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Departamento de Teologia

PROCESSO EVOLUTIVO PASTORAL DAS IRMANDADES NAS IGREJAS DO


CENTRO DO RIO DE JANEIRO

Aluna: Geysa Pereira de Magalhães


Orientador: Abimar Oliveira de Moraes

Resumo
Este estudo busca conhecer inicialmente a historiografia das Irmandades na Igreja
Católica do Centro do Rio de Janeiro e posteriormente analisar os planos de ação pastoral das
Irmandades, no período dos séculos XVII e XVIII, que se traduziam em atividades sociais,
filantrópicas, exercícios espirituais e devocionais; encontrar relações entre suas atividades.
Seu objetivo principal é o aperfeiçoamento do entendimento das influências das Irmandades
na ação pastoral da Igreja. Para tanto, foi estudada a historiografia dos respectivos séculos,
abordando a temática referente às Irmandades por meio da observação de uma vasta
bibliografia consultada; em seguida, realizou-se uma breve leitura do estatuto e a elaboração
de sínteses, que foram realizadas a fim de vislumbrar seus impactos no comportamento dos
membros das Irmandades e suas atividades. Além disso, visou contribuir também para o
desenvolvimento de subsídios para estudos futuros.

Introdução
A pesquisa tem por objeto de investigação as Irmandades nas Igrejas do Centro do Rio
de Janeiro e seu processo evolutivo, sua estrutura e atividades pastorais, durante os séculos
XVII e XVIII, especificamente; Essas organizações foram de singular importância na vida
eclesial e na sociedade.
As irmandades religiosas tiveram uma importância fundamental na expansão católica na
América portuguesa e, assim como suas congêneres lusitanas, reuniam leigos em torno da
adoração aos santos de devoção popular, além de prestarem serviços de ajuda mútua, desde a
realização de festas até a promoção de cerimônias de exéquias e auxílio aos irmãos
necessitados (doentes, presos, cativos). Desse modo, as Irmandades que foram erguidas entre
os séculos XVII e XIX no Brasil foram responsáveis pelas devoções católicas e pela
promoção das festas religiosas, e eram marcadas pela grandiosidade dessas manifestações
exteriores da fé e também pelas questões políticas que envolviam as Irmandades, o Estado e o
poder eclesiástico.
Como a história poderá nos auxiliar a compreender o processo de desenvolvimento e
vida dessas Irmandades? Qual a sua importância na paróquia? Qual o ideal de Igreja? O ideal
seria uma inserção social ou a necessidade de uma vivência do Evangelho? Quais
características apontam a teologia refletida e aderida por estas Irmandades nos séculos XVII e
XVIII? A intenção deste trabalho é a de desvelar estas inquietações, vislumbrando uma
religião cristã, embasada em valores cristãos, pautando-se em reflexões sobre questões
teológicas pastorais e históricas.
Foi realizado um estudo da experiência religiosa, ou “ação pastoral” das Irmandades nos
séculos XVII e XVIII como elemento da Igreja e Estado.
Levou-se em conta a riqueza do leigo inserido nas Irmandades católicas, o que foi
possível observar em inúmeras abordagens: histórica, sociológica, religiosa, étnica e
teológica. Contudo, chega-se a conclusão de que é preciso estar atento a esta multiplicidade
de aspectos.
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Referencial Teórico
O nosso referencial teórico é interdisciplinar, uma vez que entendemos ser este o
caminho possível para responder às questões colocadas na pesquisa. Usamos as contribuições
da história no que se refere à contextualização das origens, presença e ação das Irmandades
nas igrejas do centro do Rio de Janeiro, através de bibliografia que a Igreja pode oferecer e
artigos científicos que também tratam do assunto.
Fez-se uma investigação no intuito de identificar os grupos étnicos predominantes
nessas irmandades nos séculos XVII e XVIII, bem como os seus traços culturais, objetivando,
com isso, perceber como esses aspectos influíam nas irmandades católicas.
As irmandades católicas resistem até hoje. O Padroado, [1] conferindo direitos à Coroa
portuguesa, favoreceu a conquista de uma relativa autonomia das Irmandades com relação à
Igreja, como já foi demonstrado em vários trabalhos realizados sobre o assunto.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia [2] foram geradas a partir do
sínodo de 1707, iniciativa do arcebispo Monteiro e Vide e se compreenderam como um
intento de atualização da Igreja às condições do Brasil, entre elas a presença da escravidão.
Até o século XIX elas foram a grande referência canônica e pastoral da hierarquia da Igreja
brasileira. Esta comunicação localiza, nos cinco livros das Constituições, as considerações
referentes aos escravos.
Nas colônias, devido ao regime de padroado, [2] a Cúria Romana pouco influenciou a
Igreja local, uma vez que cabia ao rei a autoridade sobre o clero secular e religioso e a
construção de locais de culto. Neste período, a presença de africanos já era expressiva e houve
pressão pela mão de obra escrava.
Durante o século XVIII as atividades desenvolvidas pelos escravos [2] também se
diversificaram. O arcebispo Monteiro e Vide, que foi o gestor do sínodo que definiu o teor das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, justificando-as nas colônias portuguesas
na África e no Brasil, uma vez que havia situações não contempladas na legislação canônica.
Pela forma como os escravos são contemplados no texto é evidente que a relação da Igreja
com eles era uma dessas "situações". Quando chegaram à América, [10] organizaram-se de
forma autônoma em relação ao clero. Antes de 1719 eram regulamentadas pelas Ordenações
do Reino que subordinava as confrarias às autoridades civis, ou seja, o compromisso era
aprovado tanto pela Igreja quanto pelo Estado. Eram vinculadas a uma freguesia, cujo sacrário
lhes competia venerar. Em 1719 foi criado o primeiro Arcebispado na Bahia.
Na perspectiva da história da Igreja na América Latina, [3] nasceram novos fatores que
foram decisivos com a presença dos Bispos, sacerdotes seculares e a nova e pujante
Companhia de Jesus. Em 1622, nasceu a Propaganda Fide para limitar os poderes do
Padroado espanhol e português. Para Dussell, as elites mais conscientes e os que realizaram a
história da América Latina, os hispânicos, crioulos e mestiços são o fundamento da cultura
latino-americana. Permaneceram cristãs. A grande parte dos índios se incorporou em parte à
cultura urbana hispânico-crioula, e com ela organizava seu próprio modo de ser cristão. A
massa índia continuava sua vida semiprimitiva, permanecia nesse estado catecumenal de
maior ou menor consciência de sua fé com maior ou menor grau de instrumentos ou estruturas
sacramentais cristãs, juntamente com os pagãos, cujo fenômeno é chamado de acumulação
eclética no nível das “mediações”. Apareceram, assim, substitutos para litúrgicos – profissões,
culto aos santos, ermidas locais sobre o lugar de antigos cultos (tal como no mundo greco-
romano ou no mundo cananeu), os símbolos, ou seja, as mediações “expressivas” das antigas
religiões estão muito presentes. Afirma que tais religiões não tem aparência mista, sendo um
“contraste” onde não se pode julgar onde começa um polo e termina outro. O chamado
Catolicismo popular não é uma religião mista, senão manifestações temporais de um povo que
anseia o término de uma evangelização. É a manifestação de uma consciência não
inteiramente cristã.
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O estudo das irmandades como elemento influenciador do catolicismo foi consultar a


literatura de vários autores brasileiros e internacionais que abordam temas que tangenciam
esse estudo, abarcando: o caráter simbólico dessas irmandades, a influência da religião nos
significados de ação pastoral, sua estrutura e outros aspectos possíveis de serem destacados.
Dentro da história da Igreja Católica, que cobre um longo período, as atividades das
irmandades eram eventos das instituições religiosas que influiam no mundo em aspectos
espirituais, religiosos, morais, políticos e socioculturais.
Os leigos passaram por dois movimentos importantes em períodos distintos, [2] devido
às necessidades impostas ao poder eclesiástico, que foram: o primeiro, o Concílio de Trento,
no século XVI, que durou mais que todos os outros e foi o que mais dificuldades encontraram
para se realizar. Nenhum outro exerceu influxo tão profundo e duradouro sobre a fé e a
disciplina da Igreja. O programa de reforma Tridentino foi base de renovação do clero e do
povo católico, embora a execução de seus decretos fosse por vezes lenta e controvertida. O
Concílio comunicou nova união e confiança aos católicos abalados pelos acontecimentos dos
últimos decênios. O segundo movimento ocorreu com as “Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia”, em 1707.
Grande parte, as Irmandades tiveram sua origem nos ofícios, [7] que eram um dos
meios para estimular práticas e vivências da religião cristã, colaborando para a evolução de
seus objetivos.
Com a colonização portuguesa no Brasil, [4] surgiram Irmandades separadas para
“homens brancos”, “homens pretos” (negros/cafre), e no processo de miscigenação, as dos
“homens pardos” (mulatos). Elas eram organizadas por grupos sociais e assim reproduziam a
estratificação da sociedade colonial. Desde que mantivessem a distinção de cor, os escravos
podiam criar suas próprias Confrarias.
As Irmandades dos pretos congregavam pretos livres e escravos. Ali, para muitos, era a
única forma de convívio fora do trabalho, [5] e reservavam parte dos recursos para compra de
alforria para alguns membros. Tinham etnia africana de origem, que permitia vivência dentro
das igrejas, veneravam os santos católicos e fora dela, os seus orixás. Muitos escravos bantos
já participavam [5] do culto a santos católicos antes de cruzarem o Atlântico. O africano, com
suas religiões extremamente politizadas, desde sempre aprendeu a respeitar os deuses do
conquistador e a integrá-los às suas crenças. Bastide [6] assinala que a adesão dos negros ao
catolicismo era vista por muitos brancos como um perigo. Apesar de alguns serem mais
conciliadores, a maioria entendia que isso poderia dar brecha a certo igualitarismo,
configurando uma ameaça aos privilégios estabelecidos. Como os traços africanos dos
escravos de diferentes etnias começavam a preocupar a Coroa, começou-se a impor preceitos
cristãos socializadores, mesmo com a resistência de alguns setores da elite, que não
acreditavam que os negros fossem capazes de absorver tais ensinamentos. Daí o resultado do
sincretismo, [7] decorrente de um processo em que nem os valores portugueses vigoraram
nem os mitos africanos permaneceram íntegros.
Em nota, Renato da Silveira esclarece que [8] “branco” significa concepção racial e
social. Mestiço de pele clara e cabelos mais ou menos lisos, ricos e educados dentro dos
padrões explicitamente ocidentais, entre nós, são considerados branco. Segundo (VIEIRA)
Fazenda, as Irmandades de pretos livres e escravos [8] escolhiam reis e rainhas, faziam
procissões nas ruas, executavam funerais pomposos e mantinham certa autonomia em relação
às demais igrejas. A Irmandade do Glorioso São Jorge, por exemplo, reunia sempre fiéis
negros ligados ao trabalho do ferro e serralheria.
As Irmandades dos pardos livres, que eram também chamados de “mulatos de capote”
porque se vestiam como os brancos, [4] cultuavam seu patrono, São Brás, graças aos frades
beneditinos que lhes concederam tal direito. Já em 1698 essas Irmandades gozavam de
importância e tinham comprado dos religiosos de São Bento a posse do altar de São Brás,
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fundando uma confraria, cujo orago era advogado das moléstias da garganta. As Irmandades
de brancos prestavam assistência médica, jurídica e funeral, e amparo financeiro.
Cada Irmandade dominava uma parcela do espaço no solo da cidade, [9] o qual era sua
base econômica, com produção agrícola, pastoril e de serviços. Acumularam propriedades
imobiliárias, numa forma de expressar a influência ideológica exercida pela religião católica,
formando sua geopolítica colonial. Herdadas da Idade Média, representavam as antigas
corporações de ofício, e por serem associações voluntárias de leigos dedicados à beneficência
social e à mútua ajuda, para Torres (1968) representavam entidades de classes.
Quanto à estratificação, [9] houve processos de acumulação e de parcelamento do
patrimônio fundiário, causando um paradigma, pois no período colonial a paisagem urbana
estava muito vinculada à presença de religiosos. As Igrejas eram responsáveis pelos avisos
das horas, dos incêndios, dos nascimentos e das mortes transmitidos pelos seus sinos.
As Irmandades foram influentes na previdência, [9] ao garantir a sobrevivência das
esposas e a educação dos filhos quando da morte de um de seus irmãos. Havia imbricação
entre o poder civil e o eclesiástico, pela divisão da cidade em freguesias de acordo com as
paróquias. A não distinção entre poder civil, militar e eclesiástico pode ser assinalada pelas
ordenações militares, não pagas, recrutadas na população local em diversos bairros. Fundaram
e mantiveram casas de abrigo, [10] hospitais e leprosários para assistência aos pobres e
doentes. Também cuidavam da manutenção de pontes e caminhos como serviço aos viajantes
e peregrinos.
A questão trabalhista ocorria de modo particular. As antigas corporações de ofício pela
matéria ou instrumento [7] (denominados bandeira) – levavam a bandeira do seu santo
protetor, porque à época não existiam partidos políticos ou sindicatos. Considerando as
opiniões e direções políticas [11] impressas por Araújo Lima, interessa sublinhar que a ideia
de cidadão dos tempos idos, leia-se, da sociedade colonial, implicava desigualdade,
confundia-se com o morador ou vizinho da cidade e não incluía o conjunto dos habitantes da
cidade e seu termo. No Brasil oitocentista vimos como o conceito de raça foi coetâneo e
correlato à discussão dos direitos civis e políticos inerentes à cidadania dos novos Estados
liberais nas Américas.
Neste ponto, recorda-se brevemente que [11] a história das Irmandades na América
portuguesa começa no reino, se mistura com a história das corporações de ofício e remonta à
Idade Média. É necessário recuperar o assunto em busca de uma abordagem que relacione
ofícios e Irmandades. Apesar da separação Estado/Igreja, as Irmandades se organizavam a
partir das estruturas administrativas da monarquia, e respondiam aos interesses de diversos
grupos sociais.
Podemos ter como exemplo a Irmandade de São José (de pardos), [11] onde os oficiais
mecânicos constituíam não só uma categoria profissional, mas uma identidade social marcada
por um estigma social negativo, que se contrapunha à honra da nobreza e aos privilégios
jurídicos associados a este grupo. Num longo movimento pela história, sua análise demonstra
que os oficiais mecânicos tinham acesso em determinados momentos a distinções e
privilégios que não resultavam da descaracterização do defeito mecânico. Muito pelo
contrário, o acesso a eles estava relacionado ao caráter atribuído às funções de representação
exercidas na cidade. Para o mestre exercer a profissão na cidade, era exigida uma carta, sendo
o documento concedido pelo juiz e escrivão do ofício. Ela é dada àquele que pagou as taxas
(entrada na irmandade, taxa de exame), foi examinado (pelo juiz ou por um avaliador
escolhido), realizou juramento sobre os Evangelhos e obteve confirmação da sua carta de
exame no Senado da Câmara. Esta confirmação é também denominada licença. Como o é a
licença provisória expedida pelo Senado da Câmara, sem o processo anterior preconizado
pelas irmandades.
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Para Ramos: “os conceitos de ‘branco’ e ‘preto’, envolvem aspectos sociológicos [4] e
não puramente biológicos. São eles, como vimos indicativos de ‘casta’ e ‘classe’, e não
servem, portanto, para a caracteri ação de fen menos biológicos de raça. Dizer que a
população brasileira se tornará ‘branca’, em alguns séculos, envolve preconceitos e atitudes
análogos aos dos defensores da teoria da nossa negralização.” Já Renato da Silveira, em seu
trabalho sobre “Pragmatismo e milagres da fé” (in Escravidão e invenção da liberdade, Reis,
J. 1988) afirma que “brancos e mestiços” é um concepção ao mesmo tempo racial e social.
Mas, haveria um modo adequado pelo qual a mestiçagem, [4] sem ser considerada
inferior, poderia ser abordada? Ramos pensa que sim, reivindicando uma análise científica
para o problema. Tal análise se pauta, inicialmente, na ideia de que é fundamental superar os
preconceitos e estereotipias, para que se possa estabelecer em termos corretos a questão, o que
facilitaria o trato do material a ser analisado. Parte deste material, acredita Ramos, é de ordem
histórica, facultado inclusive pela pesquisa genealógica, mas deve-se, também, empregar com
rigor um critério de exame das condições sociais e culturais ligadas ao fenômeno da
mestiçagem. Ademais, o autor já postulava aqui o emprego de certos exames em condições
laboratoriais dadas: verificando-se, por exemplo, índices de variação e homogeneidade, ou
falta de homogeneidade dos tipos examinados em processos estatísticos. Com isso, pretendia
incorporar à análise da mestiçagem fatores ligados aos condicionamentos social e histórico,
econômico, geográfico, alimentar, cultural e corrigir o critério estreito do fator racial. Assim,
concluirá ele: “As grande as e misérias do homem brasileiro, de qualquer mati epidérmico,
são injunções e resultados de múltiplas influências que nada têm a ver com raça. O estudo da
mestiçagem física tem que ser corrigido e completado com o da ‘mestiçagem cultural’, neste
vasto capítulo da antropologia que hoje chamamos aculturação”.
O Brasil, nação multiétnica, é um país que, até 1872, [12] não tinha informação
demográfica para mensurar a quantidade das comunidades raciais e culturais distintas.

Objetivo Geral
Investigar a atuação pastoral das Irmandades nas Igrejas do Centro do Rio de Janeiro
nos séculos XVII e XVIII, compreendendo o processo histórico e evolutivo pastoral, seu
papel na construção da identidade do catolicismo, conhecer as atividades pastorais, suas
influências, identificar seus agentes, dando relevância à religião para a vida de uma sociedade,
e descobrir novas fontes.

Objetivos Específicos
 Analisar o modelo da ação pastoral vigente nos séculos XVII e XVIII.
 Perceber as influências dessas Irmandades na sociedade e a influência do Estado nas
Irmandades.
 Identificar seus agentes.
 Buscar fontes diversas e retirar delas informações: estratificação geopolítica, histórico,
análise do estatuto e outros registros.
 Conhecer a história e processo evolutivo das pastorais nas Irmandades das paróquias.
 Caracterizar estas Irmandades nas paróquias e descrevê-las.

Metodologia
Para compreender a proposta de analisar as atividades pastorais das Irmandades nas
paróquias, foi necessária, como metodologia, a utilização de múltiplas fontes, que são
essenciais para o desenvolvimento de uma pesquisa.
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A pesquisadora utilizou-se do estatuto/Compromisso de uma Irmandade com a


finalidade de conhecer seus objetivos, sua estrutura, as normas, personagens, direitos e
deveres.
Julgou-se necessário também, em um primeiro momento, levantar bibliografia acerca do
tema e também sobre o pensamento teológico pastoral de cada época pesquisada, e
concomitantemente promover a elaboração de sínteses.
Foram consultados documentos de fontes primárias tais como livros, teses, a obra do
Concílio (Trento), as “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia” e foi realizada
análise do Estatuto/Compromisso que serviu para definir a estrutura interna das Irmandades,
com cargos administrativos e devocionais.

Resultados e Discussões
Os resultados obtidos estão apresentados no cronograma desse relatório, conforme
demonstrado abaixo.

ETAPAS Jul/Set/14 Out/Dez/14 Jan/Mar15 Abr/Jun/15 Jul/2015


Levantamento X X X
bibliográfico
Fichamentos de textos: X X X X
biblioteca e internet
Coleta de fontes: leitura X X X X
de livros, teses e
materiais de ciências
correlatas
Análise de fontes X X X X
Organização / encontros X X X X X
com orientador
Organização do roteiro X X X X
Redação do trabalho Início 1ª 1ª Redação X X
redação do texto
Relatório PIBIC (2 fls.) e X
Parcial:entrega

Na busca de atender ao objetivo da pesquisa, [7] que é estudar as Irmandades, seu


significado de experiências religiosas na forma de pensar dos indivíduos para entender melhor
a ação pastoral (as atividades) na Igreja/sociedade, primeiramente realizamos observação em
obras de vários autores. No segundo momento, fizemos consulta ao estatuto para compreender
estrutura e procedimentos. A seguir, é apresentada a análise descritiva deste estudo. A
Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos tem como objetivo
fortalecer a fé e propagar a devoção do santo, promover auxílio e estímulo à campanha de
assistência e amparo às pessoas carentes, dar amparo direto e indireto, material e espiritual ao
menor e ao idoso, dar auxílio moral e material ao Irmão ou Irmã às necessidades urgentes,
praticar atos de sufragar as almas dos Irmãos da Irmandade, praticar atividades culturais da
Igreja, preservar o patrimônio arquitetônico, histórico e artístico. Está sujeita às normas das
Associações de caráter religioso e sem fins lucrativos dos Irmãos. Possuem direitos, sanções e
cargos de presidente, vice-presidente, provedor, conselho deliberativo, diretor executivo,
direção da Igreja (juízes e juízas da Igreja), procurador de caridade, e suas competências. Há
registros, eleições, posse e responsabilidades. Tais cargos serviram para demonstrar suas
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ocupações e perceber as diferenciações entre os irmãos ou existências de privilégios. O


controle dos gastos das Irmandades, tanto por parte da Igreja quanto dos irmãos, era
registrado contabilmente no Livro de Receita e Despesa.
As festas serviam às necessidades religiosas, para proporcionar [7] divertimento e
formas de expressão. Nas Irmandades negras, além da necessária citação aos santos católicos,
recriavam suas províncias natais. Havia ostentação e musicalidade. Realizavam procissões
com características africanas, evocando seus usos e costumes, monopolizando os membros da
Irmandade e se destacavam em público com danças de sua cultura. Foram experiências
máximas de liberdade. Vinculando crenças e costumes ao culto das santidades da Igreja
Católica originou-se o sincretismo, combatido pelas elites para controle social e ideológico.
O enterramento digno foi garantido por sepultamento [7] em chão para os membros da
Irmandade, caracterizando uma grande conquista social negro, caritativa, inclusive com
honras para os mortos de alta descendência africana. Isso iniciou-se com as Irmandades do
Rosário e da Lampadosa em seus cemitérios. Os brancos também tinham garantidos seus
sepultamentos nas suas Igrejas ou no terreno da Misericórdia. Uma ação social que merece
destaque foi a compra da alforria de irmãos/membros com o lucro das festas através de sorteio
ou obedecendo a hierarquia social oriunda de suas terras de origem.
O poder era exercido pela Câmara Municipal (chamada de Senado da Câmara), [7] que
era formada por quatro vereadores (homens eleitos ou nomeados entre os proprietários de
terras e/ou de escravos e os padres) com mandato de três anos, um procurador, dois
almotacéis (fiscais ou inspetores de peso e medidas), um tesoureiro e um escrivão, um juiz
ordinário (ou juiz de fora) nomeado pela Coroa, e comerciantes portugueses influentes.
Proprietários particulares, ordens religiosas e comerciantes detinham poder de decisão pelas
principais transformações. A vida diária do povo carioca em tais relações e ação dos padres
perdurou até 1850, com a promulgação da Lei de Terras, que rompia o monopólio imobiliário
religioso com novos agentes produtores.
As Irmandades católicas, também chamadas popularmente de “Igrejas de passagem”,
desde a fundação do Rio de Janeiro, contribuíram para inserir, na paisagem urbana, uma forte
presença religiosa católica.
Nas suas práticas pastorais, as liturgias [9] eram muitas vezes encenadas com a vida de
santos. A procissão dos Fogaréus saía da Misericórdia, ia em direção à Sé e à Igreja de Santo
Inácio e retornava. Havia procissão dos Passos e nos dias da quaresma a imagem comparecia
a todas as Irmandades e à população. A procissão dos Ossos era a mais impressionante,
porque seus cadáveres ficavam expostos junto à forca até o dia primeiro de novembro quando,
excepcionalmente, a Santa Casa os recolhia e enterrava. De início, [7] foi negado aos negros o
direito de instituir Irmandades. Mas, após a tentativa de integrá-los à sociedade e para garantir
a devoção aos santos católicos por parte da população escrava, tiveram o direito de ocupar
altares já existentes nos templos das Irmandades dos brancos. Nas cerimônias em que se
exigiam a presença de todos os fiéis na Igreja, os componentes das Irmandades eram
separados por cor e condição social, havia rodízio de horários. Mesmo existindo altares
destinados a determinada cor, os negros e pardos ocupavam altares laterais. Por causa dessa
convivência forçada, os negros foram construindo suas próprias capelas em terrenos distantes
doados pela Câmara.
Encontramos, nas bibliografias consultadas [13] dos séculos XVII e XVIII, algumas
Irmandades que já existiam desde o século XVI, tais como: Irmandade da Santa Casa da
Misericórdia – 1545; Igreja de Santa Luzia/Irmandade da Gloriosa Virgem Mártir de Santa
Luzia - antes de 1592; Igreja do Santíssimo Sacramento da Antiga Sé – 1567/9; Irmandade de
São Miguel e Almas – 1579. No século XVII: Irmandade São José – 1608; Igreja de Santa
Cruz dos Militares – 1623; Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
dos Homens Pretos do Rio de Janeiro - 1640; Igreja Nossa Senhora do Parto – 1649. Tinha a
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irmandade de Santa Cecília; Igreja de São Brás – 1698; Igreja Nossa Senhora do Monte do
Carmo, hoje Irmandade da Ordem do Carmo – 1648. No século XVIII encontramos as
seguintes Igrejas: Igreja nossa Senhora da Conceição e da Boa Morte – 1700; Igreja Nossa
Senhora da Lapa dos Mercadores – 1747; Igreja Nossa Senhora do Carmo da Lapa e do
Desterro - 1750, com capela do Divino Espírito Santo; Igreja Santa Efigênia e Santo Elesbão
– 1740; Irmandade de Santo Eloy – 1776, situada na Igreja de Santa Luzia; Irmandade Nossa
Senhora dos Remédios (da Nação Mina) – 1788, situada na capela de Santa Efigênia;
Irmandade Nossa Senhora do Hospício - 1729; Irmandade Nossa Senhora Mãe dos Homens –
1782; Irmandade do Senhor Bom Homem ou Bom Jesus do Calvário – 1719, embandeirada;
Irmandade Nossa Senhora das Dores da Candelária 1780; Irmandade de São Pedro dos
Clérigos – 1732, demolida em 1943; Irmandade do Glorioso Santo Antonio da Moraria dos
Homens Pretos -1716, ereta na Igreja N. Senhora do Rosário e ocupavam apenas um altar na
Igreja N. Sra. Rosário dos Homens Pretos; Irmandade do Terço – 1722; Irmandade de Nossa
Senhora da Lampadosa – 1748; Irmandade da Gloriosa Virgem Santa Cecília – 1787, situada
na Igreja N. Senhora do Parto; Irmandade Santa Rita de Cássia – 1721, tomada pela
Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1751; Irmandade de São Jorge (1753) e São
Gonçalo Garcia: se uniram em 1854; Irmandade do Santíssimo Sacramento – 1775; Venerável
Irmandade da Imaculada Conceição - em 1721 junto com a Igreja de N. Senhora da Boa
Morte fundaram uma capela atualmente N. Senhora da Conceição e da Boa Morte, sendo o
primeiro projeto em 1738; a Irmandade N. Senhora da Conceição dos Homens Pardos já
existia desde 1700 e era abrigada pela Antiga Sé (1755) do Rio no Castelo; quando foi
transferida a Sé do Rio a Irmandade ocupou a capela; Irmandade São Francisco de Paula –
1754, e ficou um ano na Igreja Cruz dos Militares; Irmandade dos Mártires São Crispim e São
Crispiniano – antes de 1754; Irmandade Santa Sé – possível construção em 1755, e em 1770
houve uma construção onde havia pequena ermida de N. Senhora do Ó, pedra fundamental
em 1771, após foi Capela Real, Capela Imperial e Catedral Metropolitana até 1970, e
restaurada em 2006; tem confraria Nossa Senhora da Cabeça; Ver século: Irmandade Nossa
Senhora da Misericórdia (1545) e Santa Isabel (Igreja N. Sra. Bonsucesso).
O lugar da fixação das Irmandades representava poderio e, [9] nesse sentido, a
valorização da área colonial dependia da existência desses marcos ideológico. As Irmandades
de elite, que se estabeleceram intramuros, perto do topo ou nos morros, são: a do Carmo, do
Santíssimo Sacramento da Freguesia da Candelária, da Misericórdia, a Militar da Vera Cruz
(dos oficiais e soldados da guarnição) e a de São Pedro Gonçalves (dos comerciantes e
navegantes). As Irmandades dos mais pobres são: São Francisco (dos mulatos) e seu
cemitério, que instalaram-se no rocio. A primeira Irmandade de escravos é a de Nossa
Senhora do Rosário, fundada antes de 1639 e que, antes de 1667, uniu-se com a confraria de
São Benedito: ambas tinham altar na Santa Sé. A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia
possuía caráter médico-filantrópico, seus irmãos tinham direito a alimentação e promovia
apoio espiritual aos condenados; recebia donativos, possuía muitos bens imóveis e terrenos. A
Irmandade de São Jorge, modesta, surgiu para congregar os pardos livres e representava,
dentre outros, oficiais serralheiros, ferreiros, seleiros, barbeiros; destacava-se, nas suas festas,
percorrendo os trajetos das áreas mais nobre da cidade e pela riqueza da vestimenta dos
irmãos. A Irmandade dos mais pobres e negros, a Lampadosa dos Homens Pretos e
Obrigações, no início não aceitavam negros de Angola, mas após a mudança de seu
Compromisso passou a aceitar negros libertos e portugueses. A Irmandade mais popular e
numerosa da cidade era a Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e acolhia apenas os
homens e mulheres de Angola. Promovia a congada (desfile do Rei Congo e seu séquito)
acompanhada de percussão, o que, no entendimento de muitos autores, deu origem ao
carnaval carioca, e foi proibida em 1820. No século XVIII, a Santa Casa permitiu à
Irmandade do Rosário sepultar seus irmãos no cemitério da Irmandade e em esquife próprio,
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mediante pagamento de um cruzado por enterro. Uma demonstração de discriminação racial


por parte do Cabido deu-se quando a Sé foi transferida para a Igreja do Rosário em 1737, à
revelia dos irmãos, fato que gerou interferências nas atividades da Igreja. Por outro lado, o
Cabido não poderia se misturar com os pretos da Irmandade para celebrar os ofícios divinos
em uma Igreja emprestada, mas ali mandou interinamente continuar por extrema necessidade,
recomendando procura de um sítio para erigir a nova Igreja da Sé.
A ação pastoral na história da Igreja brasileira [14] sempre se preocupou com a
instrução religiosa, catequese e formação posterior devido à escasse do clero. O “Catecismo
da Língua Brasílica” foi composto em primeira edição em 1618, sob a direção do Padre
Antonio de Araújo, jesuíta, como o primeiro texto catequético numa língua indígena
brasileira, em tupi. Foram inseridos os dois textos do Padre José de Anchieta (“Catecismo
Brasílico”, em tupi e português, e “Doutrina Autógrafa e o Confessionário”), modificados.
Constava de cânticos, explicações das datas litúrgicas, resumo da vida dos santos e exposição
sobre o jejum e a penitência, cujo núcleo era formado por perguntas e respostas, explicações
do credo, da paixão, dos mandamentos e dos sacramentos. Esse era o documento pastoral
catequético da época. A segunda edição foi organizada pelo Padre Bartolomeu de Leão, em
1686, com o nome de “Catecismo Brasílico da Doutrina Cristã”.
Uma figura de destaque na pastoral no século XVIII [15] foi o sacerdote jesuíta Padre
Antonio Vieira, difusor do sebastianismo, com grande poder de oratória, que chegou ao Brasil
como missionário. Afirmou que esse Catecismo Brasílico se tratava de “um catecismo tão
exato nos mistérios da fé, e tão singular, entre quantos se têm escrito nas línguas políticas, que
mais parece ordenado para fazer de cristãos teólogos que de gentios cristãos” (Lemos
Barbosa, 1952). Observe-se, no entanto, que Vieira fala, por um lado, do vernáculo como de
“língua política”, e por outro de uma “exatidão dos mistérios da fé” que se coloca como base
para a construção de uma hierarquia composta por três termos: o gentio, o cristão e o teólogo,
aos quais corresponderia, respectivamente, uma ausência (seria interessante analisar se,
segundo o próprio Vieira tratar-se-ia dos “mistérios” – Transubstanciação, Trindade, etc. – ou
da própria “fé” – isto é, uma presença do crer? – e/ou se essas características abririam uma
possibilidade de distinção entre os próprios gentios), uma presença pequena (que poderíamos
definir de rudimentar ou mínima) e uma presença ao máximo grau de clare a “teológica”, da
fé. Já no século XVIII [14] foi adotado o “Catecismo Romano” (ou Tridentino) pela Diocese
do Rio de Janeiro, apresentando a doutrina cristã e a teologia tradicional para uso dos
sacerdotes, com princípios que objetivavam a ação catequética na binômia doutrina da fé e da
tradição.
Por suas funções religiosas, as Irmandades, [16] desde o período colonial, eram
familiares à sociedade, supriam funções do Estado e da própria Igreja no setor de assistência
social, sendo instrumento de controle social, de disputa entre poderes temporal e espiritual,
mas não cumpriram suas funções catequéticas dentro dos padrões ortodoxos recomendados
pela Igreja, e assim foram condenadas pelos Bispos reformadores porque permutavam casas,
terras e bens sem consultá-los.
Como condição fundamental para a salvação e função do clero [17] como administrador
do sacramento do batismo, a doutrina católica assumiu papel importante na Cristandade, na
expansão para a conquista de território e povo. Junto com a força do papel dos clérigos no
cuidado pastoral das almas, na visão de Vieira os clérigos e leigos estavam comprometidos no
projeto religioso da metrópole, dando enfoque especial à conquista espiritual, à salvação das
almas, a partir do surgimento do movimento evangelizador dos jesuítas no Brasil, que teve
participação de outras ordens religiosas. Surgiram os batismos, os matrimônios e os enterros
realizados pelos vigários registrados em livros paroquiais e expediram-se certidões de
nascimento, de casamento e de óbito no reino lusitano e na colônia brasílica. A maioria dos
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vigários não fazia sermões nem pregações, seja por precária formação cultural, seja porque a
função principal era manter a fé através dos ritos.
Nas festas dos santos das Irmandades dos homens pretos e pardos, [18] as tradições
africanas se manifestavam, e tornaram-se expressão de sincretismo religioso do Brasil
colonial dos cultos afros, expressas na origem do Candomblé, nas manifestações afro-
brasileiras como o maracatu e o congado (...). Para Durkheim, as festas teriam surgido da
necessidade de separar o tempo em dias sagrados e profanos (1989). Referindo-se ao descanso
religioso, Durkheim lembra que “o caráter distintivo dos dias de festa corresponde, em todas
as religiões conhecidas, à pausa no trabalho, suspensão da vida pública e privada à medida
que estas não apresentam objetivo religioso”. Para Durkheim, as festas surgiram pela
necessidade de separar, no tempo, “dias ou períodos determinados dos quais todas as
ocupações profanas sejam eliminadas”. Adiante afirma: “O que constitui essencialmente o
culto é o ciclo das festas que voltam regularmente em épocas determinadas”.
No catolicismo brasileiro, [16] a figura dos leigos tinha maior importância que a do
clero, porque não desejavam subordinação à Igreja e o Estado lhes concedia prerrogativas, e
assim limitavam o poder eclesiástico.
Em 1622 nasceu a Propaganda Fide que limitava [3] os poderes do Padroado espanhol
e português. A Companhia de Jesus se mostrou distinta nas suas obras, pois nunca logrou se
integrar na totalidade da Igreja concreta, episcopal e nas outras ordens religiosas.
Segundo Dussell, o monopólio ideológico [3] que a metrópole possuía nas colônias –
especialmente o Tribunal da inquisição – impediu a entrada do protestantismo e das filosofias
francesas ou inglesas. Alguns africanos e seus descendentes, [12] no entanto, sustentaram
elementos das tradições religiosas politeístas, fundindo-os com os do catolicismo. Isso
resultou na criação de credos sincréticos, como o candomblé. Algumas tribos resistiram à
assimilação do islaminsmo e fugiram mais para oeste, onde eles eram capazes de manter as
suas diversas crenças politeístas ou se restringiam a aldeamentos (reservas), onde
eventualmente eram convertidos ao catolicismo.
Ferretti, em Droogers e Siebers (1991), [8] menciona que a religião popular é sempre
definida em contraste com a religião oficial e não se pode discutir sobre religião popular sem
referências à dimensão do poder. Em sua forma popular a religião influencia e é influenciada
pela sociedade e pela cultura.
Em Droogers e Siebers mostram que, no campo religioso, [18] a expressão popular é
usada pelo menos em dois sentidos. Por um lado se refere às pessoas que não pertencem ao
grupo dos especialistas da religião – o clero, os sacerdotes – e este sentido se relaciona, por
exemplo, com o catolicismo popular. Em outras formas populares, como nas religiões afro-
brasileiras e nas igrejas Pentecostais, onde a religião popular não está relacionada a uma
forma erudita, a conotação popular se refere ao sentido de grupos dominados na sociedade,
especialmente nas relações entre as classes sociais, e tem sido visto como uma fonte de
resistência e de liberação. A ideia de Gramsci de hegemonia é também aplicada aqui. O que
há de comum em ambos - FERRETTI e Gramsci - os significados do conceito de popular é a
questão do prestígio.
Religião popular e sincretismo [18] têm sido usados como termos polêmicos, quase
como sinônimos de heresia e superstição. As formas populares de religião são consideradas
como de menor prestígio na sociedade. Ferretti menciona Satriani que define a religião
popular como a religião das classes subalternas de determinada sociedade. Em Droogers e
Siebers, para Rolim (1980), os excluídos na produção econômica são muito produtivos na
área religiosa. Tendo em vista a dificuldade em se definir o conceito de popular, Montoya
propõe substituir a noção de religiosidade popular por religiosidade tradicional. Para a Igreja
Católica a religiosidade popular é considerada como inculturação ou enraizamento da religião
na cultura local.
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Conclusão
Analisando os resultados, observou-se uma forte presença da fé e das crenças como
elementos influenciadores na ação pastoral das Irmandades estudadas, assim como a marcante
religiosidade popular e o fenômeno do sincretismo. Com isso, percebe-se que as Irmandades
foram importantes: para o africano, às correntes favoráveis à libertação dos escravos, na
administração de fundos para compra de cartas de alforrias de irmãos cativos, na luta pela
ocupação do espaço social, de caráter agregativo e objetivos religiosos, na continuidade de
valores culturais e na constituição de identidade étnica, importante para afirmação de seu
poder. Arthur Ramos, sobre a repartição dos grupos étnicos no Brasil diz: “Muito têm
discutido os nossos sociólogos sobre a proporcionalidade desigual dessas misturas, no
decorrer dos tempos, acenando alguns para uma ‘progressiva ariani ação’ ou um progressivo
‘branqueamento’ das populações brasileiras, em virtude do estancamento da entrada do Negro
e as crescentes afluências do imigrante europeu; procurando, ainda, provar o progressivo
‘branqueamento’ das populações mestiças, pela reversão ao tipo branco que seria o
‘dominante’, em face das leis de Mendel”.
O Compromisso das Irmandades era um documento que regulamentava as normas de
existência. Com o Padroado Régio, o Compromisso era aprovado pela Igreja e pelo Estado.
Portanto, estavam sujeitas ao poder temporal do Estado e ao poder espiritual (hierarquia
eclesiástica). Com as Igrejas construídas pelas Irmandades, os leigos não abriam mão de suas
prerrogativas, porque quando o Estado instalava paróquias nas suas Igrejas ou delegava
construção em lugares públicos para o culto, os pedidos delas tinham que ser atendidos. Havia
também uma disputa entre elas e desejo de autonomia.
As pessoas que aqui na terra haviam sido fiéis à religião Católica, oficializada pela
Coroa lusitana, inseridos na própria estrutura da Cristandade, constituindo-se ao mesmo
tempo seus promotores e defensores, ocupariam um lugar principal na Divina Corte Celeste.
Os demais seriam distribuídos conforme suas dignidades e méritos. A vida cristã na terra ou
militante, já sacralizada, era transferida e perpetuada na visão do reino da glória celeste:
“assim na terra, como no céu”. Eis a Teologia da Salvação constituída como complemento
final da Teologia da Cristandade. Essa concepção teológica de que após a vida terrena as
almas receberiam um prêmio ou castigo eterno era comumente aceita pela sociedade colonial.
Percebe-se que as Irmandades, segundo os tecidos pesquisados, provocam reflexos
crescentes no universo social e político, e dominaram uma parcela diferenciada no solo
carioca, daí a geopolítica ideológica. O desenvolvimento das atividades apareceu em todos os
textos lidos, e, muitas vezes, foi seguido por uma segunda motivação que pode ser entendida
como busca de um poder político de dominação racional e mansa, onde o papel do
catolicismo seria absolutamente decisivo para a aceitação, com otimismo, da presença de
santos católicos nos terreiros de candomblé. Ressalta o primeiro etnólogo brasileiro, Nina
Rodrigues, com linguagem social da época, que era prática comum entre cristãos transformar
os santuários “pagãos”, para efeito de controle ideológico, em santuários cristãos, de acordo
com Vittorio Lanternari, Occidente e Terzo Mondo, Bari, Dedalo Libri, 1972.
A religiosidade popular latino-americana tem um fundamento histórico católico, com
forte influência indígena, com elementos como o messianismo e influências cósmicas e
africanas, que acentua entre outros elementos a festividade, a música e o culto aos
antepassados. É difícil, porém, definir palavras como povo, popular, religiosidade. Para
Dussell, surgiram na cultura latino-americana estruturas sacramentais cristãs com os pagãos
como mediações “expressivas” através de uma manifestação consciente do catolicismo
popular, de uma consciência não inteiramente cristã.
Isso era prática comum do colonialismo português e de todos os conquistadores com os
africanos. As pesquisas corroboraram com os estudos, confirmando o fato de que as
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Irmandades exerciam papel singular e de destaque na religião e na relação com o universo


social e político, demonstrando seu poder.
Com os resultados obtidos no presente estudo, pesquisadores poderão ser auxiliados na
elaboração de mais trabalhos relativos ao tema, servindo-se de pressupostos e bases de
comparação que facilitem o entendimento do significado dessas experiências religiosas e das
suas atividades.

Referências

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