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A reforma protestante e sua influência na tradição

batista
“Apesar de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do
Novo Testamento e da época patrística, a Reforma
consistiu essencialmente num movimento visando o
futuro. Foi um movimento dos “últimos dias”, vividos numa
forte tensão escatológica entre o “não mais” da antiga
dispensação e o “ainda não” do reino perfeito de Deus”.
(Timothy George. A Teologia dos Reformadores, São
Paulo, Vida nova, 1994, p.319)
Início de conversa...
A Reforma, como um movimento complexo e multifacetado,
ainda necessita de muito estudo. Alister McGrath admite em
seus escritos que os fatores econômicos e sociais sejam de fato
determinantes na dinâmica da história, porém tem uma visão
mais global da história do que o economicismo marxista na
análise do movimento da reforma protestante.
Tradicionalmente, as fontes do movimento protestante e do
pensamento dos reformadores sempre foram associadas com a
Bíblia e com o período patrístico, notadamente o pensamento
amadurecido do grande bispo e teólogo Agostinho de Hipona.
Sendo assim, McGrath identifica a Reforma do século XVI como
um movimento primordialmente intelectual surgido dentro das
Universidades do Norte da Europa. Segundo McGrath, o
Humanismo e o resgate da teologia Agostiniana no final da Idade
Média são as principais inspirações da teologia da reforma.
A Reforma Protestante, movimento que completa quinhentos e
quatro anos hoje, tem sido objeto de intensos debates por parte dos
estudiosos do tema. Esse interesse se deve à relevância do
fenômeno e suas vastas consequências para o mundo moderno. Ela
revolucionou a cristandade ocidental. Desde 1520, nenhuma igreja
conseguiu unificar a sociedade ocidental. O denominacionalismo
surge após as diversas ramificações do protestantismo.
Era como se os reformadores do século XVI tivessem se
reportado somente ao cristianismo antigo, não tendo recebido
nenhuma influência do seu próprio tempo ou dos séculos
imediatamente anteriores. Hoje se reconhece que as origens da
Reforma também devem ser buscadas no escolasticismo do final da
Idade Média e no humanismo renascentista. Um dos autores que
trabalham essa questão é o historiador e teólogo irlandês Alister
McGrath.
A Reforma teve uma perspectiva essencialmente religiosa,
desejada por cristãos católicos piedosos, ou seja, foi um movimento
interior, nascido dentro da própria Igreja em crise, com forte desejo
de transformar a Igreja, e não, necessariamente, criar uma nova
Igreja.
Foram muitos os aspectos que contribuíram para as
transformações religiosas, que estão abalizadas nas dimensões
vivenciais que interferiram na visão da época. Podemos
classificar, pelo menos, mais seis fatores que contribuíram
nesse sentido, a saber: a instabilidade política, o fim das
cruzadas, o crescimento populacional, o declínio da agricultura
e a peste bubônica.
Contexto da época
A Baixa Idade Média (XIII até XV) foi caracterizada por
transformações lentas, mas constantes, que provocaram crises
no sistema vigente, que mostravam sinais de enfraquecimento
e incapacidade de atender às necessidades espirituais e
materiais de muitos setores populacionais. Surgiram
insurgências e movimentos de revoltas populares que
reivindicavam condições igualitárias e uma vida mais simples
para os representantes do alto clero e da nobreza (LINDBERG,
2017).
Os movimentos revoltosos eram repreendidos duramente, e
os líderes, considerados heréticos, eram executados em praça
pública para denotar o medo entre os remanescentes. Apesar
disso, novos pensamentos surgiam e ganhavam aceitação no
meio acadêmico e nas relações comerciais. Assim, mais do que
apenas um movimento religioso, a Reforma Protestante insere-
se no contexto mais amplo que marcou a Europa a partir da
Baixa Idade Média, expressando a superação da estrutura
feudal tanto em termos de fé, como também nos aspectos
políticos, econômicos e culturais (LINDBERG, 2017).
Podemos dizer que a Reforma Protestante decorre, em certa
medida do Renascimento e ambos representaram uma
adequação de valores e de concepções espirituais às
transformações pelas quais a Europa passaria no âmbito social,
econômico e político. Quatro importantes tradições marcaram
o protestantismo inicial: a luterana, a reformada, a anabatista e
a anglicana.
A reforma protestante teve seu início na Alemanha, mas
espalhou-se por todo o norte da Europa e teve como resultado
o estabelecimento de igrejas nacionais que não se submeteram
a fidelidade a Roma.
Todavia, não podemos nos esquecer de algumas influências
que conduziram à reforma. Destaco apenas três: A Renascença,
a invenção da imprensa e o espírito nacionalista.
A Renascença foi um notável movimento de despertamento
intelectual na Europa pelas artes, literatura, ciência, etc.
Durante a Idade Média, o interesse dos estudiosos havia sido
orientado para a verdade religiosa. Com a filosofia voltada para
a religião. (Hulrbut, Jesse Lyman. História da igreja cristã, p.177.
Editora Vida, 2007).
O desenvolvimento do Renascimento ocorreu no período que
vai do século XIV ao XVI, na Itália, mais precisamente em
cidades, ligadas ao comércio, como: Veneza, Pisa, Gênova e
Florença. Tais cidades receberam uma forte influência dos
sábios bizantinos, que haviam fugido de Bizâncio, por causa dos
conflitos religiosos. Os líderes do movimento, de modo geral,
não foram sacerdotes, monges, mas leigos, especificamente na
Itália, onde teve início a Renascença, não como movimento
religioso, mas literário; não abertamente antirreligioso, porém
cético e investigador. Por toda parte, de norte a sul, a
Renascença solapava a igreja católica romana.
A Invenção da Imprensa ocorreu no século XV por obra do
alemão Johannes Gutenberg. Essa invenção foi uma das
maiores revoluções da modernidade. Após a invenção da
imprensa, imprimir e compor livros deixaram de ser práticas
manuais e artesanais e tornaram-se uma produção em série
mecanizada. Antes da invenção da imprensa, os livros eram
copiados a mão. Uma Bíblia na Idade Média, custava o salário
de um ano de um operário. O primeiro livro a ser impresso por
Gutemberg foi a Bíblia. Os ensinos e as ideias dos reformadores
ao serem escritos e publicados, rapidamente circularam por
toda a Europa.
No final da Idade Média surgiu um forte espírito nacionalista que se
desenvolveu em vários países onde a figura da Igreja, ou seja, do Papa,
já estava em descrédito. Esse espírito nacionalista foi estrategicamente
explorado pelos príncipes e monarcas, empenhados em aumentar os
poderes monárquicos, colocando a Igreja em situação de subordinação.
Neste contexto, surgiu na Europa um movimento diferente das
batalhas medievais entre papas e imperadores. Podemos dizer que
houve uma participação mais popular já que o patriotismo dos povos
manifestou-se, mostrando-se inconformado com a autoridade
estrangeira sobre suas próprias igrejas nacionais; resistindo às
nomeações de bispos, abades e dignitários da igreja realizadas por um
papa que vivia num país distante.
O surgimento dos batistas
Podem-se distinguir três teorias a respeito da origem dos
batistas. A primeira é a teoria JJJ ou Jerusalém-Jordão-João. A
segunda é a do parentesco espiritual com os anabatistas do
Século XVI. E a terceira é a teoria da origem dos separatistas
ingleses do Século XVII.
Os batistas nasceram na Inglaterra do século XVII, no
contexto do Puritanismo e do subsequente movimento
Separatista inglês. Existe uma estreita relação entre os
acontecimentos na Inglaterra, sobretudo durante o reinado de
Elizabete I, e o início do movimento batista.
Os primeiros batistas eram ingleses que saíram da Igreja
Anglicana e, tal como outros grupos dissidentes, deram início a
novas denominações protestantes. Os puritanos e o movimento
separatista inglês são o pano de fundo para entender o
surgimento dos batistas, suas influências e algumas de suas
marcas distintivas. Foi do separatismo que surgiram os
primeiros batistas ingleses, tendo como líderes John Smyth e
Thomas Helwys.
Quando olhamos par a origem dos Batistas no século XVII é
necessário termos em mente dois grupos: Os batistas Gerais e
os batistas Particulares.
Essas expressões nos apresentam a distinção quanto a perspectiva
soteriológica, em especial quanto à extensão da expiação de Cristo. Os
batistas gerais (arminianos) defendiam a morte de Cristo como uma
expiação ilimitada. Os batistas particulares (calvinistas) pregavam que o
sacrifício de Cristo havia sido exclusivo e eficaz somente em favor dos
eleitos de Deus. É bom lembrar que ambos se desenvolveram
independentemente.
John Smith (1570-1612) teve relação direta com a origem dos primeiros
batistas quando ainda não havia diferença entre Gerais e Particulares.
Segundo HAYKIN, foi somente em 1609 que Smith dá um passo
importante em seu pensamento ao aceitar somente o batismo de crentes.
O Dr. Michael Haykin afirma que, nos anos seguintes, os
Batistas Gerais experimentaram um relativo crescimento. Por
volta de 1626, somavam aproximadamente 150 membros
espalhados em pequenas congregações na Inglaterra.
No entanto, foram praticamente extintos no final século
XVIII. Duas razões principais são apontadas para explicar esse
declínio: a estranha resistência em construir edifícios
eclesiásticos e a política sectária de endogamia (casamento
exclusivo entre membros da própria igreja). Portanto, embora
os Batistas Gerais sejam mais antigos do que os Batistas
Particulares, sua influência e seu legado foram menores.
Em meio a tudo isso surgiram os primeiros batistas
calvinistas. É possível que no de 1616 tenha nascido a primeira
igreja batista reformada ou particular na história sob o
pastorado de Henry Jacob. Esta igreja ficou conhecida como
Jacob-Lathrop-Jessey que foram os três primeiros pastores
dessa igreja. O século XVII foi marcado por muitas controvérsias
e existiam vários grupos dissidentes que debatiam sobre o
conceito bíblico de batismo e a natureza da igreja. Foi no
ministério de Jessey que a igreja firmará no ano de 1638 o
credobatismo e em 1641 o batismo por imersão (até aquele
momento o batismo era realizado por aspersão ou afusão em
todas as igrejas batistas)
E em 1644 produziram um confissão de fé (a primeira dos
batistas particulares). Esse grupo cresceu exponencialmente a
partir da segunda metade do século XVII. Somavam-se sete
igrejas em Londres e 47 espalhadas em toda Inglaterra.
Ocorreu inúmeras prisões e mortes por questões de natureza
política e religiosa. Muitos buscaram refúgio na Alemanha,
Holanda, e em outros países da Europa, até mesmo na América
(onde os batistas seriam a maior denominação evangélica). É
interessante notar que neste contexto surgiram publicações dos
batistas relacionados à defesa da liberdade de consciência.
TRÊS MARCAS DISTINTIVAS DOS BATISTAS
 Liberdade de consciência
 Separação entre igreja e Estado
 Batismo de crentes

Roger Williams
Lançou os fundamentos do 1º Estado americano que
reconheceu o direito à liberdade religiosa sob a completa
separação entre Igreja e Estado. Rhode Island foi fundado
por ele.
“Um dos pioneiros na positivação do direito à liberdade religiosa,
em solo norte-americano o fez sob a doutrina da separação entre
Igreja e Estado, e do direito à liberdade de consciência. Diante da
forte cultura de perseguição religiosa e da implantação de um
estado eclesiástico, demostrou-se instrumentalizado pelo seu
processo educacional, estabelecendo o direito de consciência
como um direito inalienável do homem”. (DI MONACO.
Liberdade Religiosa: Reflexões sob a ótica de Roger Williams,
p.11. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2021.)
Referências bibliográficas
BEEKE, Joel; FERGUSON, Sinclair B. Harmonia das confissões reformadas.
São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
BEEKE, Joel; PEDERSON, Randall. Paixão pela pureza: conheça os
puritanos. São Paulo: PES, 2020.
COSTA, Hermisten M. P. Raízes da teologia contemporânea. São Paulo:
Cultura Cristã, 2004.
DI MONACO, Ingrid Rachel Mendes. Liberdade religiosa: reflexões sob a
ótica de Roger Williams. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e
História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo,
2021.
HAYKIN, MICHAEL. Os primeiros batistas: Redescobrindo a nossa Herança
Inglesa. Rio de Janeiro: Pro nobis Editora, 2020.
HURLBUT, Jessy Lyman. História da igreja cristã. São Paulo: Editora Vida,
2007.
JONES, D. Martyn Lloyd. Os puritanos, suas origens e seus
sucessores. São Paulo: PES, 1993.
PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus. Uma visão puritana da
vida cristã. São José do Campos: Editora Fiel, 2016.
PORTE, Wilson Jr. Um pregador da graça. A fé reformada na
vida de Benjamin Keach. Produção Independente: Araraquara,
2015.
SELPH, Robert B. Os batistas e a doutrina da eleição. Editora
Fiel: São José do Campos-SP, 2005
SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo: uma obra completa
e atual sobre a trajetória da igreja cristã desde as origens até o
século XXI. Thomas Nelson Brasil: Rio de Janeiro, 2018.

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