ao grande problema novas soluções. Mas, a falência do
liberalismo com a sua política religiosa de separação, o estado liberal julgou resolver o problema
das relações entre o poder espiritual e o temporal com a separação, surgindo assim o princípio da
Laicidade do Estado que foi reforçado com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em
1948 ao defender a questão da liberdade de pensamento, consciência e religião.

Assim, servindo-se essencialmente da separação do poder espiritual e do temporal bem como da


liberdade religiosa, este ensaio procura analisar, com base na Constituição da República de
Moçambique de 2004 - de ora em diante CRM - o princípio da laicidade do Estado e da
liberdade religiosa dispostos no Art.12 e 54 respectivamente, partindo do princípio de que a
separação entre a Igreja e o Estado e a liberdade religiosa são dois direitos e princípios basilares
que gozam de máxima importância na escala dos valores constitucionais do Estado
Moçambicano e, na verdade, do moderno Estado Democrático de Direito.

Para desenvolver o argumento principal o ensaio, focaliza a análise em dois aspectos principais: I
- O princípio da laicidade do Estado a luz da Constituição de 2004, descrevendo-se a separação
da Igreja e do Estado em Moçambique; II – A liberdade religiosa a luz da Constituição de 2004,
destacando-se um breve historial da liberdade religiosa e Relações Igreja-Estado nas
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Constituições moçambicanas de 1975, 1990 e 2004 bem como a vulnerabilidade e as limitações


da liberdade religiosa em Moçambique.

1.1 Princípio da Laicidade do Estado a Luz da Constituição de 2004


O pricípio da laicidade estatal, que é adoptada na maioria das democracias contemporâneas, é um
princípio que opera em duas direções (Sarmento, 2007, p.3). Por um lado, ela salvaguarda as
diversas confissões religiosas do risco de intervenções abusivas do Estado nas suas questões
internas, concernentes a aspectos como os valores e doutrinas professados, a forma de cultuá-los,
a sua organização institucional, os seus processos de tomada de decisões, a forma e o critério de
selecção dos seus sacerdotes e membros (Ibid., p.3). Sob esta perspectiva, Helmut (2002, p.45)
afirma que, a laicidade opõe-se ao regalismo1, que se caracteriza quando há algum tipo de
subordinação das confissões religiosas ao Estado no que tange a questões de natureza não-
secular.

Mas, do outro lado considera Sarmento (2007, p.3), a laicidade também protege o Estado de
influências indevidas provenientes da parte religiosa, impedindo todo o tipo de confusão entre o
poder secular e democrático.

Na ordem constitucional vigente em Moçambique, o princípio da laicidade foi expressamente


consagrado pelo nº1 do Art.12 segundo qual “A República de Moçambique é um Estado laico” e
no seu nº2 “a laicidade assenta na separação entre o Estado e as confissões religiosas”. Neste
contexto, deve-se compreender que a laicidade não significa a adopção pelo Estado de uma
perspectiva ateísta ou refratária à religiosidade. Na verdade, o ateísmo, na sua negativa da
existência de Deus, é também uma crença religiosa, que não pode ser privilegiada pelo Estado
em detrimento de qualquer outra cosmovisão (Szyliowicz, 2003, p.188). Pelo contrário, a
laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas
presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar partido em questões de fé, bem como buscar o
favorecimento ou o embaraço de qualquer crença (Ibid., 2003, p.189).

1
Do latim (regale+ismo). Trata-se de um sistema político que sustentava o direito que tinham os reis de interferir na
vida interna da Igreja.
5

O princípio da laicidade do Estado em Moçambique a luz da CRM de 2004, pode ser


directamente relacionado a dois direitos fundamentais que gozam de máxima importância na
escala dos valores constitucionais: Liberdade de consciência, de religião e de culto Art.54 e
Princípio da universalidade e igualdade Art.35. Em relação ao primeiro, a laicidade caracteriza-
se como uma verdadeira garantia institucional da liberdade religiosa individual pois, “Os
cidadãos gozam da liberdade de praticar ou de não praticar uma religião” (nº1 do Art.54 da
CRM, 2004) e “Ninguém pode ser discriminado, perseguido, prejudicado, privado de direitos,
beneficiado ou isento de deveres por causa da sua fé, convicção ou prática religiosa” (nº2 do
Art.54 da CRM, 2004). Isto porque, a promiscuidade entre os poderes públicos e qualquer credo
religioso, por ela interditada, ao sinalizar o endosso estatal de doutrinas de fé, pode representar
uma coerção, ainda que de carácter psicológico, sobre os que não professam aquela religião
(Sarmento, 2007, p.4). Nas palavras do maior especialista na matéria no cenário lusófono,

“A concessão estadual de uma posição de vantagem a instituições, símbolos ou ritos de


uma determinada confissão religiosa é suscetível de ser interpretada, pelos não aderentes,
como uma forma de pressão no sentido da conformidade com a confissão religiosa
favorecida e uma mensagem de desvalorização das restantes crenças. Por outras palavras,

ela é inerentemente coerciva” (Machado, 1996, p.348).

Esta íntima conexão entre a laicidade estatal e a liberdade de religião é sempre recordada na
riquíssima jurisprudência constitucional norte-americana sobre a matéria (Sarmento, 2007, p.4).
Por exemplo, no julgamento proferido no caso Engel v. Vitale, ocorrido em 1962, a Corte
ressaltou que “quando o poder, prestígio ou apoio financeiro do Estado é posto a serviço de
uma particular crença religiosa, é clara a pressão coercitiva indirecta sobre as minorias
religiosas para que se conformem a religião prevalecente oficialmente aprovada.”

Por outro lado, a existência de uma relação directa entre o princípio de laicidade do Estado e o
princípio da igualdade é também inequívoca. Em uma sociedade pluralista como a moçambicana,
em que convivem pessoas das mais variadas crenças e afiliações religiosas, bem como indivíduos
que não professam nenhum credo religioso, o princípio da laicidade conjugado a liberdade
religiosa converte-se em um instrumento indispensável para possibilitar o tratamento de todos
com o mesmo respeito e consideração de acordo com o princípio da universalidade e igualdade
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(como já fizemos referência) patente no Art.35 da CRM 2004 onde, “Todos cidadãos são iguais
perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres,
independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de
instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”. Neste contexto de
pluralismo religioso, qualquer posicionamento religioso do Estado implica, necessariamente, em
injustificado tratamento desfavorecido em relação àqueles que não abraçam o credo privilegiado,
que são levados a considerar-se como “cidadãos de segunda classe”. Tais pessoas, como
membros da comunidade política, são forçadas a se submeterem ao poder heterônomo do Estado,
e este, sempre que é exercido com base em valores e dogmas religiosos, representa uma
inaceitável violência contra os que não os professam.

Ademais, os que não pertencem à confissão religiosa favorecida pelo Estado, recebem do mesmo
a mensagem subreptícia, doptada de forte carga excludente, de que as suas crenças são menos
dignas de reconhecimento (Machado, 1996, p.352) isto é, qualquer comportamento do Estado
que favoreça alguma religião envia uma mensagem aos não-aderentes de que eles são
“outsiders”, e não plenos membros da comunidade política, acompanhada de outra mensagem
aos aderentes, de que eles são “insiders”, membros favorecidos da comunidade política (Ibid.,
1996, p.352). Esta atitude seria praticamente um desvio por parte do Estado naquilo que são os
seus objectivos fundamentais patentes na CRM de 2004: a consolidação da unidade nacional; a
edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de
qualidade de vida dos cidadãos; a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos
cidadãos perante a lei; o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da
harmonia social e individual; a promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura
de paz e, a afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições e demais valores sócio-
culturais (alíneas b), c), d), e), f), g) e i) respectivamente do Art.11 da CRM 2004.

Importa também referir que o princípio da laicidade do Estado Estado não é um comando
definitivo, mas um mandamento constitucional prima facie2. Trata-se de um típico princípio

2
Conceito proposto por Sir David Ross, em 1930. Ele propunha que não há, nem pode haver, regras sem exceção. O
dever prima facie é uma obrigação que se deve cumprir, a menos que ela entre em conflito, numa situação particular,
com um outro dever de igual ou maior porte. Um dever prima facie é obrigatório, salvo quando for sobrepujado por
outras obrigações constitucionais simultâneas.
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constitucional, de acordo com a famosa definição de Robert Alexy: um mandado de optimização,


que deve ser cumprido na medida das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto, e que
pode eventualmente ceder em hipóteses específicas, diante de uma ponderação com algum outro
princípio constitucional contraposto, realizada de forma cuidadosa, de acordo com as máximas
do princípio da proporcionalidade (Alexy, 1993, p.81). Portanto, a avaliar por este ponto de vista,
Greenwalt (2006, p.184) afirma que laicidade não incide em termos absolutos, como as regras,
que tendem a operar de acordo com a lógica do “tudo ou nada”. Neste quadro, certas medidas
que impliquem em algum tipo de suporte estatal à religião podem ser consideradas
constitucionalmente legítimas, se forem justificáveis a partir de razões não-religiosas,
relacionadas à proteção de outros bens jurídicos também acolhidos pela Constituição, cujo peso,
no caso concreto, sobrepuje a tutela constitucional da laicidade. O assunto em discussão encontra
sustentação no nº 4 do Art.54 da CRM 2004 ao advogar que “É assegurada a protecção aos locais
de culto”.

A situação anteriormente descrita, refere-se o caso da conservação de monumentos turísticos


com conotação religiosa, em que a acção do Estado decorre da sua missão de proteção do
patrimônico histórico, artístico, cultural e paisagístico. O que não significa necessariamente que
o Estado esteja a adoptar ou a proteger uma determinada religião. Com efeito, a correcta leitura
da laicidade deve compreendê-la como uma garantia da liberdade religiosa, e não como um
princípio que a ela se oponha.

1.2 Liberdade Religiosa em Moçambique a luz da Constituição de 2004

A consolidação da liberdade da religião e de crença como direito é, entretanto, bastante recente.


A humanidade assistiu, no decorrer de sua história, violações frequentes à liberdade religiosa,
especialmente mais graves nos regimes teocráticos3, nos quais o controle da fé significava o
controle do poder. Desde os primórdios civilizatórios, condutas que divergissem da religião
oficial eram duramente punidas pelo Estado, que temia que o culto a outra fé, diferente da
oficial, pudesse minar o poder central.

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Trata-se de um sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de
alguma religião.
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Em nossos tempos, a liberdade religiosa é um direito fundamental cuja consagração, no plano


internacional, encontra-se no Art. 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada
pela Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas em dezembro de 1948, no Palais de
Chaillot em Paris, (França), que assim dispõe: “Todo o homem tem direito à liberdade de
pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto
e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”

A ordem jurídica vigente em Moçambique, conferiu proteção constitucional à liberdade


religiosa, ao estatuir, em nossa Carta Constitucional no Art.54 (Liberdade de consciência, de
religião e de culto). Mas, antes de começar a debruçar-se em torno da temática em discussão
começaremos por apresentar uma síntese histórico-constitucional sobre as relações jurídicas da
Igreja e do Estado em Moçambique. Para tanto é preciso fazer, preliminarmente, um breve
estudo histórico-constitucional, a fim de mostrar a razão de ser e o verdadeiro sentido do regime
de separação que actualmente vigor no país.

1.2.1 Relações Igreja-Estado nas Constituições de 1975, 1990 e 2004


A evolução das relações Igreja-Estado em Moçambique está patente nos quadros constitucionais
que vigoraram em Moçambique ora vejamos:

“Na República popular de Moçambique o Estado é laico e nela existe uma absoluta separação
entre o Estado e as instituições religiosas. Na República Popular de Moçambique, a atividade
das instituições religiosa devem seguir as leis do Estado” ( Art. 19 da CRPM 1975)4.

“Os cidadãos gozam da liberdade de praticar ou de não praticar uma religião” (nº 1 do Art.78
da CRM 1990) e no nº 2 do mesmo artigo advoga que “As confissões religiosas gozam do direito
de prosseguir livremente os seus fins religiosos, possuir e adquirir bens para a materializaqão
dos seus objectivos”.

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Importa sublinhar que, nesta Constituição não aparece à semelhança da Constituição de 1990 e de 2004 de forma
clara as relações entre a Igreja e o Estado.
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Na constituição de 2004 no Art.54 acrescentou-se para além do que estava patente na


constituição de 1990 no Art.78 “Ninguém pode ser discriminado, perseguido, prejudicado,
privado de direitos, beneficiado ou isento de deveres por causa da sua fé, convicção ou prática
religiosa” (nº2); “É assegurada a protecção dos locais de culto” (nº4) e “É garantido o direito à
objecção de consciência nos termos da lei” (nº5).

No pós-independência, a relação entre o novo poder e a religião caracterizaram-se por um clima


de conflitualidade e de subordinação da Igreja ao Estado. Dentro das instituições religiosas
cristãs a que era vista como parte do estado colonial português e o seu aparelho ideológico era a
Igreja Católica e sobretudo a sua hierarquia. A ideologia do movimento de libertação, a sua
defesa da luta contra a exploração do homem pelo homem e a sua critica do capitalismo, a sua
defesa do materialismo e as ideias marxistas, eram utilizadas pela Igreja no contexto da sua
cruzada anti-comunista.

O conflito entre os novos detentores do poder de estado e as instituições religiosas dá-se num
quadro de uma luta pelo poder. A FRELIMO considerava que sendo o representante legitimo de
todo o povo não admitia desafios as suas leis e orientações por isso, no Art.4 Da CRPM o
objectifo fundamental da República Popular de Moçambique consistia na “eliminação das
estruturas de opressão e exploração coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhe está
subjacente ...”. Neste contexto da eliminação da tal estrutura a religião não escapou.

As relações entre o Governo e as organizações religiosas melhoraram quando deixou de existir


um partido único, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) de pendor marxista, e depois
de em 1989 a Constituição passar a aceitar o multipartidarismo e, no seu preâmbulo proclama
que “As liberdades e os direitos fundamentais que a Constituião consagra são conquistas do povo
moçambicano na sua luta pela construção de uma sociedade de justiça social, onde a igualdade
dos cidadãos e o imperativo da lei são os pilares da democracia. (CRM, 1990)5

Nisto, podemos concluir que a liberdade Religiosa em Moçambique, é portanto, conseqüência,


por um lado, dum facto sociológico e, por outro, da devida representatividade desse facto na
legislação do país, segundo os princípios democráticos que norteiam a nossa Constituição em

5
As palavras destacadas demonstram os princípios orientadores da nova constituição que consagra o princípio da
igualdade e da democracia numa perspectiva da consagração da dignidade humana.
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que “A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão,


na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do homem” (Art.3 da CRM 2004).

Julgamos deste modo que a Constituição Moçambicana de 2004 em linhas gerais acolhe e
regulamenta de modo adequado os três princípios fundamentais que sustentam as relações Igreja-
Estado. Respeita-se claramente o princípio de autonomia das confissões religiosas ao afirmar que
“As confissões religiosas são livres na sua organização e no exercício das suas funcões e de culto
e devem conformar-se com as leis do Estado” ( nº4 do Art.12 da CRM 2004) conjugado ao nº3
do Art.54 da CRM 2004 que defende que “As confissões religiosas gozam do direito de
prosseguir livremente os seus fins religiosos, possuir e adquirir bens para a materialização dos
seus objectivos”; defende-se o direito à liberdade religiosa nas suas dimensões individual
“Ninguém pode ser discriminado, perseguido, prejudicado, privado de direitos, beneficiado ou
isento de deveres por causa da sua fé, convicção ou prática religiosa” (nº2 do Art.54 da CRM
2004) e social “Os cidadãos gozam da liberdade de praticar ou de não praticar uma religião” (nº1
do Art.54 da CRM 2004); mantém-se a devida atenção ás comunidades religiosas, afastando-se
do laicismo do período da República Popular de Moçambique (1975) e da República de
Moçambique (1990), para entrar num campo de aberta cooperação onde, “O Estado reconhece e
valoriza as actividades das confissões religiosas visando promover um clima de entendimento,
tolerância, paz e o reforço da unidade nacional, o bem-estar espiritual e material dos cidadãos e o
desenvolvimento económico e social” (nº4 do Art.12 da CRM 2004).

Parece-nos, porém, que e stas linhas de força – autonomia, liberdade e cooperação – poderiam
marcar-se ainda, em algum aspecto, de um modo mais vigoroso, por exemplo, em matéria de
manifestação pública da religiosidade do indivíduo ou grupo de indivíduos poderiam determinar-
se por lei de maneira positiva e prática limites da liberdade individual ou celectiva de
manifestação de crenças religiosas. Ora vejamos: a luz do nº 1 do Art.56 da CRM 2004 “Os
direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e
privadas, são garantidas pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da Constituição e das leis”
e no nº2 do mesmo artigo, refere-se que “O exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado
em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela constituição”. O que
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significa que, deve existir uma lei que regula a liberdade religiosa desde que essa lei salvaguarde
os casos expressamente garantidos na constituição pois diz-se no nº3 do Art.56 que “A lei só
pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
constituição”.

Perante a este processo, por exemplo, a decisão de mandar suspender a aluna Fátima Kalifa, que
frequentava a Escola Secundária Fraternidade, na cidade de Pemba, por usar burca (véu
islâmico) na sala de aulas pelo Ministro da Educação Zeferino Martins que na ocasião, defendia
que o Estado Moçambicano é laico sendo, por isso, proibidas todas as manifestações religiosas
em recintos escolares, é inconstitucional. É inconstitucional porque, a questão do uso do veu
islâmico em locais público como a escola, deve ser interpretada em função da liberdade religiosa
disposto no Art.54 da CRM e, numa perspectiva da dignidade humana que por sua vez,
concretiza o princípio da universalidade e igualdade disposto no Art.35 da CRM. Assim sendo,
de acordo o disposto no nº1,2 e 3 do Art.56 da CRM as liberdades individuais devem ser
limitadas por lei. Desta forma, na nossa jurisprudência não existe uma lei que regula a liberdade
religiosa, impondo os limites das liberdades.

Note-se, porém, que não há qualquer paralelo entre vedar-se que um cidadão ou cidadã exprima
a sua fé e identidade religiosa no espaço público – o que constitui uma violação à liberdade de
religião – e interditar que o Estado endosse, através de símbolos, qualquer crença ou confissão
religiosa. No primeiro caso, tem-se um atentado à liberdade e igualdade do indivíduo, e, no
outro, uma medida que visa, pelo contrário, a proteger e promover a liberdade e a igualdade de
todas as pessoas (Greenwalt, 2006, p.91). Por isso, seria constitucionalmente inadmissível a
aplicação em Moçambique de medidas adoptadas por países como a França e a Turquia - que, em
nome deste princípio da laicidade do Estado, restringiram certas manifestações religiosas dos
seus cidadãos em espaços públicos, com destaque para a proibição do uso do véu islâmico por
jovens muçulmanas em escolas públicas.
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Considerações Finais

O princípio da laicidade do Estado é, no Direito moçambicano, um princípio constitucional, que,


nesta qualidade, foi posto ao abrigo da vontade das maiorias. Trata-se de um princípio
directamente correlacionado aos direitos fundamentais à liberdade religiosa e à igualdade, como
já assinalado neste estudo, cujo respeito, portanto, deve ser visto não como um entrave à
democracia, mas como um mecanismo essencial ao seu funcionamento, numa sociedade marcada
pelo pluralismo religioso e mundividencial.

Em Moçambique à luz ca Constituição de 2004, as relações entre a Igreja e o Estado baseam-se


no princípio do respeito e da tolerância religiosa na medida em que o Estado não interfere nas
questões internas das diversas confissões religiosas peso embora, nos últimos anos apareçam
confissões religiosas nos diversos órgãos que desafiam a ciência e emitindo uma mensagem que
faz transparecer uma desacreditação por parte da Igreja em relação à medicina convencinal assim
como tradicional reconhecidas pelo Estado. Mas, a lacuna que se verifica no nosso quadro
constitucional relacionado a ausência de uma lei que regula a liberdade religiosa impondo limites
a essas liberdades como fizemos referência ao longo do estudo, faz com que o Estado não
intervenha nesta situação pois, qualquer intervenção sem uma base legal (lei) será
inconstitucional.

Podemos concluir ainda que o Estado moçambicano respeitando o quadro constitucional em


vigor tem tolerado a religião. Tomamos como exemplo desta afirmação concecussão da
tolerância de pontos para os cristãos e muçulmanos na sexta-feira santa e no Eid-il-fitr
respectivamente. Por outro lado é preciso salientar que em alguns casos, com base no princípio
da laicidade, o Estado tem ofuscado e limitado a liberdade religiosa, por exemplo, interditando o
uso do véu islâmico na escola e em locais públicos.

As igrejas por sua vez, apesar de serem independentes, conformam-se com as leis do Estado de
acordo com o dispopsto no nº3 do Art.12 da CRM “As confissões religiosas ... devem
conformar-se com as leis do Estado” e têm desempenhado o seu papel no reforço da unidade
nacional, o bem-estar material e espiritual dos seus cidadãos bem como no desenvolvimento de
uma cultura de Paz entre os cidadãos.
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Bibliografia

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