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A Inquisição

Iara C. Paiva

É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a
moeda, que é o meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e
outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares,
com muito mais razão os hereges, desde que comprovados tais, podem não somente
ser excomungados, mas também em toda a justiça ser condenados à morte (Santo
Tomás de Aquino- Summa Theologiae, II-II, q. 11, art. 3)

Iniciada no século XIII e vigorando até o século XIX, a Inquisição continua


sendo um dos temas mais polêmicos da história da humanidade. Quando o assunto é
Inquisição, muitas versões diferentes se apresentam. Tentar extrair a verdade, em meio
a tantas versões, não é tarefa fácil. Muitos documentos históricos foram perdidos, vários
encontram-se com acesso restrito e nem todo material disponível foi colocado ao
alcance dos historiadores pelo Vaticano. Durante muitos anos as versões sobre a
inquisição foram tendenciosas, ora procurando amenizar os feitos cruéis da Igreja
Católica, ora tentando se utilizar dos fatos para condenar a instituição católica como um
todo.

Em 1998, João Paulo II autorizou a abertura de parte dos arquivos secretos da


Congregatio pro Doctrina Fide, onde se encontra a maior base documental de fonte
primária sobre a Inquisição. O estudo desses documentos é uma tentativa de reescrever
a verdadeira história, porém, os verdadeiros números e a real magnitude dos fatos
nunca serão plenamente conhecidos.O objeto do nosso estudo é a Inquisição Católica
Romana, porém, é importante frisar que a Inquisição não foi o único caso de intolerância
e perseguição movida em nome de Deus. Embora não houvesse a institucionalização
de tribunais similares aos do Santo Ofício, também foram usadas estratégias de controle
da fé nos locais em que o protestantismo era dominante, levando à perseguição por
crimes como adultério, discordância dos dogmas protestantes e bruxaria. Na Alemanha,
o líder protestante Martinho Lutero (1483-1546) exigiu perseguições aos anabatistas,
grupo cristão mais radical da Reforma, porque, entre outras questões, eles divergiam
sobre o batismo. A decisão causou a expulsão, o encarceramento, a tortura e a
execução de centenas de pessoas. Os muçulmanos têm um histórico de perseguições,
guerras e imposição de conversão sob ameaça de morte. Até mesmo os ateus, em
países como a China, durante a revolução comunista, proibiram qualquer manifestação
religiosa, torturando e levando à morte quem se opusesse. Na realidade, mesmo no
âmbito da Igreja Católica, não se pode falar em Inquisição como instituição única e
homogênea. Várias foram as inquisições ao longo dos anos, com mecanismos e
motivações variadas e em tempos diferentes, que serão melhor detalhadas ao longo do
texto. A palavra inquisição tem sua origem latina em inquisitio, proveniente do verbo
inquirire, com o sentido de inquirir, ou seja, perguntar, pesquisar, indagar. A partir da
Idade Média, passaria a denominar a instituição eclesiástica encarregada de investigar
as heresias. Esta, ao longo do tempo, se tornaria mais organizada na forma do Tribunal
do Santo Ofício, sendo convertida, nos dias atuais, para a Congregação para a doutrina
da fé. Para entender a Inquisição é mister compreender que a Igreja acreditava estar
investida de uma missão divina. Que Jesus Cristo veio ao mundo para revelar a verdade
e o caminho. Fundou a Igreja, designou o primeiro pontífice e determinou aos apóstolos
que divulgassem a Boa-Nova por todos os povos. A Igreja tomava para si o dever de
transmitir a todos os homens a mensagem de Cristo, para que pudessem salvar suas
almas. O discurso da Igreja relacionava os males sofridos pelas populações - guerras,
pestes, miséria - à repreensão divina. O pecado atraía a fúria de Deus, que castigava
os povos pelos erros cometidos. Lutar contra os agentes do mal significava defender a
sociedade. Como advertiu em 1302 o papa Bonifácio VIII, na bula Unam Sanctan, “a
todo ser humano é absolutamente necessário para a salvação estar sujeito ao pontífice
romano”. Opor-se à Igreja era opor-se a Cristo e consequentemente a Deus.

Imbuída desta missão, a Igreja foi se consolidando e a busca da ortodoxia


acabou por condenar doutrinas que aos poucos foram sendo consideradas heréticas.
As raízes da inquisição são bem anteriores à Idade Média. Desde a época em que o
imperador Constantino se converteu, a situação dos hereges começou a mudar. Com
Teodósio I, o Cristianismo passou a ser a única religião permitida no Império Romano e
o poder temporal passou a ser vinculado ao poder religioso. Não havia mais distinção
entre a Igreja e o governo civil. A heresia passou então a ser crime e todo atentado
contra a religião oficial e contra Deus passou a ser considerado delito de lesa majestade,
punível com a pena de morte. A história do Direito Canônico iniciou-se no século II (a
palavra grega kanon significa regra). Por volta de 1140 ocorreu a sua primeira
consolidação, por decreto de Graciano; e esta, mais os acréscimos posteriores, veio a
formar, no final do século XV, o chamado Corpus Iuris Canonici. Composto, entre outras
coisas, de preceitos de natureza repressiva a ser aplicado pelos tribunais eclesiásticos.
Primordialmente seu objetivo era incentivar a perfeição espiritual da sociedade cristã,
estabelecendo sanções de sentido expiatório aos faltosos, buscando o seu
arrependimento. Aos poucos, através da sua Justiça Criminal, passou a tutelar também
os próprios interesses, ou seja, punir atos que atentassem contra a sua integridade e a
doutrina por ela professada. No processo de expansão da religião cristã, o demônio
passou a ter grande importância. O destaque para os perigos do mal era uma forma da
igreja atrair os adeptos para o lado de Deus, imprimindo a “pedagogia do medo”. A
eterna luta entre Deus e o diabo deixava a sociedade medieval em constante alerta. Era
preciso identificar a origem do mal e puni-los. Nessa perspectiva o medo e a
perseguição às crenças que se afastavam da ortodoxia ganharam sentido. Com o
advento dos grandes movimentos heréticos, nos séculos XII e XIII a perseguição aos
hereges aumentou e se tornou mais organizada e ostensiva, apoiada pelo poder secular,
que via nas heresias um perigoso movimento de agitadores sociais e possível causa de
distúrbios sociais. A Inquisição, apesar de ser um tribunal eclesiástico, sempre teve a
participação do poder secular, pois os assuntos religiosos eram assuntos de interesse
do Estado. Alexandre III, no terceiro Concílio de Latrão (1179) daria aos bispos ordens
para investigar os hereges mesmo com base em suspeitas, era a chamada Inquisição
Episcopal. Uma expedição repressiva ao Sul da França foi organizada para combater
os hereges, porém com fracos resultados. Em 1184, no Concílio de Verona, o papa
Lúcio III e o imperador Frederico I deliberam unificar a repressão na península italiana.
Variados hereges foram excomungados (cátaros, valdenses, arnaldistas, etc.) e os
bispos prosseguiram com medidas punitivas, impondo aos culpados a excomunhão e
os transmitindo depois às autoridades civis, para que estas acrescentassem as penas
de direito comum. Foi o início das bases ideológicas e jurídicas que se firmaram depois
na inquisição, de colaboração entre a Igreja e o Poder laico, com o dever imposto aos
fiéis de denunciar hereges, aplicando a estes o confisco de bens e perda de direitos
civis. O papa Inocêncio III, em 1199, promulgou o decreto Vergentis in Senium,
ponderando: "Consoante as sanções legais, os culpados do crime de lesa-majestade
são punidos com a pena capital, seus bens são confiscados e só por misericórdia a vida
é deixada aos seus filhos. Com mais forte razão, aqueles que, rejeitando sua fé,
ofendem Jesus Cristo, Filho de Deus, devem ser excomungados e destituídos dos seus
bens, pois é mais grave ofender a majestade eterna do que a majestade temporal".
Recomenda, porém, a clemência àqueles que se arrependerem. Pouco tempo depois,
passou a conceder a mesma indulgência dos cruzados aos que combatessem os
hereges. Em 1229, no Concílio de Toulouse, ficou estabelecido que todos os fiéis
deveriam prestar juramento a cada dois anos, de renúncia a tudo o que se opunha à fé
da Igreja romana. A recusa ao juramento significava heresia. Os hereges que
desejassem abandonar espontaneamente seu erro deveriam trazer duas cruzes de
pano colorido costuradas nas vestes e sofreriam privações até chegarem à completa
reconciliação. Os que não renunciassem espontaneamente deveriam ser mantidos
presos incomunicáveis e alimentados nos termos que se encontram em Isaias 30, 20:
“0 Senhor vos dará um pão apertado, e água pouca”. Receberiam visitas apenas do
cônjuge e de um membro do Tribunal, que procuraria convencê-los ao arrependimento.
Aos irredutíveis, o braço laico imporia a pena capital. Assim, aos poucos, foi nascendo
o que se passou depois a designar pela palavra "Inquisição", que foi consolidada pela
bula Licet ed capiendos promulgada pelo papa Gregório IX em 1233. O Tribunal do
Santo Ofício iniciou sua investida pela França, passando posteriormente a outros países
da Europa. Com a ameaça de sofrer interditos, que privavam os fiéis dos sacramentos,
e até mesmo ser alvo de uma cruzada, a Igreja foi conquistando cada vez mais o apoio
das autoridades seculares e de seus governantes, atuando conjuntamente no combate
às heresias e colaborando nas punições que variavam de confisco de bens, exílio, prisão
perpétua e morte na fogueira. A Igreja conduzia todo o processo, determinava a pena e
em casos de execução entregava o réu para a punição pelo estado, já que o direito
canônico não prevê a pena capital. As autoridades civis, coagidas pela igreja, eram
obrigadas a cumprir as penas estabelecidas aos réus. Recusas acabariam por se tornar
acusações de heresias com submissão ao tribunal.

Antecedentes: A cruzada Albigense e os cátaros:

No século XII, na região de Languedoc, no sudoeste da França, surgiu uma seita


religiosa considerada herética denominada Catarismo, termo que viria do grego kataroi
que significa os puros. A cidade de Albi era seu maior refúgio, originando outro termo
pelo qual eles ficaram conhecidos: albigenses. Um dos pontos de oposição entre o
catarismo e a Igreja Romana era, justamente, o posicionamento anticlerical dos
albigenses que a consideravam como corrompida pelas práticas do nicolaísmo e
simonia.

O catarismo era uma heresia dualista que defendia o duplo princípio do bem e
do mal, tendo como texto de referência o Evangelho de São João, considerado o único
escrito verdadeiro. O universo emanaria de dois princípios conflitantes: um bom e outro
ruim. Deus seria o espírito bom, e o mundo, por ele criado, seria povoado por seres
espirituais participantes da natureza divina. O mundo material seria fruto de uma força
puramente maligna. Os homens teriam a chance de alcançar a esfera espiritual pela via
da purificação. Para tanto, deveriam combater a carne que aprisionava o espírito. A
Igreja Cátara era formada por dois grupos distintos: pelos perfeitos ou eleitos, que
seriam os escolhidos para o encontro com o Deus bom, sendo o grupo de ministros
cátaros. E pelos crentes ou auditores que participavam na qualidade de ouvintes. Os
cátaros negavam a materialidade de Cristo, recusavam a eucaristia, opunham-se à
veneração aos santos, à oração aos mortos e aos sacramentos cristãos, pregavam uma
vida de ascese: pobreza voluntária, castidade, jejum. O toque das mãos dos perfeitos
era o único sacramento, e o pão que abençoavam era considerado sagrado e guardado
pelos seguidores pelo resto da vida. Acreditavam em um rito de passagem da vida
material para a espiritual, o consolamentum, celebrado nos momentos finais antes da
morte, que substituía uma vida inteira de dedicação aos cultos católicos e seus
sacramentos. A ordem dos freis pregadores, criada por Domingos de Gusmão em 1216,
exerceria um papel fundamental no combate a esse tipo de heresia por suas
características de pobreza, celibato e ascese, conjugadas a um profundo conhecimento
da ortodoxia e do uso de técnicas de pregação e conversão. O objetivo da ordem era
divulgar o Evangelho e sua ortodoxia e salvar a alma dos hereges. Com tal propósito,
os freis eram alfabetizados e treinados para divulgar a doutrina aceita e reconhecer as
heresias e seus adeptos.

A tentativa da igreja de combater o Catarismo começou sob o papado de Urbano


II (1088-1099). Em 1098, foram organizadas as primeiras missões com propostas de
persuasão e de convencimento, comandadas por Bernardo de Claraval. Em 1206,
Domingos de Gusmão as assumiu, exercendo um papel ativo nas conversões. Inocêncio
III (1198–1216) foi o primeiro papa a sistematizar um programa de luta contra os
movimentos heréticos. Em 1208, após o assassinato do representante eclesiástico
Pierre de Castelnau, a mando de um nobre que havia sido excomungado por se recusar
a cooperar contra os cátaros, o papa Inocêncio III, conclamou a Cruzada Albigense. Em
1209, sucedeu a primeira investida do movimento cruzado, chamada de o “massacre de
Bélsiers”, devido a seu teor sanguinário. O tratado de Paris em 1229 colocou fim à
cruzada.

Contudo, esse episódio não figurou como a derrota completa do movimento, já


que ainda encontramos vestígios de segmentos cátaros no século XIV. Gregório IX,
eleito papa em 1227, ao invés de continuar o movimento de cruzada contra os hereges,
reinventou o movimento da inquisição episcopal. Porém os bispos não se mostraram
eficientes no combate. Era necessário criar novas formas mais eficientes ao combate
às heresias.

A Inquisição Medieval:

No concílio de Toulouse, em 1229 foi criado oficialmente o Tribunal do Santo


Ofício da Inquisição. Em 20 de abril de 1233, o Papa Gregório IX editou duas bulas que
retiravam dos bispos o controle dos processos contra os hereges e confiavam a
emissários específicos da Ordem dos pregadores, os dominicanos, a sua execução.
Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem
em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus
benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando
em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto
for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis. (A bula Licet ad
capiendos, 1233, dirigida aos dominicanos inquisidores)

O objetivo principal da recém-criada inquisição era combater os movimentos


heréticos, como o dos cátaros e valdenses. Quando a inquisição foi estabelecida no
Languedoc, em 1233, milhares de cátaros fugiram para os Pireneus, instalando
verdadeiro clima de terror. O próprio nome que recebiam, inquisitor hereticae pravitatis
(inquisidores da depravação herética) era um termo que inspirava medo. A partir de
1234, três tribunais se instalaram, em Toulouse, Carcassonne e Provença. A severidade
foi grande, centenas de hereges foram levados à fogueira e se desenterraram os
cadáveres de outros, que, expostos em cortejos pelas ruas, foram queimados. Em 1244
a fortaleza e reduto dos cátaros Montségur foi atacada e a população teve a opção de
se submeter ao interrogatório dos inquisidores e se retratar ou, caso se negassem a
participar do interrogatório, seriam queimados vivos na fogueira. Os cátaros perfeitos se
recusaram a abrir mão de sua fé e pedir perdão. Alguns cátaros crentes juntaram-se a
eles. Após receberem o consolamentum, foram queimados 211 homens e mulheres de
uma única vez. Na região de Montaillou, o Catarismo resistia, sendo adotado
amplamente ameaçando a hegemonia do Papa. O Catarismo era uma crença que
atendia melhor aos anseios da população que queria uma relação mais direta com Deus,
já que não entendiam os rituais e se revoltavam com os impostos cobrados pela igreja.
Os irmãos Authier eram os últimos homens perfeitos que atuavam ali. A única nobre da
aldeia, Beatrice de Panisolles, e o sacerdote, Pierre Clerge, eram adeptos da fé e
amantes. Em 1308, a informação sobre os cátaros chegou ao inquisidor Bernardo
Guidoni. A Inquisição chegou a Montaillou, e fechou a aldeia, mas os Authier
conseguiram escapar.

O tribunal compunha-se do inquisidor, seus assistentes, de um conselheiro


espiritual, guardas e um escrivão. As regras seguidas tiveram algumas variações, mas,
em linhas gerais, foram as seguintes: ao chegar à cidade o inquisidor consultava o clero
local e convocava todos os homens com mais de catorze anos e as mulheres com mais
de doze anos para declararem lealdade à fé ortodoxa católica. Quem se recusasse já
era considerado herético. Um prazo de uma semana, denominado “tempo da graça”,
era concedido para se apresentarem espontaneamente, confessarem seus erros e
receberem penitências. Os que ainda se recusavam eram interrogados pelos
preparados inquisidores dominicanos que os aterrorizavam e confundiam com muitas
perguntas, até que eles acabassem por se contradizer e fossem finalmente condenados.
Os suspeitos eram convocados sem saber as acusações e nem quem era o acusador.
Testemunhas de defesa corriam o risco de serem consideradas cúmplices. Mesmo que
não fosse condenado, o fato de ter sido acusado já o transformava em reincidente em
caso de nova denúncia. Em 1310 um informante revelou o paradeiro dos irmãos Authier.
Um deles, Guilherme estava morto e o outro, Pierre foi preso e condenado à fogueira.

Após dez anos, ocorreu a denúncia de que alguns cátaros ainda viviam entre a
população de Montaillou. Jaques Fournier revisitou os registros de Guidoni e reinstalou
a inquisição. Ele convocou a castelã Beatrice, que confessou ter conhecido os irmãos
Authier. Temendo ser chamada de novo, ela tentou fugir, mas foi capturada e presa. Os
objetos que levava a fizeram ser acusada de bruxaria. Entre eles, havia um pedaço de
pão seco, símbolo dos cátaros. Todos os habitantes foram interrogados até que Grazide
Lisier denunciou o padre como cátaro e amante de várias mulheres da cidade. Beatrice,
pressionada, confirmou as denúncias contra o padre Clerge. Jacques Fournier foi um
dos mais piedosos inquisidores, condenando à fogueira apenas cinco pessoas. Clerge
foi preso, mas não se sabe como morreu. Em janeiro de 1329 a inquisição mandou que
seus familiares exumassem seus ossos e seus restos foram incinerados em público
como um último ato de reprovação e vergonha. Beatrice e Grazide foram libertadas e
obrigadas a usar a cruz amarela, marca dos hereges. Em 1327 Fournier se tornou
cardeal e em 1334, Papa Bento XII. Ser inquisidor já se mostrava um fator de ascensão
na hierarquia da igreja e o Catarismo estava eliminado.

A violência da inquisição suscitou revoltas da população. Em 1233 o inquisidor


Conrado de Marburgo, conhecido pela crueldade com que conduzia os julgamentos e
execuções, foi assassinado. O inquisidor Pietro de Verona, em 1252, foi apanhado em
uma emboscada, e morto a golpes de foice. Em 1253, a Igreja o canonizou como São
Pedro Mártir, o patrono do Santo Ofício. Outro caso ocorreu em 1279, após a execução
em fogo lento de uma acusada, a multidão enfurecida atacou o convento dominicano
que hospedava os inquisidores, que foram expulsos a pauladas. O Papa Gregório
chegou a viajar para o Languedoc para tentar suavizar os ultrajes causados por seus
inquisidores. Apesar de haver exceções, não se pode negar que os abusos da
inquisição foram se tornando mais amplos e cruéis com o passar dos anos. A Igreja
utilizaria de mecanismos como o interdito e a excomunhão para forçar os nobres a
atuarem ao seu lado e julgamentos cada vez mais rigorosos para punir os hereges.
Em 1252 o Papa Inocêncio IV editou a bula Ad extirpanda que autorizava o uso
da tortura pelos inquisidores, sendo o poder secular obrigado a colaborar com o tribunal
da igreja.

O Manual do Inquisidor:

O inquisidor Nicolau Eymerich escreveu, em 1376, o Directorum Inquisitorum


(Manual dos Inquisidores), um tratado que apresentava conceitos, normas processuais
e modelos de sentenças, elaborado com o objetivo de nortear as ações dos inquisidores
no desempenho de suas atribuições. O manual contribuiu para dar à Inquisição
coerência doutrinária e legalidade jurídica. Para ser um inquisidor era necessário ser
doutor em teologia, direito canônico e civil, ter no mínimo 40 anos, e ser das ordens
dominicana ou franciscana. Nos processos da inquisição a denúncia era presunção de
culpa, cabendo ao acusado provar sua inocência, sendo responsável pelo custeio de
sua prisão e eventual tortura. O julgamento era secreto e o réu ficava incomunicável.
Nenhuma testemunha era apresentada. A tortura era utilizada nos casos em que o
acusado tivesse pelo menos uma testemunha de que seria herege, em casos de
testemunhos contraditórias, ou para indicar nomes de outros hereges. As torturas
variavam desde privação de sono, ingestão de grandes quantidades de água,
esmagamento de genitália e uso de máquinas e objetos dos mais variados tipos. Após
a tortura o acusado permanecia preso e recebia a visita do inquisidor ou assistentes
para tentar persuadi-lo a se arrepender e confessar o crime. Segundo o papa Inocêncio
III a tortura, que se aplicava aos ladrões e aos assassinos, também deveria ocorrer com
os hereges, que não passavam de ladrões e assassinos da alma. Daí por diante, o
Direito Canônico incorporou a tortura, mas algumas cautelas foram prescritas: ela não
deveria colocar em risco a vida, não devia haver derramamento de sangue, um médico
devia estar presente e somente podia ser aplicada uma vez. A confissão por meio dela
obtida deveria ser ratificada posteriormente para não ficar caracterizado que teria
ocorrido apenas para se livrar do suplício. As regras, porém, não coibiram abusos.
sessões de tortura subsequentes eram consideradas meras continuações da anterior,
para evitar derramamento de sangue partes do corpo eram esmagadas com objetos que
não feriam a pele e muitos morriam nas sessões. As penas impostas variavam de
censuras, utilização de símbolos degradantes, prisão (mantido incomunicável e
recebendo apenas pão e água), trabalhos forçados nas galés, excomunhão e morte na
fogueira. No caso de execução na fogueira os acusados eram amordaçados ou suas
línguas eram cortadas, para não ferirem com suas blasfêmias a devoção de quem
assistia à execução. Além das penas, havia a expropriação dos bens em favor da Igreja.
O processo não se encerrava com a morte. A inquisição mandava exumar os corpos e
queimar os restos mortais, além de privar os herdeiros do espólio. A execução em efígie,
ou seja, com uma imagem do condenado também era praticada.

Em relação a penas de penitência, dispôs o concílio de Narbona de 1243: "Os


hereges, seus parceiros e seus fautores que se submeterem voluntariamente,
mostrando arrependimento, dizendo sobre si e sobre terceiros a verdade inteira, obterão
dispensa da prisão. Eles deverão portar cruzes (costuradas sobre suas vestes), se
apresentar todos os domingos, entre a epístola e o evangelho, com uma vara diante do
padre e receber a disciplina. Eles o farão ainda em todas as procissões solenes. No
primeiro domingo de cada mês, após a procissão ou a missa, visitarão, em hábito de
penitência, uma vara à mão, as casas da cidade e do burgo que os conheceram como
hereges. Assistirão, todos os domingos, à missa, às vésperas e aos sermões, e farão
peregrinações".

Quando o réu era culpado de heresia, os seus bens eram frequentemente


confiscados para custear as despesas da inquisição. Na Itália, os bens confiscados
eram repartidos entre as autoridades civis, o governo pontifício e a inquisição. Os
processos em defesa da fé foram bastante lucrativos. A pena de execução não era
cumprida pela Igreja, daí o artifício de “relaxar” o excomungado à justiça secular, que
reconhecia a validade do processo inquisitorial, aceitando suas conclusões e ordenando
imediatamente a execução da pena capital. O inquisidor podia exigir que as autoridades
civis fizessem o juramento de defender a igreja da perversidade herética, inclusive
protegendo o inquisidor. Os juízes que não cumprissem a sentença de morte dos
acusados de heresia seriam assim considerados e perseguidos como tais. O manual
vetava o derramamento de sangue nas execuções. O ato de entrega aos executores
era anunciado com antecedência e o povo era intimado a participar da cerimônia de
condenação. Assim que o réu fosse entregue aos juízes estes pronunciavam a sentença
e imediatamente o réu era levado para o local do suplício, acompanhado de homens
pios que rogariam a Deus pela sua alma. O momento da execução (auto de fé) era
utilizado para catequese e convencimento, ainda que pelo medo, com um sermão
solene, de preferência em dias festivos com muito público. Assistir ao espetáculo
apresentaria aos presentes uma imagem do juízo final, e tinha por finalidade restaurar
no povo a pureza da fé, deturpada pelas heresias, intimidar hereges ocultos e fortalecer
cristãos vacilantes. Nelas, os réus arrependidos proclamavam sua abjuração e os
impenitentes recebiam as penas canônicas ou eram entregues ao braço secular.
Pedidos de clemência após a sentença de morte não eram aceitos por não serem
considerados reais e sim por medo do fogo. Porém aquele condenado que desejasse
se reconciliar com a Igreja poderia ter o benefício de ser estrangulado antes de ser
submetido à fogueira.

Cada momento do auto de fé era minuciosamente pensado para cumprir um


objetivo e estava baseado em orientações litúrgicas e jurídicas. Eram considerados
hereges aqueles que dissessem algo que se opunha às verdades essenciais da fé
católica ortodoxa, que praticassem ações suspeitas como circuncisão e práticas
islâmicas, quem fosse citado e não comparecesse ao interrogatório, quem não
cumprisse as penas canônicas impostas pelo inquisidor, quem recaísse em heresia que
tivesse abjurado, quem solicitasse o consolamentum, quem praticasse atos ou dissesse
palavras em desacordo com os hábitos comuns dos católicos. Tudo o que não era
proibido era obrigatório e excessos de zelo católico também poderiam ser relacionados
à heresia.

Os hereges poderiam ser classificados em três tipos: pertinazes e impenitentes,


aqueles que condenados se recusavam a abjurar, sendo entregues ao braço secular
para execução; penitentes, os que abjuravam dos seus erros e aceitavam a pena que
variava de acordo com a heresia, sendo a mais severa a prisão perpétua. Os relapsos
eram aqueles que reincidiam na heresia, sendo sempre executados. A simples suspeita
de heresia já o tornaria culpado em caso de reincidência. Os acusadores podiam ser os
mais variados, inclusive criminosos e excomungados, sendo que hereges, infiéis,
mulheres, parentes e servos podiam apenas testemunhar contra o acusado.

Os processos inquisitoriais nunca eram encerrados totalmente e o acusado


nunca era declarado inocente, de modo que em caso de reincidência o mesmo seria
automaticamente considerado culpado. Nos casos de absolvição era declarado que
nenhuma prova foi encontrada e nunca a inocência. A inquisição medieval chegou a seu
ápice na metade do século XIV caindo em decadência nos próximos anos. Os motivos
eram, não apenas o sucesso da empreitada, mas também o fortalecimento das
nascentes monarquias nacionais que recusavam interferências externas, inclusive da
própria Igreja.

A caça às bruxas:

Os feitiços já eram combatidos desde a antiguidade e feiticeiros eram punidos


com a morte pelo Código de Hamurabi datado de 1760 a.C. No Deuteronômio há
proibições e penas aos feiticeiros. A partir da Idade Média, a bruxaria foi associada ao
paganismo e passou a ser considerada heresia. No início as bruxas eram tratadas como
vítimas iludidas pelo demônio ou simplesmente loucas. Quem praticava bruxaria
cometia um pegado grave, mas as artes mágicas em si não representavam um perigo.
Após a instauração da Inquisição, o demônio passou a ser considerado um ser físico,
que tinha aliados na Terra, um exército próprio e uma Igreja. A batalha entre o bem e o
mal se transformou em uma guerra em sentido físico, além do metafísico.

O papa Alexandre IV, em 1258, condenou as práticas mágicas. Em 1320, o papa


João XXII encarregou os inquisidores de Toulouse de intervir contra os bruxos. A partir
de 1436, o juiz Claude Tholosan declarou que os magos e bruxas não tinham direito a
indulgências da Igreja e considerou suspeitas até práticas populares aparentemente
inócuas, como a colheita das plantas durante a festa de Santo Antônio. A Inquisição
atingia também a superstição popular. Os Templários foram acusados de heresia,
bruxaria e de adoração a um ídolo chamado Bafometo. Os cátaros foram acusados de
ter o nome derivado de Cato, demônio que adoravam. Assim, bruxas e hereges foram
considerados inimigos do poder espiritual e do civil, provocando ódio do povo contra
eles. O papa Gregório IX, enviou Conrado de Marburgo para a região da Alemanha para
combater os luciferianos ou qualquer outro grupo que cultuasse o demônio. Nobres,
plebeus e padres foram queimados na fogueira. A bula papal Summis desiderante
affectibus, promulgada por Inocêncio VIII, em 5 de dezembro de 1484, marcou a data
de início daquilo que se tornou um verdadeiro extermínio em massa de mulheres e
homens acusados de bruxaria. Nesse documento, o papa, alarmado pelas notícias
provenientes do norte da Alemanha, onde parecia que os cultos satânicos e a bruxaria
tinham muitos adeptos, dava aos inquisidores plenos poderes para extirpar o fenômeno.
No mesmo ano, saiu o Malleus Maleficarum (Martelo das feiticeiras), um tratado
reproduzido através da nova técnica da prensa inventada por Gutenberg, que descrevia
por completo o mundo das bruxas, seus malefícios, como reconhecê-las e como
conduzir os interrogatórios.

A tese do Malleus era que a bruxaria existia e que era uma forma de heresia,
assim como negar sua existência era um comportamento herético. Seus autores,
Krämer e Spengler, foram dois teólogos dominicanos. O Malleus era dividido em três
partes: o fenômeno da bruxaria, a explicação dos métodos pelos quais se infligiam os
malefícios e de que modo poderiam ser curados e as medidas judiciais do tribunal
eclesiástico e civil a serem tomadas contra as bruxas e os hereges. Em 1490 o livro foi
proibido pela Igreja, porém, foi impresso até 1669 e tornou-se um verdadeiro best-seller
na época. Os julgamentos das bruxas continuaram por todo o século XV. Os sabás,
rituais de culto ao demônio eram descritos como festas onde as bruxas chegavam
voando, dançavam nuas, beijavam a nádega do demônio e praticavam orgias sexuais
com o diabo, que podia mudar de sexo. As bruxas recebiam uma marca no corpo que
por vezes ficava escondida. Ao procurarem bruxas, os cabelos e pelos do corpo eram
raspados na intenção de encontrar as marcas. Diziase que as bruxas tinham o dom da
insensibilidade física e a incapacidade de chorar. Em razão disso, suportavam, sem dor,
torturas intoleráveis. A caça às bruxas tornou-se uma gigantesca guerra do poder
masculino contra as mulheres e contra as últimas formas de matriarcado, demonstrando
um profundo sentimento misógino. Por exemplo, foi proibido ao gênero feminino auxiliar
o parto, entregando-o ao monopólio da casta masculina dos médicos. Homens e
personalidades de alta estirpe também foram condenados à fogueira, mas isso não
impediu que a grande maioria das vítimas fosse de mulheres pobres, muitas vezes à
margem da sociedade.

Vários foram os opositores do regime da caça às bruxas, procurando demonstrar


que eram delírios coletivos e que os sabás não existiam, mas estes eram
desacreditados ou condenados como hereges.

A grande maioria dos processos de bruxaria tem uma dinâmica característica. A


acusação de bruxaria surgia a partir de um suposto maleficia: este podia ser a doença
repentina de uma pessoa ou de animais domésticos ou problemas causados à plantação
ou ao clima. A acusada era tipicamente alguém do convívio daquele que foi afligido ou
prejudicado. Os alvos preferenciais eram pessoas que não se enquadravam ao quadro
social vigente: beberrões, solteirões ou viúvas amargas e maledicentes, curandeiras e
blasfemos. O processo por bruxaria acontecia paralelamente ao de heresia. Assim que
a audiência começava, a suposta bruxa era convidada a confessar e abjurar o demônio
e, se não o fizesse, era torturada. Os interrogatórios eram realizados em meio a
perguntas e armadilhas criadas especialmente para confundir o imputado. As acusadas
de bruxaria muitas vezes delatavam outras pessoas que supostamente teriam
participado com elas dos sabás e que acabavam processadas. Às vezes, davam os
nomes dos próprios acusadores criando uma reação em cadeia que podia durar anos e
envolver centenas de pessoas. O processo por bruxaria, no entanto, tinha uma diferença
muito importante em relação ao de heresia. O herege que confessasse e abjurasse
imediatamente diante dos juízes podia ser absolvido logo ou, no máximo, receber uma
leve punição. A bruxa que confessasse poderia ser absolvida da acusação de heresia,
mas os juízes mandariam seu caso ao tribunal civil. As penas por bruxaria variavam de
castigos corporais e períodos de exílio, a prisão perpétua ou morte na fogueira. Por
vezes, eram queimados junto com a bruxa os autos do processo, como ato de
purificação. Por isso não há como documentar o número exato de bruxas executadas
durante a inquisição.
Os inquisidores descobriram que, por mais que torturassem e mandassem para
a fogueira, as bruxas não diminuíam. A promessa, nem sempre cumprida, de perdão se
entregassem outras bruxas levava a cada vez mais denúncias. Por mais que
torturassem e queimassem, inclusive crianças, as bruxas continuavam aparecendo. O
papa Gregório XV, em 1623, ordenou que os castigos sádicos fossem reduzidos e que
a pena de morte fosse limitada apenas aos casos de comprovado pacto demoníaco.
Nem mesmo os esforços do papa deram frutos. A caça às bruxas continuou até 1834,
com o fim da inquisição espanhola. Os casos mais famosos da caça às bruxas foram os
de Joana D’Arc e dos Cavaleiros templários.

Os estudiosos calculam que cerca de 40 mil a 100 mil pessoas foram mortas em
cinco séculos. Estima-se que 12 mil entre todos os julgamentos de bruxas na Europa
terminaram em execuções.

Inquisição Espanhola (1478 – 1834):

Em 1469, Fernando e Isabel, conhecidos como reis católicos, casaram-se em


um acordo que previa a unificação da Espanha como uma nação católica. O reino
espanhol, por muitos anos, esteve povoado por judeus e muçulmanos que influenciaram
a cultura e a fé dos moradores. Para unificar a Espanha na fé católica era necessário
tomar providências para promover o retorno à ortodoxia da Igreja. Foi com este
propósito que os reis pediram ao papa Sixto IV a criação da inquisição na Espanha que
foi instituída com a bula Exigit sincerae devotionis affectus, em novembro de 1478. O
alvo principal da inquisição eram os judeus convertidos, acusados de continuar a manter
práticas judaizantes. Diferentemente da inquisição medieval, o tribunal não estaria em
Roma, mas na Espanha, designado como Conselho da Suprema e Geral Inquisição. Os
membros da "Suprema" eram nomeados formalmente pelo papa, mas quem os escolhia
e dirigia era o rei da Espanha. O próprio nome de "Conselho", dado ao novo organismo,
já o caracterizava: na época, os conselhos eram órgãos do governo. A defesa da fé nos
reinos espanhóis estava perfeitamente conectada à questão da reconstrução da
unidade política e social do território, dividido em dois reinos, Castela e Aragão. A
colaboração mútua entre Igreja e Estado e o uso da religião como instrumento real se
tornaram cada vez mais evidentes.

Por muitos anos a convivência entre as diferentes religiões foi pacífica, porém,
com as reformas propostas de unificação do reino tornou-se indispensável a conversão
ao catolicismo pelo batismo. Por volta do final de século XIV, a hostilidade popular contra
os judeus se manifestou através de massacres indiscriminados. Muitos se salvaram
fugindo, outros se convertendo e praticando sua verdadeira religião às escondidas. Em
1391, em Sevilha, quatro mil judeus foram mortos em uma única noite. Os muçulmanos
e judeus não faziam parte da competência do tribunal da inquisição, no entanto, quando
se tornavam cristãos ingressavam na alçada inquisitorial e poderiam ser punidos como
hereges. Os convertidos eram chamados de “cristãos-novos”. Em 1482, o papa Sixto IV
posicionou-se contra alguns excessos da inquisição espanhola, porém, por pressão do
Rei Fernando, acabou cedendo.

Em 1485, alguns judeus convertidos assassinaram o inquisidor Pedro Arbués, o


que causou um recrudescimento da repressão. Finalmente, em 1492 os judeus foram
intimados a, no prazo de quatro meses, converterem-se ou deixarem o país. Saindo,
podiam levar poucos bens. Ouro, prata e outros objetos preciosos tinham a retirada do
território espanhol proibida. A alegação era de que suas riquezas tinham origem
reprovável, porque vinham da usura e da exploração dos cristãos. No dia 2 de agosto
de 1492, consumou-se a expulsão. Muitos partiram para a Itália, Turquia e norte da
África, boa parte se dirigiu a Portugal. Reduzidos à miséria muitos morreram no
caminho.

Os muçulmanos que continuaram na Espanha após a tomada de Granada, em


1492, foram obrigados aos poucos a aceitar o batismo ou sofrer o exílio. Muitos
costumes tradicionais muçulmanos tiveram que ser abandonados levando os mouros a
perda da sua identidade. Ficou proibido o uso das vestimentas árabes. Foram obrigados
a mudar seus regimes alimentares e de higiene corporal e não podiam fazer o jejum do
Ramadã, ou a circuncisão. O idioma árabe foi abolido. Em 4 de abril de 1609, a expulsão
dos muçulmanos foi decretada, concretizando-se paulatinamente até 1614. Calcula-se
que sofreram a medida uns trezentos mil mouriscos, o que acarretou graves prejuízos
para a economia espanhola, com queda da produção agrícola e do recolhimento de
impostos. Em pouco mais de um século, a Espanha liquidou duas das três grandes
culturas que lá conviviam.

Os cristãos tradicionais viam com maus olhos os conversos. Cresceu o


antissemitismo e a exigência de limpeza de sangue. Os cristãos velhos passaram a
discriminar os cristãos novos, proibindo o seu ingresso nas universidades, nas Ordens
militares e religiosas, e nos altos postos administrativos.

As regras de atuação da moderna Inquisição espanhola foram em linhas gerais


as mesmas da Inquisição medieval, começando com o "tempo da graça" até culminar
no auto de fé e a entrega do réu ao braço secular, na hipótese de merecer a pena de
morte. A tortura continuou admitida. As penas deviam ser ajustadas à gravidade dos
crimes. Era utilizado o sambenito, uma túnica, geralmente de cor amarela, ou negra
para os condenados à morte, com figuras diabólicas desenhadas. Havia também multas,
flagelação, peregrinações e o envio às galés na marinha real. O confisco de bens foi
amplamente utilizado em favor da Coroa, e dos gastos inquisitoriais. O mais famoso
inquisidor espanhol foi o dominicano Tomás de Torquemada (1420-1498). Foi confessor
da Rainha até ser nomeado inquisidor geral em 1483. O dominicano encontrou
oposições violentas à sua obra. Muitas vezes, nas cidades por onde passava,
autoridades e cidadãos se recusavam a acolhê-lo, e a população o insultava durante
seus sermões públicos. Estima-se que Torquemada mandou mais de dez mil hereges à
fogueira. A inquisição se ramificou por toda a Espanha e as "cortes" de itinerantes se
tornaram estáveis tribunais em todos os sentidos.

Com a Renascença, a secularização avançou, a imprensa se desenvolveu com


livros e panfletos difundindo novas ideias e a Igreja foi perdendo o seu monopólio da
cultura. As pessoas, que ansiavam por maior liberdade, não mais aceitavam
pacificamente a tutela clerical. Encantavam os ideais humanísticos que Erasmo
pregava, de renovação intelectual, cosmopolitismo, paz entre os cristãos, purificação
religiosa e teologia extraída diretamente das Escrituras, com retorno à simplicidade
evangélica original. Em 1578, foi publicada longa lista de erros iluministas, concitando
os fiéis a denunciarem pessoas que afirmavam ser suficiente a oração interna e
supérfluas as boas obras e o culto público. As penas mais aplicadas foram a de
flagelação e de aprisionamento. Os religiosos eram suspensos de ordens e obrigados a
cumprir penitências num convento. Livros com ideias heréticas foram proibidos. Livros,
aprovados previamente, deviam ter o Imprimatur da Igreja.

A fiscalização de livros nocivos atingia somente as pessoas mais cultas, portanto


a inquisição passou a fiscalizar também os comportamentos imorais, sobretudo os
ligados à sexualidade. A bigamia se rotulava como ato herético, porque significava
desprezo pelo sacramento do matrimônio. Os desvios sexuais em geral constituíam
"pecados abomináveis" e, por isso, eram severamente reprimidos. Contra a sodomia e
o homossexualismo, tanto a justiça comum como a inquisitorial do século XVI impunham
a fogueira. Depois, a punição abrandou para cem a duzentas chibatadas e o envio às
galés. Também o clero passou a ser severamente disciplinado, sendo estimulado que
os fiéis denunciassem os sacerdotes que tomassem atitudes impróprias.

Com a invasão francesa da Espanha, em 1808, Napoleão Bonaparte revogou


formalmente a inquisição, porém esta foi retomada quando seu irmão, José Bonaparte,
abdicou do trono espanhol. A inquisição se manteve viva e só foi efetivamente abolida
em 15 de julho de 1834, por decreto da rainha Isabel II.
Inquisição na América Espanhola:

A conquista da América Espanhola teve dois objetivos principais: aumentar a


extensão territorial do domínio espanhol e encontrar novos locais para a difusão do
catolicismo, que vinha perdendo adeptos na Europa para as religiões oriundas da
reforma protestante. Ao chegar ao território americano, a conversão e catequização dos
indígenas nativos foi prioridade. Entre 1522 e 1533 os primeiros missionários
franciscanos, dominicanos e agostinianos exerceram a chamada inquisição monástica.
No período de 1535 a 1571, houve a inquisição episcopal, executada pelos bispos.
Estas inquisições primitivas perseguiam os índios, que mesmo após serem batizados,
continuavam praticando seus rituais e cultuando seus deuses ancestrais. Os
inquisidores ordenavam a destruição de objetos dos cultos indígenas, considerados
pagãos e heréticos. Os índios eram chamados de “tenras plantas na fé” e considerados
inocentes, suscetíveis a serem enganados pelos falsos cristãos.

A criação de tribunais da Inquisição na América Espanhola teve, portanto, o


objetivo inicial de impedir a mistura de crenças e práticas islâmicas e judaicas com as
cristãs e proteger a pureza da fé dos indígenas recém convertidos. O Império espanhol
instaurou tribunais na Nova Espanha, hoje México e Lima, em 1571 e em 1610 em
Cartagena das Índias, atual Colômbia. O Conselho Geral da Santa Inquisição, com sede
em Madri, era o órgão central ao qual estavam subordinados. Todas as decisões,
julgamentos e punições eram de competência do tribunal sediado na capital, México. O
distrito inquisitorial abrangia uma enorme área que ia desde o estado do Novo México
nos Estados Unidos até Nicarágua e Filipinas. A distância, aliada com dificuldade de
comunicação e a incapacidade da população recém convertida de observar a ortodoxia
dificultava a atuação do tribunal e fez com que a inquisição na América espanhola
tivesse uma atuação restrita.

O Santo Ofício buscava heresias dos cristãos novos judaizantes, muitos


provenientes de Portugal, e protestantes, em geral piratas ingleses ou franceses, que
eram obrigados a se converter. Porém, a maioria das acusações era de blasfêmias,
profanações, pactos demoníacos, bigamia e feitiçaria. No final do século XVI foi
intensificada a perseguição aos cristãos novos que continuavam com práticas judaicas.
Quando julgados pela primeira vez e arrependidos recebiam penas pecuniárias ou
espirituais. Julgados pela segunda vez ou na primeira, se não confessassem, eram
torturados e condenados à morte na fogueira. O confisco de bens contribuiu para o
enriquecimento da Igreja e dos representantes da Coroa no local. Escravos negros
estabelecidos principalmente em Cartagena, foram frequentemente acusados de pactos
diabólicos. As mulheres negras ou mestiças, praticantes de cultos africanos eram
acusadas de bruxaria. Estas eram muito temidas, inclusive pelo clero.

No século XVIII, os ideais iluministas também começaram a ser combatidos,


porque não existia diferença entre a crítica ao poder temporal e ao religioso, que era
vista como um delito contra a ordem estabelecida por Deus. Com a invasão da Espanha
pelas tropas napoleônicas e a posterior independência das colônias espanholas, a
inquisição foi suprimida. A destruição de objetos das antigas culturas Maia e Asteca e a
substituição das crenças pelo catolicismo provocou o desaparecimento de grande parte
da riqueza cultural pré-hispânica. A perseguição e supressão dos ideais iluministas e
reformistas contribuiu para o clima conformista imposto à sociedade do vice-reino. A
inquisição conseguiu impor a fé católica na América, porém subsistiu uma religiosidade
sincrética.

A Inquisição em Portugal (1536- 1821):

D. Manuel, rei de Portugal casou-se com Isabel, a primogênita dos “reis


católicos”. Como consequência, em dezembro de 1496 foi promulgado um édito de
expulsão de todos os judeus do território português, tanto os que haviam ali se refugiado
após a expulsão da Espanha, quanto os que ali já viviam a tempos. Apenas os judeus
que se convertessem poderiam permanecer. Como poucos aceitaram a conversão o
soberano obrigou o batismo dos menores até vinte anos. No ano de 1498, oficialmente,
já não havia mais judeus em Portugal, porém muitos cristãos novos eram acusados de
continuar com prática judaizantes.

Após disputas e pressões entre Portugal e a Igreja de Roma, em 23 de maio de


1536, o papa Paulo III assinou a bula Cum ad nihhil magis, que criou a Inquisição
portuguesa. A bula nomeava três inquisidores, sendo que ao Rei D. João III caberia a
escolha do quarto inquisidor. Em 1539 o rei nomeou o próprio irmão, infante D.
Henrique, para inquisidor-mor que permaneceu no cargo até se tornar rei em 1578. O
propósito da inquisição seria principalmente combater o judaísmo dos cristãos novos,
abarcando também o luteranismo e islamismo, feitiçaria e bigamia. Três tribunais foram
instalados em Lisboa, Évora e Coimbra. Diferente dos espanhóis, os lusitanos só
criaram um tribunal inquisitorial fora do reino, em Goa, na Índia. O Brasil ficaria
subordinado ao tribunal de Lisboa. Acompanharam os julgamentos inquisitoriais as
medidas discriminatórias que impediam cristãos novos ou seus parentes de exercerem
cargos na administração pública, o acesso às universidades e ao corpo eclesiástico. O
filho e neto de condenados pela inquisição também ficavam impedidos de exercerem
diversos cargos importantes. Judeus ou muçulmanos que entrassem no reino deveriam
usar sinais nas vestes para que fossem identificados. Em meados do século XVI
começaram a ser instaurados processos contra os protestantes, geralmente
estrangeiros da França, Alemanha ou Inglaterra. O processo e os métodos de trabalho
da inquisição portuguesa foram semelhantes aos da Espanha, com autos de fé plenos
de teatralidade. O Marquês de Pombal, a partir de 1750, quando foi ministro do reino
português, iniciou várias reformas administrativas, econômicas e sociais. Representante
do despotismo esclarecido, procurou aumentar o poder do rei em detrimento do poder
da Igreja e nomeou seu irmão como inquisidor geral. Em 1773 aboliu a distinção entre
cristãos puros e cristãos novos e os atestados de limpeza de sangue e medidas
discriminatórias. Os autos de fé públicos foram proibidos e penas capitais não mais
ocorreriam a partir de 1761. Em 1769, Pombal declarou a Inquisição tribunal régio,
porém continuando a reprimir crimes religiosos. Com a demissão do ministro no reinado
da Rainha D. Maria em 1777, a Inquisição recobrou sua autonomia e algumas mudanças
estabelecidas por ele foram abolidas. A difusão dos ideais iluministas anticlericais, a
Revolução Francesa, crises econômicas, a ocupação do território português pelas
tropas napoleônicas francesas, foram minando o poder da inquisição, que foi encerrada
após a Revolução liberal com a promulgação da Constituição em 1821.

A inquisição no Brasil:

O Brasil não teve instaurado nenhum tribunal do Santo Ofício em seu território.
A ação da Inquisição aqui ocorreria por meio das visitações dos inquisidores e todos os
casos de heresia eram enviados e julgados no tribunal de Lisboa. O primeiro morador
da colônia a ser processado pelo Santo Ofício foi o rico donatário de Porto Seguro, Pero
do Campo, acusado, em 1546, de blasfemar contra a Igreja. Não foi condenado, mas
foi impedido de retornar ao Brasil. A primeira visita oficial do Santo Ofício ao Brasil foi
em 1591, sob a supervisão de Heitor Furtado. O mecanismo das visitações era uma
espécie de inquisição volante. Como resultado, centenas de acusações foram
formalizadas e algumas dezenas de processos instaurados. Os cristãos novos eram o
alvo principal e a heresia de criptojudaísmo, manutenção de costumes judaicos, a mais
procurada. Outras heresias como adesão ao luteranismo, sodomia, blasfêmia e feitiçaria
também foram reportadas.

A primeira visitação percorreu a Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba,


retornando em 1595. Foi durante essa visitação que foi descoberta a Santidade de
Jaguaripe, seita sincrética comandada pelo índio batizado Antônio que dizia incorporar
o ancestral Tamandaré e se proclamava Papa, nomeando santos e bispos e tinha como
uma de suas esposas uma índia chamada Santa Maria Mãe de Deus. O movimento foi
destruído em 1585 e vários colonos envolvidos com a Santidade foram processados
pela inquisição. A grande vítima da primeira visitação foi a família Antunes, cujo
patriarca, mesmo morto, foi acusado de ser rabino e seu engenho de ser uma sinagoga
clandestina. Ana Rodrigues, octagenária, foi enviada à Lisboa e condenada à fogueira,
porém, morreu na prisão em 1593. Foi queimada em efígie e teve sua memória
amaldiçoada. Seu retrato retornou ao Brasil e foi afixado à porta da igreja para servir de
exemplo. Casos de homossexuais masculinos e femininos também foram punidos com
açoites, trabalhos forçados e degredo.

As razões das visitações da inquisição são controversas. Anita Novinsky atribui


ao fato de muitos comerciantes e senhores de engenho que prosperavam serem
cristãos novos, sugerindo como motivação o confisco de seus bens. Outros atribuem a
apenas um fortalecimento da presença de Portugal em suas colônias.

A segunda visitação da inquisição de Lisboa foi enviada à Bahia entre 1618 e


1621, sob os cuidados de Marcos Teixeira. Alguns moradores baianos hereges foram
enviados à Lisboa. A motivação desta segunda visita parece ter sido a desconfiança
pela família Habsburgo, que reinava em Portugal, de que cristãos novos poderiam
favorecer a invasão de judeus holandeses. Em 1630, houve realmente uma invasão
holandesa em Pernambuco, que favoreceu a migração de judeus que trabalharam no
mercado açucareiro e que chegaram a construir duas sinagogas em Recife.

A última visitação foi tardia e enviada ao Grão-Pará. Realizada entre 1763 e


1769, na época de Pombal. Sua documentação envolve confissões de magia
envolvendo índios, não mais se preocupando com os judaizantes. O caso mais
conhecido de um brasileiro condenado à fogueira pela inquisição foi o do escritor e
dramaturgo Antônio José da Silva , conhecido por “O Judeu”, nome do romance
histórico que Camilo Castelo Branco escreveu sobre ele e que virou filme em 1995. A
inquisição no Brasil terminou com a extinção do Tribunal do Santo Ofício em Portugal.

A Inquisição romana (1542 – 1800)

O bispo Giovanni Pietro Carafa, não se conformava com a corrupção no centro


da Igreja e achava que os fiéis deviam ser comandados de forma enérgica. Foi
embaixador do Papa na Espanha por seis anos e acompanhou a inquisição espanhola.
Ele queria reformar a Igreja restaurando seus valores mais importantes. Para isso reuniu
a Ordem dos Teatinos no intuito de defender o poder da Igreja Romana e enfrentar
Lutero e todos os opositores da Igreja, dentro e fora dela. Carafa foi nomeado cardeal e
convenceu o Papa Paulo III de que era necessário eliminar os hereges criando uma
nova inquisição. A Inquisição romana foi a última a ser formada , por meio da bula Licet
ab initio, em 1542. O principal objetivo era combater a influência do protestantismo
sobre os Estados Italianos. A Inquisição passou a ser a instituição mais poderosa da
Igreja, surgindo como parte da Contrarreforma para introduzir maior controle de Roma
sobre todo o Cristianismo. Foram instituídos tribunais territoriais com jurisdição exclusiva
para todos os casos de heresia. Acima deles, foi fundado um organismo central com
sede em Roma, conhecido como Congregação do Santo Ofício, composto de sete
cardeais e sob o controle direto do pontífice, que participava de todas as sessões. O
organismo podia investigar também outros prelados e tinha jurisdição em todo o território
cristão, mas na verdade tratou principalmente das questões italianas. A forte
hierarquização do tribunal romano era semelhante à do espanhol e português. Trabalhar
nos tribunais inquisitoriais era uma honra e sinal de prestígio, ao servir ao rei, ao papa
e ao próprio Deus. O papa e os reis concediam privilégios àqueles que trabalhassem
nos tribunais ou contribuíssem com ele. Os privilégios incluíam indulgências plenárias,
isenção de impostos, porte de armas e jurisdição privada.

Além do inquisidor geral e dos inquisidores, assim como nas inquisições


espanhola e portuguesa, faziam parte do mecanismo do tribunal os chamados
familiares, cargos de baixa hierarquia compostos por civis com boa antecedência que
eram empregados pela inquisição como médicos, mensageiros, guardas, etc e muitas
vezes formavam verdadeiras redes de espionagem.

Durante a inquisição romana houve uma procupação muito grande com o


controle dos livros publicados e das ideias que propagavam. Portugal e Espanha já
vinham expedindo éditos com proibição de livros. Em 1555, Carafa se tornou o papa
Paulo IV. O arquiteto da inquisição em Roma, agora com todo o poder, perseguia todo
tipo de desvio, iniciando seu pontificado com uma bula instaurando a perseguição aos
judeus, que haviam sido protegidos pelos vinte e três papas anteriores. Os judeus foram
obrigados a viver em guetos murados e a se identificarem por chapéus e insígnias que
os distinguiam. Foi ordenado a recolhimento e incineração de todas as cópias do
Talmude existentes à época na região. Em 1557 os judeus foram proibidos de possuir
qualquer livro, exceto a Torá, o Antigo Testamento dos católicos.

Como uma tentativa de combater os ensinamentos do protestantismo que se


espalhava pela Europa, em 1559, durante o Concílio de Trento foi criado o Index
Librorum Prohibitorum. Obras de cunho filosófico, exotérico, científico e ficcionais foram
proibidas pela Igreja. Na lista figuraram Voltaire, Rousseau, Giordano Bruno, Descartes,
Galileu Galilei, Dante Alighieri, entre outros. A República de Veneza era um estado
independente e importante porto de acesso a países protestantes, além de principal
centro das publicações na Europa e por isso atraiu a inquisição, culminando em vários
processos e condenações. Em 1606, toda a cidade de Veneza foi excomungada.

Os exemplos mais famosos da inquisição romana foram Giordano Bruno e


Galileu Galilei, sendo que ambos foram condenados por suas publicações heréticas,
porém apenas Giordano, que se recusou a confessar a culpa, foi queimado. Galileu, que
defendia o modelo heliocêntrico de Copérnico, escapou da fogueira por ter negado que
estava defendendo em seus livros a veracidade da teoria, morrendo de velhice em
prisão domiciliar.

Por volta de 1718 alguns estados italianos começaram os processos para abolir
a prática da inquisição em seus territórios e em 1800, todos os tribunais italianos haviam
sido encerrados. Os franceses, partidários do iluminismo, que invadiram parte do
território italiano contribuíram para o fim da inquisição romana, além da desunião dos
estados italianos e da intervenção das entidades civis.

Conclusão:

No século XIX chega ao fim a Inquisição. Vários fatores sucessivos colaboraram


para a diminuição do poder da Igreja e fortalecimento do poder temporal. Napoleão
Bonaparte comandou o exército francês que invadiu a Itália em 1796. Em 1801 assinou
a Concordata de Paris, um acordo com o papa Pio VII atribuindo grandes poderes do
Estado sobre a Igreja. Aclamado imperador dos franceses em 1804, Napoleão invadiu
Portugal (1807) e Espanha (1808) interrompendo a inquisição na Península Ibérica, que
já se encontrava bastante enfraquecida pelas reformas do Marquês de Pombal em
Portugal. Bonaparte invadiu os Estados Pontifícios em 1808, aprisionando o papa Pio
VII e declarando os Estados Eclesiásticos como parte da França. Com o fim das guerras
napoleônicas em 1815, a Igreja retomou parte de seu poder e a inquisição retornou.
Durante o processo de unificação da Itália (1846 – 1860), o papa voltou a perder
territórios e poder. Os Estados Papais ficaram reduzidos à Roma e arredores. Em 1870,
durante a Guerra franco prussiana Roma foi invadida e declarada capital do reino da
Itália. Apenas em 1929, o Papa Pio XI e Benito Mussolini firmaram o Tratado de Latrão,
que tornou o Estado do Vaticano independente retornando à jurisdição pontifícia. A
perda do poder da Igreja aliada ao fortalecimento do poder secular e à popularização
dos ideais iluministas e anticlericais colocaram um fim à Inquisição, sendo a espanhola
a última a ser abolida.

Oficialmente o Santo Ofício da Inquisição continuou a existir até 1908, quando


foi substituído pela Congregação para a doutrina da fé, órgão que tem por finalidade
difundir a doutrina católica e defender os pontos de tradição católica que possam estar
em perigo como consequência de doutrinas novas não aceitáveis pela Igreja Católica.
O Index librorum prohibitorum, foi abolido em 1966 e a Congregação passou a ser o
órgão de análise das publicações em desacordo com a doutrina católica. Joseph
Ratzinger, posteriormente eleito papa Bento XVI, foi prefeito da Congregação de 1981
a 2005.

No ano de 2004, o papa João Paulo II, pela primeira vez, pediu perdão
oficialmente pelos abusos cometidos durante a inquisição por “erros cometidos a
serviço da verdade por meio do uso de métodos que não têm relação com a palavra do
Senhor”.

Nunca saberemos a real quantidade de pessoas que foi encarcerada, torturada


e morta durante os cerca de seiscentos anos de duração das diversas inquisições
promovidas pela Igreja Católica. Sabemos que foram dezenas de milhares. A busca da
unificação da fé e da pureza doutrinária ortodoxa e da salvação das almas foi a
justificativa para o uso de meios coercitivos e abusivos. A Igreja em geral se defende
alegando que os atos foram frutos de costumes da época e que já eram praticados
anteriormente pela justiça comum. Devemos analisar, porém, que Jesus também era
um homem de sua época e no entanto, pregava uma doutrina revolucionária de amor
ao próximo, de perdão das ofensas, de proteção aos mais fracos e vulneráveis. Melhor
do que justificar os erros é reconhecê-los e buscar o aprendizado para que mortes em
nome da fé nunca mais se repitam.

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LEWIS, Brenda Ralph. A história secreta dos papas: vício, assassinato e


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Europa, 2010.

NASCIMENTO, Vanessa da Silva. Os autos de fé no manual dos inquisidores.


In: Anais do III Encontro estadual de História: poder, cultura e diversidade na antiguidade
e medievo: Caetité, 2006.

NOVINSKY, Anita. A inquisição. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.

OPPERMANN, Álvaro. Cátaros: hereges, graças a Deus. In: Revista Super


Interessante. Sociedades Secretas. Novembro, 2008.

VAINFAS, Ronaldo. A inquisição e o cristão novo no Brasil colonial. In: P.R.


Pereira (org), Brasiliana da Biblioteca Nacional: guia das fontes sobre o Brasil. 1 ed. Rio
de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2002.

Sites visitados:

Jornal Folha de São Paulo. João Paulo II pede desculpas pela inquisição. Folha
on-line de 15 jun. 2004. Disponível em:
www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u73742.shtml, acessado em 15 jul. 2015.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo (1536 a 1821). Inquisição de Lisboa.


Disponível em: digitarq.arquivos.pt/details?id=2299704, acessado em: 15 jul. 2015.

Vídeos sugeridos:

History Channel. Arquivos Secretos da Inquisição - 1 Eliminando os hereges.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ouWwbq3eGaY

History Channel. Arquivos Secretos da Inquisição - 2 Lágrimas da Espanha.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lMm6Whb_zoE

History Channel. Arquivos Secretos da Inquisição - 3 Guerra contra ideias.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NwvNTKyIzMg

History Channel. Arquivos Secretos da Inquisição - 4 O fim da inquisição.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qFmflOObFHM
History Channel. Inquisição na América Latina. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=0hJyDTpWyPY

Filme “O Judeu” de 1995, dirigido por Jom Tob Azulay. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=UvB2LD9PGjI

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