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A Inserção do Protestantismo no Brasil

Myckon Alves de Oliveira

A ocupação brasileira pela coroa portuguesa, identificada historicamente como o


“descobrimento” do Brasil no século XVI, ocorreu paralela a Reforma Protestante que se iniciara na
Europa. A despeito da oficialidade do catolicismo português em terras brasileiras, já no ano de
1555, presenciamos a primeira tentativa de estabelecimento protestante no Brasil Colonial, com a
chegada de expedições francesas, trazendo junto os huguenotes1.

[...], com a chegada da expedição de Villegaignon em 1955, que sob o amparo de


Coligny, pretendia fundar a França Antártica e construir um refúgio onde os
huguenotes pudessem praticar livremente o culto reformado. Embora o caráter
duvidoso de Villegaignon tivesse, para conseguir seus intentos, obtido o apoio do
partido católico, os calvinistas que a ele se associaram tinham uma “visão de
paraíso”, lugar em que poderiam, pela pregação do Evangelho, reconstruir o
cristianismo em sua pureza original. (MENDONÇA, 1995, p. 38)

Porém essa primeira tentativa foi frustrada, pois além dos embates por questões religiosas,
havia a resistência portuguesa ao estabelecimento de colônias francesas.
Entre 1630 e 1645, imigrantes holandeses obtiveram um relativo sucesso no Nordeste. Neste
período algumas regiões do nordeste se tornaram protestantes (MENDONÇA, 1995, p. 39). E
embora fosse um protestantismo de imigração, tão logo aprenderam a língua, os holandeses
empreenderam esforços na evangelização de indígenas, africanos e portugueses.
Ao contrário da informalidade da primeira tentativa, os holandeses conseguiram se
institucionalizar organizando dois presbitérios (um em Recife e outro na Paraíba) que formavam um
Sínodo. A exemplo do que ocorreu em Genebra, os calvinistas holandeses do Nordeste,
implantaram uma disciplina religiosa rigorosa que atingia inclusive a ordem civil e política. Porém
em 1649, com a restauração portuguesa, são eliminados todos os vestígios institucionais do
protestantismo holandês no nordeste.
O século seguinte inviabilizou completamente a chegada de novos protestantes ao território
brasileiro.
O século XVIII foi a era da inquisição no Brasil. A intensificação das atividades do
Santo Ofício e a legislação restritiva quanto à imigração quase paralisaram a vida
na Colônia nos seus mais variado aspectos. Foi a “idade das trevas”, na expressão
de Erasmo Braga e Kenneth G. Grubb. Em 1720 uma lei proibiu que qualquer
pessoa entrasse no Brasil a não ser a serviço da Coroa ou da Igreja. (MENDONÇA,
1995, p. 41)

1
Nome dado aos protestantes franceses durante as guerras religiosas na França no século XVI
Nota-se claramente que as primeiras tentativas de inserção protestante em território
brasileiro, estavam vinculadas a imigração. Logo a resistência era dupla, abarcando aspectos
políticos e religiosos. A cosmovisão protestante diferia muito do catolicismo dominante.

[...], os dominadores da nação brasileira procuraram de uma maneira poderosa


impedir a propagação do protestantismo na nossa cultura. Urdiram tramas, nas
quais o poder reinante consegue manipular as cabeças pensantes do Estado a tornar
a vida dos protestantes insuportável, incluído ai o cerceio de seus direitos de
cidadania. (FONTELES, 2009, p. 176)

Numa cultura de domínio, onde Estado e Igreja se entrelaçavam, mais do que impedir o
estabelecimento de protestantes aqui, limitou-se qualquer oportunidade de formação de um modo de
ser “brasileiro”, de uma cultura que pudesse se manifestar de forma original. Essa junção Igreja e
Estado moldavam a estrutura da sociedade.

Elabora-se dessa forma uma organização estrutural de uma cultura em que o


pensamento do povo é direcionado pelas autoridades, e indubitavelmente Estado e
Igreja se confundem, ou melhor, são os senhores da nação. (FONTELES, 2009, p.
176-177)

Posto isto, evidencia-se a oposição ao estabelecimento do protestantismo em terras


brasileira, pois se apresentava como uma opção subversiva a este “controle” exercido pelo Estado e
Igreja, sendo, portanto uma ameaça à hegemonia católico-portuguesa.
Durante o império um pequeno avanço na Constituinte de 1823, reconheceu o Brasil como
nação cristã em todas as suas comunhões e estendia os direitos políticos a todas as profissões cristãs
(MENDONÇA, 1995, p. 43), à partir de então os protestantes encontraram amparo legal para se
estabelecerem em solo brasileiro, ainda que houvesse muitas outras restrições tais como à
construção de templos ou o proselitismo.
Papel importante exerceram nesta época os colportores. Estes eram agentes das sociedades
bíblicas estrangeiras, que com disposição viajaram aos cantos mais remotos deste país de dimensões
continentais apenas com o objetivo de venda e distribuição de Bíblias (FONTELES, 2009, p. 178).
Isto de certa forma preparou o terreno para ação posterior de missionários, que já encontraram
pequenas comunidades com disposição a aceitar o protestantismo pelo conhecimento prévio da
Bíblia.
Se aproveitando das brechas, no enfrentamento de se fazer valer o direito de professar a fé
protestante, gradualmente, fosse através da imigração como no caso da formação de comunidades
protestantes oriundas da Inglaterra, Alemanhã, Suécia e Estados Unidos, ou através do proselitismo
entre brasileiros (em menor proporção), o protestantismo foi se estabelecendo, no final do século
XIX, todas as denominações clássicas do protestantismo já desenvolviam práticas religiosas no
Brasil.
Após o estabelecimento de protestantismo de imigração, uma segunda etapa da inserção
protestante no país se dá através do Protestantismo de Missão, principalmente de origem norte-
americana e amparado estrategicamente na educação, uma vez que a carência de instrução
dificultava o aprendizado da doutrina protestante.

[...] o esforço protestante de inserção no Brasil e na América Latina no âmbito


educacional ocorreu por meio de dois planos intencionais: o ideológico, com apoio
nos grande colégios para influencias os altos escalões da sociedade e pelo
desenvolvimento do proselitismo e do culto entre as populações pobres por meio
das escolas paroquiais criadas em cada comunidade que se fixavam, isando a
alfabetização e a formação elementar. (TOLEDO, 2009, p. 309)

Embora esse protestantismo de missão, já esteja modificado de suas raízes europeias


principalmente no aspecto teológico, parece ainda contribuir para o espírito do capitalismo como
apontado por Weber em sua obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”.

Um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição


religiosa mista mostrara, com notável frequência, uma situação que muitas vezes
provocou discussões na imprensa e literatura católicas nos congressos católicos,
sobretudo na Alemanhã: o fato de que os homens de negócios e donos do capital,
assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado
técnica e comercialmente das modernas empresas é predominantemente protestante
(WEBER, 2005, p. 37).

O projeto educacional do protestantismo missionário, buscava através da educação a


valorização da natureza e do trabalho. O trabalho assume na ótica protestante uma nova
significação:

... pelo menos uma coisa é indiscutivelmente nova: A valorização do cumprimento


do dever nos afazeres seculares como a mais elevada forma que a atividade ética do
indivíduo pudesse assumir. E foi o que trouxe inevitavelmente um significado
religioso às atividades seculares do dia-a-dia e fixou de início, o significado de
vocação como tal. O conceito de vocação foi, pois introduzido no dogma central de
todas as denominações protestantes e descartada pela divisão católica de preceitos
éticos... (WEBER, 2005, p. 68)

Vale ressaltar que os protestantes que se instalaram aqui, por sua vez, não eram unânimes
em seus posicionamentos: Havia os liberais, modernizantes e progressistas ideologicamente e por
outro lado, havia os messiânicos-milenaristas.
O estudo da inserção protestante no Brasil se faz importante, por colaborar no entendimento
da formação de nosso povo. Muitas vezes a história negligencia o aspecto e influência que a religião
professada pode exercer sobre a nação, assim como a teologia ignora como os dogmas serão
recebidos e interpretados em dado contexto. Torna-se então necessário que estudos abrangentes, que
abarquem diversas áreas do conhecimento (história, sociologia, teologia, etc.) se unam para que
possam compreender de forma mais integral a manifestação cultural, religiosa, social e política de
um determinado povo.
Com relação ao protestantismo em particular, fica evidente que sua integração a sociedade
brasileira foi laboriosa, o que talvez tenha contribuído para desenvolver uma perseverança
característica, num enfrentamento a tutela luso-católica, que suprimia qualquer manifestação
contrária ao seu autoritarismo. As brechas encontradas estavam em grande parte relacionadas a
situação de dependência de Portugal em relação aos países mais abastados, e assim usando de
estratégias o protestantismo se firmou no país consolidando seu espaço.

Bibliografia
FONTELES, M. D. G. S. R. Inserção do Protestantismo no Brasil: Um Olhar Contemporâneo. Ciências da
Religião - História e Sociedade, São Paulo, v. 07, p. 174-188, 2009. ISSN 01.

MENDONÇA, A. G. D. O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no Brasil. 3º. ed. São Paulo: EDUSP,
1995.

TOLEDO, C. D. A. A. D. Resenha do Livro: MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do


Protestantismo no Brasil 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2008. HISTEDBR On-line, Campinas, p. 307-310, set 2009.
ISSN 35.

WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2005.

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