Você está na página 1de 10

INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

SUMÁRIO
MÓDULO 04

EVANGÉLICOS E A POLÍTICA NO BRASIL......................132

UNIDADE DE APRENDIZAGEM 1....................................132

1. Religião e política no Brasil................................132

1
FATIPI EAD

EVANGÉLICOS E A POLÍTICA NO BRASIL

MÓDULO
04
UNIDADE DE APRENDIZAGEM 1

1. Religião e política no Brasil

OBJETIVOS

1 Examinar as relações entre religião e política no Brasil nos períodos


colonial e imperial

2 Acompanhar a presença protestante no período colonial e imperial e


suas relações com o poder político

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Olhamos, nessa unidade de aprendizagem e, neste módulo de modo geral, para o modo
como se organizaram no Brasil as relações entre politica e religião. Muitas vezes cristãos
torcem o nariz para o envolvimento com a política, entretanto, igrejas e seus membros ocu-
pam determinado território nacional, possuem obrigações políticas e partilham das ideais e
preferências políticas que circulam no seu tempo. Nessa primeira etapa a presença protes-
tante ainda é pequena e o catolicismo está profundamenta entranhado no Estado.

Religião e política no Brasil Colônia (1500-1822)

Nesse período o Estado, poder político, e a religião, Igreja Católica atuam lado a lado.
São as duas instituições básicas da organização da colonização do Brasil. É até difícil dis-
tinguir uma da outra. Lembremos que a discussão sobre a separação entre Igreja e Estado
ocorrerá somente nos séculos XVIII e XIX. A religião do Estado era a católica e os súditos,
lembremos que não havia também o conceito de cidadania, deveriam ser católicos.

Estado e Igreja tinham papéis bem definidos no processo de colonização do Brasil. Ao


primeiro coube a tarefa fundamental de garantir o domínio da Coroa portuguesa sobre a
Colônia e organizar nesta uma estrutura administrativa para gerenciar o processo de povoa-
mento. Outra responsabilidade dos representantes no Estado no Brasil Colônia era garantir
o relacionamento entre a Metrópole e o novo território. No cumprimento dessa tarefa o
Estado tinha seus recursos convencionais: poder de cobrar impostos e de usar as armas.

A Igreja Católica tinha um lugar estratégico no processo de colonização. Cabia a ela a


educação das pessoas, o chamado “controle das almas” no dia a dia. O clero era essencial

132
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

para inculcar nas pessoas a obediência ao poder do Estado. O poder da Igreja era muito
grande uma vez que ela falava diretamente ao povo e o acompanhava em todas as etapas da
vida: nascimento, batismo, casamento e morte. Lembremos que a expectativa de vida nesse
período era muito baixa e não havia secularização, portanto, o sentido da vida era proveniente
sobretudo do discurso religioso católico. A própria “extrema-unção” conferia uma poder enor-
me à Igreja pois ela era a guardiã da passagem para o céu. A Igreja Católica controlava os
cemitérios, ou seja, não ser católico significa não ter um lugar para ser sepultado.

As combinações entre Igreja e Estado tiveram diferentes formas na Europa. No caso da


experiência portuguesa foi configurado o que se chamou de Padroado Real. Tratava-se de
um subordinação da Igreja ao Estado português. Obviamente isso passava por um acordo
com a Santa Sé em Roma. O rei de Portugal tinha o direito de recolher o dízimo devido pelos
súditos à Igreja, criar dioceses e nomear bispos. Em troca o rei de Portugal se comprometia
em proteger e promover a organização da Igreja Católica nas suas colônias.

As responsabilidades que a Coroa tinha acabavam gerando uma subordinação admi-


nistrativa da Igreja, por exemplo, cabia ao Estado remunerar os padres, na prática eles eram
funcionários públicos. Cabia ao Estado construir templos e zelar por eles, na prática eram
edifícios estatais. Isso empurrava para dentro do governo português a criação de depar-
tamentos destinados exclusivamente à administração eclesiástica no período colonial. A
Mesa da Consciência e Ordens foi o organismo criado para cuidar dos assuntos da Igreja.

Um ruído no sistema do Padroado Real foi o lugar ocupado pelas ordens religiosas,
como a Companhia de Jesus. Essas ordens sempre foram muito disciplinadas e em muitos
casos tinham recursos próprios o que as tornava menos suscetíveis aos controles exerci-
dos pelo Estado. Além dos jesuítas outras ordens poderosas no período colonial foram:
franciscanos, mercedários, beneditinos e carmelitas. Essas ordens divergiram do Estado
em alguns momentos, como por exemplo, no caso da política indígena. Quando o Estado
pagava o salário do padre de uma determinada cidade, era fácil para exercer o controle so-
bre ele, o caso era diferente no caso das ordens, muitas delas detentoras de fazendas, es-
colas e hospitais, portanto, não dependiam financeiramente do Estado e sentiam-se livres
para defender seus próprios interesses.

Gilberto Freyre (1987) observou que no Brasil o catolicismo no período colonial será
uma religião de família e não de catedral. Na prática muitas veze o clero secular ( o padre
do povoado) era mantido financeiramente pelos senhores de engenho, formando um cato-
licismo patriarcal e rural do que propriamente estatal e metropolitano.

O historiador Boris Fausto (1999) registra que a famosa Inconfidência Mineira contou
com a participação de padres e em todos os movimentos de rebelião contra a Coroa padres

133
FATIPI EAD

apareciam entre os apoiadores. A hipótese para adesão de alguns padres aos movimentos
de contestação está na maior proximidade deles com os sofrimentos da população e por
serem, a maioria deles, provenientes dos extratos mais pobres da sociedade.

CURIOSIDADE OS PRIMEIROS PROTESTANTES QUE PISARAM


NO SOLO BRASILEIRO

Entre a primeira missa católica e a primeira celebração eucarística


reformada houve um espaço de apenas 57 anos.

Pouco mais de meio século depois da descoberta do Brasil, 38


anos depois da proclamação da Reforma Protestante e ape-
nas 6 anos depois da chegada dos jesuítas à Bahia, aportou no Brasil uma carava-
na ecumênica procedente da França. Eram nobres, artesãos, soldados, criminosos e
agricultores, alguns católicos e outros protestantes, sob o comando do navegador e
aventureiro Nicolau Durand de Villegaignon, de 45 anos, ora católico ora protestante.
Os três navios e os 600 tripulantes e passageiros haviam saído de Hâvre-de-Grâce
no dia 22 de julho de 1555 e chegaram à Baía de Guanabara menos de quatro meses
depois, em 10 de novembro.

o dia 7 de março de 1557, um ano e três meses depois da primeira expedição, chegou
a segunda leva de franceses: cerca de 300 colonos, católicos e sem religião em sua
maioria. Com eles vieram quatorze huguenotes (nome que se dá aos reformados de
língua francesa) de Genebra, enviados por João Calvino, a pedido do próprio Villegaig-
non. Entre estes estavam o doutor em teologia Pierre Richier, de 50 anos, o pastor
Guillaume Chartier, o historiador Jean de Léry e dez artesãos.

No dia 10 realizou-se o primeiro culto reformado debaixo da linha do Equador. Richier


pregou em francês sobre o verso 4 do Salmo 27: “Je demande à l’Eternel et une chose,
que je désire ardemment: je voudrais habiter toute ma vie dans la maison de l’Eternel,
pour contempler la magnificence de l’Eternel et pour admirer son temple”. A cerimônia
foi realizada no Forte Coligny, na ilha de Serijipe, hoje Villegaignon. Onze dias depois,
21 de março, foi organizada a primeira igreja evangélica do Brasil e da América do
Sul. Entre os que participaram da Santa Ceia à maneira calvinista estava Villegaignon.
Isto quer dizer que entre a primeira missa católica e a primeira celebração eucarística
reformada houve um espaço de apenas 57 anos.

O namoro do vice-almirante com os huguenotes durou muito pouco tempo. Em outu-


bro de 1557, sete meses depois de ter tomado a Ceia do Senhor em duas espécies

134
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

(pão e vinho), Villegaignon os expulsou da ilha para um local chamado La Briqueterie,


hoje Olaria, no continente. Menos de três meses depois, em janeiro de 1558, Richier e
outros genebrinos foram obrigados a voltar para a Europa e lá contaram o que havia
acontecido e chamaram Villegaignon de “o Caim da América”. Nesse mesmo ano, no
dia 9 de fevereiro, o homem forte da França Antártica mandou estrangular e lançar ao
mar os quatro signatários de uma confissão de fé reformada: Jean de Bourdel, Mat-
thieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon. Eles faziam parte da delegação de Gene-
bra e eram leigos. Por ser o único alfaiate dos franceses e por ter voltado atrás, André
la Fon, na última hora, foi poupado. Os outros três tornaram-se os primeiros mártires
evangélicos do continente. Para não serem mortos, outros huguenotes fugiram para o
interior, inclusive Jacques de Balleur, que foi parar em São Vicente, onde foi preso e le-
vado para a Bahia. Em 1567, foi enforcado no Rio de Janeiro por ordem de Mem de Sá
e com a assistência de José de Anchieta, de 33 anos. ( o dia 7 de março de 1557, um
ano e três meses depois da primeira expedição, chegou a segunda leva de franceses:
cerca de 300 colonos, católicos e sem religião em sua maioria. Com eles vieram qua-
torze huguenotes (nome que se dá aos reformados de língua francesa) de Genebra,
enviados por João Calvino, a pedido do próprio Villegaignon. Entre estes estavam o
doutor em teologia Pierre Richier, de 50 anos, o pastor Guillaume Chartier, o historiador
Jean de Léry e dez artesãos.

No dia 10 realizou-se o primeiro culto reformado debaixo da linha do Equador. Richier


pregou em francês sobre o verso 4 do Salmo 27: “Je demande à l’Eternel et une chose,
que je désire ardemment: je voudrais habiter toute ma vie dans la maison de l’Eternel,
pour contempler la magnificence de l’Eternel et pour admirer son temple”. A cerimônia
foi realizada no Forte Coligny, na ilha de Serijipe, hoje Villegaignon. Onze dias depois,
21 de março, foi organizada a primeira igreja evangélica do Brasil e da América do
Sul. Entre os que participaram da Santa Ceia à maneira calvinista estava Villegaignon.
Isto quer dizer que entre a primeira missa católica e a primeira celebração eucarística
reformada houve um espaço de apenas 57 anos.

O namoro do vice-almirante com os huguenotes durou muito pouco tempo. Em outu-


bro de 1557, sete meses depois de ter tomado a Ceia do Senhor em duas espécies
(pão e vinho), Villegaignon os expulsou da ilha para um local chamado La Briqueterie,
hoje Olaria, no continente. Menos de três meses depois, em janeiro de 1558, Richier e
outros genebrinos foram obrigados a voltar para a Europa e lá contaram o que havia
acontecido e chamaram Villegaignon de “o Caim da América”. Nesse mesmo ano, no
dia 9 de fevereiro, o homem forte da França Antártica mandou estrangular e lançar ao

135
FATIPI EAD

mar os quatro signatários de uma confissão de fé reformada: Jean de Bourdel, Mat-


thieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon. Eles faziam parte da delegação de Gene-
bra e eram leigos. Por ser o único alfaiate dos franceses e por ter voltado atrás, André
la Fon, na última hora, foi poupado. Os outros três tornaram-se os primeiros mártires
evangélicos do continente. Para não serem mortos, outros huguenotes fugiram para
o interior, inclusive Jacques de Balleur, que foi parar em São Vicente, onde foi preso e
levado para a Bahia. Em 1567, foi enforcado no Rio de Janeiro por ordem de Mem de
Sá e com a assistência de José de Anchieta, de 33 anos.

(https://ultimato.com.br/sites/blogdaultimato/2018/06/15/os-calvinistas-estao-chegando-o-
-primeiro-culto-protestante-na-baia-de-guanabara/)

O Império e as mudanças religiosas (1822-1889)

As mudanças religiosas começaram um pouco antes da da Independência. O catoli-


cismo romano ainda era a religião oficial, mas a assinatura dos Tratados de Comércio e
Navegação e Aliança e Amizade (1810) com a Inglaterra possibilitou às religiões acatólicas
estabelecerem seus serviços de culto em solo brasileiro. Com tais tratados são iniciadas as
pressões por parte da Inglaterra para a extinção do tráfico negreiro para o Brasil. Em 1822
é proclamada a Independência do Brasil e a partir de 1824 começam a chegar as primeiras
levas de imigrantes europeus e com eles as primeiras comunidades protestantes nascerão.

O Primeiro Reinado (1822-1831) pouco avançou em termos concretos na direção de


um projeto de modernização do Brasil e no início do pluralismo religioso. O período signi-
ficativo para a modernização do Brasil começará a desenvolver-se no Segundo Reinado
(1840-1889). Sobre o significado desse período Boris Fausto afirma:
1850 não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano
de várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país, encami-
nhando-o para o que então se considerava modernidade. Extinguiu-se
o tráfico de escravos, promulgou-se a Lei de Terras, centralizou-se a
Guarda Nacional e foi aprovado o primeiro Código Comercial. Este tra-
zia inovações e ao mesmo tempo integrava os textos dispersos que
vinham do período colonial. Entre outros pontos, definiu os tipos de
companhias que poderiam ser organizadas no país e regulou suas
operações. Assim como ocorreu com a Lei de Terras, tinha como pon-
to de referência a extinção do tráfico. A liberação de capitais resul-
tante do fim da importação de escravos deu origem a uma intensa
atividade de negócios e de especulação. Surgiram bancos, indústrias,
empresas de navegação e vapor etc. (1999, p.197).

136
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

É justamente no período do Segundo Império que os missionários norte-americanos


começam a circular pelo território nacional. Dentre os primeiros estão os missionários
metodistas Daniel Parrish Kidder e Justin Spaulding. O primeiro esteve no Brasil de 1837 a
1840 e o segundo de 1838 a 1842. Os missionários presbiterianos James Cooley Fletcher,
de 1851 a 1865, Ashbel Green Simonton, de 1859 até seu falecimento em 1867, Alexander
Latimer Blackford, de 1860 a 1890, George Chamberlain, de 1862 a 1902 e Francis Joseph
Christopher Schneider (1860-1884). Enviados pela Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados
Unidos, atuaram no Brasil George Nash Morton (1869-1886) Edward Lane (1869-1892). Nes-
se período também se instalou no Brasil o médico-missionário Robert Reid Kalley (1855-
1876). Ele era escocês e fugia de perseguições movidas contra ele na Ilha da Madeira.
No campo da educação, esse período registrou a presença de algumas mulheres. Do lado
presbiteriano são as seguintes: Mary Parker Dascomb e Elmira Kuhl. A primeira chegou ao
Brasil em 1869 com a missão de dirigir a recém-criada Escola Americana, na cidade de São
Paulo, e a segunda em 1874, indo trabalhar em Rio Claro, transferindo-se, em 1878, para São
Paulo para auxiliar Mary P. Dascomb. Um segundo grupo de educadoras foi enviado pela
Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos para o trabalho com o Colégio Internacional
de Campinas. Eram Arianna Herderson, em 1872, Mary Videau Kirk, em 1874 e Charlotte
Kemper, em 1882

Desse período de circulação de missionários e o estabelecimento das primeiras igrejas


missionárias, o caso mais interessante de estratégia de aproximação com o poder político
é o do Rev. James Cooley Fletcher. Ele foi enviado ao Brasil, em 1851, como capelão dos
marinheiros e pastor dos norte-americanos residentes no país. Seu envio foi uma parceria
entre duas sociedades: a União Cristã Americana e Estrangeira e a Sociedade de Amigos
dos Marítimos. Em 1854, por ocasião do nascimento de seu segundo filho e adoecimento
de sua mulher, retornou aos Estados Unidos. Ainda em 1854 regressou ao Brasil como re-
presentante da Sociedade Bíblica Americana. Daí em diante, até meados da década seguin-
te, Fletcher empreenderá várias viagens ao Brasil.

As condições do trabalho de Fletcher no Brasil foram negociadas com o Governo Bra-


sileiro pelo ministro dos Estados Unidos Robert Cumming Schenk. Fletcher veio para ser
capelão dos marinheiros, mas recebeu o título de “Adido” da Legação Americana. Isto, além
de garantir-lhe proteção oficial, haveria de abrir-lhe as portas de acesso à elite imperial, bem
como as próprias portas do Palácio.

Fletcher circulou com grande desenvoltura junto à elite imperial. Certamente sua condi-
ção de bem-nascido e de viajante ofereciam-lhe o traquejo social para tal tarefa. Mas quais
eram seus ideais quanto ao Brasil? Fletcher explicitou seu plano de ação nos seguintes
termos: converter o Brasil ao protestantismo e ao “progresso” (Vieira, 1980, p. 63).

137
FATIPI EAD

Seus primeiros contatos com o Imperador Dom Pedro II haviam começado ainda em
1852, quando no exercício do cargo de Secretário da Legação Americana. A razão da visita
era o agradecimento por ter o Imperador aceitado o convite para visitar o navio mercante
City of Pittsburg que se encontrava atracado no porto do Rio de Janeiro (Kidder; Fletcher,
1941, p. 273). Na segunda etapa elaborou plano mais ousado, através do qual viria a estrei-
tar laços com o Imperador. Fletcher sabia do interesse de Dom Pedro II pela modernização
do Brasil e via os Estados Unidos como modelo industrial a ser seguido. Assim, ele orga-
nizou uma exposição com produtos industriais trazidos dos Estados Unidos. O Imperador
visitou a exposição e manifestou sua aprovação ao esforço do Rev. Fletcher em ajudar o
Brasil no projeto de modernização.

Após a Exposição, a visita para a entrega de objetos da exposição ao casal Imperial, foi
descrita minuciosamente por Fletcher em “O Brazil e os Brasileiros”.
Poucos dias após o encerramento da Exposição, levei os muitos objetos
destinados à família Imperial ao grande palacete de Márquez de Abran-
tes, situado num dos mais belos recantos do Rio, na praia de Botafogo,
que tanto lembrava o golfo napolitano. S. Majestade estava passando,
aí, algumas semanas, para tomar banhos de mar. Passei pela guarda do
portão e, quando subi as escadas, fui visto pelo Imperador, que veio ao
meu encontro, na porta de entrada, agradecendo-me cordialmente por
tudo o que havia feito. Pedi-lhe que me concedesse alguns momentos
até que chegassem os caixotes, pois tinha que lhe dar algumas explica-
ções sobre a fechadura secreta dos excelentes baús, mandados para S.
Majestade por Peddie & Morrison de Newark, N. J. Com a sua permis-
são, penetrei nos belos jardins, onde havia as mais ricas e belas flores
do país, em perpetua florescência. O ambiente estava verdadeiramente
saturado de doces perfumes. Havia aí fontes e estátuas, muitos pás-
saros de brilhantes plumagens, e, tudo na natureza e na arte, feito para
alegrar os que vivem para o belo. Olhando para uma cena tão encanta-
dora, tive um único desejo, de que esta terra, para quem Deus tanto fez
no ponto de vista da natureza, pudesse possuir as vantagens mentais
e morais que pertencem aos mais ríspidos povos do norte, pela sua
educação e religião” (Idem, p. 283).

James C. Fletcher termina a descrição da entrega dos presentes ao Imperador dizendo


que deixou o Palacete com a convicção de que, pelo menos naquilo que dizia respeito ao
Chefe do Governo Brasileiro, sua missão obtivera completo sucesso. Noutro momento, ao
avaliar seus esforços para a realização da Exposição e para a aproximação entre os dois
países, afirma que “havia nisso mais altos objetivos em vista do que seria uma mera difusão
de conhecimentos, e de uma intensificação do comércio”. (Ibid., p. 277)

Um ponto a ser assinalado nas relações entre religião e política nesse período história
do Brasil é que a presença protestante era importante para a elite brasileira e porque não

138
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

para o próprio Imperador D. Pedro II, pois era em si o sinal da modernização do país, sinal
de liberdade e circulação de ideias. A lei eleitoral de 1882 que estendia o direito ao voto aos
não católicos é um dos sinais desse desejo de modernização. Entretanto, se olharmos para
as conversões dos filhos da elite que buscaram como o Mackenzie veremos que interessa-
va para eles interessava muito mais a presença protestante do que a mensagem religiosa
do protestantismo. A mensagem moderna, a intelectualidade brasileira recebera do ilumi-
nismo francês. Essa ambiguidade das elites frente ao tipo de modernidade proposta pelo
protestantismo pode ser ilustrada pela seguinte passagem registrada por Themudo Lessa:
No anno de 1878, em uma excursão a S. Paulo, recebeu a Escola Ame-
ricana a visita honrosa de Sua Majestade o Imperador, que foi aliás um
benemérito da instrução. Demorou-se duas horas no estabelecimen-
to, “inspeccionando as aulas de primeiras e segundas letras e exami-
nando as classes à sua vontade”. Ao deixar a sala dirigida pela hábil
professora D. Adelaide Molina, perguntou-lhe: “Que doutrina se ensina
aqui?” “O Evangelho só” – respondeu-lhe D. Adelaide.
Em consequencia disso, um dos diretores da Escola, indo depois à
Corte, offertou ao Imperador exemplares dos livros da doutrina ensi-
nada na Escola, observando-lhe que aqueles compendios iam à casa
dos paes juntamente com os outros livros, de sorte que ficavam elles
habilitados a inspeccionar o ensino religioso ministrado a seus filhos.
Parece que D. Pedro II não ficou satisfeito, respondendo: “Já sei, já
sei, a doutrina é protestante”. A uma explicação de que taes doutrinas
estavam de acordo com a Biblia, retorquiu que nem a Biblia devia se
achar nas escolas e que o ensino religioso deveria ser ministrado no
lar e na egreja. Falou ainda da boa impressão que tivera da escola em
tudo o que vira, acrescentando: “Se eliminarem o elemento do ensino
religioso, podem contar com a nossa protecção”. O director respon-
deu com firmeza: “A Bíblia tem estado aberta na Escola desde o pri-
meiro dia de sua abertura e, quando fechar-se, fechar-se-ão as portas
da Escola Americana”.
O Imperador deu por encerrada a audiencia com as palavras: “Cada
um tem direito à sua opinião” (Lessa, 1938, p. 151-152).

Se não é possível verificar a historicidade do diálogo acima, certamente não se anula


sua utilidade no que diz respeito à percepção que os protestantes formaram da atitude am-
bígua da elite frente à sua proposta de modernidade. O Imperador que desfilou pela expo-
sição promovida por James C. Fletcher encantado com as mercadorias norte-americanas
é o mesmo que parece irritar-se com o biblicismo da educação protestante. Não sintetiza a
atitude do Imperador o sentimento de toda a intelectualidade brasileira? Sente-se fascinada
pelo progresso norte-americano e paralelamente se deixa tomar por certa repulsa diante
da estreiteza intelectual da cultura protestante. Na explicação do paradoxo da cultura pro-
testante reside, a nosso ver, a grandeza da obra Weberiana ao enfatizar que o racionalis-

139
FATIPI EAD

mo não segue caminhos paralelos. Aqui no gigante do Sul chegou-se sempre primeiro às
racionalizações teóricas, lá pelos lados do Norte, chegou-se primeiro à racionalização da
vida prática. Disso, resultou o grande dilema protestante no século XIX, vinham de um país
extremamente adiantado no comércio e na indústria, mas pareciam por demais religiosos
para uma elite que se acostumou a ser sempre muito mais adiantada na teoria do que na
prática. Os produtos dos países protestantes interessavam muito mais do que o estilo de
vida protestante. Dois argutos observadores da relação entre protestantismo e cultura no
Brasil apontaram nessa direção:
O Evangelho como ordinariamente tem sido apresentado no Brasil, bem
como através de toda América Latina, geralmente não é atrativo para
as exigentes classes intelectuais. A principal razão para isto é o tipo
de cultura francesa que tem se arraigado na mentalidade brasileira, e
a propaganda evangélica tem apresentado a mensagem do Evangelho
nos moldes da cultura anglo-saxônica (Braga; Grubb, 1932, p. 113)

Neste ponto já nos aproximamos das influências que iriam desaguar na Proclamação
da República e começaram a modificar a relação entre política e religião no Brasil.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Chegamos ao final de nossa jornada examinando as relações entre religião e política


no período que vai do descobrimento do Brasil, 1500, até o final do Império, 1889.
Vimos a histórica sob o ponto de vista político, entretanto, olhando a política sob a
perspectiva bíblica e teológica percebemos a ação divina para que novas oportunida-
des de proclamação do evangelho. Muitas vezes somos tentados a desanimar com
os resultados modestos de um trabalho de evangelização, mas Deus dirige a história e
sementes lançadas no solo de um país frutificam muitas vezes décadas e até séculos
depois. Você concorda com isso?

140

Você também pode gostar