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Iara C. Paiva
É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a
moeda, que é o meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e
outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares,
com muito mais razão os hereges, desde que comprovados tais, podem não somente
ser excomungados, mas também em toda a justiça ser condenados à morte (Santo
Tomás de Aquino- Summa Theologiae, II-II, q. 11, art. 3)
O catarismo era uma heresia dualista que defendia o duplo princípio do bem e
do mal, tendo como texto de referência o Evangelho de São João, considerado o único
escrito verdadeiro. O universo emanaria de dois princípios conflitantes: um bom e outro
ruim. Deus seria o espírito bom, e o mundo, por ele criado, seria povoado por seres
espirituais participantes da natureza divina. O mundo material seria fruto de uma força
puramente maligna. Os homens teriam a chance de alcançar a esfera espiritual pela via
da purificação. Para tanto, deveriam combater a carne que aprisionava o espírito. A
Igreja Cátara era formada por dois grupos distintos: pelos perfeitos ou eleitos, que
seriam os escolhidos para o encontro com o Deus bom, sendo o grupo de ministros
cátaros. E pelos crentes ou auditores que participavam na qualidade de ouvintes. Os
cátaros negavam a materialidade de Cristo, recusavam a eucaristia, opunham-se à
veneração aos santos, à oração aos mortos e aos sacramentos cristãos, pregavam uma
vida de ascese: pobreza voluntária, castidade, jejum. O toque das mãos dos perfeitos
era o único sacramento, e o pão que abençoavam era considerado sagrado e guardado
pelos seguidores pelo resto da vida. Acreditavam em um rito de passagem da vida
material para a espiritual, o consolamentum, celebrado nos momentos finais antes da
morte, que substituía uma vida inteira de dedicação aos cultos católicos e seus
sacramentos. A ordem dos freis pregadores, criada por Domingos de Gusmão em 1216,
exerceria um papel fundamental no combate a esse tipo de heresia por suas
características de pobreza, celibato e ascese, conjugadas a um profundo conhecimento
da ortodoxia e do uso de técnicas de pregação e conversão. O objetivo da ordem era
divulgar o Evangelho e sua ortodoxia e salvar a alma dos hereges. Com tal propósito,
os freis eram alfabetizados e treinados para divulgar a doutrina aceita e reconhecer as
heresias e seus adeptos.
A Inquisição Medieval:
Após dez anos, ocorreu a denúncia de que alguns cátaros ainda viviam entre a
população de Montaillou. Jaques Fournier revisitou os registros de Guidoni e reinstalou
a inquisição. Ele convocou a castelã Beatrice, que confessou ter conhecido os irmãos
Authier. Temendo ser chamada de novo, ela tentou fugir, mas foi capturada e presa. Os
objetos que levava a fizeram ser acusada de bruxaria. Entre eles, havia um pedaço de
pão seco, símbolo dos cátaros. Todos os habitantes foram interrogados até que Grazide
Lisier denunciou o padre como cátaro e amante de várias mulheres da cidade. Beatrice,
pressionada, confirmou as denúncias contra o padre Clerge. Jacques Fournier foi um
dos mais piedosos inquisidores, condenando à fogueira apenas cinco pessoas. Clerge
foi preso, mas não se sabe como morreu. Em janeiro de 1329 a inquisição mandou que
seus familiares exumassem seus ossos e seus restos foram incinerados em público
como um último ato de reprovação e vergonha. Beatrice e Grazide foram libertadas e
obrigadas a usar a cruz amarela, marca dos hereges. Em 1327 Fournier se tornou
cardeal e em 1334, Papa Bento XII. Ser inquisidor já se mostrava um fator de ascensão
na hierarquia da igreja e o Catarismo estava eliminado.
O Manual do Inquisidor:
A caça às bruxas:
A tese do Malleus era que a bruxaria existia e que era uma forma de heresia,
assim como negar sua existência era um comportamento herético. Seus autores,
Krämer e Spengler, foram dois teólogos dominicanos. O Malleus era dividido em três
partes: o fenômeno da bruxaria, a explicação dos métodos pelos quais se infligiam os
malefícios e de que modo poderiam ser curados e as medidas judiciais do tribunal
eclesiástico e civil a serem tomadas contra as bruxas e os hereges. Em 1490 o livro foi
proibido pela Igreja, porém, foi impresso até 1669 e tornou-se um verdadeiro best-seller
na época. Os julgamentos das bruxas continuaram por todo o século XV. Os sabás,
rituais de culto ao demônio eram descritos como festas onde as bruxas chegavam
voando, dançavam nuas, beijavam a nádega do demônio e praticavam orgias sexuais
com o diabo, que podia mudar de sexo. As bruxas recebiam uma marca no corpo que
por vezes ficava escondida. Ao procurarem bruxas, os cabelos e pelos do corpo eram
raspados na intenção de encontrar as marcas. Diziase que as bruxas tinham o dom da
insensibilidade física e a incapacidade de chorar. Em razão disso, suportavam, sem dor,
torturas intoleráveis. A caça às bruxas tornou-se uma gigantesca guerra do poder
masculino contra as mulheres e contra as últimas formas de matriarcado, demonstrando
um profundo sentimento misógino. Por exemplo, foi proibido ao gênero feminino auxiliar
o parto, entregando-o ao monopólio da casta masculina dos médicos. Homens e
personalidades de alta estirpe também foram condenados à fogueira, mas isso não
impediu que a grande maioria das vítimas fosse de mulheres pobres, muitas vezes à
margem da sociedade.
Os estudiosos calculam que cerca de 40 mil a 100 mil pessoas foram mortas em
cinco séculos. Estima-se que 12 mil entre todos os julgamentos de bruxas na Europa
terminaram em execuções.
Por muitos anos a convivência entre as diferentes religiões foi pacífica, porém,
com as reformas propostas de unificação do reino tornou-se indispensável a conversão
ao catolicismo pelo batismo. Por volta do final de século XIV, a hostilidade popular contra
os judeus se manifestou através de massacres indiscriminados. Muitos se salvaram
fugindo, outros se convertendo e praticando sua verdadeira religião às escondidas. Em
1391, em Sevilha, quatro mil judeus foram mortos em uma única noite. Os muçulmanos
e judeus não faziam parte da competência do tribunal da inquisição, no entanto, quando
se tornavam cristãos ingressavam na alçada inquisitorial e poderiam ser punidos como
hereges. Os convertidos eram chamados de “cristãos-novos”. Em 1482, o papa Sixto IV
posicionou-se contra alguns excessos da inquisição espanhola, porém, por pressão do
Rei Fernando, acabou cedendo.
A inquisição no Brasil:
O Brasil não teve instaurado nenhum tribunal do Santo Ofício em seu território.
A ação da Inquisição aqui ocorreria por meio das visitações dos inquisidores e todos os
casos de heresia eram enviados e julgados no tribunal de Lisboa. O primeiro morador
da colônia a ser processado pelo Santo Ofício foi o rico donatário de Porto Seguro, Pero
do Campo, acusado, em 1546, de blasfemar contra a Igreja. Não foi condenado, mas
foi impedido de retornar ao Brasil. A primeira visita oficial do Santo Ofício ao Brasil foi
em 1591, sob a supervisão de Heitor Furtado. O mecanismo das visitações era uma
espécie de inquisição volante. Como resultado, centenas de acusações foram
formalizadas e algumas dezenas de processos instaurados. Os cristãos novos eram o
alvo principal e a heresia de criptojudaísmo, manutenção de costumes judaicos, a mais
procurada. Outras heresias como adesão ao luteranismo, sodomia, blasfêmia e feitiçaria
também foram reportadas.
Por volta de 1718 alguns estados italianos começaram os processos para abolir
a prática da inquisição em seus territórios e em 1800, todos os tribunais italianos haviam
sido encerrados. Os franceses, partidários do iluminismo, que invadiram parte do
território italiano contribuíram para o fim da inquisição romana, além da desunião dos
estados italianos e da intervenção das entidades civis.
Conclusão:
No ano de 2004, o papa João Paulo II, pela primeira vez, pediu perdão
oficialmente pelos abusos cometidos durante a inquisição por “erros cometidos a
serviço da verdade por meio do uso de métodos que não têm relação com a palavra do
Senhor”.
Bibliografia:
Sites visitados:
Jornal Folha de São Paulo. João Paulo II pede desculpas pela inquisição. Folha
on-line de 15 jun. 2004. Disponível em:
www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u73742.shtml, acessado em 15 jul. 2015.
Vídeos sugeridos:
Filme “O Judeu” de 1995, dirigido por Jom Tob Azulay. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=UvB2LD9PGjI