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C U R S O D E HISTÓRIA DA I G R E J A

trigo, c o n s i d e r a v a a execução de um h e r e g e como culpa gravíssima; não excluía, porém


medidas r e p r e s s i v a s . A execução de Prisciliano, prescrita por Máximo Imperador em Tréviri
(385), foi geralmente c o n d e n a d a pelos porta-vozes da Igreja, principalmente por S . Martinho
' ^ S . Ambrósio.

D a s p e n a s infligidas pelo E s t a d o a o s h e r e g e s não c o n s t a v a a prisão; e s t a parece te


/ t i d o origem nos mosteiros, donde foi transferida para a vida civil.

O s reis merovíngios e carolíngios c a s t i g a v a m crimes eclesiásticos com p e n a s civi


a s s i m como a p l i c a v a m p e n a s eclesiásticas a crimes civis.

C^hegamos a s s i m ao fim do primeiro milénio._AJ^nctuisÍ5J.i2.teria-or-igem pouGo.dop.c^^

^ j ç ã o _ 2 : A ç L Q r i g e n s da^JInquisição^

No antigo Direito R o m a n o , o juiz não e m p r e e n d i a a procura dos criminosos; só proce


dia ao julgamento depois que lhe f o s s e a p r e s e n t a d a a denúncia. Até a Alta Idade Média,
m e s m o s e deu n a Igreja; a autoridade eclesiástica não procedia contra os delitos s e este
não lhe f o s s e m previamente a p r e s e n t a d o s . No decorrer dos tempos, porém, e s t a praxe mos
trou-se insuficiente. Além disto, no séc. XI aparec^u_na_Eur-Qgâ_nQy_aior-^^^
Í5Í9-éjJU!IiaJiei^^ h o u v e r a até então:,o çatarisma(d
grego Katharós, puro)jQu_o m o v l m e j i ^ ^ (de Albi, cidade d a França meridio
. nal, onde os h e r e g e s tinham s e u foco principal). Coi^siderado ajiia^^^^
.Xejeitavj.m n^o s o m f a c e visíyejjda Igreja^ imas também instituições básicas da^vida civ
-o matr]môn.iQi.aautoridade gqvernaméntalTõserviço rfiTlitar-e enajieciarn o suicícilo.. Destart
constituíam grave a m e a ç a nao s o m e n t e " p a r i a fé cristã, más farnbém para a vida pública;

^ E m bandos fanáticos, às v e z e s apoiados por nobres s e n h o r e s , os cátaros provocava


tumultos, a t a q u e s às igrejas, e t c , por todo o decorrer do séc. X I até 1150 aproximadamente
na França, n a A l e m a n h a , nos Países B a i x o s . . . O povo, com a s u a espontaneidade, e a auto
ridade civil s e e n c a r r e g a v a m de os reprimir com violência: não raro o poder régio da França
por iniciativa própria e a contra-gosto dos bispos, condenou à morte pregadores albigenses
visto que s o l a p a v a m os fundamentos d a ordem constituída. Foi o que s e d e u , por exemplo
e m Orleães ( 1 0 1 7 ) , onde o rei Roberto, informado de um surto de h e r e s i a na cidade, compa
receu p e s s o a l m e n t e , procedeu ao e x a m e dos h e r e g e s e os mandou lançar ao fogo; a caus
da civilização e d a ordem pública s e identificava com a fé! Entrementes a autoridade eclesiás
tica limitava-se a impor sanções espirituais (excomunhão, interdito, etc.) a o s albigenses
pois até então n e n h u m a d a s muitas h e r e s i a s c o n h e c i d a s h a v i a sido combatida por violênc
física; S . Agostinho ( t 4 3 0 ) e antigos b i s p o s , S . Bernardo ( t 1154), S . Norberto ( f 1134)
outros m e s t r e s m e d i e v a i s eram contrários ao uso da força ( " S e j a m os h e r e g e s conquistado
não pelas a r m a s , m a s pelos argumentos", a d m o e s t a v a São B e r n a r d o , In Cant, s e r m . 64).

Não são c a s o s isolados os s e g u i n t e s : e m 1144 na cidade de Lião o povo quis pun


/ violentamente um grupo de inovadores que aí s e introduzira: o clero, porém, os s a l v o u , dese
•í jando a s u a c o n v e r s ã o , e não a s u a morte. E m 1077 um herege professou s e u s erros diant
t do bispo de C a m b r a i a ; a multidão de populares lançou-se então sobre ele, s e m esperar
VjL^garriento, encerrando-o n u m a c a b a n a , à qual atearam o fogo!

Contudo em meados do.século XII a aparente indiferença do clero s e mostrou insusten


tável: os magistrados e o povo exigiam colaboração mais direta n a repressão do catarismo
Muito significativo, por exemplo, é o episódio seguinte: o P a p a Alexandre III, em 1162, escre
veu ao a r c e b i s p o de R e i m s e ao C o n d e de Flândria, em cujo territórios cátaros provocava
desordens:

"Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacara vida de In
centes... A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza... Não queiras se
justo demais (noli nimium e s s e iustus)"

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^ , _—.— —
de Viena (França) em 1311 mandou outrossim que os inquisidores só recorressem à tortura
depois que uma comissão julgadora e o bispo diocesano a houvessem aprovado para c a d a caso
em particular. - Apesar de tudo que a tortura apresenta de horroroso, ela tem sido conciliada com
a mentalidade do mundo moderno...; ainda e s t a v a oficialmente em uso na França do séc. XVIII e
^ e m sido aplicada até m e s m o em nossos dias...

Quanto à pena de morte, reconhecida pelo antigo Direito Romano, estava em vigor na
jurisdição civil da Idade Média. S a b e - s e , porém, que a s autoridades eclesiásticas eram contrárias
à s u a aplicação em c a s o s de lesa-religião. Contudo, após o surto do catarismo (séc. X I ) , algun
canonistas começaram a julgá-la oportuna, apelando para o exemplo do Imperador Justiniano
que no séc. VI a infligira aos maniqueus. E m 1199 o P a p a Inocêncio III dirigia-se aos magistrados
de Viterbo nos seguintes termos:

"Conforme a lei civil, os réus de lesa-majestade são punidos com a pena capital e seus
bens são confiscados... Com multo mais razão, portanto, aqueles que, desertando a fé, ofendem
a Jesus, o Filho do Senhor Deus, devem ser separados da comunhão cristã e despojados de
seus bens, pois multo mais grave é ofendera Majestade Divina do que lesara majestade huma
na" (epist 2,1).

• Corno s e vê, o S u m o Pontífice com e s s a s palavras desejava apenas justificar a excomunhão


e a confiscação de bens dos hereges; estabelecia, porém, uma comparação que daria ocasião a
nova praxe... O Imperador Frederico II soube deduzir-lhe a s últimas consequências: tendo lembra-
do numa Constituição de 1220 a frase final de Inocêncio III, o monarca, em 1224, decretava
francamente para a Lombardia a pena de morte contra os hereges e, já que o Direito antigo
a s s i n a l a v a o fogo em tais c a s o s , o Imperador os condenava a ser queimados vivos. E m 1230 o
dominicano G u a l a , tendo subido à cátedra episcopal de Bréscia (Itália), fez aplicação da lei impe
rial na s u a diocese. Por fim, o P a p a Gregório IX, que tinha intercâmbio frequente com Guala
adotou o modo de ver deste bispo: transcreveu em 1230 ou 1231 a Constituição imperial de 1224
\a o Registro das C a r t a s Pontifícias e em breve editou uma lei pela qual m a n d a v a que os
\s reconhecidos peia Inquisição fossem abandonados ao poder civil, para receber o devido
•í^^^^^castigo, castigo que, segundo a legislação de Frederico II, seria a morte pelo fogo.

•""""'^""Os teólogos e canonistas da época s e empenharam por justificara nova praxe; eis como o
fazia S . Tomás de Aquino:

"É multo mais greve corrompera fé, que é a vida da alma, do que falsificara moeda, queé
um melo de prover ã vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores
são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com multo mais razão os
hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas tam
^--^.^^MéW toda justiça ser condenados à morte" [Suma Teológica ///// 11, 3c).
' A argumentação do S . Doutor procede do princípio (sem dúvida, autêntico em si) de que a
/
vida da alma mais vale do que a do corpo; s e , pois, alguém pela heresia ameaça a vida espiritua
do próximo, comete maior miai do que quem a s s a l t a a vida corporal; o bem comum então exige a
i ^jemoçãqjJo^^rave pexigo (veja-se também S . Teci. I l/l 111, 4 c ) .

I Contudo a s execuções capitais não foram tão numerosas quanto s e poderia crer. Infeliz
,ímente faltam-nos estatísticas completas sobre o assunto; consta, porém, que o tribunal de Pamiers
^de 1303 a 1324, pronunciou 75 sentenças condenatórias, das quais_apenas_cánco-raanda^íai
entregaLaiéuao.poder civil (^^ de Gui em Tolosa, de
1308 a 1323, proferiu 930 sentenças, d a s quais 42 eram capitais; no primeiro c a s o , a proporção
é d e 1/15; no segundo c a s o , de 1/22.

Não s e poderia negar, porém, que houve injustiças e abusos da autoridade por parte dos
juizes inquisitoriais. Tais males s e devem à conduta de p e s s o a s que, em virtude da fraqueza
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I um lado, e cristãos, do outro lado. Leão III tinha índole fortemente absolutista e oesaropapista
f dizia textualmente que e r a "Imperador e sacerdote"; devia, portanto, subordinar ao s e u poder
J Igreja e, em particular, os monges, sempre ciosos da liberdade. Quem considera esta tendência
do Imperador, há de reconhecer que a defesa das imagens por parte dos católicos era não somen
te uma questão de ortodoxia, mas também o desejo de afirmar a independência da Igreja frente a
despotismo imperial.

L i ç ã o 2 : A luta a r d e n t e

Por conseguinte, em 726 Leão III investiu contra a s imagens por palavras e gestos violen
tos. Procurou o apoio do Patriarca Germano de Constantinopla, que lhe resistiu. E s c r e v e u tam
bém ao P a p a Gregório II, ameaçando depô-lo, c a s o defendesse a s imagens. Gregório em dua
cartas condenou a conduta do Imperador, dizendo-lhe que a questão era d a competência do
bispos. Ao saberem da imposição do Imperador, a s populações do Norte d a Itália teriam eleit
novo Imperador s e o P a p a não a s tivesse dissuadido. Havia na época motivos de animosidad
entre bizantinos e ocidentais: o Imperador a c a b r u n h a v a de impostos a Itália; mais de uma vez
funcionários do Imperador haviam atentado contra a vida do Papa; Gregório li, porém, manteve-s
leal e exortou os italianos à sujeição. Também os habitantes da Grécia s e revoltaram, proclaman
do um anti-Imperador, C o s m a s ; mandaram a Constantinopla uma frota numerosa, que foi vencid
com s e u s chefes. Isto t u d o ^ ó contribuía para irritar c a d a vez mais o Imperador.

/ E m 730, Leão III depôs o P a t r i a r c a G e r m a n o e conseguiu a eleição de Anastásio


jconoclasta. E s t e logo publicou um edito contra a s santas imagens; clérigos, monges e monja
foram decapitados e mutilados...

E m 731 o P a p a Gregório IN convocou um Sínodo em Roma, que puniu com a excomunhã


quem combatesse a s imagens. Leão III, exasperado, mandou uma frota á Itália, que foi destruíd
< no f/lar Adriático por violenta tempestade (732); confiscou os bens da Igreja R o m a n a na Calábri
e na Sicília e, a quanto parece, quis subtrair ã jurisdição de R o m a territórios ocidentais, qu
ficariam sujeitos ao Patriarcado de Constantinopla.

O filho de Leão III, Constantino V Coprônimo, subiu ao trono em 7 4 1 . Queria convocar um


Concílio para decidir a questão; antes, porém, e s c r e v e u um tratado de índole iconoclasta, qu
chegava a pôr em xeque definições dos Concílios de Éfeso e Calcedônia a respeito do mistério d
Encarnação: por exemplo, Maria não devia ser dita "Mãe de Deus", m a s a p e n a s "Mãe de Cristo

"~ O Concílio convocado pelo Imperador reuniu-se em 754 e em Constantinopla com a presen
ça de 338 bispos, s e m o P a p a nem os Patriarcas orientais. Declarou o culto das imagens obra d
Satã, e nova idolatria. Tal Concílio não era legítimo; por isto, foi excomungado pelo P a p a Estêvã
III em 769. E m consequência, a perseguição aos fiéis ortodoxos s e tornou bárbara: em todas a
igrejas a s imagens foram removidas ou substituídas por motivos profanos (árvores, pássaros...
Q s monges eram q u a s e os únicos a opor resistência: muitos mosteiros foram destruídos o
transformados em quartéis, arsenais... F e z - s e tudo para tornar o monaquismo odioso aos cris
tãos: foi proibido o hábito monástico; os iconoclastas procuraram seduzir os monges para preva
ricação com mulheres; muitos tiveram os olhos crivados, a barba queimada, os cabelos arranca
'^..^dos... A situação era comparável à dos piores dias do paganismo.

Finalmente Constantino V morreu em 775, recomendando-se à Mãe de Deus, da qual for


adversário. S e u filho Leão IV mostrou-se mais tolerante que seu pai, mas não revogou os decreto
anteriores. Faleceu em 780, sucedendo-lhe a Imperatriz Inês, como regente do filho Constantin
V I . Inês era piedosa, amiga das imagens e dos monges, embora ambiciosa. Permitiu logo o cult
\s imagens e, a conselho dos Patriarcas Paulo e Tarásio de Constantinopla, e de acordo com o

T
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O ardor d a nova discussão c o m u n i c o u - s e também ao Ocidente. E m 824 o Imperador


Miguel II mandou u m a legação ao rei Luís o P i e d o s o dos francos, convidando-o a uma ação
comum iconoclasta. Luís, com a licença do P a p a Eugênio II, em 8 2 5 reuniu bispos e teólogos
em P a r i s a fim de estudarem o a s s u n t o . E s s a assembléia manifestou-se no sentido do Con-
cílio de Francoforte ( 7 9 4 ) , que, aliás, tomou posição contrária ao Niceno II, m a s em termos
a s s a z ambíguos, como s e depreende desta fórmula: " a s imagens não devem s e r nem adora-
das nem v e n e r a d a s nem destruídas, m a s hão de s e r c o n s e r v a d a s em memória daqueles ou
daquilo que r e p r e s e n t a m " . - Não s e s a b e qual tenha sido a atitude do P a p a diante deste
pronunciamento de P a r i s .

Finalmente o bibliotecário Anastácio refez a tradução das artes do Concílio de Nicéia II sob
o P a p a João VIII ( 8 7 2 - 8 8 2 ) . Isto permitiu que a s determinações conciliares fossem finalmente
aceitas no Ocidente; grande parte d a problemática s e a c h a v a na deficiência de tradução.

Como s e percebe, a veemência e a. duração da controvérsia iconoclasta s e devem ao


cesaropapísmo dos Imperadores. O s P a p a s perceberam que nada mais tinham a esperar dos
Imperadores bizantinos, pois, desde a época do arianismo (século IV), haviam frequentemente
favorecidos a s h e r e s i a s e perseguido os pastores e fiéis ortodoxos; a s Suas intervenções
dogmatizantes eram, muitas v e z e s , movidas por razões políticas. Pode-se, pois, dizer que ao
iconoclasmo s e ligam intimamente a origem do Estado Pontifício, a proclamação do império
Romano do Ocidente e, de maneira remota, mas não menos real, o c i s m a grego de 1054; po
mais de um século Oriente e Ocidente tinham estado em dissensão e, quando em 843 a luta
iconoclasta terminava, já Fócio, o campeão do cisma, aparecia na corte da Imperatriz Teodora
para em breve subir à cátedra patriarcal de Constantinopla. Com toda a razão, Teodoro de Studion
um dos últimos grandes católicos de Bizâncio, c l a m a v a ao P a p a : " S a l v a - n o s , arquipastor da
Igreja que está debaixo do céu; pereceremos!"

Para aprofundamento:

BIHLMEYER-TÚCHLE, História da igreja, vol. 2^ Ed. Paulinas.

PÍERRARD, P. História da Igreja. Ed. Paulinas.

ROGIER-AUBERT-KNOWLES, Nova História da igreja. Vol. 2^ Ed. Vozes.

* * *

PERGUNTAS

1) Quais as causas que desencadearam a controvérsia iconoclasta ?

2) Quais os dois Concílios que se pronunciaram sobre o assunto? Que disseram?

3) Como termina a controvérsia iconoclasta?

4) Qual o papel de Carlos Magno no debate?

5) Quais as consequências da controvérsia iconoclasta?

E s c r e v a s u a s r e s p o s t a s em folhas à parte, e m a n d e - a s , com o nome e o endereço


do(a) C u r s i s t a , para: C U R S O S P O R C O R R E S P O N D Ê N C I A , Caixa Postal 1362, 20001-970
Rio de J a n e i r o ( R J ) .
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Lição 2: A criação do E s t a d o Pontifício

E m 747, Pepino, homem inteligente e ambicioso, mas religioso e bem intencionado com
Igreja, tornou-se o mordomo do palácio real dos francos (os reis então reinavam, mas não gov
navam, enquanto os mordomos governavam s e m coroa). Pepino quis pôr termo à situação am
gua do governo dos francos; por isto recorreu ao P a p a Zacarias, pedindo-lhe que recobrisse co
a s u a autoridade a falta de sangue real e reconhecesse a dinastia de Pepino e dos s e u s desc
dentes (os carolíngios); o Pontífice concordou com Pepino, pois este, s e não era o rei de direi
era o rei de fato. E m 751 Pepino foi eleito rei dos francos na dieta (= assembléia política)
Soissons, e, a seguir, ungido por S . Bonifácio e outros bispos. S u c e d e u a s s i m ao último rei
. ^ i n a s t i a anterior (merovíngia): Quilderico III.

Pepino em breve teve a ocasião de mostrar s u a gratidão ao P a p a . O rei lombardo Aistu


(749-56), depois de ter tomado R a v e n a a o s bizantinos, ameaçava R o m a . De novo abandona
pelo Imperador Constantino V Coprônimo, o P a p a Estêvão II pediu o auxílio dos francos;
mesmo à França, aparecendo em 754 no palácio régio em Ponthion (perto de Paris). Pep
recebeu-o com todas a s honras e prometeu-lhe proteção contra os lombardos; era movido a
não por meros interesses políticos, mas por veneração sincera para com o s u c e s s o r de S . Ped
\e Ponthion o rei levou o P a p a para Paris, onde este o ungiu, a s s i m como a o s s e u s dois filhos
j Carlos e Carlomano, rei dos francos; além disto, conferiu-lhes o título de "patrícios romano
\o que implicava o dever de proteger R o m a e a s u a Igreja. Finalmente a amizade entre Pepino
/ e o P a p a deu ocasião a novo pacto travado em 754 em Quierzy: Pepino s e obrigava não some
a defender a Igreja em R o m a , m a s também a libertar os territórios bizantinos ocupados pe
lombardos. E m duas c a m p a n h a s militares (755 e 756) Pepino v e n c e u Aistulfo e, apesar d
protestos de Bizâncio, doou solenemente por escrito ao P a p a os territórios de Comacchio
exarcado e a Pentápole (Rimini, P e s a r o , Fano, Sinigaglia, Ancona); o documentos de doação
colocado sobre o túmulo de São Pedro. E s t a v a a s s i m fundado o Estado Pontifício (756), prati
mente independente de Bizâncio, sob a jurisdição do Papa e a proteção dos francos. Na verda
tal gesto correspondia ao papel que o Pontífice já vinha exercendo em favor das populaçõ
ameaçadas da península itálica.

E x i s t e um documento intitulado C o n s t i t u t u m ou D o n a t i o C o n s t a n t i n i segundo o q


o Imperador Constantino Magno d o a v a ao P a p a 8 . Silvestre ( 3 1 4 - 3 3 5 ) e a s e u s s u c e s s o r
em agradecimento pelo batismo e a c u r a d a lepra, poder e dignidade imperiais; além dis
conferia-lhe o domínio sobre o palácio do Latrão, sobre R o m a e todas a s c i d a d e s dos terr
rios ocidentais; pelo quê, Constantino transferia a s u a residência p a r a Bizâncio. E s t e do
mento faz parte de u m a coleção f a l s a de, leis - os decretais do P s e u d o - l s i d o r o que te
origem no século IX. Por toda a Idade Média a D o n a t i o C o n s t a n t i n ! foi c o n s i d e r a d a autê
c a . T o d a v i a a partir do século X V a s u a genuidade foi contestada, de modo que hoje em di
reconhecida como falso documento.

. ^ Ç ã o 3: A c o n s o l i d a ç ã o dO-EstadQPiín^^^^

I No reino dos francos. Pepino reinou até a morte, mantendo sempre boas relações com
£ Papado. Sucederam-lhe os dois filhos, Carlos (Magno) e Carlomano, que dividiram o reino en
1 si. E m 7 7 1 , porém, Carlomano faleceu, deixando como único soberano C a r l o s Magno, hom
^ i o l e n t o , mas de boas intenções, que teve significado indelével na história.
A princípio Carlos desenvolveu política pouco favorável ao P a p a ; queria aproximar-se
lombardos, inclusive mediante uma aliança matrimonial ilegítima (Carlos Magno repudiara s

' Logo antes de Estêvão II foi eleito Papa um presbítero Estêvão, que não chegou a ser sagrado,
morreu quatro dias após ser eleito (de apoplexia). Daí Estêvão II ou III, o título do Papa que se
seguiu. • ,
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Alexandria, Roma...); o primeiro bispo que s e lhe conhece, Metrófanes, é do início do século IV
(315-325) e sufragâneo'' do metropolita de Heracléia.
—^ >

- C o m p r e e n d e - s e então que, o prestígio que Bizâncio não possuía por s u a s tradições, o


bizantinos o quisessem, obter por s u a s reivindicações. De modo geral, ia-se tornando difícil ao
bizantinos reconhecer a autoridade religiosa de R o m a , já que todo o esplendor da corte imperia
se havia transferido para Constantinopla.
Acresce que os Imperadores bizantinos, herdeiros do conceito pagão de Pòntifex Maximu
(Pontífice Máximo no plano religioso), s e ingeriam demasiadamente em questões eclesiástica
procurando manter a Igreja oriental sob o s e u controle. O s monarcas, n a s controvérsias teológ
c a s , muitas v e z e s favoreciam a s doutrinas heréticas, contrapondo-se a s s i m a R o m a e ao se
bispo, que difundiam a reta fé. O s Patriarcas de Constantinopla, por s u a vez, muito dependente
do Imperador, procuravam a preeminência sobre a s demais sedes episcopais do Oriente e quer
am rivalizar com o Patriarca de Romia, s u c e s s o r de Pedro, aderindo à heresia e provocand
cismas: dos 58 bispos de Constantinopla desde Metrófanes até Fócio (858), um dos vanguardeiro
da ruptura, 21 foram partidários da heresia; do Concílio de Nicéia I (325) até a ascensão de Fróc
(858), a s e d e de Bizâncio p a s s o u mais de 200 anos em ruptura com R o m a .

Tiegistraram-se mesmo atos de violência cometidos por Imperadores contra alguns Papa
Justino I mandou buscar à força o P a p a Vigílio em R o m a e quis obrigá-lo a subscrever norma
religiosas baixadas pelo monarca (cerca de 550); Constante II procedeu de forma análoga cont
o P a p a M-artinho I, que em R o m a (649) s e opusera à heresia monotelita, favorecida pelo Imper
dor; Justiniano II mandou prender em R o m a o Papa Sérgio I, que não queria reconhecer inovaçõe
promulgadas pelo ConcílioTrulano II (692); Leão III, iconoclasta, em.731 subtraiu a Romaajuri
_dição sobre a Ilíria e sobre parte do "Patrimônio de S . Pedro" (Itália meridional).

3. O distanciamento entre orientais e ocidentais ainda foi acentuado pela criação do "Sac
Império Romano da Nação dos Francos", cujo primeiro Imperador Carlos Magno recebeu a coro
em 800, das mãos do P a p a Leão III. - O d e s c a s o ou a hostil idade dos bizantinos associados
opressão dos lombardos no Norte da Itália, dera motivo a que os P a p a s s e voltassem aos pouco
com olhar simpático, pc a o povo recém-convertido dos francos, pedindo-lhes o auxílio necessár
para instaurar nova ordem de c o i s a s no Ocidente. A entrega da coroa imperial a Carlos Magn
v i s a v a a prestigiar os francos n e s s a s u a missão. Como s e compreende, em Bizâncio tal ato f
mal acolhido; os orientais julgavam que só podia haver um Império cristão, como só pode hav
um Deus; o Imperador reinava em nome de Cristo e era como que o representante visível d
unidade d a Igreja; daí grande s u r p r e s a e escândalo quando souberam que o bispo de Rom
sagrara em 800 um "bárbaro" para governar um segundo Império cristão!

. Apesar de tudo, d e v e - s e dizer que até o século IX o primado de R o m a ainda era satisfat
riamente reconhecido pelos orientais. A tensão de ânimos s e manifestou em termos novos
funestos sob a chefia dos Patriarcas Fócio ( t 897) e Miguei Cerulário ( t 1059).

L i ç ã o 2 : A ruptujia^spb F ó ^

E m 8 5 8 foi ilegitimamente deposto por adversários políticos o P a t r i a r c a Inácio d


Constantinopla. E m s e u lugar, subiu à cátedra episcopal um comandante d a guarda imperia
J \, que o Imperador favorecia. O novo prelado recebeu em cinco dias todas a s ordens sacras
i e foi empossado, s e m que a sé estivesse v a g a (pois Inácio não renunciara).

' A palavra sufragâneo supõe o seguinte: outrora as dioceses ou os bispados se reuniam em prov
cias: os bispos da província escolhiam seu metropolita (seu coordenador) e emitiam seu sufrágio n
Concílio provincial: daí o nome sufragâneo. Atualmente sufragâneo é o bispo dependente de u
arcebispo (numa dependência assaz ténue).

{ 82 I
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a excomunhão de Clemente 111 e Henrique iV; depois disto, mandou legados a diversos países
para proclamarem a sentença.
'' ' Ern 1085, Gregório, alquebrado por muitas fadigas, mas de ânimo ainda enérgico, veio a
falecer. Atribuem-lhe como últimas palavras: "Dilexi iustitiam e odivi iniquitatern; propterea morior
in exsilio. - Amei a justiça e odiei a iniquidade; por isto morro no exílio". A morte no exílio não era
senão uma derrota aparente: o plano de purificação e libertação da Igreja não seria mais entrava-
do; os s u c e s s o r e s de Gregório colheram os frutos que este s e m e o u ; o Papado cresceu em
prestígio moral, jurídico e político, devendo atingir o apogeu da s u a influência nos tempos de
h n p ç ê n c i o III (1198-1216).

- " - ^ " Num juízo objetivo, d e v e - s e dizer que Gregório VII foi um dos maiores P a p a s da Idade
Média, embora tenha sido combatido posteriormente como ditador e imperialista. Soube subordi-
nar todos os interesses d a S a n t a Sé ã s u a função pastoral, pois não hesitou em absolver e
reabilitar o adversário que havia de desferir o golpe mortal contra o P a p a ; soube ser um mau
político para s e r um bom sacerdote; desde que, em consciência, julgou que Henrique podia
merecer a reconciliação, concedeu-lha, ainda que em detrimento dos interesses temporais do
Papado. Na realidade, Gregório procurou dar a César o que é de César: aspirou a criar, dentro de
um Estado cristão, a harmonia entre o poder espiritual e o temporal; haveria a existência paralela
do Sacerdócio e do Império, c a d a qual colaborando em s u a e s f e r a para realizar a síntese da
Cidade de Deus: o Estado deveria proteger materialmente a Igreja, e esta haveria de sustentar
espiritualmente o Estado. Tais princípios estão espalhados pela ampla correspondência deixada
porGregório.

~" O pontificado de Gregório VII teve outros aspectos, além do que foi até aqui apresentado, O
P a p a não s e descuidou da Igreja universal e s p a r s a em toda a Europa, na Ásia e na África, como
atestam a s s u a s cartas; estas manifestam a amplidão de s e u s horizontes e a energia com que
sempre abordou os desafios da s u a missão. Foi o primeiro a conceber a idéia de uma Cruzada
) (coisa muito s a n t a naquela época): à frente de grande exército, queria pessoalpiente dirigir-seà
\a S a n t a , afim de libertar o Sepulcro do Senhor em Jerusalém e promover a união com os
) gregos cismáticos (1074); na s u a ausência, confiaria o patrimônio da Igreja Romana ao rei Henrique
; J V da Alemanha - o qu€; bem mostra quão pouco p e n s a v a em conflito no início do seu pontificado.

Para aprofundamento: • . -

S//-/LMEVEfí-TOCF/LE, História da igreja, vo/. 2. E d . Pau//nas.

P / E f í f í / i E D , P , História da Igreja. E d . Pau//nas.

ROGIER-AUBERT-KNOWLES, Nova História da Igreja, vol. 2. Ed. Vozes.

* * *

PERGUNTAS

1) Quais os principais males morais que afligiam a Igreja no começo do século XI?

2) Qual a atitude de Gregório VII diante do soberano alemão?

3) Qual o significado dos acontecimentos de Canossa? Em favor de quem redundaram'^

4) Que lugar ocupa Gregório VII no conjunto dos Papas e na história da Igreja ?

E s c r e v a s u a s r e s p o s t a s em folhas à parte, e mande-as, c o m o nome e o endereço


do(a) C u r s i s t a , para: C U R S O S P O R CORRESPONDÊNCIA, Caixa Postal 1362, 20001-970
Rio de J a n e i r o ( R J ) .
C U R S O D E HISTÓRIA DA I G R E J A

' ^ M a e n s a s dualistas (ver módulo 32); os Imperadores germânicos ameaçavam a liberdade da


Igreja e o Patrimônio de São Pedro, pois d e s e j a v a m cercar R o m a pelo Norte e pelo Sul (tinham
um ponto de apoio na Sicília); a Terra S a n t a e r a ocupada pelos muçulmanos. Inocêncio soube
\ lutar com justiça e dignidade, levando ao auge a obra concebida por Gregório VII ( f 1085) em prol
/ da liberdade da Igreja.

Lição 2 : O pontif[cado

^Corrp s e desenvolveu o pontifjcado de InpÇêndojJJ?)


E s t a v a convencido de que a principal condição para a liberdade da Igreja era emancipá-la
do poder imperial. - Ora o Imperador Henrique VI morreu em 1198 (ano da eleição do Papa);
redigiu um testamento que fazia grandes concessões ao P a p a , a fim de obter para seu filhinho
Frederico II Rogério (nascido em 1194) a coroa imperial e o título de rei da Sicília. Logo após a
morte do Imperador, Constança, a Imperatriz viúva, renunciou a muitos direitos sobre a Igreja, que
Henrique e s e u s antecessores tinham reivindicado para si; a Imperatriz e seu filhinho se reconhe-
ciam v a s s a l o s do P a p a ; ao morrer, em novembro de 1198, Constança pediu a Inocêncio que
assumisse a tuteia e a regência sobre seu filho Frederico até a maioridade deste; Inocêncio então
seria o administrador do reino da Sicília (que pertencia aos Imperadores germânicos); por dez
anos, o P a p a administrou a s funções a s s i m confiadas para o bem do príncipe, com sabedoria e
desprendimento; o próprio Frederico, declarado de maioridade por Inocêncio aos 14 anos em
1208, proclamou ser o P a p a s e u protetor e benfeitor, embora mais tarde este monarca s e revelas-
se pouco fiel ao P a p a e às s u a s diretrizes. - Já e.stes fatos a s s e g u r a v a m a Inocêncio uma
posição temporal nunca vista anteriormente.

O P a p a teve que intervir em questões internas dos reinos da Europa,

Na Alemanha, por exemplo, o partido dos Staufen - com seu pretendente Filipe da Suábia
- e o partido dos Guelfos - com s e u candidato Oto de Braunschweig - disputavam entre si o trono
real. Solicitado para fazer a arbitragem, o P a p a preferiu deixar que os interessados se entendes-
sem entre si. Após três anos, porém, resolveu intervir dando razão a Oto, que s e tornou o rei dos
germanos; infelizmente, porém, este monarca não cumpriu s e u s propósitos de respeito à Igreja;
pelo que foi excomung; ,:jo em 1210. O s príncipes alemães, então, abandonaram Oto e aclama-
ram Frederico II como rei; Inocêncio deixou partir para a Alemanha o seu antigo pupilo, que
também não manteve p r o m e s s a s feitas ao Pontífice a respeito dos direitos da Igreja.

Na Inglaterra, de 1199 a 1216 reinou João s e m T e r r a , senhor ambicioso. E m 1207 recusou-


se a reconhecer o novo bispo de Cantuária, Estêvão Langton, eleito por recomendação do Papa,
Já que a s admoestações ficavam s e m resultado, Inocêncio lançou o interdito^ sobre a Inglaterra
(1208); o rei revidou com violência contra igrejas e clérigos; por isto foi excomungado (1209) e
deposto do trono (1212); João, por prudência, resolveu submeter-se ao Papa; em 1213 prometeu
reparar os males cometidos e reconhecer Estêvão Langton. Mais: colocou a Inglaterra e a Irlanda
sob a proteção do P a p a , na qualidade de feudos. E m consequência, foi absolvido da excomunhão
em 1213, ao passo que o interdito só foi levantado em 1214 por c a u s a de dificuldades na restitui-
ção dos bens usurpados. Por e s s a ocasião, eclesiásticos e leigos da Inglaterra s e reuniram para
proclamar urna série de reivindicações, que restringiam o poder do rei na administração dos
feudos e garantiam maior liberdade aos cidadãos. Tal é a f a m o s a Magna Charta Libertatum,
que constava de 6 3 artigos e s e tornou um dos primeiros modelos de Constituições democráti-
cas.

C o m a França Inocêncio teve que usar de energia, não por motivos políticos, mas para
defender a Moral cristã. O rei Felipe Augusto (1180-1223) tinha esposado a princesa Ingeburga,

^ Sem Terra porque seu pai não ihe deixara território como herança.

^ Interdito era a proibição de celebrar culto público em todo o território atingido por tal censura. Só
poderia haver Missas a portas fechadas.

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