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A missão social da igreja

“Bem-aventurado é aquele que atende ao pobre; o Senhor o livrará no dia do mal” (Sl 41.1).

O engajamento da igreja no serviço social, socorrendo os pobres em suas diversas


necessidades, diferente do que pensam muitos, não é um desvio de sua missão, mas parte
intrínseca dela. Segundo podemos inferir da Palavra de Deus, a igreja tem a obrigação (não a
opção) de minorar o sofrimento humano, seguindo assim o exemplo de seu grande Mestre (At
10. 38, Lc 4.18; ver Tg 1.27). Muito boa esta oportunidade em que trataremos da
responsabilidade social da igreja de Cristo.

MEIOS DE SE EXERCER A RESPONSABILIDADE SOCIAL

No livro Ação Social Cristã, o pr. Hélcio da Silva Lessa classifica a responsabilidade social em
três categorias: assistência social, serviço social e ação social. Para melhor compreensão da
aula, vamos ver sucintamente a definição de cada uma delas.

Assistencialismo. Conhecido como assistencialismo ou paternalismo, busca atender às


necessidades emergentes das pessoas. A pessoa atendida, objeto da ação, encontra-se numa
situação de total dependência e, mesmo havendo o suprimento de suas necessidades, as suas
carências continuam.

Serviço Social. Aqui, a pessoa carente recebe condição para interagir e melhorar sua situação,
recuperando a dignidade e confiança. Projetos sociais tendo como alvo o ensino, a orientação,
o apoio, as profissionalizações promovem a capacitação do indivíduo a fim de que este se
torne responsável pela solução de seus problemas.

Ação Social. Procura transformar as estruturas da sociedade, buscando a criação de bases mais


justas. Neste sentido, é muito importante que seja criada uma consciência cívica no meio
evangélico, que leve cristãos aos órgãos públicos que estão diretamente relacionados com a
infraestrutura sócio política do país (do Manual de Ação Social/ Igreja Metodista).
A BÍBLIA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

No Antigo Testamento (Dt 15.10,11). Havia na comunidade israelita do antigo Testamento um


profundo senso de responsabilidade social como resultado da obediência à Palavra de Deus
que determinava que os pobres, estrangeiros, viúvas e órfãos fossem assistidos e socorridos
em suas necessidades básicas (Dt 15.7-10; Lv 19.10; 23.22; Ex 23.11). Vejamos como Deus, que
nunca deixou de se preocupar com a dignidade humana, estabeleceu medidas econômicas e
sociais para o seu povo, visando relações justas entre eles.

O ano sabático (Lv 25.1-17). A cada sete anos, o solo deveria ser liberado para descanso e
renovação da terra, os escravos seriam libertados, os endividados, perdoados e os
trabalhadores tinham direito a descanso. Outrossim: os pobres tinham o direito de colher por
si mesmo do fruto da terra (23.10,11).

A lei do jubileu (Lv 25.8-34). Entre outras coisas, determinava que, a cada cinquenta anos, (1)
os escravos seriam libertados; (2) todas as dívidas seriam perdoadas; (3) as terras seriam
devolvidas aos seus antigos donos. Essas medidas evitavam a concentração de riquezas (diga-
se de terra), promoviam a redistribuição dos meios de produção e evitavam situações
extremas de dívidas, pobrezas, desapropriação e miséria.

Dízimos e colheitas (Dt 14.22-29; Lv 19.9,10). Os dízimos de toda a produção agrícola se


destinavam, entre outras coisas, para o sustento dos órfãos, viúvas e estrangeiros. Em relação
a colheita, a palavra de Deus determinava: “E quando segardes a sega da vossa terra, não
acabarás de segar os cantos do teu campo, nem colherás as espigas caídas da tua sega; para o
pobre e para o estrangeiro as deixarás...” (Lv 23. 22). Tais procedimentos protegiam os
estrangeiros e evitavam a pobreza extrema no meio do povo. Rute, nora de Noemi, foi
beneficiada por esta lei (Rt 2.2,3).

No Novo Testamento (Mt 26.11; Gl 2.10). Na palestina do Novo Testamento, a situação


socioeconômica da maioria das pessoas era deplorável. É tanto que os necessitados acorriam,
aos borbotões, à presença do homem de Nazaré, a fim de serem ajudados, muitos apenas para
matar a fome (Jo 6.26). Eles eram pobres, enfermos, deficientes físicos, viúvas, crianças,
idosos, desamparados, desabrigados e maltratados (Lc 14.13,14).

O exemplo de Jesus. Jesus foi, sem dúvida, o maior exemplo de preocupação e auxílio aos
necessitados. Seus ensinos e obras o demonstraram. Uma de suas ricas parábolas é a do bom
samaritano, o bondoso homem que arriscou sua vida para cuidar de um necessitado
desconhecido, com quem nem o sacerdote nem o levita se importaram (Lc 10.25-37). Essa
parábola ainda hoje exerce grande influência nas civilizações. Em outra parábola – sobre as
ovelhas e os bodes – Jesus se identifica tanto com os pobres a ponto de dizer: “O que vocês
fizeram a um destes pequeninos irmãos [os pobres necessitados], a mim o fizeram” (Mt 25.40).
Ele não podia ver os miseráveis sem se compadecer (Mt 9.36; 14.14; 20.34; Mc 10.45). Uma
vez, chegou a convidar um homem rico a vender tudo que tinha e dar aos pobres (Mt 19.21).
Jesus encarnou o amor e preocupação de Deus com os pobres tão nitidamente manifesta no
Antigo Testamento. A sua compaixão com os miseráveis responde a uma pergunta que é
constante no coração de quem sofre: “Deus se importa? ” Jesus responde que sim.

“Jesus se preocupou com o homem enquanto unidade física-psiquica-espiritual. Ele curou,


ensinou, salvou, consolou. Cuidou do ser humano por inteiro, rejeitando totalmente a visão
grega que valoriza a dimensão espiritual em detrimento da material. A prática de Jesus segue
uma seqüência marcada pelo ver, sentir e agir. Nesse sentido, é interessante notar que nos
vários encontros de Jesus com as pessoas, indivíduos ou grupos, a ação de Jesus foi marcada
por uma completa coerência com seus ensinos. Por isso Pedro apresenta Jesus como ‘aquele
que andou fazendo o bem”’ (Manual de Ação Social / Igreja Metodista Livre /
www.metodistalivre.org.br).

O exemplo da igreja primitiva. Ainda que vamos tratar mais detalhadamente sobre a igreja
primitiva no próximo tópico, vale acrescentar aqui que aquela igreja seguiu em tudo o exemplo
de Jesus no seu cuidado para com os necessitados. Segundo a narrativa de Lucas, uma ação
usual entre os primeiros cristãos era a partilha de bens para atender os mais necessitados (At
2.44,45; 4.34,35). Alguns irmãos, voluntariamente, vendiam suas propriedades para suprir as
necessidades dos mais carentes. Por isso, “todos os que criam estavam juntos e tinham tudo
em comum... não havia entre eles necessitado algum” (At 2.44; 4.34).

O incentivo apostólico. Os apóstolos, nas cartas que escreveram às várias congregações,


também incentivaram o compromisso social cristão. Paulo trata da liberdade da contribuição (I
Co 9.7) e elogia os macedônios por darem na medida de suas posses e ainda acima delas (II C
8.3). Tiago fala da assistência aos necessitados como característica inerente à religião pura (Tg
1.27) e condena abertamente os ricos que oprimem os pobres (Tg 5.1-6). João fala do socorro
aos necessitados como a materialização da caridade de Deus em nós (1 Jo 3.17,18).

A IGREJA PRIMITIVA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

Como não poderia ser diferente, a igreja primitiva seguiu o exemplo de Jesus, seu Mestre. A
grande sensibilidade de Jesus para com as necessidades humanas, vemo-la agora nas ações
daquela primeira comunidade cristã, traduzida no cuidado de uns para com os outros. Após o
grande despertamento promovido pela descida do Espírito Santo (At 2), os discípulos do
Senhor anunciaram veementemente o Evangelho, o que resultou num crescimento frenético
do número de fiéis, os quais se organizaram numa comunidade fiel, calcada na doutrina, na
comunhão, fraternidade e oração (At 2.42; 4.31; 5.42). Aqueles discípulos souberam conjugar a
prática da evangelização com a prática do serviço social, esta última, parte integrante daquela.

Doutrina dos apóstolos. “E perseveravam na doutrina dos apóstolos”. Compreende-se por


“doutrina dos apóstolos” o conjunto de ensinamentos que Jesus passou para os doze
apóstolos nos seus três anos de ministério. O Espírito santo estaria encarregado de fazê-los
lembrar de tudo o que ouviram (Jo 14.26). Nos seus últimos dias de ministério terreno, a
ênfase de Cristo recai sobre dois assuntos imprescindíveis à vida da igreja: evangelização e
amor ao próximo (Mc 16.15-19; Mt 28.18,19; Lc 24.47,48; Jo 13.12-15; 34,35; 15.12,17). Foi
nessa doutrina que a igreja perseverou, o que é a causa do seu extraordinário êxito.
Comunhão. Lucas nos conta que o primeiro discípulo de Cristo “perseveravam na
comunhão...e era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa
alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns” (At 2.42, 44-
46; 4.32-35). Comunhão significa partilhar juntos do mesmo propósito. Como bem expressou o
comentarista da lição em apreço, “ [comunhão] é relacionamento íntimo e fraternal entre os
irmãos”. Essa foi uma marca da igreja primitiva, que se traduzia na forte sensibilidade dos
crentes pelas necessidades uns dos outros.

Solidariedade. “E perseveravam no partir do pão”. *Em Atos 2.42, pode referir-se tanto às
refeições comuns quanto à ceia do Senhor. Era costume, entre os judeus, representar a
comunhão entre as pessoas, segurando com as mãos o pão e partido-o em pedaços, em vez de
corta-lo (Lc 22.19; 1 Co 11.24). Era um ato de fraternidade e solidariedade entre irmãos. Essa
prática sugere a necessidade de a igreja partilhar, por meio do serviço social, o pão material
com os necessitados.

Oração. “E perseveravam na oração”. Os crentes primitivos estavam juntos também em


oração. Eles estavam em um mesmo espírito, fé e amor, por isso havia uma assídua
participação nas reuniões de oração. A oração em conjunto também é uma maneira de
desfrutar da comunhão. As crentes podem orar pelos problemas da comunidade à sua volta e
pelas necessidades uns dos outros. Essa era uma prática constante na igreja primitiva.

IGREJA E SENSO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL.

Para a igreja primitiva, atender às necessidades dos mais pobres não era uma opção, era uma
necessidade. O amor de Deus, derramado no coração dos crentes, os constrangia. No entender
do apóstolo João, “Conhecemos a caridade nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós
devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens do mundo e, vendo o seu irmão
necessitado, lhe cerrar o seu coração, como estará nele a caridade de Deus?” (1 Jo 3.16,17).
Logo, a o senso de responsabilidade social daquela igreja não era o resultado de plebiscito que
optou por assim fazer, mas era o resultado de valores espirituais e morais profundamente
arraigados naquela comunidade cristã.

A igreja era caridosa (At 2.45). A caridade é o amor em ação. É o fruto do Espírito (Gl 4.22). A
igreja era - e ainda deveria ser - a materialização do amor de Deus. Lucas nos conta que
aqueles primeiros crentes “vendiam suas propriedades e fazendas e repartiam com todos,
segundo cada um tinha necessidade”. Era muito mais que palavras. Era ação. O apóstolo João,
mais tarde, lembraria aqueles dias na sua carta universal, ao dizer: “Meus filhinhos, não
amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade”. Alguém disse certa vez que
as pessoas podem até duvidar daquilo que você diz, mas nunca daquilo que você faz. A igreja
daqueles dias era uma igreja que fazia, por isso caía na graça de todo o povo (At 2.47).

Consciência das necessidades materiais dos cristãos (At 11.27-30). Lucas relata a profecia de
Ágabo acerca da grande fome que viria sobre todo o mundo, o que, de fato, ocorreu no
governo de Cláudio César entre 45 e 54 d.C. Esse fato também é relatado pelo historiador
judeu Flávio Josefo. Agora, a igreja de Jerusalém padecia de grande necessidade. A igreja de
Antioquia não perde tempo. Está consciente de suas das necessidades de seus irmãos e de
suas responsabilidades. Por mãos de Paulo e Barnabé, os discípulos antioquenses mandaram,
cada um conforme o que pudesse, socorro aos irmãos em Jerusalém. Em outras passagens
bíblicas, vemos Paulo levantando ofertas na Acaia e na Galácia para suprir as necessidades
daqueles irmãos (Rm 15.26; 1 Co 16.1-3).

A igreja primitiva cumpria sua missão social. * A igreja não apenas pregava o Evangelho, mas
também atendia àqueles que necessitavam de socorro físico e material. Os seguintes princípios
devem nortear o serviço social da igreja:

Mutualidade – isto é, ser generoso, recíproco, solidário.

Responsabilidade – trata-se de privilégio e não obrigação (2 Co 8.4; 9.7).

Proporcionalidade – contribuição de acordo com as possibilidades individuais (2 Co 9.6,7)

CONCLUSÃO

A preocupação com o bem-estar da pessoa humana é uma constante na Palavra de Deus,


desde os dias do Antigo Testamento (Lv 23.22; Dt 15.11; Sl 41.1). No Novo Testamento, se
evidencia de forma gritante nas ações de Jesus, o qual andou fazendo o bem e libertando
todos os oprimidos (Lc 4.18; At 10.38). Finda a sua missão terrena, o Filho de Deus transferiu à
sua igreja, como parte de sua missão, o cuidado com os pobres ao dizer “Assim como o Pai me
enviou, eu vos envio a vós”. Uma igreja que apenas se importa com a salvação da alma, não
atentando para as outras necessidades básicas dos pecadores, sem dúvida é uma igreja que
não tem consciência de sua real missão.

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