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09/09/2019 Santa Inquisição e a cortina de mentiras criada em torno da Igreja Católica

Santa Inquisição e a cortina de


mentiras criada em torno da Igreja
Católica
Marina Fancello
Jan 6, 2018 · 5 min read

Quando se fala em Inquisição, boa parte das pessoas provavelmente dirá que foi um
tribunal perverso e sanguinário, que visava condenar todos aqueles que discordavam
dos dogmas da Igreja Católica, desde o século XII, quando surgiu a primeira inquisição
propriamente dita, até o século XIX. Tal visão distorcida da realidade provém de uma
mentalidade anticatólica, nascida no Renascimento, que contrapunha os valores
medievais, e que hoje é encontrada de forma bem mais abrangente.

Durante muitos séculos, a religião do rei era a religião do povo. Apesar do mito de que
Constantino oficializou o cristianismo no Império Romano, sabe-se que Roma nem
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sempre foi católica. Constantino apenas deu liberdade religiosa, mas não oficializou o
cristianismo como religião, já que cerca de menos de 1/10 da população era cristã. A
religião cristã só foi oficializada com Teodósio I (Imperador Flávio Teodósio) em 380
d.C, por meio do Édito da Tessalônica. Os reis cristãos, baseando-se no Direito Romano,
conjuntos de regras jurídicas de Roma, mantinham o cristianismo como a religião
oficial de seus reinos e quem desobedecesse era punido e perseguido, constado no
Direito Romano como “Crime de Lesa Majestade Divina”. Nesse período a heresia era
considerada um crime civil. Os decretos imperiais condenando hereges a cumprirem
pena de morte não tinham a menor participação da Igreja Católica.
Os reis governavam através de alianças com os senhores feudais, que faziam alianças
com os vassalos, subordinados aos suseranos, que lhes cediam terras. O que significa
que o poder do rei não era absoluto. As relações eram feitas inclusive com povos
bárbaros recém-convertidos ao cristianismo. Como todos eram católicos, a identidade
religiosa ficou conhecida como Cristandade, do latim christianĭtas,ātis, que deriva do
caráter cristão, sendo assim, a Igreja e a Fé Católica constituíam a unidade social.
Quando estabelecida a ordem social, alguns grupos heréticos, como exemplo os cátaros
(“puros”), do grego καϑαρός, começaram a influenciar algumas regiões da Europa
Ocidental, principalmente o Sul da Europa, fazendo com que alguns senhores feudais
aderissem ao catarismo. Os cátaros se autodenominavam “Bons Hommes” ou homens
bons e tinham influências gnósticas e maniqueístas. Tinham uma concepção dualista
do mundo: o mundo material tendo sido criado por um deus mau (demiurgo), sendo
tudo que é material intrinsecamente mau, e um mundo espiritual tendo sido criado por
um deus bom. Como tudo que é material é mau em sua essência, os cátaros pregavam o
aborto, chegando muitas vezes a invadir vilas à procura de mulheres grávidas, dando
chutes em suas barrigas para que perdessem o bebê ou até mesmo matavam-nas. Eram
contra reprodução e o Matrimônio, sendo pecado aprimorar e gerar matéria, além de
pregarem o suicídio. O único sacramento mantido pelos cátaros era o batismo cátaro,
chamado de “Consolamentum”, que representa simbolicamente a morte com relação ao
mundo corrompido. O Consolamentum era recebido nos momentos antecendentes à
morte para garantir o paraíso e após recebido era feita a prática da Endura, que
consiste em parar de se alimentar e beber a fim de acelerar a morte. O número de
mortes por Endura foi significativamente maior que o número de cátaros condenados
pelo Estado e pelo povo na Idade Média. Além disso, eram contra juramentos, que
eram extremamente importantes para manter a ordem social, quebrando diversos
acordos e abalando o comércio e as relações comerciais.
Todas essas medidas defendidas pelos cátaros colocavam em risco os valores e a
hegemonia cristã, além de causarem guerras entre senhores feudais por quebra de
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juramentos, incendiarem vilas e propriedades, cometerem assassinato, impedir a


continuidade da espécie humana por meio da defesa ao suicídio e o fim da reprodução,
sendo o homem material e o material essencialmente ruim. Isso causou um
descontentamento na população, que resolveu “fazer justiça com as próprias mãos” e
perseguir, juntamente ao Estado, a heresia cátara. O descontentamento da população e
do Estado foi descomunal a ponto de levar à morte muitos inocentes acusados de
heresia, no ápice da heresia cátara no século XI. Foi então quando surgiu a primeira
inquisição propriamente dita, após a Inquisição Episcopal, que não era propriamente
dita pois realizava apenas penas espirituais, como excomunhões e interditos, e
promoviam a conversão dos hereges por meio de pregações, apesar da população
descontentada perseguir e matar os hereges contra a posição oficial da Igreja. Como
consequência da Inquisição Episcopal, os hereges se aliaram aos senhores feudais e
mataram diversos monges e missionários. Com a insuficiência da “Inquisição”
Episcopal no combate às heresias, então surge a Inquisição Medieval (1231 d.C),
voltada contra as heresias cátara e valdense. Inquisição vem do latim inquisitĭo,ōnis,
que significa “investigar”. Como o nome já diz, o objetivo da Inquisição era investigar
os casos de heresia.
Na Inquisição Medieval, o Estado baseava-se no Direito Germânico barbárico, sem o
método processual exigido pelo Direito Romano. No Direito Eclesial havia alguns
resquícios da cultura pagã bárbara. Um exemplo foi “judicium Dei” ou Ordália
(ordalium), que é uma prova judiciária usada para determinar a culpa ou inocência do
acusado por meio do juízo divino. Se o acusado fosse inocente, certamente seria
livrado da morte através do juízo de Deus. Foi uma prática sucessivamente condenada
pela Igreja Católica por meio de papas, como Estêvão VI, em 887/888, Alexandre II, em
1063, e Inocêncio III, no IV Concílio de Latrão em 1215, proibindo a participação do
Clero em julgamentos envolvendo fogo e água.
Durante o século XII, os adventos das universidades, que inclusive foram criadas pela
própria Igreja Católica, o Direito Civil e o Direito Canônico, tiveram um enorme
progresso, assim surgindo o inquérito e o processo judicial, como conhecemos hoje.
Com esse progresso jurídico, o Papa Alexandre III durante o Concílio de Tours em
1163, pediu que os príncipes confiscassem os bens do herege ao invés de puni-los com
a pena de morte, o que era comum do Estado fazer àqueles que se opusessem à religião
oficial: o cristianismo.

Diante dos fatos apresentados acima, pode-se concluir que o Tribunal Inquisitório mais
fez pelos acusados de heresia do que o próprio Estado. Enquanto o Estado e a
população permaneciam descontentados com todas as barbaridades cometidas e

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defendidas pelos hereges, os mesmos encontravam o perdão em uma única instituição:


na Igreja Católica.

“A igreja não aceita nada, mas perdoa tudo. O mundo aceita tudo, mas não perdoa
nada” — G K Chesterton.

Catolicismo Historia Historia Medieval Teologia

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