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O que é Estado laico?

Entenda o que significa e como funciona no Brasil


País adota separação de Igreja e Estado desde 1891, mas ainda enfrenta desafios para garantir secularismo

Por Marília Marasciulo 31/05/2023 11h10 Atualizado 31/05/2023

Via <https://revistagalileu.globo.com/sociedade/politica/noticia/2023/05/o-que-e-estado-laico-entenda-o-que-significa-e-como-
funciona-no-brasil.ghtml>

Você já deve ter ouvido que o Brasil é um Estado laico. Isso significa que o país não está oficialmente ligado
a nenhuma religião. Embora tenha uma população predominantemente católica e a Igreja ainda tenha presença
na educação, saúde e assistência social, desde 1891, com a adoção da primeira constituição republicana, o
Brasil optou pela separação entre Estado e religião, promovendo a liberdade e a proteção de diferentes crenças.

O Brasil não é o único Estado laico no mundo. Na verdade, a maioria das democracias modernas adota a
secularidade, pois Estados laicos costumam ser vistos como mais tolerantes e inclusivos do que aqueles
alinhados com uma religião em particular. Isso ocorre porque os Estados laicos não privilegiam uma religião
em detrimento de outra, e permitem que todos os cidadãos pratiquem sua religião livremente.

O secularismo como conhecemos hoje teve origem nas Revoluções Americana e Francesa, no fim século 18,
mas a história é longa e complexa, com raízes na antiguidade. Na Grécia Antiga, por exemplo, havia uma forte
separação entre religião e governo. Filósofos como Platão e Aristóteles argumentavam que a religião deveria
ser um assunto privado e que o governo não deveria interferir em questões religiosas. O mesmo princípio
também existia no Império Romano. Os imperadores romanos costumavam tolerar diferentes religiões e não
tentavam impor nenhuma religião ao Império.

Na Idade Média, a relação entre Estado e religião mudou. A Igreja Católica se tornou cada vez mais poderosa
e começou a exercer sua influência sobre o governo, levando a um período de perseguição religiosa.

O Renascimento e o Iluminismo marcaram uma virada na história do secularismo. No período, houve um


interesse renovado no aprendizado clássico, e os filósofos do Iluminismo começaram a desafiar a autoridade
da Igreja. Eles argumentavam que a razão deveria ser a base do governo e que a religião deveria ser um assunto
privado. E foram as ideias iluministas que inspiraram a Revolução Francesa que, em 1801 passou a tutela da
Igreja para o Estado. Em 1905, a França separou definitivamente Estado e Igreja, garantindo a liberdade
filosófica e religiosa.

O século 20 viu o crescimento contínuo do secularismo. Em 1924, a Turquia aboliu o califado e estabeleceu
uma república secular. Em 1947, a Suprema Corte dos EUA decidiu que o governo não poderia estabelecer
uma religião estatal. No mesmo ano, a Índia conquistou a independência do Império Britânico e se declarou
um Estado laico, o que foi ratificado pela Constituição de 1976.

Quais os tipos de Estado laico?

Nem todo Estado laico é igual: existem diferentes formas de implementar um Estado laico. Alguns podem
optar por uma separação estrita entre Igreja e Estado, como é o caso dos Estados Unidos, que não permitem
que o governo apoie ou promova qualquer religião ou interfira nas práticas religiosas de seus cidadãos. Confira
os principais tipos:

Separacionismo: baseia-se no princípio da estrita separação entre Igreja e Estado. Em um Estado separatista,
o governo não pode apoiar ou promover qualquer religião e não pode interferir nas práticas religiosas de seus
cidadãos.

Acomodacionismo: é uma abordagem mais moderada ao secularismo. Em um Estado laico acomodado, o


governo pode apoiar e promover a religião, desde que o faça de maneira justa e imparcial para todas as
religiões. A Alemanha, por exemplo, permite que grupos religiosos promovam eventos em locais públicos,
além de fornecer apoio financeiro para escolas e instituições religiosas.
Laïcité: o termo francês se refere a um tipo particular de secularismo considerado um pouco mais radical, que
enfatiza a separação entre religião e Estado, a ponto de haver a proibição de símbolos religiosos em escolas
públicas.

Não conhecimento: este tipo de secularismo enfatiza a neutralidade do Estado em relação à religião. Em um
Estado de não conhecimento, o governo não pode tomar nenhuma posição sobre religião, seja positiva ou
negativa.

Quais as vantagens de um Estado laico?

Há muitas razões pelas quais o Estado laico é considerado importante. A principal delas é a tolerância e
inclusão: ao não privilegiar uma religião, o Estado acaba protegendo a liberdade religiosa dos cidadãos. Além
disso, espera-se que a permissão de diferentes práticas religiosas gere uma sociedade mais tolerante e menos
conflituosa. Estados laicos também costumam proteger os direitos das minorias religiosas, ao garantir que o
governo não discrimine pessoas com base em suas crenças, contribuindo para uma sociedade mais justa e
igualitária.

E quais as desvantagens de um Estado laico?

Uma série de desafios podem surgir em um Estado laico. O principal está na própria definição de secularismo
que, como mencionado anteriormente, tem diferentes variedades. Isso pode levar a confusão e desacordo sobre
como ele deve ser implantado. Ao mesmo tempo em que se empenha para proteger a liberdade religiosa, o
Estado laico também deve garantir que a religião não interfira na capacidade do governo de funcionar de forma
eficaz. Tal equilíbrio nem sempre é fácil de ser alcançado, e pode gerar divergências sobre o quanto a
influência religiosa é aceitável na vida pública. A proteção dos direitos das minorias religiosas também é um
ponto que pode gerar controvérsias quando esses direitos entram em conflito com os direitos da maioria.

Por fim, a educação religiosa também deve ser levada em consideração. Para promover a tolerância religiosa,
é importante que as crianças aprendam sobre as diferentes religiões — mas isso pode gerar divergências sobre
o quanto de educação religiosa deve fazer parte do currículo escolar.

Quando surgiu o Estado laico no Brasil?

Embora adotado desde a Constituição republicana em 1891, o conceito de Estado laico ficou estabelecido de
forma mais concreta com a Constituição de 1988, mesmo que esta cite Deus no preâmbulo. No artigo 5º, inciso
VI, a Constituição determina que:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

E completa, no artigo 19, inciso I, que:

“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos
ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público.”

Ainda assim, o tema é controverso no país. Além de frequentes denúncias de intolerâncias religiosas,
especialmente contra as religiões de matriz africana, volta e meia surgem polêmicas em relação ao uso de
símbolos religiosos, como crucifixos, em repartições estatais. O país também tem observado o crescimento da
apelidada “bancada evangélica” no Congresso Nacional, que busca impor pautas baseadas em convicções
religiosas, ferindo o princípio do Estado laico.

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