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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

SUMÁRIO
MÓDULO 04

UNIDADE DE APRENDIZAGEM 2....................................141

2. República, ditadura militar e os


evangélicos no Brasil.............................................141

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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

MÓDULO
UNIDADE DE APRENDIZAGEM 2

2. República, ditadura militar e os evangélicos no Brasil

OBJETIVOS
04
1 Analisar as mudanças que a Proclamação da República trouxe para
as relações entre política e religião

2 Examinar o crescimento das igrejas evangélicas e as mudanças na


relação delas com a política ao longo da República.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Embora nossa unidade de aprendizagem comece com a Proclamação da República,


em 1889, os fatos que se desenvolvem a partir dela são mais próximos dos nossos dias. O
modelo de separação entre Igreja e Estado inaugurado pela República é o que permanece
até os nossos dias. As igrejas, denominações, que conhecemos estavam iniciando suas
atividades e o pentecostalismo seria implantado no Brasil nas primeiras décadas do século
XX, portanto, quando a República ainda engatinhava. O século XX é cheio de mudanças po-
líticas. Embora a República tenha sido mantida, a alternância entre períodos democráticos
e períodos autoritários foram constantes e, tais mudanças, repercutiram nas relações entre
religião e política. Certamente olhar para o período republicano que nos precedeu auxiliará
na compreensão das relações entre política e religião em nossos dias.

Bons estudos!

As mudanças trazidas pela República

A relação da Igreja Católica com o Estado brasileiro não havia conseguido conter in-
fluência das ideias secularizantes oriundas do positivismo francês e que ganharam a sim-
patia dos círculos militares. A maçonaria era outro espaço social no qual circulavam as
ideias positivistas que se opunham à influência católica sobre o Estado. A queda da mo-
narquia e a Proclamação da República, em 1889, assinalaram uma nova etapa na relação
Estado e religião no Brasil. A Constituição de 1891, revisada por Rui Barbosa e inspirada
na Constituição dos Estados Unidos, consagrava a separação entre Estado e religião e a
Igreja Católica Apostólica Romana deixou de ser a religião oficial do Brasil. Observe-se que
até então, cabia a Igreja Católica emitir certidões de nascimento, casamento e falecimento.

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Somente em 1893 o Estado assumiu seu papel na emissão desses documentos. A adminis-
tração dos cemitérios foi transferida para os municípios.

“ SEPARAÇÃO IGREJA E ESTADO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891


“Declaração de Direitos” Art. 72…
§ 2º Todos são iguais perante a lei. (…)
§ 3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente
o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bem, observadas as
disposições do direito comum.
§ 7º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de
dependência ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados.
§ 28. Por motivo de crença ou função religiosa, nenhum cidadão brasileiro poderá ser
privado de seus direitos civis e políticos nem se eximir de cumprimento de qualquer
dever cívico.

A Igreja Luterana, do protestantismo de imigração, e as igrejas do protestantismo histó-
rico, chamadas de igrejas missionárias já estavam estabelecidas no Brasil quando se deu a
Proclamação da República. Congregacionais, presbiterianos, medodistas e batistas haviam
criado uma rede de igrejas e de escolas pelo Brasil. Embora as igrejas estivessem mais
livres na República para seguirem com a evangelização, um dos pilares da estratégia de in-
serção na sociedade brasileira e apresentação da nova mensagem religiosa acabou sendo
abalada por ações do governo republicano. Trata-se da entrada do Governo no campo da
educação, até então, monopolizado pelas escolas confessionais, católica e protestantes.
O Decreto 510, do Governo Provisório da República, dizia, em seu artigo 62, item 5o, que “o
ensino será leigo e livre em todos os graus e gratuito no primário”. Embora as iniciativas nos
primeiros anos da República tivessem sido poucas e tímidas, aos poucos, a mão governa-
mental chegava à educação. Eis algumas iniciativas nas primeiras décadas do governo re-
publicano: criação do Instituto Adolf Lutz (1893), da Escola Politécnica (1893), do Instituto
Butantã, sob a direção de Vital Brazil, da Escola de Manguinhos (1901) dirigida por Oswaldo
Cruz, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1901) em Piracicaba.

A missionária metodista Martha Watts, fundadora de colégios evangélicos pelo Bra-


sil, depois da entrada do Governo no campo educacional registrava as baixas de alunos
do colégio dirigido por ela em Belo Horizonte e passava a se manifestar contrariamente a
abertura de novas escolas protestantes. Registre-se, entretanto, o fiasco da educação nos
primeiros 30 anos de existência da República, pois em 1890 o número de analfabetos na

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população era de 67,2%, em 1920 esse número era de 75%.

A presença protestante na República se amplia, em 1910, com a chegada da Assem-


bleia de Deus e a Congregação Cristã, as quais no decorrer do século XX seriam conhecidas
como Igrejas Pentecostais e se tornaram as maiores igrejas evangélicas no País.

No campo das igrejas protestantes começam as primeiras iniciativas de cooperação e


uma rearticulação da inserção na sociedade brasileira. O primeiro movimento foi a criação
de escolas, já mencionado acima. Sob a influência do Congresso de Ação Cristã, realizado
1925, na cidade Montevidéu, no Uruguay as denominações presentes no Brasil criaram, nas
décadas seguintes, hospitais confessionais. No referido congresso Robert Speer, um dos
mais importantes dirigentes do trabalho missionário nos Estados Unidos e um dos articu-
ladores da cooperação missionária na América Latina, se pronunciou sobre a importância
do trabalho missionário médico como estratégia de evangelização na América Latina. A
sua palestra no Congresso se intitulou: Medical missionary work in south América (SPEER,
1926, 407- 419). Nela expôs a precariedade da saúde na América Latina e a atuação de
missões cristãs com foco no atendimento da Saúde em diversos países da América do Sul.
A criação dos seguintes hospitais é resposta a articulação nascida no Congresso de Mon-
tevidéu: Hospital Evangélico Goiano (1927); Hospital Evangélico de Pernambuco (1929) 14;
Hospital Evangélico de Rio Verde (1937); Hospital Evangélico de Sorocaba (1935); Hospital
Evangélico de Curitiba (1943); Hospital Evangélico de Dourados (1946); Hospital Evangélico
de Londrina (1948); Hospital Evangélico da Bahia (1961).

Diferentemente das escolas, iniciativas denominacionais, os hospitais nasciam sob o


signo da cooperação entre as denominações evangélicas brasileiras. Isto se explica por
duas razões: o custo mais elevado de um hospital, quando comparado a uma escola, mas
também a percepção das igrejas que precisavam cooperar umas com as outras. A coope-
ração era despertada, em grande parte, pelas reações do catolicismo romano nas primeiras
décadas do século XX.

A reação da Igreja Católica ao advento da República foi em duas direções: de um lado


se dizia que era boa para a Igreja separar-se dos inconvenientes de ser a religião oficial,
mas de outro, havia o lamento da perda da influência e dos privilégios de ser a religião ofi-
cial. Num movimento de recuperação de influência na sociedade brasileira o catolicismo
investiu na vinda de padres e missionários da Europa e viu o número de dioceses saltar de
13, em 1889, para 58, em 1920. O catolicismo, diante da perda do status de religião oficial,
precisará investir na competição com seus adversários religiosos e alguns padres se dedi-
carão ao combate aos “erros do protestantismo”. Inicia-se a era das polêmicas religiosas,
sendo os debates entre o Padre Leonel Franca e o Reverendo Eduardo Carlos Pereira, nas
duas primeiras décadas do século XX, o ponto alto desse período.

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A Revolução de 1930 marcou uma nova fase de reaproximação do catolicismo com o


Estado e acendeu a luz de alerta entre os protestantes. O cardeal Leme, Arcebispo do Rio
de Janeiro, havia exercido um papel importante nas negociações para deposição do presi-
dente Washington Luiz e, com isso, aproximou-se do presidente Getúlio Vargas. Os frutos
dessa amizade apareceriam nos anos seguintes, especialmente na Constituição de 1934,
como assinala Cavalcanti (1994):
A constituição começa “sob a proteção de Deus”. As ordens religiosas
mantém sua personalidade jurídica e os seus membros readquirir a
plenitude do exercício da cidadania. É consentida a assistência reli-
giosa às organizações militares. O casamento religioso é reconhecido
pela lei civil. O divórcio é proibido. O ensino religioso é admitido nas
escolas públicas, invocando o ‘interesse coletivo’. Em 1933 é fundada
a LEC (Liga Eleitoral Católica), para apoiar os candidatos comprome-
tidos com a plataforma da Igreja. Vários deles vão estar presentes à
Assembléia Constituinte, dentre eles Plínio Correia de Oliveira, futu-
ro fundador da TFP (Tradição, Família e Propriedade) (CAVALCANTI,
1994, p. 190).

A Igreja Católica empreendeu uma luta para firmar-se como religião da população bra-
sileira no imaginário social. Um dos símbolos mais importantes será a inauguração do Cris-
to Redentor, em 12 de outubro de 1931, com a presença do presidente Getúlio Vargas.

O protestantismo, na primeira metade da República, precisa lutar em várias frentes:


consolidar lideranças nacionais, estabelecer seminários para formação de pastores, defen-
der-se no embate com o catolicismo e, ainda, entender-se com as igrejas-mãe, geralmente
nos Estados Unidos.

No panorama religioso brasileiros das primeiras décadas do século XX é importante as-


sinalar algumas alternativas religiosas que se desenvolvem fora do campo cristão católico/
protestante. O espiritismo já estava presente no Brasil desde meados do século XIX, mas
ganhará novo impulso após o período da Primeira Grande Guerra Mundial. Porém, a grande
novidade será o surgimento da Umbanda, numa síntese de elementos do espiritismo e do
candomblé. Em 1922 houve a Semana de Arte Moderna com o lema de que era preciso
“abrasileirar o Brasil”. No contexto religioso a Umbanda aparecia como “legítimo produto
nacional”, uma religião sincrética feita em solo brasileiro. A liberdade religiosa da República
ainda não se estendia a todas as religiões sendo que os terreiros de Umbanda eram obriga-
dos a fazerem o registro de funcionamento junto às delegacias de polícia.

Na primeira fase da República, chamada de República Velha (1989-1930), apenas três


parlamentares eram protestantes: Alfredo Ellis (Luterano, filho de imigrantes, 1903 a 1925),
Érico Coelho (Igreja Evangélica Brasileira, 1906-1909, 1914-1918) e Joaquim Nogueira Pa-
ranaguá (Igreja Batista, 1896 a 1906).

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No período getulista (1930-1945) houve a aproximação com a Igreja Católica, confor-


me citado acima e o surgimento de uma militância católica para eleger políticos católicos.
A proposta era que esses políticos retomassem, pela via democrática, os espaços perdidos
pelo catolicismo. A Liga Eleitoral Católica (LEC) visava eleger deputados católicos para a
Constituinte de 1933. Isso provocou uma reação no campo protestante que se sentiu amea-
çado pela ação católica.

Em 1934 foi criada a Confederação Evangélica do Brasil (CEB), mas em 1932extra-fo-


cialmente já existia e atuava e lançou um documento em oposição à LEC. Neste documento
conclamava os evangélicos a se manifestar politicamente buscar representatividade na As-
sembleia Constituinte. As pautas defendidas eram: a laicidade do Estado e do ensino públi-
co, bem como sua gratuidade, o direito ao divórcio, o pacifismo, a liberdade de pensamento,
de crença, entre outros elementos. Foram lançadas 29 candidaturas, todas independentes,
porém, evitando-se o “voto de curral” era enfatizado que não havia apoio oficial das igrejas
às quais pertenciam os candidatos. Somente o pastor metodista Guaracy Silveira, do Par-
tido Socialista Brasileiro (PSB), de São Paulo. Ele foi eleito deputado uma segunda vez, em
1946, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que ajudou a fundar. Em 1948, o metodista
liderou a criação e se tornou presidente do Partido Republicano Trabalhista (PRT), que pas-
sou a contar com a participação predominante de evangélicos. Em 1950, os evangélicos
conseguiram eleger mais de um deputado federal, era o médico presbiteriano independente
Lauro Monteiro da Cruz. Ele era presbítero da Primeira Igreja Presbiteriana Independente
de São Paulo e professor da Faculdade de Medicina da USP. Foi reeleito sucessivas vezes
deputado federal.

Retomando o panorama religioso, a partir dos anos 50 surgem algumas novidades no


cenário evangélico brasileiro. São elas: Igreja do Evangelho Quadrangular (1953), Igreja
Evangélica Pentecostal o Brasil para Cristo (1956), Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962) e
Igreja Universal do Reino de Deus (1977). Essas novas igrejas pentecostais foram fundadas
justamente no período em que o Brasil começa a intensificar o processo de urbanização.
Grandes contingentes se deslocam das áreas rurais para as periferias das grandes cidades
brasileiras, principalmente das capitais do Sudeste. Os seguintes pontos se destacam na
atuação dessas novas igrejas: o uso do rádio, propaganda de cura divina e exorcismos.
Lembremos que elas representarão um contraponto ao crescimento da umbanda nas déca-
das de 30,40 e 50.

O cenário político, após o fim da ditadura do último período de Getúlio Vargas, teve um
curto intervalo democrático (1946-1964). A Guerra Fria torna-se nesses anos e até os anos
80, o grande assunto da geopolítica mundial. O mundo divide-se entre o lado Ocidental
capitalista e lado Oriental comunista. Do lado de cá a liderança é dos Estados Unidos e,

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do lado de lá, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) imprimirá o ritmo dos
acontecimentos políticos.

A ditadura militar (1964-1985)

As discussões em torno da corrupção no país e da ameaça comunista culminaram no


movimento de 31 de março de 1964. Na aparência havia o propósito de aperfeiçoar a de-
mocracia brasileira livrando-a de um risco de ditadura comunista e combatendo os males
da corrupção. Entretanto, uma vez no poder, os chefes militares começaram a mudar as
instituições do país através de decretos denominados de Atos Institucionais (AI). A justifi-
cativa era que todas as revoluções exercem um Poder Constituinte. Note-se que o Golpe foi
dado em nome do povo, porém, o povo - via eleições e assembleia constituinte foi excluído
do processo de elaboração das leis.

Cassações de deputados da oposição, restrições cada vez maiores ao poder de legislar


do Congresso e, finalmente, a imposição de uma nova Constituição (1967) foram dando as
feições do novo regime autoritário. O historiador Boris Fausto assim define o modelo da
ditadura militar:
Uma das características do regime implantado em 1964 foi o de não
ser uma ditadura pessoal. Poderíamos compará-lo a um condomínio
em que um dos chefes militares - general de quatro estrelas - era esco-
lhido para governar o país por prazo definido. A sucessão presidencial
se realizava, de fato, no interior da corporação militar, com audiência
maior ou menor da tropa, conforme o caso, e decisão final do Alto
Comando das Forças Armadas. Na aparência, de acordo com a legis-
lação, era o Congresso quem elegia o presidente da República, indica-
do pela Arena. Mas o Congresso, descontados os votos da oposição,
apenas sacramentar a ordem vinda de cima. (FAUSTO, 1999, p. 475)

Com as cassações de deputados de oposição o governo militar conseguiu garantir


uma maioria estável no Congresso. A seguinte tática era utilizada para parar os projetos de
interesse do presidente militar. O projeto de lei era enviado ao Congresso e se em 30 dias
não fosse votado ficava automaticamente aprovado. Como o governo tinha maioria, ele
próprio impedia a discussão e votação por meio de obstrução, ao final dos 30 dias o projeto
estava aprovado por decurso de prazo. Observa que uma regra básica da democracia era
burlada - o poder do Congresso de fazer as leis.

Dominado o Congresso, que nas democracias é responsável pela feitura das leis, a ou-
tra ponta a ser controlada era o judiciário, responsável por julgar segundo a Constituição.
O governo militar aprovou leis que aposentavam compulsoriamente os juízes contrários à
ditadura e novos juízes eram nomeados.

As perseguições, prisões e torturas ocorreram desde o início do regime militar, entretan-

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to, as eleições diretas para governadores e prefeitos foram mantidas em 1965. O resultado
das urnas acendeu o sinal de alerta para os militares, pois, em vários estados e municípios
opositores ao regime foram eleitos. Menos de um mês após esse resultado, o regime militar
acabou com a eleição direta para governadores.

O golpe dentro do golpe veio no dia 13 de dezembro de 1968 com o Ato Institucional
número 5, conhecido como AI-5. O Congresso foi fechado. O AI-5 não tinha data para ter-
minar, diferentemente dos atos institucionais anteriores e duraria até 1979. O AI-5 ampliava
os poderes do Presidente da República que poderia fechar o Congresso, cassar deputados
e realizar a intervenção em Estados e Municípios a qualquer momento.

O lado mais tenebroso da ditadura ficou por conta da chamada Doutrina de Segurança
Nacional. Em sintonia com essa Doutrina o AI-5 suspendeu o habeas corpus, basicamente
o direito de uma pessoa se defender em liberdade de uma acusação. Na prática qualquer
pessoa suspeita de crítica ao regime era presa na clandestinidade, sem direito a um advo-
gado de defesa e torturada até confessar o suposto crime contra o Governo. Familiares de
presos não conseguiam obter qualquer informação e tampouco tinham permissão para
visitar os presos. Na prática estavam impedidos de cumprir Mateus 25.43 “Estive preso e
foste ver-me”.

Violência gera mais violência. O AI-5 fez multiplicar nos movimentos de esquerda a
criação de grupos de luta armada, eram os chamados movimentos de guerrilha no campo
e nas cidades. Os mais famosos foram os grupos liderados por Carlos Lamarca, um ex-ca-
pitão do Exército e Carlos Marighella.

Os abusos aos Direitos Humanos foram intensificados com o AI-5. A partir de 1969 foi
criada a Operação Bandeirantes (Oban) e, em seguida o DOI-CODI, siglas do Destacamento
de Operações e Informações e do Centro de Operações de Defesa Interna. Esses organis-
mos se estabeleceram em vários estados realizando prisões com base em denúncias tor-
turas e mortes.

O crescimento econômico em ritmo acelerado, em torno de 10% ao ano, deu origem


ao chamado “milagre econômico”. Os militares e políticos apoiadores da ditadura se es-
coravam nos bons resultados econômicos para justificar o regime e fazer vistas grossas à
violação do Direitos Humanos.

A partir de 1973 começou uma política de distensão do regime militar. Na prática os


militares percebiam as dificuldades, mesmo com poderes ditatoriais, de governar o país. A
corporação militar funciona com base na obediência à hierarquia, entretanto, um oficial de
patente inferior podia controlar informações e decidir sobre a vida e a morte de pessoas sem
que seus superiores tivessem conhecimento de todo o processo. Além de perceberem as

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dificuldades para governar o país, os chefes militares começavam a enxergar que a institui-
ção militar poderia se desagregar num bando de soldados sem comando. Pressionava em
favor de uma abertura do regime o fato que os resultados da economia começaram a piorar
e o crescimento do “milagre econômico” foi feito com grande endividamento do país e não
resultou em distribuição de renda ou melhores serviços de saúde, educação e transporte para
a população. Internamente a Igreja Católica começou gradativamente a ser opor ao regime
militar atuando principalmente na defesa dos Direitos Humanos. Do Exterior chegavam pres-
sões de países e organismos internacionais questionando a prática da tortura e a repressão
às críticas ao regime. Tudo isso somado, fez dos anos finais da ditadura um processo lento
de negociação com as forças da sociedade a retomada do regime democrático.

E as igrejas evangélicas?

É fato conhecido e amplamente documentado o apoio das Igrejas Evangélicas ao Golpe


Militar de 1964 e ao governo ditatorial que foi implantando. Leonildo Silveira Campos (2014)
explica minuciosamente o apoio das Igrejas Evangélicas ao regime militar. Havia uma
tensão no interior das denominações que reproduzia as divisões ideológicas da Guerra Fria.
Essa divisão tinha nuances, obviamente, mas o resultado geral era sempre um grupo que se
alinhava à defesa do modelo de sociedade capitalista representado pelos Estados Unidos
e outro grupo que questionava tal modelo e o fazia amparado por ideologia e literatura que
havia gerado o modelo Soviético, Cubano e Chinês. De modo perspicaz Campos sumariza
essa divisão da seguinte forma: de um lado das igrejas protestantes históricas estavam
aqueles que defendiam o modelo tradicional de relacionamento entre igreja e sociedade
preconizando esforços na evangelização e de outro estavam, principalmente jovens
teólogos e pastores, que sustentavam maior envolvimento da igreja com as causas sociais
e o cumprimento da missão profética denunciando as injustiças de caráter econômico.

Essa tensão foi sendo alimentada durante a década de 50. Os embates da Guerra Fria
fizeram circular nas igrejas muita propaganda sobre o ateísmo dos comunistas e a per-
seguição às igrejas cristãs. Quando o Golpe de 1964 ocorreu, as igrejas viram-no como
resposta às orações dirigidas a Deus para que o Brasil não viesse a se tornar um país de
regime comunista. Sem exceções, todas as denominações enviaram mensagens ao Presi-
dente da República expressando seu apoio ao novo regime. Cultos de ação de graças pelo
ocorrido no dia 31/03/1964 tornaram-se comuns nas igrejas evangélicas.

E qual foi a reação das Igrejas quando começaram a aparecer as violações aos Direitos
Humanos praticadas pelo regime militar instaurado no país? As igrejas não só não mani-
festaram seu repúdio, mas a máquina de tortura do Estado foi usada por lideranças conser-
vadoras para denunciar aqueles que não eram apoiadores da ditadura militar. Importante
ressaltar que não se tratava necessariamente de pessoas envolvidas em movimentos de

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guerrilha ou defensores do comunismo. Bastava questionar a autoridade de líderes denomi-


nacionais ou sustentar visões doutrinárias alternativas para que o instrumento da delação
fosse muitas vezes utilizado para reprimir os dissidentes.

O apoio ao regime militar não foi uma exclusividade das igrejas evangélicas, lembre-
mos que a Igreja Católica também apoio o Golpe de 1964. Nesse sentido as igrejas acom-
panhavam a maioria da sociedade brasileira. Entretanto, a Igreja Católica diante das viola-
ções dos Direitos Humanos praticadas pela ditadura militar foi gradativamente retirando
seu apoio até assumir o papel de opositora. Infelizmente o mesmo não ocorreu na seara
evangélica e, como vimos acima, não só fizeram vistas grossas às violações aos Direitos
Humanos, mas se valeram desse crime para resolver diferenças entre irmãos. Se o capítulo
seguinte das relações entre igreja e política será marcado pelo lema: irmão vota em irmão.
O capítulo igreja e ditadura militar foi marcado pelo vergonhoso lema: “irmão delata irmão”.

Mas houve resistência. O Rev. Jaime Wright, missionário presbiteriano no Brasil, ao


lado do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns denunciaram as violações aos Direitos Humanos.
O livro Brasil Nunca Mais, coordenado por eles, é o registro dos anos de chumbo. Jaime
Wright foi o responsável pela articulação do encontro entre o presidente Jimmy Carter e o
Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns em 1978. Nesse encontro o Cardeal entregou uma lista
com nomes de pessoas sequestradas e desaparecidas pela ação dos militares. Jimmy Car-
ter, ativo como membro da Igreja Batista, se notabilizou pela defesa dos Direitos Humanos.
Na sua visita ao Brasil tocou de forma superficial na defesa da liberdade humana, mas o
simples fato de receber dois críticos ao regime militar foi um ponto de inflexão no apoio dos
Estados Unidos ao Golpe de 1964.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Percebemos um crescimento no envolvimento dos evangélicos com a política ao lon-


go da República. De uma posição mais cautelosa, no início da República, passarão a
um maior envolvimento com a política ao longo das décadas, principalmente a partir
do período getulista. Neste período é para garantir a liberdade religiosa conquista na
República e ameaçada pelas alianças entre Getúlio Vargas e a alta hierarquia católica.
No período da ditadura militar as igrejas evangélicas se afastam da política, mas é um
afastamento que incorre em omissão diante dos crimes contra os direitos humanos
praticados pelo Estado brasileiro. O envolvimento da igreja, enquanto instituição, e dos
cristãos com a política é sempre cercado de riscos. Isso não significa que não deva
participar, pois a não participação não significa neutralidade principalmente diante de
injustiças, como aquelas ocorridas no regime militar e amplamente documentadas.

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