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Os agentes religiosos dos séculos XIX, tiveram papel importante no contexto de

independência das colônias hispânicas. O padre Miguel Hidalgo (1753-1811) e José Morelos
(1765-1815) são exemplos em meio a independência do México. Padre Hidalgo liderou um
movimento de mais de 60 mil indígenas em Guanajuato, durante o Grito dos Dolores. O
marco inicial da independência mexicana aos 16 de setembro de 1810, como lema “Viva
Nossa Senhora de Guadalupe e morte aos guachupines!”. O Grito dos Dolores dá ênfase na
divisão “religião e pátria”, que indica procedimentos de clérigos católicos na vida cotidiana,
não somente restrita aos espaços religiosos. A participação de clérigos nos processos de
educação e figuras carismáticas, não eram passados despercebidos, mas estes tiverem
importantes contribuições nos processos de independência e consolidação dos estados
independentes na América.
Mas, apesar disso, havia unidade no discurso católico, o próprio padre Hidalgo foi
chamado e “precursor do anticristo” pelo arcebispo do México, Francisco Javier de Lizana,
por supostamente estabelecer sedição na Nova Espanha, também suspeitar e comprometer a
legitimidade e responsabilidade religiosa aos reis. Já o padre Merelos, foi acusado pela
Inquisição mexicana (1815) de ser um herege, “inimigo do cristianismo”, apóstata da sagrada
religião e traidor do Rei e da Pátria.
Ao final do período colonial (segunda metade do séc. XVIII) a Coroa espanhola
bourbônica implementou medidas “ilustradas” e “modernizadoras”, que desagradaram boa
parte do clero, tais como a inserção de ensino de novas filosofias e ciências nas universidades,
ou seja, novas formas de pensamento para aquele contexto. Buenos Aires recebeu essas ideais
laicas de forma muito mais veloz, graças a letrados e advogados, mas no vice-reino do Prata,
as mudanças ocorrem devido a atuação de religiosos.
Poderíamos destacar dentro do clero duas correntes, uma que reconhecia as
reivindicações de 1810, dos exemplos é o padre Manuel Alberti (1763-1811), que integrou as
primeiras juntas instituídas do processo revolucionário. Em 1830, há um predomínio de outra
corrente, a do pensamento conservador entre o clero, o receio aí era que o estado diminuiria o
poder e a influência da Igreja em nome do princípio da laicidade.
A Argentina do século XIX foi marcada por enfretamentos e divisões internas, a
consolidação territorial ocorreu apenas pouco mais de cinco décadas da Revolução de Maio.
Entre questões historiográficas, os aspectos religiosos não tiveram tantos destaques, mas sabe-
se que os temas como liberdade de culto e padroado eram tópicos que mobilizavam a Igreja
Católica argentina e seus fiéis. As tensões em torno do padroado, que tinha o poder de nomear
bispos, e sustentar as igrejas, era explosiva, pois a permanência do padroado era, de algum,
modo a subsistência do modelo colonial. Embates de Gregório Funes, deão da Catedral de
Córdoba e o jurista Juan Luis Aguirre, questionava se o padroado era algo ligado à soberania
do Estado ou à obediência aos antigos monarcas espanhóis. A esse respeito, a Constituição de
1826 definiu que o Poder Executivo agora teria o poder de nomear bispos, para a manutenção
do padroado. Como resposta platina, se resistiu a Igreja de Roma, pois desde de 1813, as
Províncias Unidas proclamaram-se independentes de toda autoridade eclesiástica fora de seu
território.
Nos anos 1900 Igreja na Argentina foi articuladora de diversos grupos sociais,
aproximando-se das forças armadas, preservou sua influência como formadora de opinião
atuando na educação de multidões em escolas (reflexo que se percebe em atuais 92% da
população que se declara católica). Em 1640, a Igreja ampliou sua atuação na vida pública
argentina, pois a urbanização veloz, a expansão de empregos industriais e movimentos
sindicais, ela se fez mais presente, preocupada com a ameaça comunista e com a expansão de
ideias socialistas que poderiam trazer à tona pensamentos ateístas e críticas à Instituição.
A era Perón (1946-1955) evidenciou desafio, nota-se ambiguidades no discurso
religioso, ao mesmo tempo que se estabeleciam medidas contra a doutrina moral católica
(aprovação do divórcio em 1954, por exemplo), mas com a queda de Peron, em 1955, essa lei
foi revogada (restabelecida apenas em 1987). Um ponto de divergência de Eva Perón (esposa
de Perón) era suas políticas assistencialistas, isto é, a caridade agora era bandeira do governo,
esvaziando assim a importância da Igreja naqueles trabalhos assistenciais.
Durante os anos 1970, vésperas do fracasso do governo de Isabelita Perón e da
ditadura militar, a ação dos católicos era divergente, porque de um lado, os grupos sob
influência da esquerda católica, adotavam as ideias da Teologia da Libertação, militando em
movimentos sociais, como os montoneros (grupo guerrilheiro), de outro lado, grupos
conservadores que foram complacentes com os abusos políticos e violação de direitos
humanos da Argentina daquela época. Isso demonstra a situação ambígua que faz parte da
dinâmica relacional da Igreja como o mundo.
No México do século XX, adotou-se medidas mais radicais ainda do que na Argentina.
Depois da Revolução Mexicana (1910), houve um rebelde movimento católico conhecido
como Crismera ou Cristiada (1926-1929). Organizações católicas e camponeses lutaram
contra as posições anticlericais do Estado mexicano. A Revolução entendeu a Igreja associada
ao regime de Porfírio Díaz, por isso, padres estrangeiros foram expulsos do México e durante
o governo de Venustiano Carranza, igrejas viraram quarteis.
O intuito era, em prol de uma face “moderna” do México, abolir antigas instituições.
Em meio a isso a encíclica Rerum Novarum (1891) estimulou a Igreja a participar dos debates
políticos sociais, o que possibilitou ao desenvolvimento de sindicatos católicos. O
anticlericalismo no México era uma minoria que exercia o poder político e isto fez resultar na
Constituição de 1917. Além da separação de Igreja e Estado (já existente desde 1857), havia
mecanismo de restrições religiosa, como objetivo de supostamente liberta os cidadãos do
obscurantismo, e fazer surgir a nova ordem social e cultural. A liberdade de culta estava
assegurada, mas restritas aos templos. O anticlericalismo revolucionário não era voltado a
negação do cristianismo propriamente, mas à hierarquia eclesial, à primazia do clero católico
na vida nacional.
Com a figura de Plutarco Elias Calles (1924-1928) as tensões entre Estado do México
e Igreja Católica se intensificaram, Calles apoiou uma espécie de cisma que resultou na
fundação, por um ex-padre espanhol, Manuel L. Monge, a Igreja Católica Apostólica
Mexicana, que entre outras coisas divergia de Roma na questão do celibato, contudo a questão
política de ênfase era o nacionalismo (acabou não obtendo resultado esperado, como se
afirmou de um político da época: “uma Igreja não se funda como um sindicato”. Mora y Del
Rio, arcebispo do México, em 1926 afirmou que a Igreja resistiria à aplicação dos artigos
anticlericais da Constituição. O presidente Calles, querendo mostrar repressão, fechou igrejas,
conventos e expulsou religiosos do país. A LNDLR (Liga Nacional para la Defensa de la
Libertad Religiosa), fundada por leigos, foi importante na contestação dos atos do governante
mexicano.
Posteriormente, a LNDLR na tentativa de boicotes de serviços público do governo,
serviram para endurecer o anticlericalismo de Calles que em 2 de julho de 1926, alterando o
Código Penal, restringe ainda mais as ações públicas dos clérigos ao criminalizá-las. Mas, no
dia 14, os bispos aprovaram o programa de boicote econômico ao governo proposto pela Liga
e a viabilidade da suspensão do culto, pois para eles a prática do catolicismo tornara-se
inviável no México. Roma, em 24 de julho, aprova suspender as cerimônias nas Igrejas
mexicanas.
Essa ação da hierarquia católica balançou os ânimos dos fiéis mexicanos, quebrando o
costume de ir à missa, por exemplo. A população revoltou-se contra o governo, que relutou
negociar e desafiou os bispos a proporem uma mudança na legislação ou recorressem às
armas. Os bispos apresentaram ao Legislativo mexicano uma petição com mais de 2 milhões
de assinaturas, para retirada dos artigos anticlericais da Constituição e revogação da polêmica
do Código Penal, ela foi rejeitada praticamente por unanimidade, diante disso, os fiéis
partiram para as armas, como sugeriu Calles. Era o início da Cristera.
A não foi, de maneira formal, nem condenada nem apoiada pela cúpula da Igreja. Os
políticos a viam como fanatismo religioso. O movimento não foi uniforme em todo o México,
mas a proeminência dos camponeses garantia a vitória dos “Soldados de Cristo Rei”, com se
designavam os lutadores; as principais disputas ocorreram nas regiões central e noroeste
mexicano. Ao lado dessa defesa da liberdade religiosa vieram questões que a Revolução de
1910 não deu atenção, tais como a agrária.
Fica-nos evidente como a presença católica na cultura mexicana foi capaz de
evidenciar questões latentes da história daquele país. A violência causou, dos dois lados
somados, por volta de 90 mil mortos, o que fica marcado no histórico católico na América
Latina. Igreja e Estado chegaram a um acordo em 1929. O governo abrandou o discurso
anticlerical e as legislações punitivas. A educação religiosa primária foi permitida nas igrejas
e todos os cidadãos, incluindo clérigos, podiam efetuar petições para reformar as leis.
Diante de tudo, ao se falar na tradição da Igreja Católica na América Latina, estamos
falando mais do que um fenômeno religioso, mas, também, de aspectos culturais e políticos.
Esta presença, evidentemente, só foi possível graças à atuação constante e sistemática de uma
religião que chegou à América com os espanhóis e que soube usar de mecanismos de
preservação social e política dos povos latinos-americanos; mesmo as tensões vividas pela
Igreja, incluindo guerra e laicização demonstram os rastros da historicidade da Igreja
Católica.

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