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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética


3ª Semana Brasileira de Catequese
Itaici-SP, 6 a 11 de outubro de 2009

A DIMENSÃO MISSIONÁRIA DA CATEQUESE

Marlene dos Santos, CF *

A realidade da civilização em mudança na qual estamos inseridos convoca-nos a um novo


modo de viver o discipulado de Jesus Cristo e exige, portanto, um novo modo de formar os discípulos
missionários. A “catequese, caminho para o discipulado”, é um ato essencialmente eclesial (cf. DNC,
n. 233). E, dado que o espírito e o compromisso missionário perpassam transversalmente toda a
atividade eclesial1, ela deve estar imbuída desse espírito tanto em seu jeito de fazer, quanto em seu
conteúdo, de modo que leve os discípulos a sentir arder o coração (cf. Lc 24,32), e assumirem com
alegria, coragem, dinamismo, o compromisso missionário como cristãos e cidadãos conscientes,
inseridos na comunidade eclesial e comprometidos com a construção de uma sociedade justa, fraterna,
solidária, sinais concretos do Reino de Deus entre nós.
Buscando luzes, motivação e pistas para uma catequese que forme discípulos missionários,
vamos tratar, neste texto, da dimensão missionária da catequese.

1. O sentido de Missão segundo Jesus Cristo


Partimos da fonte das fontes: Jesus Cristo. Ele é o missionário por excelência! João nos diz
que “Deus amou tanto o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que creia n’Ele não
pereça, mas tenha vida eterna. Deus não enviou seu filho ao mundo para condena-lo, mas para salva-lo
por meio d’Ele (Jo 3,16-17). Pelo amor gratuito do Pai, o Filho encarnou-se por obra do Espírito Santo
no ventre de Maria. E quando o Anjo Gabriel anunciou a Maria que ela havia sido escolhida para ser a
mãe deste Filho de Deus, ele lhe comunica o seu nome: Jesus, que significa “Deus Salva” (cf. Lc 1,
26-38). A Carta aos Hebreus diz que o Filho de Deus ao entrar neste mundo disse ao Pai: “Tu não
quiseste holocausto e oferta pelo pecado. Em vez disso, tu me deste um corpo. Holocaustos e
sacrifícios não são do teu agrado. Por isso eu disse: Eis-me aqui, ó Deus – no rolo do Livro está escrito
a meu respeito – para fazer a tua vontade” (Hb 10, 5-7).
A prática missionária de Jesus concretiza-se no anúncio do Reino de Deus neste mundo e na
libertação das pessoas, propondo novas relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os
outros e com o cosmos. É para isso que Jesus anuncia o Evangelho da libertação e da graça, como boa
notícia aos pobres, libertação para os presos e oprimidos, dom da vista e liberdade para os cegos e
prisioneiros, e a todos anuncia a surpreendente misericórdia salvífica de Deus (cf. Lc 4,18 -19),
assumindo isso como seu Projeto de Vida.
Ao realizar sua missão, Jesus revelou-nos Deus como Pai e Amor. Ele próprio é manifestação
e testemunha do amor intratrinitário, caracterizado pela relação, comunicação, diálogo, envio e
encontro, pois o amor não se contenta em si mesmo (cf. DAp, 109 e 348). Diante da aliança rompida
pelo pecado, Deus envia o Filho, no Espírito Santo, como Boa Nova para toda a humanidade: “trata-se
uma nova criação, onde o amor do Pai, do Filho e do Espírito santo renova a vida das criaturas (cf.
DAp, n. 241). Todo o propósito da vida e missão de Jesus tem seu sentido no imenso amor de Deus
por toda a humanidade. Em Jesus, Deus mesmo pôs-se a caminho até nós. Jesus sai de si mesmo para
vir ao encontro da humanidade. Por amor, se fez história em nossa história. Em sua vida, suas palavras

1
CNBB, Projeto Nacional de evangelização: o Brasil na Missão Continental .São Paulo: Paulinas, 2008, pág. 19
1
e ações estão intimamente entrelaçadas, de forma que as palavras explicam as ações e estas confirmam
as palavras.
Ele percorria a Palestina daquela época ensinando, incansavelmente, o Projeto de Deus para o
ser humano. Assim, Ele nos comunicou sua vida e pôs-se a serviço da vida, de maneira especial
quando ouve e se aproxima do cego do caminho (cf. Mc 10, 46-52); fala com a samaritana (cf. Jo 4, 7-
26); cura os enfermos (cf. Mt 11, 2-6), os cegos (cf. Jo 9, 1-34), os leprosos (cf. Lc 17, 11-19);
alimenta o povo faminto (cf. Mc 6,30-44); liberta os endemoninhados (cf. Mc 5,1-20); acolhe e perdoa
mulheres pagãs e outras que foram prostituídas, tornadas impuras, adúlteras (cf. Lc 7, 36-50; 8, 43-48;
Jo 8, 1-11; Mc 7, 24-30), liberta cobradores de impostos a favor de opressores (Lc 19, 1-10), fariseus
que escravizam as consciência por meio da religião (cf. Jo 3, 1-15); convida seus discípulos à
reconciliação (cf. Mt 5,24); ao amor aos inimigos (cf. Mt 5,44); afasta-se das leis rígidas da pureza
exterior e perdoa os pecadores (cf. Lc 15).
Ele foi coerente com a missão assumida e dela não desviou um milímetro. Para isso, teve de
enfrentar tremendas oposições de seus parentes (que o consideravam um louco – cf. Mc 3, 21), de
líderes religiosos (que o tinham como um perigoso transformador da religião, pois era um contínuo
denunciar dessas lideranças e, ainda, ameaçava destruir o Templo (cf. Jo 2, 13-22), da parte do povo
(que dele debochava como comilão, beberrão e impuro por andar na companhia de impuros como
cobradores de impostos e pecadores (cf. Mt 11, 19) chegando à possibilidade de todos os discípulos o
abandonarem (cf. Jo 6, 66) e, até mesmo deixando João Batista na dúvida (cf. Mt 11, 3). Esta
coerência levou-o ao cruel martírio da cruz, o qual, porém, venceu mediante a ressurreição.
A vida de Jesus foi construída no propósito de “fazer a vontade do Pai”, ou seja, instaurar o
seu Reino. E não o fez sozinho, mas formou uma comunidade de vida constituída sobre três pilares ou
três dimensões, inseparavelmente unidas, para ajuda-lo: a) o chamado-resposta: “Ele chamou a quem
ele quis” e “eles foram até ele”; b) a comunidade-fraterna: “Constituiu-os em 12 para ficarem com
ele”; c) para a missão: “E enviou-os para anunciarem a boa nova e expulsarem demônios” (cf. Mc 3,
13-15). Não há, portanto, condição de ser discípulo missionário de Jesus e de ser Igreja sem a vivência
crescente dessas três dimensões: vocação, fraternidade, missão.

2. Aprofundando o significado de Missão


O termo missão que hoje usamos em português tem sua origem no verbo latino MITTERE que
se traduz por ENVIAR. Dele deriva o substantivo MISSIO que se traduz por MISSÃO. Trata-se de um
fato concreto: alguém, com autoridade e responsabilidade que tem uma importante tarefa a realizar,
mas que por alguma circunstância está impossibilitado ou que deseja ser ajudado. Ele escolhe alguém
de confiança e lhe passa a tarefa dizendo que a realize com a mesma competência e responsabilidade
da pessoa que o enviou. Além do mais, deixa claro de que a tarefa não é da pessoa que a realiza, mas
de quem a enviou.
No final de sua presença e missão nesta terra, antes de sua morte Jesus decidiu continuar neste
mundo, mas sob outra forma que aquela que assumiu na encarnação por meio de Maria. Primeiro
instituiu a Eucaristia pela qual com sua autoridade e poder de Deus se torna presente na forma de pão
e vinho. Segundo, ele insiste com seus discípulos de que eles darão continuidade à sua presença e
missão e que para isso serão confirmados por ele e pelo Espírito Santo. Terceiro, após a ressurreição
ele explicitamente lhes confere a missão ao dizer-lhes: “Toda autoridade me foi dada nos céus e na
terra: Vão pelo mundo todo e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos. Batizem a
todos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E ensinem-lhes a observar tudo o que a vocês
ensinei e ordenei. Eis que eu estarei com vocês todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28, 18-20). E
Jesus confirma este envio missionário por meio da vinda do Espírito Santo, em Pentecostes (At 2, 1-
47), que os espalha aos quatro cantos do mundo para evangelizar e libertar.

3. A Missão dos discípulos missionários


Dessa explicação tão simples podemos deduzir conseqüências enormes para nós cristãos,
todos, indistintamente. A partir do momento de nosso batismo somos, por natureza, “discípulos”, isto
é, convocados para seguir Jesus, como integrantes de sua comunidade e com a força da consagração
2
divina, iniciativa da Santíssima Trindade. Mas ao mesmo tempo, naquele instante, somos “enviados”
pela Trindade Santíssima para realizar no mundo a mesma missão de Jesus, o Filho de Deus, por meio
do estilo de vida que assumimos, de nosso comportamento, de nossa fala e de nossa ação.
Ser discípulo missionário é uma tarefa exigente, que requer coerência de vida e capacidade
profética tanto para denunciar e corrigir, quanto para propor como é a vontade de Deus, segundo a
ética, a moral das Escrituras Sagradas, sobretudo, de Jesus Cristo e realizá-la concretamente a partir
dos males que afligem a humanidade. O chamado de Jesus ao discipulado implica uma opção
fundamental por sua pessoa, que exige seguimento de suas atitudes, de seu modo de ser e de
relacionar-se com Deus, com os demais e com o mundo, implica abordar a história ao estilo de Jesus.
Em seu seguimento, somos convidados a aprender e praticar as bem-aventuranças do Reino, seu amor
e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável mediante a dor humana, sua proximidade aos
pobres a aos pequenos, sua fidelidade à missão recebida, seu amor serviçal até a doação de sua vida
(cf. DAp 139).
O Diretório Geral para a Catequese explicita a compreensão da missão do discípulos ao
afirmar que o mandato missionário de Jesus comporta vários aspectos intimamente conexos entre si:
“proclamai” (Mc 16,15); “fazei discípulos e ensinai” (Mt 28,19-20); “sereis minhas testemunhas” (At
1,8); “batizai” (Mt 28,19); “fazei isto em minha memória” ( Lc 22,19); “amai-vos uns aos outros” (Jo
15,12), “deveis lavar-vos os pés uns aos outros” (Jo 13,14). Anúncio, testemunho, ensinamento,
sacramentos, amor ao próximo, serviço, fazer discípulos: todos estes aspectos são vias e meios para a
transmissão do único Evangelho, e constituem os elementos da missão (DGC 46).

4. Missão: marca constitutiva da Igreja


Os nossos pastores, congregados na V Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe,
em Aparecida, em 2007, deixaram registrado que todo cristão tem de ser, por natureza, mas também
por opção consciente, esclarecida, coerente e generosa: discípulos missionários de Jesus. Ora, isso é
apenas e é tudo, ou seja, cumprir o que nos diz o Evangelho, melhor ainda, o que Jesus quer de nós
quando nos vocaciona, nos inclui em sua comunidade de vida e nos envia para a missão.
A Missão é, sem dúvida, um compromisso e uma responsabilidade de cada discípulo
missionário de Jesus, mas o é também da comunidade eclesial. A missão é a razão de ser e de agir da
Igreja e a sua maior alegria, como escreve Paulo VI na Envenglii Nuntiandi. 2 É o modo de ser Igreja,
comunidade de discípulos missionários, chamados por Jesus e associados à continuidade de sua obra.,
visto que discipulado é seguimento de Jesus pobre e itinerante, é colocar-se a caminho, é tornar-se
apóstolo de uma salvação universal.
Por isso, tanto dentro de si como fora, a Igreja busca impulsionar o Reino de Deus, do qual ela
é mediação privilegiada, mas não a única. Assim, a Igreja manifesta-se como “sacramento universal de
salvação”, segundo a expressão que aponta a concepção eclesiológica do Vaticano II (cf LG 48). Uma
Igreja identificada pelo dinamismo caracterizado pela convocação - comunhão – missão. “Este
dinamismo leva a Igreja a recolher-se para difundir-se, a reunir-se para sentir-se continuamente
lançada no mundo, a encontrar-se para perder-se no testemunho humilde do Reino, do qual é germe e
primícia”3.
A partir dessa consciência atual da Igreja, passa-se de uma Igreja das missões para uma “Igreja
em estado permanente de missão” (cf DAp, n. 551), pois a evangelização encerra todo o agir eclesial
direcionado para anunciar e testemunhar o Evangelho do Reino. O Projeto “Missão Continental”,
proposto por Aparecida, busca, como objetivo essencial, “tomar consciência de que a dimensão
missionária é parte constitutiva da identidade da Igreja e do discípulo missionário do Senhor. Por isso,
a partir do Kerigma, ela pretende vitalizar o encontro com o Cristo vivo e fortalecer o sentido de
pertença eclesial, para que os batizados passem de evangelizados a evangelizadores e, através de seu
testemunho e ação evangelizadora, nossos povos latino-americanos e caribenhos cheguem a ter vida
plena n’Ele”. 4
2
Cf PAULO VI. Evangelii Nuntiandi. São Paulo. Paulinas. 1976, n. 14
3
BRIGHENTI, Agenor. A Pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. São Paulo. Siquem Ediciones,
Paulinas. 2006.
4
CELAM. A Missão Continental para uma Igreja Missionária. Brasília: Edições CNBB, 2008, p.14.
3
Para atingir tal objetivo, apresenta como meios o conhecimento profundo e vivencial da
Palavra de Deus, de Jesus Cristo vivo, na Igreja, como lugar de encontro com Jesus; a Sagrada
Liturgia, destacando os sacramentos da iniciação cristã, especialmente a Eucaristia, fonte inesgotável
da vocação cristã e do impulso missionário; a vida comunitária, que “implica abraçar o estilo de vida
de Jesus, assumir seu destino pascal com todas suas exigências, participar em sua missão, estar em
atitude de permanente conversão e manter a alegria do discípulo missionário no serviço em favor do
Reino”.5 Por fim, o serviço à sociedade, que Aparecida reconhece e estimula ao recordar a grande
proposta que está no Projeto de Vida de Jesus, proclamado na Sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4 ) e por ele
vivido com fidelidade e total coerência: a prioridade dos pobres no processo evangelizador, portanto a
opção preferencial pelos pobres, que é marca intrínseca da vocação e missão do discípulo missionário
(cf DAp, n. 146 e 398).
Para isso, é indispensável, sem dúvida, como ensina Aparecida, a conversão pessoal e a
conversão das estruturas da Igreja e, também, a coragem profética da dedicação para mudar a situação
social adversa aos direitos humanos e, neste compromisso, até mesmo correr o risco de perder a vida
(cf. DAp 360). É indispensável mudar as ações e as estruturas para que a missão seja, de fato, um
serviço à vida das pessoas e de nossos povos. A obra da evangelização está ligada a uma promoção
humana, que leve a uma autêntica libertação, integral, abarcando a pessoa inteira e todas as pessoas,
fazendo-as sujeito de seu próprio desenvolvimento (DAp, n. 399). Por isso, a fé cristã deverá
engendrar padrões culturais alternativos para a sociedade atual (cf. DAp, n. 480). A promoção da vida
plena em Cristo nos leva a assumir evangelicamente as tarefas prioritárias que contribuem para a
dignificação de todos os seres humanos, e por isso, trabalhar junto com demais pessoas e instituições
(DAp, n. 384), fazendo dos pobres sujeitos de mudança e de transformação de sua situação (DAp, n.
394), no diálogo com as ciências (DAp, n. 465), cuidando da ecologia (DAp 474), inculturando o
Evangelho (DAp, n. 479), de modo particular no mundo urbano (Dap, n. 509) e na vida pública (DAp,
n. 501).
Assim, seremos e teremos cristãos, cuja identidade revela-se mais na cidade do que no templo,
mais na ação transformadora do que na freqüência às práticas religiosas. 6 Se a Igreja existe para
evangelizar, tudo na comunidade eclesial deve estar direcionado à missão: as ações, os serviços, as
estruturas, os ministérios.

5. A dimensão missionária é intrínseca à catequese


Dado que a catequese é processo formativo, orgânico, progressivo, sistemático, inicial e
permanente de educação da fé (cf. DNC 41 e 233), tem como finalidade o fazer discípulos (cf. DNC
34) e que o verdadeiro discípulo é missionário do Reino, “não há, autêntica catequese sem iniciação à
missão, inclusive além fronteiras, como parte essencial da vocação cristã” (DNC 53,g).
A catequese, como momento constitutivo da ação evangelizadora da Igreja, é uma privilegiada
ação pastoral que incorpora a dimensão missionária em seu todo, pois supõe a missão, implica a
missão e conduz à missão, na medida em que proporciona verdadeira conversão e fé, experiência do
mistério, integração na vida da comunidade cristã e compromisso responsável com a missão de Cristo
e a Igreja.
Por isso, contentar-se com a tradicional tarefa de preparar para os sacramentos da iniciação
cristã e de dar cursos de bíblia e de teologia aos fiéis e, com isso, encher os templos, demonstra falta
de compreensão da verdadeira razão de ser da Igreja neste mundo. Cristão sem clara vivência da
dimensão missionária de sua vida e da Igreja e conseqüente compromisso missionário certamente, não
completou sua iniciação à vida cristã.
Num mundo ferido por violência e exclusão, escravizado ao consumismo irresponsável, numa
sociedade construída sobre a injustiça e diante das grandes mudanças na transmissão e vivência da fé,
encontramos adultos, jovens e crianças que procuram a catequese, mas ainda não fizeram uma opção
inicial para viver conforme o Evangelho, assumindo a fraternidade, a defesa dos fracos, a construção

5
ID. Cf. pág. 14 a 19
6
Cf ALBERICH, Emílio. Catequese Evangelizadora: Manual de Catequética Fundamental. São Paulo. Editora Salesiana. 2004.

4
da paz, a valorização da honestidade e da dignidade humana, sabendo perdoar e partilhar. Ainda não
tem consciência de sua missão de ser sal e fermento no mundo, através da participação comunitária e
do compromisso cidadão (cf. DAp n° 286). Por isso, é irrevogável a necessidade de se assumir,
explícita e conscientemente, uma catequese querigmática, missionária, que se preocupe com o
primeiro anúncio e ofereça as bases que assegurem a formação da fé de uma nova geração de cristãos,
capazes de viver num contexto pluralista e missionário.
Nesse contexto, um processo consistente de iniciação cristã é indispensável ao tipo de missão
que os sinais dos tempos estão pedindo à Igreja. Diz o Documento de Aparecida: “Ou educamos na fé,
colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para segui-lo, ou não
cumpriremos nossa missão evangelizadora. Impõe-se a tarefa irrenunciável de oferecer modalidade de
iniciação cristã, que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um
amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço, da missão” (cf. DAp n° 287 e 289)
A iniciação cristã é uma exigência à missão da Igreja nos dias de hoje. A partir da inspiração
catecumenal7, somos impelidos a formar cristãos e cidadãos firmes e conscientes, nestes novos
tempos, em que a opção religiosa é uma escolha e não simplesmente tradição e imersão cultural. É
um dever que temos como servidores do Evangelho. É inserção na totalidade da experiência de fé
dentro de uma comunidade em que se identifica a presença ativa do fermento do evangelho e a força
transformadora do amor de Jesus. É formar para ser cristão, o que exige o compromisso com a missão
em geral, com a transformação da sociedade, com estudo e vivência da Palavra de Deus, com o
diálogo ecumênico e interreligioso, com a promoção das diferentes vocações que, em seu conjunto,
permitem uma ação mais ampla na proclamação e vivência do evangelho.
Uma comunidade que assume a iniciação cristã não gera crescimento apenas para os iniciados,
mas renova sua vida comunitária e desperta seu caráter missionário. Isso requer novas atitudes
pastorais por parte dos bispos, presbíteros, pessoas consagradas e agentes de pastoral (cf DAp 291).
“Nenhuma comunidade deve isentar-se de entrar decididamente, com todas as forças, nos
processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que não
favoreçam a transmissão da fé.” (DAp 291, 365). Para que isso aconteça é, fundamental, que os
presbíteros e os agentes de pastoral, mormente os catequistas, desenvolvam um forte senso
missionário e incluam a dimensão missionária em tudo o que fazem e ensinam. Além disso, é evidente
que não basta a teoria. É necessário, não importa a faixa etária em que a pessoa esteja, sentir o coração
arder! Estágios, experiências e compromissos progressivos que eduquem para aquilo que Jesus
denomina em Mc 3,24-25 de “pregar e expulsar demônios”, ao enviar os apóstolos em missão podem
ajudar. Cada fiel deve, em seu processo de educação da fé, da esperança e do amor, junto com o
anúncio, entusiasta e competente da Boa Nova, dedicar-se a algum aspecto da missão social da Igreja
de libertar e promover as pessoas, ir ao encontro, ver e ouvir. E os critérios para colocação da fé em
obras se pautam pela opção pela vida de qualidade para todas as pessoas e toda a natureza e pela opção
preferencial pelos pobres, ambos indispensáveis para ser discípulo missionário de Jesus que nasceu
pobre, viveu pobre e entre os pobres, lutou para libertá-los, morreu pobre.

Marlene dos Santos, paranaense de Guaraniaçu, é religiosa da Congregação das Irmãs Catequistas
Franciscanas. É bacharel em Teologia e atualmente é membro do Grupo de Reflexão de Catequese
(GRECAT/CNBB) e coordenadora de Catequese da Diocese de Marabá/PA.

7
O caminho da iniciação ficou evidente, a partir do século II, com a estruturação do catecumenato para promover a introdução dos
novos convertidos na vida da Igreja. O objetivo era o aprofundamento da fé, como adesão pessoal a Jesus Cristo e a tudo que ele revela.
Era o caminho ordinário para conduzir os adultos (e não as crianças) aos mistérios divinos, à profissão de fé e à participação na
comunidade. Teve seu período áureo entre os séculos III a IV. O Concílio Vaticano II, solicitou, até com insistência, retomá-lo, adaptá-lo e
inculturá-lo para o mundo de hoje.

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