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Relação do Estado Novo com a Igreja

Desde a proclamação da República, onde o Estado laicizado separa-se


de nitivamente da igreja, gerando a liberdade religiosa do país, a aproximação
com o Estado, possibilitaria a Igreja Católica uma ampliação de sua base social.
Possibilitando uma segurança maior ao temor que a mesma tinha em relação à
difusão do comunismo ateu, a propagação de outras religiões como o
protestantismo e o espiritismo.

O período do Estado Novo foi de grande avanço nas políticas sociais e


económicas, sobretudo devido à implantação de uma ampla legislação de
trabalhadores, que apoiavam a industrialização e de expressivo retrocesso em
termos de liberdade política. Como a extinção dos partidos políticos, a censura e
repressão. Para muitas pessoas a grande base de sustentação do Estado Novo
não foram os nacionalistas, mas sim os católicos.

O apoio do episcopado, do clero secular e congregacional e do povo cristão ao


Estado Novo, explica-se, lógica e cronologicamente, a partir da relação de
hostilidade entre as forças liberais e democráticas e a Igreja Portuguesa na
Primeira República.

Mas a questão é mais substancial e mais antiga: a genealogia das “ilusões do


progresso”, de que falava Georges Sorel, o racionalismo do catecismo ilustrado
do século XVIII e o cientismo do catecismo positivista do século XIX opunha-os,
naturalmente, às religiões reveladas, especial- mente à doutrina e à fé católicas. E
o facto de as coisas terem vindo a mudar num lado e no outro – por vezes graças
a uma vaga ignorância conveniente a que vamos chamando pluralismo
democrático – não altera o passado.

A Revolução Francesa veio reforçar esta tradição regalista, então já claramente


anticatólica, com a perseguição e liquidação sistemáticas do clero e das práticas
religiosas. E a tradição cou: para os republica- nos franceses, descendentes
espirituais dos jacobinos, os católicos eram “maus franceses”.

A Comuna de Paris (1870-71) fechou igrejas, prendeu mais de 200 religiosos e, em


Maio de 1871, fuzilou 24 eclesiásticos, entre os quais o próprio Arcebispo de
Paris, Monsenhor Georges Darboy que morreu a abençoar os fuzileiros.

Os republicanos e os progressistas portugueses sempre se inspiraram em França


e nesses seus correligionários, embora na medida modesta dos locais brandos
costumes. De qualquer modo, a implantação da República, em 5 de Outubro de
1910, não deixou de inaugurar-se com o assassínio de dois sacerdotes, o padre
Alfredo Fragues, confessor da Rainha D. Amélia, e o padre Bernardino Barros
Gomes, septuagenário e botânico ilustre. Uma multidão de revolucionários civis e
marinheiros irrompeu pela Casa dos sacerdotes, em Arroios, e matou-os a tiro e à
coronhada.

Depois vieram as leis e os decretos que acabaram com os feriados religiosos só


escapou o Natal, ainda que devidamente metamorfoseado em “Festa da Família
Portuguesa”.

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Os bispos também não deixaram de ressaltar os aspectos positivos da atuação da
Igreja sob o salazarismo: “Não deixou a Igreja de sofrer com os defeitos do
regime; tem consciência de ter contribuído para os minorar. Se nem sempre os
denunciou publicamente ou da forma por alguns desejada, muitas vezes fez
mediante diligências diretas, como julgou mais oportuno e e caz”. Ou seja, a
Igreja teria sido, ao mesmo tempo, vítima e resistente. Por outro lado, os bispos
reconheciam que, sobre a instituição, “tanto ao nível da hierarquia como dos
laicos, possam pesar as responsabilidades por erros cometidos ou partilhados”.
Desta forma, as falhas do passado eram transferidas para o conjunto da Igreja, em
vez de serem assumidas exclusivamente pelos bispos.

Com essa tomada de posição, os bispos não só lançaram um denso véu sobre a
participação da Igreja na ditadura salazarista, mas também deram o tom da
memória coletiva portuguesa sobre o Estado Novo. Assim como outras
sociedades recém-saídas de ditaduras na Europa, grande parte da sociedade
portuguesa também varreu para debaixo do tapete as complexas relações que
manteve com o regime de Salazar.
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