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A missão social da igreja

(At 4:33-35).
O engajamento da igreja no serviço social, socorrendo os pobres em suas diversas
necessidades, diferente do que pensam muitos, nã o é um desvio de sua missã o,
mas parte intrínseca dela. Segundo podemos inferir da Palavra de Deus, a igreja
tem a obrigaçã o (nã o a opçã o) de minorar o sofrimento humano, seguindo assim
o exemplo de seu grande Mestre (At 10. 38, Lc 4.18; ver Tg 1.27). Muito boa esta
oportunidade em que trataremos da responsabilidade social da igreja de Cristo.

A BÍBLIA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL


1. No Antigo Testamento (Dt 15.10,11).
Havia na comunidade israelita do antigo Testamento um profundo senso de
responsabilidade social como resultado da obediência à Palavra de Deus que
determinava que os pobres, estrangeiros, viú vas e ó rfã os fossem assistidos e
socorridos em suas necessidades bá sicas (Dt 15.7-10; Lv 19.10; 23.22; Ex 23.11).
Vejamos como Deus, que nunca deixou de se preocupar com a dignidade humana,
estabeleceu medidas econô micas e sociais para o seu povo, visando relaçõ es
justas entre eles.
O ano sabático (Lv 25.1-17). A cada sete anos, o solo deveria ser liberado para
descanso e renovaçã o da terra, os escravos seriam libertados, os endividados,
perdoados e os trabalhadores tinham direito a descanso. Outrossim: os pobres
tinham o direito de colher por si mesmo do fruto da terra (23.10,11).
A lei do jubileu (Lv 25.8-34). Entre outras coisas, determinava que, a cada
cinquenta anos, (1) os escravos seriam libertados; (2) todas as dívidas seriam
perdoadas; (3) as terras seriam devolvidas aos seus antigos donos. Essas
medidas evitavam a concentraçã o de riquezas (diga-se de terra), promoviam a
redistribuiçã o dos meios de produçã o e evitavam situaçõ es extremas de dívidas,
pobrezas, desapropriaçã o e miséria.
Dízimos e colheitas (Dt 14.22-29; Lv 19.9,10). Os dízimos de toda a produçã o
agrícola se destinavam, entre outras coisas, para o sustento dos ó rfã os, viú vas e
estrangeiros. Em relaçã o a colheita, a palavra de Deus determinava (Lv 23. 22).
Tais procedimentos protegiam os estrangeiros e evitavam a pobreza extrema no
meio do povo. Rute, nora de Noemi, foi beneficiada por esta lei (Rt 2.2,3).
2. No Novo Testamento (Mt 26.11; Gl 2.10).
Na palestina do Novo Testamento, a situaçã o só cio-econô mica da maioria das
pessoas era deplorá vel. É tanto que os necessitados acorriam, aos borbotõ es, à
presença do homem de Nazaré, a fim de serem ajudados, muitos apenas para
matar a fome (Jo 6.26). Eles eram pobres, enfermos, deficientes físicos, viú vas,
crianças, idosos, desamparados, desabrigados e maltratados (Lc 14.13,14).
O exemplo de Jesus. Jesus foi, sem dú vida, o maior exemplo de preocupaçã o e
auxílio aos necessitados. Seus ensinos e obras o demonstraram. Uma de suas
ricas pará bolas é a do bom samaritano, o bondoso homem que arriscou sua vida
para cuidar de um necessitado desconhecido, com quem nem o sacerdote nem o
levita se importaram (Lc 10.25-37). Essa pará bola ainda hoje exerce grande
influência nas civilizaçõ es. Jesus encarnou o amor e preocupação de Deus com os
pobres tã o nitidamente manifesta no Antigo Testamento. A sua compaixã o com os
miserá veis responde a uma pergunta que é constante no coraçã o de quem sofre:
“Deus se importa?” Jesus responde que sim.
“Jesus se preocupou com o homem enquanto unidade física-psiquica-espiritual. Ele
curou, ensinou, salvou, consolou. Cuidou do ser humano por inteiro, rejeitando
totalmente a visão grega que valoriza a dimensão espiritual em detrimento do
material. A prá tica de Jesus segue uma sequência marcada pelo ver, sentir e agir.
Nesse sentido, é interessante notar que nos vá rios encontros de Jesus com as
pessoas, indivíduos ou grupos, a açã o de Jesus foi marcada por uma completa
coerência com seus ensinos. Por isso Pedro apresenta Jesus como ‘aquele que
andou fazendo o bem”’
O exemplo da igreja primitiva. Ainda que vamos tratar mais detalhadamente
sobre a igreja primitiva no pró ximo tó pico, vale acrescentar aqui que aquela
igreja seguiu em tudo o exemplo de Jesus no seu cuidado para com os
necessitados. Segundo a narrativa de Lucas, uma açã o usual entre os primeiros
cristã os era a partilha de bens para atender os mais necessitados (At 2.44,45;
4.34,35). Alguns irmã os, voluntariamente, vendiam suas propriedades para
suprir as necessidades dos mais carentes. Por isso, “todos os que criam estavam
juntos e tinham tudo em comum... nã o havia entre eles necessitado algum” (At
2.44; 4.34).
O incentivo apostólico. Os apó stolos, nas cartas que escreveram à s vá rias
congregaçõ es, também incentivaram o compromisso social cristã o. Paulo trata da
liberdade da contribuiçã o (I Co 9.7) e elogia os macedô nios por darem na medida
de suas posses e ainda acima delas (II C 8.3). Tiago fala da assistência aos
necessitados como característica inerente à religiã o pura (Tg 1.27) e condena
abertamente os ricos que oprimem os pobres (Tg 5.1-6). Joã o fala do socorro aos
necessitados como a materializaçã o da caridade de Deus em nó s (1 Jo 3.17,18).

A IGREJA PRIMITIVA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL


Como nã o poderia ser diferente, a igreja primitiva seguiu o exemplo de Jesus, seu
Mestre. A grande sensibilidade de Jesus para com as necessidades humanas,
vemo-la agora nas açõ es daquela primeira comunidade cristã , traduzida no
cuidado de uns para com os outros. Apó s o grande despertamento promovido
pela descida do Espírito Santo (At 2), os discípulos do Senhor anunciaram
veementemente o Evangelho, o que resultou num crescimento frenético do
nú mero de fiéis, os quais se organizaram numa comunidade fiel, calcada na
doutrina, na comunhã o, fraternidade e oraçã o (At 2.42; 4.31; 5.42). Aqueles
discípulos souberam conjugar a prá tica da evangelizaçã o com a prá tica do serviço
social, esta ú ltima, parte integrante daquela.
Doutrina dos apóstolos. “E perseveravam na doutrina dos apó stolos”.
Compreende-se por “doutrina dos apó stolos” o conjunto de ensinamentos que
Jesus passou para os doze apó stolos nos seus três anos de ministério. O Espírito
santo estaria encarregado de fazê-los lembrar de tudo o que ouviram (Jo 14.26).
Nos seus ú ltimos dias de ministério terreno, a ênfase de Cristo recai sobre dois
assuntos imprescindíveis à vida da igreja: evangelizaçã o e amor ao pró ximo (Mc
16.15-19; Mt 28.18,19; Lc 24.47,48; Jo 13.12-15; 34,35; 15.12,17). Foi nessa
doutrina que a igreja perseverou, o que é a causa do seu extraordiná rio êxito.
Comunhão. Lucas nos conta que os primeiros discípulo de Cristo “perseveravam
na comunhã o...e era um o coraçã o e a alma da multidã o dos que criam, e ninguém
dizia que coisa alguma do que possuía era sua pró pria, mas todas as coisas lhes
eram comuns” (At 2.42, 44-46; 4.32-35). Comunhã o significa partilhar juntos do
mesmo propó sito. Como bem expressou o comentarista da liçã o em apreço, “
[comunhã o] é relacionamento íntimo e fraternal entre os irmã os”. Essa foi uma
marca da igreja primitiva, que se traduzia na forte sensibilidade dos crentes pelas
necessidades uns dos outros.
Solidariedade. “E perseveravam no partir do pã o”. *Em Atos 2.42, pode referir-
se tanto à s refeiçõ es comuns quanto à ceia do Senhor. Era costume, entre os
judeus, representar a comunhã o entre as pessoas, segurando com as mã os o pã o
e partido-o em pedaços, em vez de corta-lo (Lc 22.19; 1 Co 11.24). Era um ato de
fraternidade e solidariedade entre irmã os. Essa prá tica sugere a necessidade de a
igreja partilhar, por meio do serviço social, o pã o material com os necessitados.
Oração. “E perseveravam na oraçã o”. Os crentes primitivos estavam juntos
também em oraçã o. Eles estavam em um mesmo espírito, fé e amor, por isso
havia uma assídua participaçã o nas reuniõ es de oraçã o. A oraçã o em conjunto
também é uma maneira de desfrutar da comunhã o. Os crentes podem orar pelos
problemas da comunidade à sua volta e pelas necessidades uns dos outros. Essa
era uma prá tica constante na igreja primitiva.

IGREJA E SENSO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL.


Para a igreja primitiva, atender à s necessidades dos mais pobres nã o era uma
opçã o, era uma necessidade. O amor de Deus, derramado no coraçã o dos crentes,
os constrangia. No entender do apó stolo Joã o, “Conhecemos a caridade nisto: que
ele deu a sua vida por nó s, e nó s devemos dar a vida pelos irmã os. Quem, pois,
tiver bens do mundo e, vendo o seu irmã o necessitado, lhe cerrar o seu coraçã o,
como estará nele a caridade de Deus?” (1 Jo 3.16,17). Logo, a o senso de
responsabilidade social daquela igreja nã o era o resultado de plebiscito que
optou por assim fazer, mas era o resultado de valores espirituais e morais
profundamente arraigados naquela comunidade cristã .
A igreja era caridosa (At 2.45). A caridade é o amor em açã o. É o fruto do
Espírito (Gl 4.22). A igreja era - e ainda deveria ser - a materializaçã o do amor de
Deus. Lucas nos conta que aqueles primeiros crentes “vendiam suas
propriedades e fazendas e repartiam com todos, segundo cada um tinha
necessidade”. Era muito mais que palavras. Era açã o. O apó stolo Joã o, mais tarde,
lembraria aqueles dias na sua carta universal, ao dizer: “Meus filhinhos, nã o
amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade”. Alguém disse
certa vez que as pessoas podem até duvidar daquilo que você diz, mas nunca
daquilo que você faz. A igreja daqueles dias era uma igreja que fazia, por isso caía
na graça de todo o povo (At 2.47).
Consciência das necessidades materiais dos cristãos (At 11.27-30). Lucas
relata a profecia de Á gabo acerca da grande fome que viria sobre todo o mundo, o
que, de fato, ocorreu no governo de Clá udio César entre 45 e 54 d.C. Esse fato
também é relatado pelo historiador judeu Flá vio Josefo. Agora, a igreja de
Jerusalém padecia de grande necessidade. A igreja de Antioquia nã o perde tempo.
Está consciente de suas das necessidades de seus irmã os e de suas
responsabilidades. Por mã os de Paulo e Barnabé, os discípulos antioquenses
mandaram, cada um conforme o que pudesse, socorro aos irmã os em Jerusalém.
Em outras passagens bíblicas, vemos Paulo levantando ofertas na Acaia e na
Galá cia para suprir as necessidades daqueles irmã os (Rm 15.26; 1 Co 16.1-3).
A igreja primitiva cumpria sua missão social. * A igreja nã o apenas pregava o
Evangelho, mas também atendia àqueles que necessitavam de socorro físico e
material. Os seguintes princípios devem nortear o serviço social da igreja:
 Mutualidade – isto é, ser generoso, recíproco, solidá rio.
 Responsabilidade – trata-se de privilégio e nã o obrigaçã o (2 Co 8.4; 9.7).
 Proporcionalidade – contribuiçã o de acordo com as possibilidades
individuais (2 Co 9.6,7).
CONCLUSÃO
A preocupaçã o com o bem-estar da pessoa humana é uma constante na Palavra
de Deus, desde os dias do Antigo Testamento (Lv 23.22; Dt 15.11; Sl 41.1). No
Novo Testamento, se evidencia de forma gritante nas açõ es de Jesus, o qual andou
fazendo o bem e libertando todos os oprimidos (Lc 4.18; At 10.38). Finda a sua
missã o terrena, o Filho de Deus transferiu à sua igreja, como parte de sua missã o,
o cuidado com os pobres ao dizer “Assim como o Pai me enviou, eu vos envio a
vó s”. Uma igreja que apenas se importa com a salvaçã o da alma, nã o atentando
para as outras necessidades bá sicas dos pecadores, sem dú vida é uma igreja que
nã o tem consciência de sua real missã o.

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