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CARUARU
2021
Gustavo Henrique Lira
CARUARU
2021
GUSTAVO HENRIQUE LIRA
BANCA EXAMINADORA
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Prof:
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Prof:
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Prof:
– Dedico esse trabalho ao meu primo (Gugu)
Jeferson Henrique (in memorian), que foi um
irmão e companheiro de muitos momentos da
minha vida, bons e sofríveis, o qual partiu de
forma repentina e trágica, nos deixando um
sofrimento indescritível e me fazendo sentir na
prática às consequências daquilo que está
sendo objeto de estudo neste trabalho e, as
vezes, até a sensação de que não nos deixou,
mas que ainda vive. Também dedico a seu filho,
Heitor, o qual faz viver a figura física de seu pai,
através de seus traços que fazem a sua
aparência ser quase uma cópia física do seu
querido Pai.
AGRADECIMENTOS
A minha esposa Érica, fonte inesgotável de auxílio moral e espiritual, aos meus
Filhos, Nícolas e Nicolly, que apesar de não entenderem bem o que seu pai tanto fazia
na frente do computador, por diversas noites, mas foram fontes de inspiração quando
ideias e palavras me faltaram.
Ao amigo Vinícius Raoni, que foi o meu, digamos “avalista”, ao me indicar para
adentrar no seminário teológico, junto ao Presbítero Robson Mendes, o qual devo
também um agradecimento especial, por investir nos meus estudos.
Ao Pb. João Barbosa, pela confiança que demonstrou ter a minha pessoa, o
agradeço pelas oportunidades que me foram dadas e pelos ensinamentos de vida
prática bem como em seus conselhos.
Aos oficiais da igreja supracitada, por sua preocupação e zelo, quanto a nossa
transferência para essa igreja, por sua recepção para com a minha família.
The present work presents the problem of evil and suffering, from a philosophical-
theological perspective and its implications for the Christian faith. Discusses
issues related to their entry and action in the world, the ways in which theories of
philosophers and Eastern religions dealt with and deal with the problem, as well
as their performance being limited by the wise government of God and according
to its decrees, according to the perspective Calvinist of God's providence and
action, by his free and unchanging decrees, in all events in human history.
Showing that there is comfort and hope to those who trust and rest in the total
sovereignty of the great God.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 13
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 28
2.2.1 Hinduísmo.................................................................................................... 42
2.2.4 Islamismo..................................................................................................... 45
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 53
3.3 Tal ação de Deus sob o mal e o sofrimento não é simples presciência
nem mera permissão. .......................................................................................... 63
3.4 A ação de Deus nos ímpios e através deles. Satanás como instrumento
da ira de Deus....................................................................................................... 71
INTRODUÇÃO
problema ao longo da história, das quais, a maior parte delas ainda vigora entre
movimentos religiosos ou filosóficos.
Nesse sentido, é para esse tipo cristão também que o presente trabalho
pretende apontar. De forma teológica e pastoral, assim se dará a conclusão. A
proposta é que o cristão entenda, como aceitar, lidar, se satisfazer, se contentar com
o que a Bíblia apresenta sobre a questão, tanto emocional, quanto moral do problema
do mal e do sofrimento. A forma bíblica, teológica e pastoral utilizada por Calvino,
serve de base para nossas ponderações.
13
CAPÍTULO 1
O mundo em que vivemos está repleto de coisas más. Dor, fome, pobreza,
tristeza, guerras, catástrofes naturais, doenças, epidemias, pandemias e muitas
outras coisas. Que colocam o ser humano em constante apreensão quanto ao seu
presente e futuro.
Essas questões são inerentes também, aos que professam alguma fé e que
acreditam que haja um criador do universo, fazendo com que, em certo ponto, em
momentos de devaneios venham a pensar: “Se eu fosse Deus, acabaria com tudo
isso e faria um mundo melhor!” ou ainda, “se tivesse o poder que Deus tem, não faria
dessa forma, ou não deixaria isto acontecer!”.
Partindo do pressuposto de que, tudo que existe foi criado por um Deus, todo
poderoso, todo bondoso e amoroso, e esta é a proposta. Que esse Deus governa e
tem poder sobre toda sua criação, o fato do mal, entrar na história da criação, do ponto
de vista religioso, cristão, já levanta sérios questionamentos acerca do Criador. Ao
menos do ponto de vista da filosofia da religião.
Era essa, a ideia que tinham, os que não procuravam especular os motivos,
que fizeram o mal entrar num mundo criado por um Deus bom, bastaria a estes saber
1Referência a Rudolf Otto, teólogo alemão de grande influência no séc. XX. De sua obra: A ideia do
sagrado, talvez a mais conhecida. O termo “numinoso”, refere-se à dimensão irracional da religião.
Citado por: LEWIS, C.S. O problema do sofrimento. São Paulo: Vida,2009. (p.21).
14
que havia uma razão, que não lhes caberia decifrar, como vemos nas palavras do
filósofo Cristão Alvin Plantinga: “O teísta crê que Deus tem uma razão para permitir o
mal; mas não sabe que razão é essa. Mas por que deveria isso significar que a sua
crença é imprópria ou irracional?” (PLANTINGA, 2012, p.23).
Ainda que a existência do mal, seja um problema, pelo sofrimento que produz,
o teísta não vê incompatibilidade, entre um criador com todos estes atributos acima
citados, e a existência do mal. O problema, se torna maior, e de fato, o é, quando a
filosofia e a religião resolvem caminhar juntas para descobrir, ou compreender o
porquê da existência do mal.
Isso porque, a primeira, vai sempre questionar qualquer resultado que não
tenha dentro da “razão”, um argumento lógico e inteligível, bem como, tentar tornar
claro, compreensivo, um pensamento desconectado do dogma, sem compromisso, ou
a parte dele. O que para a segunda, a teologia, certamente pode significar rejeitar, ou
ser flexível quanto a algum ponto doutrinário. Abrir mão de algum preceito, de algum
atributo divino, sob o afã de explicar logicamente o que, talvez, não possa ser tão
logicamente explicado.
sofrimentos tanto para quem os praticam, quanto, tanto mais os que são alvos da
prática.
Guerras tão sangrentas, que nem sequer, o grande escritor russo Dostoievski,
com toda sua capacidade de pintar a cena, em seus romances,2 conseguiria ser tão
preciso em descrever toda a barbárie da qual, o ser humano pode ser capaz. A
pergunta que se segue naturalmente é: se há um Deus, criador, poderoso e bondoso,
por que permitiria tais coisas? Ou, por que deixou que todo esse mal se arraigasse
em sua criação? “Isso recebe o nome de argumento do mal contra Deus ou,
simplesmente, o problema do mal” (KELLER, 2016, p. 101).
Como por exemplo no panteão grego, deuses com poderes equivalentes, mas
uns menos benevolentes que outros, além de semideuses que podem ferir aos
deuses. Semelhantemente em religiões orientais sobre as quais veremos mais
adiante.
2Referência as tramas e crimes, males e sofrimentos contados em duas de suas obras. DOSTOIÉVSKI,
Fiódor M. Os irmãos Karamázovi. Tradução Natália Nunes e Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Abril
Cultural, 1970. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias da Casa dos Mortos. Tradução Natália Nunes. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.
3EPICURO. Carta sobre a felicidade: (a Meneceu). Tradução Alvaro Lorencini e Enzo Del Carratore.
São Paulo: Editora UNESP, 2002. Filósofo grego do período helenístico, nasceu em Atenas, em torno
de 341 ou 342 a.C Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/epicurismo.htm/ e
https://www.infoescola.com/filosofos/epicuro/
http://educacao.uol.com.br/biografias/epicuro.jhtm>Acesso em: 05/02/2019.
16
2) Enquanto onipotente e benevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer
fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal
está. Então ele não é onisciente.
3) Enquanto onisciente e benevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer
mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é onipotente.
Mesmo sabendo-se, que Epicuro não estava fazendo uma defesa do ateísmo,
e sim rejeitava a ideia de uma divindade preocupada com os assuntos humanos. Para
ele, os deuses não teriam nenhuma afeição especial pelos seres humanos, sequer
saberiam de sua existência, servindo apenas como ideais morais dos quais a
humanidade poderia tentar aproximar-se.
Ainda hoje, este paradoxo é repetido por ateus do mundo inteiro, como se ele
jamais tivesse sido refutado, quando isso não é bem verdade. O paradoxo de Epicuro
já foi refutado no mínimo desde Santo Agostinho, com suas várias obras que abordam
o famoso problema do mal. As tentativas de demonstrar, ou melhor, refutar o paradoxo
de Epicuro, tradicionalmente têm sido discutidas sob o título de teodiceia, conforme
descrito e sintetizado a seguir.
1.3 A teodiceia
4 G. W. Leibniz. Theodicy: essays on the goodness of God, the freedom of man, and the origin of evil.
Release Date: November 24, 2005. Produced by John Hagerson, Juliet Sutherland, Keith Edkins and
the Online Distributed Proofreading Team at <http://www.pgdp.net.> Acesso em: 20/03/2020.
17
O termo teodiceia provém do grego θεός - theós, "Deus" e δίκη - díkē, "justiça",
que significa, literalmente, "justiça de Deus.” O pequeno dicionário brasileiro da língua
portuguesa o define como: parte da teologia natural que trata da justiça de Deus; parte
da filosofia que trata da existência e dos atributos de Deus.5
Entretanto, essa parece ser uma visão racionalista, isto é, que parte apenas
dos pressupostos lógicos para a formulação do conceito de “melhor mundo possível”.
Deus criou o mundo tal como é por ser ele (o mundo) o melhor possível, ou seja, que
Deus não poderia ter feito outro mundo melhor que não fosse esse. Leibniz, apresenta
sua visão de Deus, muito parecida com a visão moral (que viria a ser formulada por
Kant, um século depois).
5FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa 13ª
edição. Rio de Janeiro: editora civilização brasileira S.A, 1979.
18
Deus e seus atributos. Sendo ele Criador, soberano, poderoso, bom e não existindo
nenhuma outra força equivalente capaz de criar, não há criação a parte dele.
Porque o mal foi criado? Ou quem criou o mal? Ora, Agostinho entendeu que o
mal não pode ser visto como algo ou um ser criado, mas como a ausência do bem,
este conceito será melhor explicado adiante.
“[...] foi o ensinamento dos maniqueus que o levou a creditar que o mal
era certa substância [...] e tinha certa massa como a matéria. [...]
Agostinho considerou, em consequência, que o bem e o mal como
duas massas (moles) colocadas em mútua oposição, ambas infinitas,
mas a massa do mal era mais confinada e limitada de que a do bem.
Essa massa do mal não foi criada por Deus”. (EVANS. 1995, p.59).
Embora, defendesse que Deus não criara o mal, o concebia como uma espécie
de massa, “[...] ainda não sabia que o mal nada mais era do que a privação do bem”
(AGOSTINHO,2017, p.53). Segundo Evans, no entanto, esse pensamento vai
mudando e sendo aperfeiçoado, ao passo que Agostinho vai se afastando do
maniqueísmo e se aproximando do cristianismo, ou, se reaproximando do
cristianismo. Seguindo um pensamento platônico, Agostinho reformula a pergunta e
sua resposta.
Ele passa a entender que, embora tenha criado tudo o que existe, Deus não
criou o mal, porque o mal não é algo, mas a falta ou a deficiência de algo. Agostinho
tomou emprestado esse modo de pensar de Platão e seus seguidores. Platão não se
ocupou muito a falar sobre o mal, de temperamento completamente positivo, nenhum
lugar concedeu ao negativo no seu pensamento. Mas não se furtou de todo, para ele:
o mal é uma realidade, no sentido de que pode ser percebido. Mas não é "justo", não
é um ser ideal.
A falta do ser (sábio), ou, a privação do ser, é não ser, então falta algo, para que o
que é mal, ruim surja, exista.
Por exemplo, o mal padecido por um homem cego é a ausência de visão; disse
alguém, o mal em um ladrão, é a falta de honestidade. Certamente, já ouvimos falar
da teoria platônica de, mundo sensível e mundo inteligível, o mal, então estaria no
mundo sensível. O mundo dos sentidos, ensinava Platão, é irreal, transitório e
mutável, Eis o mal. O verdadeiro mundo das ideias puras e imutáveis é o do bem.
É baseado neste conceito, que “Diz-se que Agostinho conseguiu fazer uma
síntese filosófica entre platonismo e cristianismo, porém sua obra não evidencia um
sistema como tal” (SPROUL, 2002, p. 59). Apenas, Santo Agostinho sugeriu, que o
mal é a privação, ou ausência do bem, assim não pode ter sido criado por Deus. O
mal é ausência do bem, da mesma maneira que as trevas são a ausência da luz,
define Agostinho.6 Com base nessa premissa, o problema em torno da criação do mal
é deslocado de uma discussão metafísica para uma abordagem moral. Filosofia que
teve grande influência entre os pensadores cristãos posteriores.
Outra defesa interessante, da não criação do mal, faz Van Groningen, que trata
a existência do mal, como um reino parasita. É necessário existir algo, para o mal
existir. Tal ensino está expresso no capítulo cinco onde fala sobre a queda.7 Trazendo
uma abordagem sobre a criação de Deus e sua obra prima o homem, na figura dos
nossos primeiros representantes, Adão e Eva, a eles foi dada autoridade para
gerenciar e desfrutar da criação.
6 SILVA, Ivan de Oliveira. Santo Agostinho: O problema do mal. São Paulo: Editora Pillares, 2008.
7 GRONINGEN, Gerard Van. Criação e consumação vol. 1. São Paulo: Editora Cultura Cristã,2002.
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Após deduzir que o mal surge de forma secundária, ou seja, não foi criado, mas
deriva da criatura por meio de satã, o autor trata do mal como um reino parasita. Era
desejo do diabo estabelecer o domínio sobre o cosmos, como isso não foi possível, a
princípio, ele conseguiu estabelecer esse reino do mal, por meio da sedução dos vice-
gerentes da Criação. Quando faz com que o mal se instale dentro do coração do
Homem. Quando seguiram as sugestões enganosas de Satanás, seus corações
foram corrompidos; o pecado e o mal já tinham uma fonte ou raiz no Éden.
Alguém atira a pedra ou, o pedaço de madeira para matar outrem (causa
secundária), mas Deus não as criou para esse fim, a pedra e a madeira podem ser
utilizadas também, para fins mais proveitosos, como por exemplo, construir moradias
para ser fonte de abrigo e proteção.
21
Gordon Clark e Vincent Cheung, estão entre os que assim creem ou, ainda que,
o mal não seja uma substância, é causado por Deus, ao aplicá-lo, por assim dizer, na
criação. Portanto, para estes, ainda que Deus não o tenha criado, Ele o colocou na
criação. De acordo com o Cheung (2005), dizer “criar” ou “causar” o pecado seria
simplesmente a mesma coisa em nosso contexto, e ambas as palavras são aplicáveis
de modo, que ele não peca por isso.
Estes, também têm produzido alguns materiais que foram publicados, com a
defesa desta ideia, Em 2010, foi publicado um livro do Gordon Clark, com um título,
no mínimo, pretencioso para abordar o problema.8 Nesta obra ele “resolve” o problema
atribuindo a Deus, a criação do mal, bem como, sua introdução e agência no mundo.
Resposta que, não deve ser de todo descartada, pois há a partir da sua
perspectiva uma linha muito bem definida, que faz com que, de fato as coisas vão se
encaixando. Principalmente, em relação agência do mal no mundo por ordem divina,
inclusive, perspectiva defendida por João Calvino, como veremos adiante na presente
pesquisa. Lógico, o ponto de partida deles é de que, Deus é o criador de tudo que
existe, inclusive o mal.
8CLARK, Gordon Haddon. Deus e o Mal, o problema resolvido. Brasília, DF: Editora Monergismo,
2010.
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Mas como tudo que Deus traz a existência é bom, o mal tem seu propósito, de
promover um bem maior. No entanto, algumas lacunas não são respondidas, uma
delas é em relação ao texto bíblico “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era
muito bom” (Gn 1.31).
Não é nosso propósito fazer uma resenha crítica da obra citada, mas apenas
situarmos o leitor de que há esse pensamento no meio cristão, e defendidos por
nomes de peso da teologia, que sugeriram o livro supramencionado como: Vicent
Cheung e John W. Robbins que prefaciaram o livro, bem como outros bons nomes
que o indicaram, como: W. Gary Crampton, Richard Bacon, R. K. Mc Gregor Wright,
Dr. Kenneth Gary Talbot e Herman Hanko9.
9 Ibidem nota 8.
23
Para o pastor Leandro Lima,10 Gordon Clark e Vicent Cheung, não seguem o
calvinismo nesse ponto, atribuindo a Deus a autoria do mal, seguem um calvinismo
distorcido. Segue-se então, que talvez a solução mais viável e edificante para o
cristianismo, seja não tentar explicar, ou solucionar o problema de forma lógica, em
detrimento de atributos que não podem jamais ser negociados ou tirados de Deus.
Mas, antes de tudo, vamos conhecer um pouco a distinção do problema intelectual e
emocional do mal.
Há uma divisão importante que deve ser feita ao tratar da temática do mal, esta
deve facilitar um pouco a compreensão da temática envolvendo o mal. Esta divisão é
entender a diferença entre o Problema intelectual e emocional do mal. “A realidade
universal do mal e do sofrimento levanta duas categorias de questionamento: a de
cunho filosófico/intelectual (as questões da mente) e a de fundo emocional (as
questões do coração)” (COFFEY, 2012, p. 69). O primeiro é teórico e racional, o último
prático e lida com a realidade presente. Isto nos ajudará a compreender a qual dessas
temáticas o presente trabalho dará mais relevância.
Quando se depara com o problema, o escritor William Lane Craig, começa com
a seguinte afirmação:
De fato, as duas vias nos levam por caminhos espinhosos em busca de uma
resposta ao “porquê?”. No problema intelectual, pode-se chegar à conclusão de que
a realidade do mal, nega a existência de Deus (o ateísmo), em resposta a isso,
filósofos de conceitos monistas, afirmam a existência de Deus e negam a realidade
do mal (panteísmo).11 Via de regra, as análises filosóficas levam, a estas duas
10 O problema do mal. Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. Youtube. 2016. 68 min. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3_4Ue2sZFzw&t=2743s> acesso em: 18 de Maio de 2020.
11 Conceito abordado por: GEISLER, Norman e FEINBERG, Paul D. Introdução à filosofia: uma
1. Deus é onipotente.
2. Deus é totalmente bom.
3. O mal existe.
O ateu sofre, e como para ele tudo é material, e todos os acontecimentos tem
a relação causa e efeito, ele também encontra a ideia acusativa contra a existência
de Deus. Pelo fato desse “deus” deixar, ou permitir o sofrimento daqueles que são
seus súditos. Mas, esse também pode ser o ponto fraco dos ateus, porque diante de
um grande sofrimento duradouro, seu pensamento materialista não encontra
esperança, confiança ou saída.
Tenha muito cuidado quando você fala com alguém que esteja
sofrendo de fato. [...] Não tente defender Deus tentando responder aos
“por quês?”. Essa abordagem provavelmente sairá pela culatra.
Lembre-se de que é o coração que dói, e, quando a dor é grande, a
razão só consegue falar à mente, mas não consegue nem mesmo
chegar ao coração (COFFEY, 2012, p. 72).
É nesse sentido, que a perspectiva como Calvino aborda toda essa temática,
parece falar muito mais ao coração, por meio de uma visão que emana
exclusivamente das escrituras, e que pode ser muito mais eficaz a fé dos que sofrem.
E todos sofrem. Não há injustiça nesse fato, por isso, no próximo ponto, veremos duas
questões antagônicas entre si, ou ao menos, aparentemente.
como traçar, ou ter certeza do que é justo ou injusto? Nesse sentido o padrão de
justiça pode ser simplesmente relativo.
13 Planta das famílias das compostas (Centaura melitensis), considerada praga da lavoura, de flores
amarelas, folhas com espinho, acinzentadas, caule ereto, revestida de pelos (Dicionário Online de
Português).
14 (PASCAL,2016, p. 8) O jansenismo é uma doutrina religiosa inspirada nas ideias de um bispo de
Ypres, Cornelius Otto Jansenius. No século XVI, O movimento tem caráter dogmático, moral e
disciplinar, que assumiu também contornos políticos, e se desenvolveu principalmente na França e na
Bélgica, Defende uma interpretação das teorias de Agostinho de Hipona sobre a predestinação contra
as teses tomistas do aristotelismo e do livre arbítrio.
28
CAPÍTULO 2
É difícil afirmar com clareza e total certeza, qual filósofo começou a tratar
acerca do problema do mal e do sofrimento. A linha histórica, pode ser injusta com
alguns menos conhecidos e que, por ventura tenham abordado o problema antes dos
mais conhecidos. Afirmamos isto, pelo motivo de encontrarmos, em alguns filósofos,
apenas relações, ou melhor, associação entre o que poderia ser melhor ou pior, mal
ou bem.
Tales de Mileto, Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Zenão de Eléia, Empédocles
e Anaxágoras, nos parece que suas preocupações básicas, não era trabalhar
sistematicamente algum conceito do bem e do mal, as três preocupações que
dominavam as reflexões principais para estes primeiros eram: ‘“a busca da
‘monarquia’, a busca da unidade em meio a diversidade e a busca do cosmos sobre
o caos”’ (SPROUL, 2002, p. 15).
Dentro destas perspectivas, das quais se ocupavam os primeiros filósofos, não
encontramos nenhum pensamento mais centralizado na perspectiva do bem e do mal
(pelo menos até onde pesquisamos), exceto Epicuro, já anteriormente citado. Talvez
possamos identificar em Parmênides, ainda que de forma embrionária ou implícita,
algo relativo ao conceito de verdade (o caminho da verdade), justiça, a existência de
algo (o caminho das aparências).
O que a obra de Parmênides traz, como o conceito básico, é a ideia de que
“Tudo que é, é” sua citação mais famosa. Apesar de, parecer-nos a princípio, algo
óbvio, ou redundante, para R. C Sproul, Parmênides compreendeu o princípio ex
nihilo, nihil fit, Conceito de que: nada vem do nada, e se houve um tempo em que não
havia nada, então não haveria nada agora (SPROUL, 2002, p. 23).
Ele expôs seus pensamentos através da poesia em estilo homérico,15 mas nem
por isso, deixou de usar rigorosos argumentos dedutivos em suas colocações.
Argumentos que despertaram a admiração de Platão, que posteriormente, de algum
modo, influenciaria um pouco do pensamento agostiniano, acerca da criação e o
15 Relativo a Homero, poeta épico que teria vivido na Grécia no século VI a.C., presumível autor da
Ilíada e da Odisseia, ou a seu estilo. Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Vol.2, 13ª Edição p.645.
Rio de Janeiro: SKORPIOS, 1979.
29
Inevitável falar de Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Blaise Pascal, sem
antes mencionarmos estes três filósofos. Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.), Platão (428
a 347 a.C.) e Aristóteles (428 a 347 a.C.). O que temos de Sócrates, nos é informado
por Platão, “Como Sócrates não nos legou nenhuma coleção de textos e como quase
sempre estrela o sábio supremo nos Diálogos de Platão, é difícil discernir onde acaba
Sócrates e onde começa Platão” (SPROUL, 2002, p. 29). E, ele não nos dá muita
informação sobre o debruçar de Sócrates e dele próprio, sobre a questão do bem e
do mal.
Mas podemos deduzir, de sua contraposição a um sofista chamado Górgias,
que negava a existência da verdade, que despertou Sócrates para pensar que “a
morte da verdade significaria a morte da virtude, e que a morte da virtude seria o beijo
da morte da civilização” (SPROUL, 2002, p. 30). Sócrates entendia que, sem verdade,
não há virtude e sem virtude (algo bom), o único resultado seria a barbárie (o mal).
Não por acaso, “Há quem diga que, em sua época, Sócrates foi o salvador da
civilização ocidental. Ele percebeu que o conhecimento e virtude são inseparáveis –
tanto que a virtude poderia ser definida como o conhecimento correto” (SPROUL,
2002, p. 32). Muito por conta dessa defesa a virtude e o conhecimento.
Em Sócrates e Platão, destaque-se o contraste com um sofista impetuoso que
influenciado pelo cinismo,16 debateu com Sócrates sobre: o que é a Justiça? Este
chamava-se Trasímaco, que atacou a busca pela justiça. Diálogo registrado, em uma,
de suas mais conhecidas obras: A República, nos livros I e II respectivamente. Dizia
o sofista: “Ouve então. Afirmo que a justiça não é outra coisa senão a conveniência
do mais forte [...] De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a Justiça é a
mesma em toda a parte: a conveniência do mais forte” (PLATÃO, 2006, p. 23).
16O cinismo foi uma corrente filosófica que perdurou do século V a.C., ao século V d.C. vem da palavra
grega kúnitos, que significa parecido com um cão. Fundada por Antístenes de Atenas (444-365 a.C.).
A designação proveio de Diógenes de Sinope, discípulo de Antístenes, por sua conduta vergonhosa,
semelhante à de um cão. Pensava que a felicidade consistia em viver o homem de acordo com sua
natureza. Os cínicos antigos não viam utilidade para a sociedade e seus padrões, preferindo viver de
acordo com a natureza. Para isso, prescrevia a felicidade de uma vida simples e natural através de um
completo desprezo por comodidades, riquezas, apegos, convenções sociais e pudores, utilizando de
forma polêmica a vida canina como modelo ideal e exemplo prático destas virtudes (CHAMPLIN, 2014,
p. 744).
30
17Depois de Platão, um dos mais notáveis, Aristóteles recebe o título de “o filósofo”, mas dentro da
perspectiva abordada, pouco nos remete ao assunto. Devido a vasta variedade de assuntos, abordados
por ele tais como: lógica, retórica, poesia, ética, biologia, física, astronomia, teoria política, economia,
estética e anatomia, além da filosofia metafísica (SPROUL, 2002, p. 59).
31
qual Platão (Sócrates) o chama de bem, e atribui “o mal” a falta daquele, como já
sintetizado anteriormente.
Dentro de uma perspectiva da filosofia Cristã (ou teológica), procuraremos os
mais notáveis, filósofos Cristãos, que de alguma forma, foram influenciados por alguns
dos aspectos dos pensamentos dos filósofos acima citados, e que formularam sua
‘apologética’ Cristã, a partir de alguns desses argumentos, ainda que apenas a ideia
inicial, mas que conseguiram fazer uma transição bem elaborada entre a filosofia e a
teologia.
2.1.2 Santo Agostinho (354-430)
Não há como passar por esse tema e não recorrer ao “doutor da graça”
(SPROUL, 2002, p. 58). Visto, não somente sua importância e relevância, como
evidenciada pelo Dr. Jorge Luis Rodriguez Gutiérrez, quando lembra da sua influência
“É sempre é bom lembrar que Agostinho foi o grande pensador do ocidente e que seu
pensamento teve vigência ainda pelos 800 anos após sua morte, o que o torna o
filósofo de maior vigência cronológica da história da filosofia” (SILVA, 2008, p. 16).
Mas também pelo fato do pensamento agostiniano ter influenciado tantos gigantes da
reforma protestante, dentre os quais, João Calvino é um deles, “Lutero era monge
agostiniano, e Calvino citava as palavras de Agostinho mais do que qualquer outro pai
da igreja” (PIPER, 2005, p. 09).
Nos é dito ainda em relação a sua influência no pensamento da Reforma:
“Agostinho é até hoje um santo da Igreja Católica Romana, mas os líderes da doutrina
protestante, Martinho Lutero e João Calvino, também o consideravam seu principal
mentor teológico” (SPROUL, 2002, p. 64). João Calvino faz uso de parte do seu
pensamento, acerca do problema, em vários pontos de seus escritos, é notável o
número de citações que o reformador faz de Santo Agostinho, percebemos, tanto pela
afirmação supracitada, quanto pela comprovação experimental de ler seus escritos.
Mesmo que discordando em pontos secundários, Calvino o cita constantemente.
Agostinho, como já fora citado no capítulo anterior, teve uma relação íntima e
importante com o tema. Sua terrível experiência entre os maniqueus, rendeu a ele
longos anos de busca pela explicação acerca do mal, que não tornasse Deus seu
criador, ou autor, e que não encontrasse no mal alguma substância que lhes atribuísse
a ideia de que fora criado. Porque, se no mal se encontrasse substância, ele seria
32
criado, então, ou Deus seria seu criador, ou alguma outra força ou deidade lhe havia
criado. Assim pensavam os maniqueus. E, nesse sentido:
Agostinho procurou definir o mal em termos puramente de negação. O
mal é falta, privação (privatio) ou negação (negativo) do bem. Só o que
primeiramente foi bom pode se tornar mau. [...] O mal depende do bem
para sua definição (SPROUL, 2002, p. 63).
Definindo, que Deus não pode ter criado o mal, porque tudo que Deus criou é
bom. “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom...” Gênesis 1:31 (ARA).
Portanto, o mal, é o não ser bom, se o que foi criado é bom, o que não é bom, ou o
mal, não pode ter sido criado. Deduzimos da obra de Ivan de Oliveira Silva (2008),
que há grande aproximação de Agostinho ao pensamento de Plotino, que reside no
fato de que Plotino pontificou que o mal é o afastamento do Uno, ou seja, o mal é um
distanciamento do bem, que ocorre por meio da vontade humana.
Verdade que continua aceita por grande parte da teologia reformada até os dias
de hoje, “[...] o pecado não é uma substância que existe independentemente de
representantes morais. O mal não é algo criado. Não é um elemento. O pecado é uma
realidade moral e ética, não física.” (MACARTHUR, 2002, p.104). Ela, a vontade ou,
o arbítrio é a causa da perversão, ou contaminação do bem, da substância criada boa.
No conjunto do seu pensamento, toda substância criada pelo supremo
Bem é, por natureza, boa. Assim, não é possível falar-se em oposição
eterna entre a substância do bem e substância do mal, pois que esta
última não existe ontologicamente (SILVA, 2008, p. 57).
Após se dar por satisfeito por sua busca nesse primeiro momento, Agostinho
não se preocupa tanto em tratar do problema ontológico-metafísico, apesar de
desenvolver bem toda essa parte, a construir a ideia de que o mal não pode ter sido
criado. Lhe foi de grande relevância essa confirmação, ter essa convicção, pois
encontramos em suas confissões, o quanto esse problema,18 que criara uma
dualidade em sua cabeça, motivada pelos ensinos dos maniqueus, lhe perturbava a
mente “O problema ontológico do mal em relação a Deus acaba por envolver a
onipotência do Sumo Bem, seu caráter e também a indagação se o mal tem ou não
substância criada por Deus ou que a Ele se opõe” (SILVA, 2008, p. 64).
Pela sua própria experiência com o mal, descrita em sua maior parte no livro
supracitado, “em referida obra o pensador de Hipona se vale de seu testemunho
particular para criar doutrina a respeito do relacionamento da espécie humana com o
mal” (SILVA, 2008, p. 31). Ele dá uma ênfase maior a perspectiva ontológico-
19Esse nome refere-se ao sistema doutrinário de Pelágio (360-420 D.C), teólogo britânico, cujos pontos
principais acerca da natureza humana, do pecado e da soteriologia, diferem da ortodoxia ocidental
normal (CHAMPLIN, 2014, p. 184).
34
Embora, aos olhares mais leigos, essa doutrina agostiniana, acerca do pecado
original possa soar insensível, ou ofensivo, ou politicamente incorreta. Na verdade,
não há nada mais bíblico que esse entendimento. Doutrina que serviu, e serve até
hoje, como base da hamartiologia20, antropologia teológica21 e da doutrina da
predestinação22 na fé reformada. Lutero, Zwinglio e Calvino herdaram muito do
pensamento agostiniano.
Mas, voltando a citação acima, retirada da obra confissões, comentada com
excelência por Ivan de Oliveira Silva (2008), quando fala que: o mal não se aprende,
nem depende do meio o qual o ser humano está inserido, ele crescerá e simplesmente
vai aflorar e se revela com o passar do tempo, mas sempre esteve lá. Na interpretação
seguinte, onde encontramos uma explicação ainda mais clara acerca do exposto por
Agostinho:
Tão novas para terem aprendido a controlar ou esconder seus
impulsos, as crianças revelam com transparência o mal que está
nelas. Agostinho não tem dúvidas acerca da seriedade do assunto. A
inveja é, acredita ele, tão forte na criança como seria no adulto. É que
as crianças são fisicamente fracas e subdesenvolvidas, não podendo
agir com seus impulsos malignos tão eficazmente como o poderia o
adulto. É a fraqueza de corpo que torna inofensiva (innocens) a
criança, e não uma inocência de espírito. O mal é, com efeito, tão forte
na criança que parece fornecer a razão mesma para aprender a falar
(EVANS, 1995, p.17).
20 Hamartiologia (do grego[1] transliterado hamartia = erro ou pecado + logia = estudo), como sugere o
próprio nome, é a ciência que estuda o pecado e as suas origens e consequências, ou — se preferível
— o estudo sistematizado daquele tema (pecado). Disponível em:
http://semeandoabiblia.blogspot.com/2011/06/apostila-12-apostila-de-hamartiologia.html. Acesso em:
03/05/2020.
21 A doutrina do homem mormente no que tange a Deus, à sua origem, à sua natureza presente,
atividade, deveres e destino. [...] Na antropologia teológica, o homem é um ser transcendental, ou pelo
menos, está destinado a sê-lo (CHAMPLIN, 2014; vol.1 p.199).
22 O conselho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns para e
a justa reprovação dos restantes. Essa palavra nem sempre é utilizada no mesmo sentido. Às vezes é
empregada simplesmente como sinônimo a palavra geral “decreto”. Em outros casos, serve para
designar o propósito de Deus com respeito a todas as suas criaturas morais (BERKHOF, 2012).
36
“como as doenças, os sofrimentos e a morte, tem significado bem mais preciso para
quem reflete na fé: é a consequência do pecado original, ou seja, é consequência do
mal moral” (AGOSTINHO,1995, p. 16).
Uma consequência vinda sobre a criação, pela desobediência (pecado) do
homem. Mas não apenas dos pecados livremente cometidos por cada pessoa, senão,
também, do pecado originado pela manifestação do livre-arbítrio de Adão e Eva. Esse
pecado, chamado de pecado original, transmite-se a todos os seres humanos, como
uma identidade genética pecaminosa. Que atingiu todo o cosmos.
2.1.3 Tomás de Aquino (1225-1274)
O então Jovem, Tomás de Aquino, teve como mentor, um dos teólogos mais
aplaudidos na época em que Tomás se mudara para a universidade de Paris, aos
dezoito anos. Alberto Magno (Alberto, o Grande), conhecido como “o professor
universal”. Conta-se que neste período, Tomás era visto como motivo de chacotas
entre os colegas, chamado de “o boi parvo de Aquino” levando o seu mentor, certa
vez afirmar que “um dia esse boi parvo deixará o mundo perplexo” (SPROUL, 2002,
p. 68). Bem, foi o que aconteceu.
Sua visão acerca do problema do mal, é bem semelhante à de Santo Agostinho.
Acerca do livre arbítrio dado ao homem pelo supremo bem, seu mal uso, incorrendo
no pecado, e daí o mal moral. O escritor R.C Sproul, descreve cinco respostas de
Tomás de Aquino, em relação existência de Deus, em uma delas ele expõe a prova
dos graus de perfeição, nessa encontramos um perfil do seu entendimento, acerca do
que é bom e o que é mau. Segundo seu pensamento, só podemos julgar ou considerar
algo bom e verdadeiro se tivermos um padrão para tal. Dizemos que algo é bom, certo,
verdadeiro e belo se tivermos uma norma ou padrão máximo (SPROUL, 2002, p. 72-
76). Aos relativistas que acreditam, não haver verdade, na verdade, bem, no bem,
virtude, na virtude.23 Segundo o pensamento tomista, nós não podemos ter algo
relativo a qualquer coisa, a menos que, o que é relativo seja medido por um absoluto.
Ou seja, há um grau máximo medindo todas as outras coisas, a ideia aristotélica
do primeiro motor, o máximo em qualquer gênero é a causa de tudo naquele gênero.
A ideia de hierarquia de bondade (ou de bem), as plantas seriam inferiores aos
animais, que por sua vez seriam inferiores aos homens, que seriam inferiores a Deus.
23 SPROUL, Robert Charles. Filosofia para iniciantes. São Paulo: Vida Nova, 2002.
37
Então, Da mesma forma, é preciso que, haja algo, que seja, em todos os seres, a
causa do ser, da sua bondade e de qualquer outra virtude, ou seja, Deus.
Então, surge a contra argumentação de seus opositores, Deus também teria de
ser máxima ou perfeitamente mau, para aplicar os graus relativos de maldade no
mundo. Assim, como Santo Agostinho, Tomás de Aquino define o mal em termos de
privação e negação. A quanto a alegação de Deus ter que ser o padrão máximo
também em maldade, por ser ele o primeiro “motor”, Aquino responde que “O padrão
fundamental pelo qual temos de julgar o mal não é o mal máximo, mas a perfeição
máxima” (SPROUL, 2002, p. 75).
No sentido ontológico-metafísico, o mal não existe. Assim, Tomás segue
Agostinho e “livra Deus” de ser o grau máximo do que, não existe e nem foi criado. O
mal na filosofia de Tomás de Aquino significa exatamente a carência de perfeição no
sujeito em que se dá. Ele (o mal) é, portanto, a falta, a ausência de ser, de perfeição,
de virtude na natureza do ser, enfim, privação do bem do qual o sujeito deveria
possuir, mas se encontra carente. O mal é no sujeito, porém não tem existência como
sujeito porque a existência do mal depende do existir do sujeito. Assim Sproul
interpreta a visão Tomista acerca do mal.
No entanto, em seu aspecto mais prático e teológico, Aquino parece se afastar
um pouco do que entende Agostinho e o próximo filósofo a ser exposto. Seu estilo é
mais aproximado da filosofia aristotélica, há quem diga que Agostinho cristianizou
Plantão e Tomás de Aquino cristianizou Aristóteles.
Talvez isso tenha influenciado sua conclusão, bem como, a própria visão
escolástica, que nessa fusão de tentar usar a razão para explicar ou entender Deus e
a fé. “Por exemplo, a partir da contemplação da natureza, Aristóteles chegou ao
conhecimento de Deus como causa do universo, porém diante do Deus de Aristóteles
ninguém se prostra em temor e temor” (MADUREIRA, 2017, p. 88). Para Tomás de
Aquino, apenas com a lei natural, o homem era capaz de cumprir as regras morais.
Mesmo sem ter acesso a lei divina, por meio das Escrituras. A filosofia auxilia a
interpretação das Escrituras.
38
Ainda que admita que a fé é quem torna mais clara a razão. Em Tomás de
Aquino, a adesão do homem ao bem, segundo interpreta Paulo Faitanin,24 passa pela
reordenação da vontade, não mais dirigida pela concupiscência da carne marcada
pelo pecado, mas orientada pela aquisição das chamadas virtudes intelectuais, morais
e teologais, as quais disciplinam a natureza e a dispõem à graça, que a revigora na
ordenação ao bem e à verdade. Ou seja, a razão e as leis naturais abrem caminho
para se aproximar da fé. Assim, podemos afirmar que para a escolástica a liberdade
é a capacidade que o homem possui para ser senhor de suas próprias ações. Estas
ações devem ser guiadas pela racionalidade que, no homem,
[...] emana do intelecto (hábito e força oriundos do apetite intelectual,
na busca da verdade e do bem), se manifesta pela vontade (potência
de ordenar-se na eleição livre da verdade e do bem) e se realiza na
escolha (ato que realiza e atualiza o apetite intelectual da verdade e a
potência volitiva do bem). O homem, mediante esta capacidade, pode
querer e não querer, fazer e não fazer. E a razão disso está no próprio
poder da razão (FAITANIN, 2006, p. 124).
Apesar de não responsabilizar Deus pelo mal, há uma demasiada ênfase no
poder da razão humana para que ele se produza. Digamos, que a queda em
Agostinho, foi maior e com mais consequências negativas na capacidade humana, do
que em Tomás de Aquino. Ao menos nesse sentido.
24FAITANIN, Paulo. O Mal como Privação do Bem em Santo Tomás de Aquino. Disponível
em:<http://www.aquinate.com.br/wpcontent/uploads/2016/11/artigo-paulo-faitanin-o-mal.pdf >acesso
em: 12 de maio de 2020, 16:25:50.
39
palavras acerca do “Deus de Abrãao, Deus de Isaque, Deus de Jacó, não dos filósofos
e dos sábios” (PASCAL apud, MADUREIRA, 2017, p. 90). Mas não renunciou ao
trabalho científico. Escreveu durante este período As provinciais, escritas em meio ao
pesado clima religioso do século XVII, são uma série de cartas anônimas vendidas
clandestinamente em Paris e posteriormente publicadas sob o pseudônimo de Louis
de Montalte.
Estas cartas foram redigidas em defesa do jansenista Antoine Arnauld, amigo
de Pascal que estava sob julgamento dos teólogos de Paris por se opor aos jesuítas.
Obra somente publicada após a sua morte, que ocorreu dois meses após o seu 39º
aniversário, quando já se encontrava muito doente, sofria de terríveis enxaquecas.
O que o impeliu a buscar respostas para a questão do mal, foi o aterrador vazio
de sentido para a vida e o medo do arremate final trazido pela evidência e realidade
da morte. Sua reflexão parte do marco bíblico, assim como Agostinho, na queda de
Adão no Paraíso. Conquanto, Agostinho tenha entrado na questão do motivo do
pecado, Pascal não parte para tal minúcia, ele parte da ideia de que simplesmente o
“homem pecou”. E o amor-próprio, é a raiz de todos os pecados e males que se
seguem.
Como nos informa Adrei Venturine Martins, Afim de mostrar que o amor-próprio
é o marco que impeliu o homem à queda, Pascal o faz expressando aquilo que
aprendeu de dois grandes personagens, Há a sugestão segundo Mesnard25 talvez,
estes dois personagens fossem Santo Agostinho, através da obra A cidade de Deus
e Jansenius e a obra Augustinus. Se tal suposição se sustenta, acerca das influências
agostinianas e jansenistas no pensamento pascaliano, não se sabe ao certo, o fato é
que, é inegável que em vários aspectos, há similaridade, principalmente no que diz
respeito a queda do homem, a redenção e a graça irresistível.
Conquanto vemos que, em síntese, Agostinho atribui ao livre arbítrio do homem
sua queda, ou como informa Martins (2017), para Agostinho, o orgulho se manifesta
como a fonte de todos os males, porque é através dele que o homem deseja se elevar
ao mesmo patamar do seu Criador. O orgulho também permeia o pensamento de
Jansenius, quando trata acerca do que ocasionou a queda. Pascal fala muito mais
acerca do amor próprio, e o que seria esse amor próprio como mal?
quando o homem se ama infinitamente, ele se ama sob todas a coisas. Esse pecado,
é repassado a todos os descendentes de Adão. Ao passo que o homem é nesse
estado, alguém que se ama infinitamente, mas que é finito, é o que pascal chama de
grande vazio, ou que há um hiato do tamanho de Deus no homem.
Ai reside todo caráter pessimista em relação ao homem. De modo que, ele nada
consegue realizar de bom, de si mesmo. E está entregue a miséria desse grande vazio
infinito ou abismo infinito, “pois tanto vazio infinito como abismo infinito são figuras do
abandono de Deus, isto é, o próprio objeto infinito” (MARTINS, 2017, p. 211). E o que
o homem faz para lidar com isso? Para pascal, de acordo com o fragmento 136 dos
pensamentos (PASCAL, 2002), ou o ser humano está no tédio,26 ou no
divertissement.27 Não há uma possibilidade de uma felicidade perene e duradoura
nessa vida, eis o mal, ou o homem está entregue totalmente ao seu estado de ruína,
loucura, inerte com a ciência de si mesmo (tédio), ou se auto enganando, impedido
de pensar, insensível, alheio a sua condição, (divertissement).
Diante de tal visão pessimista do homem, qual a solução para esse mal? Pascal
recorre a Agostinho, e aponta que o vazio eterno, que o amor-próprio produziu, só
pode ser preenchido se esse amor infinito encontrar seu verdadeiro objeto de
devoção, e ele aponta o Cristo mediador. Diferentemente de Aristóteles e Tomás de
Aquino, que buscavam chegar ao conhecimento de Deus e sua vontade moral a partir
das leis naturais,
Pascal expressou sua recusa do Deus dos filósofos, para ele, o
conhecimento de Deus independente de Jesus Cristo é inútil, e,
dependendo do contexto, pode ser até prejudicial, uma vez que
favorece apenas a vaidade e a soberba” (MADUREIRA, 2017, p. 91).
E essa condição, só pode ser mudada pela graça de Deus, revelada no Cristo
mediador. Essa graça ele dá a quem ele quer, e somente o objeto infinito poderia
cumprir às exigências do sacrifício perfeito. O homem precisa de redenção, mas ela
não está em seu poder, nem nas criaturas, ela não pode ser conquistada ou merecida.
“É prerrogativa soberana de Deus dar a sua graça a quem lhe agrada (Rm 9.18). Até
26 Tristeza profunda do homem, é a condição miserável que permite à criatura ver a si mesma sem
desvio, sem ofuscamento. O homem percebe toda sua fragilidade no tédio, identifica tudo que o
ameaça, sejam as doenças, a morte, os acidentes, a tortura, a prisão, o abandono e a solidão
(MARTINS, 2017, p. 225).
27 Divertimento. A diversão nos consola de nossas misérias porque ela é capaz de nos fazer esquivar
de nossas misérias. O divertissement tem seu efeito anestésico da existência (PASCAL, 2002).
42
mesmo com aqueles que ele escolhe para chamar, justificar e purificar, ele reserva o
privilégio de declarar paz a consciência deles” (LUNDGAARD, 2014, p.130).
Esse é o entendimento de graça irresistível, e seu real sentido, que vem desde
Agostinho e que o calvinismo carrega até os dias de hoje. Cristo mediador, segundo
Pascal, aparece como solução definitiva para esse estado de total desgraça, entregue
ao mal do homem. Mas somente aos que recebem dele, a graça. Esse aspecto da
graça como solução para o mal no mundo é característico em Agostinho, Blaise Pascal
e Calvino, mas há tentativas de explicar ou resolver o problema do mal, totalmente
distintas do que mencionamos. Como veremos adiante.
2.2 Das principais religiões orientais
28A palavra karma é originária do sânscrito oriental Kar (fazer) e Ma (efeito), ou seja: consequência.
SHIMIDT, Alaid Shivone. Como encarar o sofrimento: as cosmovisões existentes e a teologia de Deus.
São Paulo: Arte Editorial, 2008. p. 39.
43
causa foi boa ou não. Como nos diz (MCDOWELL, 2006, p.303), “No hinduísmo, a
presente situação existencial de uma pessoa é determinada pelo desempenho de
suas vidas passadas”. Se a pessoa pratica atos íntegros, ela se dirige para sua
libertação do ciclo de nascimentos e mortes sucessivos. Mas se, ao contrário, os atos
da pessoa forem maus, ela se afastará ainda mais da libertação.
Dar-se a isso, a saber, a libertação, o nome de Mocsa, ou mukti, liberação da
alma da roda do karma. Eles são estimulados a buscar o mukti, e fugir do samsara.29
Esse renascimento, ou transmigração da alma podem ser infinitos.
Essa cadeia ininterrupta consiste no sofrimento resultante dos atos de
ignorância ou pecado em vidas passadas. A cada sucessivo
renascimento, a alma, que os hindus consideram eterna, move-se de
um corpo para outro e leva consigo o carma de sua existência anterior
(MCDOWELL, 2006, p.303).
Esse renascimento pode se dar numa forma mais elevada, como nascer em
uma casta superior, ou decaída, assumindo uma condição em uma casta inferior, ou
até mesmo em forma de um animal, visto que a roda do karma, se aplica tanto a
homens, quanto a animais. Por isso se tem alta estima pelos animais, no hinduísmo.
Então, de acordo com o hinduísmo, a única forma de se livrar do mal é se livrar
do samsara, atingindo o Nirvana, “a sabedoria resultante do conhecimento de si
mesmo e de todo o Universo” (SHIMIDT, 2008, p. 41). O caminho para o Nirvana,
passa pela desvalorização dos aspectos corpóreos e sensíveis do homem, pelas
práticas religiosas, pelas orações e pela ioga, esta contém poderes místicos de
purificação da mente e melhora do corpo. Resumindo, “o mundo físico é uma ilusão:
no mundo tridimensional, designado maya, o homem e sua personalidade não passam
de um sonho” (SHIMIDT, 2008, p. 42).
Ou seja, o mal não existe, é uma ilusão ou, um tropeço da mente para impedir
a busca do Nirvana. Através da ioga, seguindo o que eles chamam de oito passos
para transcender ao universo impessoal, no qual o praticante perde o senso de
existência individual.
Tanto para (SHIMIDT, 2008), quanto para (MCDOWELL, 2006), A dificuldade, na
aceitação dessa doutrina, bem como outras que admitem esse processo de
reencarnação para melhoria, é o próprio fato, da pobreza e miséria que assola a terra,
principalmente as regiões onde elas são professadas. Continua a existir, fome, crimes,
desvios de caráter, geração após geração, mais sofrimento e mal se encontra, se essa
roda do karma, é para a melhoria da pessoa, como explicar tal realidade? É uma
dificuldade evidente para os que professam essa doutrina.
2.2.3 Budismo
Surgiu na Índia, cerca de 500 A.C, as pessoas estavam desiludidas com certas
crenças do hinduísmo, muito mais pelo sistema de castas. Na verdade ao que relata
(MCDOWELL, 2006), muitas seitas diferentes surgiram do hinduísmo, mas a mais
influente delas com certeza foi o budismo. Buda (Siddharta Gautama), é o seu
fundador específico. Existem dois tipos de budismo, o budismo teravada, mais
primitivo, ficou basicamente restrito a Índia, e posteriormente o budismo se tornou
muito popular em especial na China e Japão, e este foi denominado budismo maaiana.
Buda (Siddharta Gautama), resumiu os seus ensinamentos nas “quatro
verdades” as quais versam sobre o sofrimento e como se livrar dele. Acerca das quais
(SHIMIDT, 2008), apresenta as seguintes ideias: a primeira se baseia na palavra
dukkha, significa dor, sofrimento. Esta palavra lembra a roda viva de sofrimentos e
renascimentos sem fim, assim como no hinduísmo, chamada de samsara, diante da
existência dos sofrimentos, Buda prega que os homens devem despertar para essa
realidade, não vendo como natural e impossível de mudança, mas buscando a
libertação. A segunda verdade é chamada Samudaya, o diagnóstico da dor. A causa
principal do sofrimento é o apego ao desejo e ao intenso querer humano.
O budismo ensina que o sofrimento não é consequência de obras
passadas, mas de desejos não realizados, que por sua vez resultam
da ilusão de que somos seres individuais. Assim como os gregos
estoicos, Buda ensinou que a solução para o sofrimento é extinguir o
desejo por meio de uma mudança da consciência (KELLER, 2016, p.
28-29).
eternamente. O mulçumano tem uma relação muito íntima com o mal e o sofrimento,
que conforme o autor acima mencionado, são intensificados pela rigidez de
observância dos deveres e por tomar parte no Jihad (guerra Santa), para “reformar o
mundo”. É oferecido a qualquer mulçumano que pereça numa guerra defendendo os
direitos do islamismo ou de Alá, a vida eterna garantida.
Por essa razão, não faltam “guerreiros”, dispostos a tomar parte nessa “guerra
santa”, não têm medo de morrer ou de passar por qualquer risco ou sofrimento. Para
isso, devem se infiltrar no mundo e estabelecer seu domínio a qualquer preço. O
fundamentalismo islâmico, se impõe pela dor, pelo aumento do sofrimento e pela
imposição de regras. Assim, ao que parece, o sofrimento e o mal para eles não são
coisas que devam ser evitados ou, aliviados.
2.2.5 Religiões dualistas
Deus criou o mundo sem dor nem sofrimento, tudo que Deus criou era bom.
Mas Adão se rebelou contra Deus, e consequentemente toda raça humana ficou sob
a maldição de Deus. Há dor e sofrimento no mundo, porque estamos sendo punidos
por termos nos rebelado, em Adão, contra Deus. Até aqui, não há problema algum
com a teoria, por estar de acordo com as Escrituras.
No entanto, individualmente: “No âmbito individual, a punição é agravada em
consequência de nossa própria marca de rebelião” (COFFEY, 2012, p.73). Essa é a
teoria da punição. A questão é que, embora haja em cada uma das teorias sugeridas
como solução para o problema, aspectos verdadeiros, não abrangem o todo da
questão.
30 Chamaremos de teorias, com base no esclarecimento dado por (COFFEY, 2012, p. 72-75), ao se
referir as tentativas de muitos teólogos em explicar, um Deus amoroso e um mundo onde coisas ruins
acontecem. Entendemos cada uma delas isoladamente também, como teoria.
48
A teodiceia do livre arbítrio tem uma longa jornada na história, “[...] remonta a
Santo Agostinho” (KELLER, 2016, p. 107). Mas, conforme analisamos antes, há certa
diferença, certas nuances em relação a visão de livre arbítrio em Agostinho, para esta
mais comum e normalmente difundida principalmente em círculos arminianos. Em
31 KELLER, Timothy. Caminhando com Deus em meio a dor e ao sofrimento. São Paulo: Vida Nova,
2016.
32 WRIGHT, R.K. McGregor. A soberania banida. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
33 YANCEY, Philip. Decepcionado com Deus: três perguntas que ninguém ousa fazer. São Paulo:
Mundo Cristão, 2012. E YANCEY, Philip. A pergunta que não quer calar. São Paulo: Mundo Cristão,
2015.
49
termos menos rebuscados, ela se apresenta com a ideia de que: Deus não nos criou
para sermos robôs ou animais com instinto, mas agentes racionais e livres, com
capacidade de escolher.
Temos capacidade de escolher tanto o bem, quanto o mal livremente. Assim
podemos abusar do livre arbítrio, e essa é razão para a existência do mal. E, até aqui
está de acordo com basicamente toda ontologia-deontológica de Agostinho. Assim,
não seremos “bichinhos de estimação” Deus quer ter filhos amorosos. Jean-Paul
Sartre explicou bem essa ideia ao dizer: “quem deseja ser amado não quer a
escravidão da pessoa amada [...] Se a pessoa amada se transforma em autômato, o
apaixonado acaba sozinho” (apud KELLER, 2016, p. 107).
É exatamente o que diz a teoria do livre arbítrio. Para o amor de fato existir,
você precisa ter liberdade. Acontece que nessa visão menos rebuscada, o livre arbítrio
ainda existe efetivamente nos homens, nem ao menos tentam fazer como Agostinho
ao falar em liberdade da vontade. Dizem: Se não formos livres para escolhermos fazer
o mal, odiar, as nossas escolhas para amar, fazer o bem, desejar e querer o bem, não
significam nada, seríamos marionetes e marionetes não amam. Mas essas respostas,
ou tentativas de justificar a Deus, podem até soar bonito e romântico por um tempo,
aos ouvidos menos treinados na apologética cristã ou, na própria filosofia. Basta um
simples argumento de algo da vida prática, para que se detecte a ineficácia da teoria
do livre arbítrio.
Ensinei a cada um de meus três filhos, do mesmo jeito, a andar de
bicicleta. Com cada um deles, eu tirava as rodinhas e mandava que a
criança vestisse um moletom bem grosso. Saíamos para a rua, e eu
pedia que subisse na bicicleta. Eu agarrava a parte de trás do moletom
e dizia: “comece a pedalar!”. Eu segurava firme, correndo ao lado da
criança, corrigindo-a cada vez que perdia o equilíbrio. Enquanto eu
segurava, meus filhos não sentiam nenhuma dor e se divertiam muito.
[...] cada um dos meus filhos em algum momento se virava para mim
e dizia a mesma coisa: “pode largar! Pode largar!”. É o grito do coração
humano. Liberdade. “Deixa comigo!” então eu deixava. [...] sabia que,
mais cedo ou mais tarde, aquela criança experimentaria a dor. A culpa
era minha? Sim e não. Meus filhos precisavam de liberdade e a
queriam, mas com a liberdade vinha o potencial real da dor (COFFEY,
2012, p. 73/74).
Percebemos o problema com essa teoria? Não justifica a Deus. Se Deus é tanto
amoroso quanto poderoso, em seu amor ele poderia não nos soltar “o moletom”,
porque ele sabe que iremos cair. Mesmo que nos achemos autossuficientes para
querer andar livre. Ou, em seu poder, ele poderia simplesmente não nos deixar cair,
50
nos dar liberdade, mas nos livrar do mal, que o uso dessa liberdade pode nos causar.
Essa ideia não faz jus aos inúmeros casos de sofrimentos que encontramos nas
escrituras. Outra analogia ainda torna mais clara, a ineficácia da teoria do livre arbítrio
diante do mal e do sofrimento.
Se eu visse meu filho mais novo pedalando no meio do trânsito, não
sentaria e pensaria: “isso não vai dar certo, mas não quero violar o
livre arbítrio dele”. De maneira nenhuma! Eu correria e o arrancaria da
bicicleta, e, quando ele percebesse o que poderia ter acontecido, me
agradeceria por violar seu livre-arbítrio (COFFEY, 2012, p. 74).
Assim como a teoria da punição, ela não explica por exemplo, a questão da
distribuição do mal. Porque pessoas que “supostamente” usam seu “livre arbítrio” de
maneira mais equilibrada que outros, sofrem mais do que as que se esquivaram de
uma vida cristã correta? A proporção do sofrimento, não pode ser explicada pelo livre
arbítrio. Essa realidade é reconhecida até por quem é adepto da teoria do livre arbítrio:
Quando era um cristão bem jovem, pensava que tais coisas não
acontecessem a cristãos que estivessem andando na vontade de
Deus. [...] os cristãos que experimentavam sofrimentos inúteis e
gratuitos deviam estar desviados da vontade de Deus. Mas tal
perspectiva é ingênua e obviamente incorreta, porque os justos e
inocentes realmente sofrem.” (CRAIG, 2010, p.85).
A teoria do livre arbítrio, tem sido a solução mais popular para o problema do
mal, mas tem, contudo, sido ineficiente em vários aspectos, por exemplo quanto a
soberania e a providência de Deus. Como nos diz John W. Robbins ao prefaciar Deus
e o Mal, o problema resolvido:
O argumento do livre-arbítrio é a solução proposta com mais
frequência para o problema do mal, mas na verdade ela procura
resolver o problema concordando com uma das alternativas do
problema: o argumento do livre-arbítrio admite que Deus não é
onipotente, pois o livre-arbítrio pode verdadeiramente frustrar a
vontade de Deus (CLARK, 2010, p.16).
A teologia reformada diz que, não há uma causa à parte de Deus, muito menos
o acaso, visto que Deus é a causa primária de tudo que veio a existência. Para a teoria
do livre arbítrio:
Se os sofrimentos do mundo não são totalmente determinados, eles
devem ao menos ser parcialmente indeterminados. Isso é o que a
suposição do livre arbítrio requer. Os atos da vontade não são
determinados por um estado de coisas anterior seja de dentro da
natureza humana (a escravidão da vontade ao pecado) ou de fora (p.
ex., Deus não atropela a liberdade da vontade). [...] a defesa
tradicional do livre arbítrio tenta libertar Deus da responsabilidade
pelos erros na sua criação, tirando-o do controle soberano por meio
de um indeterminismo parcial. (WRIGHT, 2007, p.195).
51
Segundo Wright, a palavra utilizada pela reforma, para negar essa concepção
do livre arbítrio é determinismo. O significado de determinismo é que todos os estados
de coisas no cosmos criado, são causados por um estado de coisas anterior, não
houve nenhum acontecimento não causado, ou fruto do acaso. Os acontecimentos
têm causas, físicas, morais, mentais espirituais direta ou indiretamente de Deus, mas
nada acontece sem uma causa suficiente.34
Quando chamamos um acontecimento de acaso é porque ele não parece ser
controlado ou causado, significa dizer que é imprevisível. Ou seja, não podemos saber
quando ele irá para um lado ou para outro. Essa crença no acaso, é uma função da
nossa ignorância acerca da causação e também dos relatos bíblicos, sobre uma causa
primária que guiou toda a história. “A doutrina da criação em si mesma exige um alto
grau de determinismo. Consistentemente a Bíblia apoia isso com abundantes
preceitos e exemplos” (WRIGHT, 2007, p. 200). Mas, a despeito do determinismo
Bíblico vamos falar um pouco mais adiante no próximo capítulo.
2.5 A teoria da lei natural
As leis foram criadas para reger todas as coisas no universo, essas leis naturais
são necessárias para que o universo funcione corretamente. De acordo com essa
teoria, alguns tipos de ação sempre têm as mesmas consequências. Segundo a
filosofia aristotélica, herdada por Tomás de Aquino, como citado anteriormente. As leis
naturais explicam muita coisa e através delas você pode chegar ao conhecimento de
Deus. Se você as conhece, pode prever as repercussões e quebrá-las.
Como uma criança que se machuca todo tempo, como cair de árvores sempre,
bater sempre em objetos sólidos, tropeçar e cair por conta da velocidade... “Massa
mais velocidade é igual a impacto” (COFFEY, 2012, p. 75). As leis naturais não se
curvam nem a uma criança, para cada ação, há uma reação.35
34 Conceito explicado em: WRIGHT, R.K. McGregor. A soberania banida. São Paulo: Cultura Cristã,
2007. p. 195.
35 Terceira lei de Newton. Lei III: A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as
ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.
52
como Deus poderia ter feito aquilo com ela? Ela havia violado uma lei moral, e aquela
era a consequência previsível.
Então, para a teoria da lei natural, todo mal e sofrimento, nos sobrevém, de
acordo com nossas escolhas, quando violamos as leis naturais, sofremos, nos
machucamos. Embora haja verdade bíblica nessa tese, no que se refere também a lei
moral, nesta teoria, não consegue responder a toda a questão.
CAPÍTULO 3
Uma teologia equilibrada e bíblica, acerca das ações humanas, deverá sempre
enfatizar a condição natural do homem, sua situação de queda moral, diante de Deus,
seu criador, como já fora introduzido no capítulo dois do presente trabalho, acerca da
visão pascaliana da queda. Apesar de não encontrarmos na história, pelo menos até
onde pesquisamos, nenhuma interação ou influência do pensamento de João Calvino
no pensamento de Blaise Pascal, é possível deduzir que pela proximidade geográfica
e por Pascal ser posterior a Calvino, Pascal pode sim ter sido influenciado nesse
aspecto pela teologia de Calvino.
O que se sabe pela história é que, Blaise Pascal, por sua vez, sob uma
influência predominantemente agostiniana e jansenista, concorda com o reformador
do século XVI, no tocante a natureza caída do homem, sendo portanto, a sua vontade,
totalmente cativa ao pecado. Tanto para agir na causação de males e sofrimento,
quanto para sujeitar toda a criação a situação de queda e incapacidade de interpretar
e julgar o que é mal, adequadamente.
54
Nesta perspectiva, tem sua vontade cativa, essa vontade também sujeitou a
criação e suas próprias ações, conforme veremos. O homem é totalmente responsável
pelo mal que está dentro de si, o mal que lhe dirige, o faz pensar e agir de acordo com
tal disposição, pois sua natureza é inclinada a isso. Ele é escravo de sua natureza,
Calvino sempre foi muito resoluto em apresentar tal posição da condição humana, “Tal
é a corrupção hereditária a que os antigos chamaram pecado original, entendendo
pela palavra pecado a depravação da natureza até então pura e boa” (CALVINO,
2008, p. 230). Assim como Agostinho, Calvino também admite que o homem foi criado
bom e puro, o mal uso da liberdade tornou a natureza pura, em impura. Contaminando
assim, tudo o que Deus criou e sujeitou ao homem.
Quando Calvino comenta o Livro do profeta Oséias, no capítulo 4.3, ele explica,
o que Deus está trazendo a memória dos israelitas que haviam se desviado e virado
as costas para Deus, que sua punição, o seu abandono, remonta a maldição
derramada pós queda adâmica a toda criação. “Por isso a terra se lamentará, e
qualquer que morar nela desfalecerá, com os animais do campo e com as aves do
céu; e até os peixes do mar serão tirados” (Oséias 4.3).
ser inspirado pela devoção ou por ser impelido pelo zelo” (INSTITUTAS, II, IV, 1). Por
ser a vontade do homem totalmente cativa ao pecado, esse é um dos motivos pelos
quais, o homem é incapaz de exigir, ou discutir com Deus acerca dos sofrimentos
presentes. Ao que, assevera as escrituras “por que, pois, se queixa o homem vivente?
Queixe-se cada um dos seus próprios pecados” (Lm 3.39).
A carta de Paulo aos Romanos (6:23 e 8:6), são lembretes, para Calvino, que
o homem está morto espiritualmente, caminhando para uma morte física, que trará a
morte eterna. Nos dois textos bíblicos supracitados (CALVINO, 2001), lembra-nos que
deixados a seguir o curso da própria natureza, pulamos em um abismo, do qual não
há outra saída senão a morte. A menos que haja uma interrupção, um despertar, um
abrir de olhos, todos nós queremos, por natureza nos jogar nesse abismo.
Este fato, nos faz perceber, o quanto o nosso julgamento acerca das vontades
e decretos de Deus, podem ser falhos. Pois o homem é incapaz de medir as vontades
e decretos de Deus, sem incorrer no engano, e fatalmente falhar nesse intento. Isso
acontece com relação ao mal e ao sofrimento. Enquanto uns buscam entender o
porquê do problema, e assim, tentar entrar na mente do Criador, Calvino se satisfaz
com o que a Bíblia entrega, acerca das consequências de um ato de desobediência.
Na verdade Calvino faz poucas menções sobre os males físicos que, como
vimos, são o resultado do mal moral. Mas ainda assim, fala o suficiente para
entendermos que por conta dessa escravidão da natureza humana e esse jugo
maldito sob a criação, o mais terrível mal sobrevém a todos. Tomando esse princípio,
59
É notável que Calvino nas institutas, dedique pelo menos três capítulos a tratar
da queda e da condição humana, pós queda e inicie o capítulo sobre a atuação de
Deus, lembrando ainda dessa condição do homem.38 Se contentando com o que diz
a escritura, ele esteve bem à vontade para tratar da situação do homem, da ação do
diabo e da responsabilidade de Deus, acerca do mal.
Observamos no curso do trabalho, que a ideia do mal como sendo algo criado
(sem levar em conta Platão), que também nega corporeidade no mal, foi
desconsiderada por Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Blaise Pascal e embora
Calvino não aborde a temática de forma cosmológica ou metafísica, fica evidente que,
o ponto de partida de Calvino também não é esse. Se assim fora, seria aceito a
posição dualista, de alguma natureza criada a parte de Deus, e ai segue-se que
haveria uma outra força capaz de criar. No cristianismo há pelo menos dois grupos de
pensamentos distintos duelando em duas respostas quanto a responsabilidade de
Deus diante do mal.
Outro grupo que duela por uma solução plausível é a proposta do livre arbítrio
(arminiano, diferente do apresentado por Agostinho). O livre arbítrio é um bem, e foi
concedido por Deus para se alcançar a felicidade, embora seja o causador do mal.
Para esses, o homem pós-queda, ainda tem livre arbítrio, para escolher o mal ou o
bem. Deus não tem nada a ver com o mal, Deus está totalmente livre de
responsabilidade e da autoria do mal. Deus é o criador de todas as coisas, sem,
contudo ser o autor do mal.
Em última instância, Deus previu o mal. Segundo (LIMA, 2016), alguns dizem
que Deus nem sequer previu. Também há dois problemas. O problema teológico:
conforme já apontado, a despeito dessa ideia, de algum modo, Deus não é soberano
sobre tudo, esvazia a soberania de Deus, abre brechas para o teísmo aberto ou,
teologia relacional. Ele é o criador, mas não o governador. Em tese, pode não haver
solução para o mal. Se Deus não pode interferir na ação do homem em relação ao
mal, quem garante que o mal será eliminado?
E o grande reformador nos informa que, nas ações, ou nos eventos onde se
infere o mal e o sofrimento, aqui muito mais no sentido moral, mas não descartados
eventos naturais, que como vimos, derivam do primeiro ato de desobediência. Calvino
aponta que, há uma tríplice operação, atuação ou ação na causação desses males, a
saber, a ação de Deus, do homem e do diabo. Lembremos que nesse aspecto,
Agostinho não foi muito adiante, atribuindo toda responsabilidade, ao livre arbítrio do
homem e seu mal uso. A partir daí, o mal e o sofrimento seguem o homem por toda a
vida. Mas, é uma questão inegável, o fato de que o mal no mundo, não pode ser
somente resultado de uma punição a um mal uso do livre arbítrio. O mal continua a se
reproduzir, ano após ano, mês após mês, dia após dia, e se cremos que Deus tem um
plano de redenção, ele certamente não foi pego de surpresa quando o homem pecou.
É isso que Agostinho não respondeu, atribuindo apenas a permissão de Deus.
62
[...] a bíblia acentua que Deus nunca permite que o mal lhe escape das
mãos. Ele o controla; ele o restringe. [...] ele pode estar preso por uma
corrente comprida, e ser capaz de fazer indescritível dano a multidões,
mas seu reinado e seu governo não são absolutos (FITCH, 2005,
p.20).
Cremos aqui, estarem sustentadas as duas verdades em Deus, devidamente
explicadas, não sendo absurdo, atribuir a mesma realização, “má” a Deus, a Satanás
e ao homem. Assim Deus nem é autor do pecado, do mal, no sentido de executar
ativamente, nem pela finalidade, nem pelo modo de agir, nem é aquele Deus que está
alheio ao mal, ou que apenas o observa. Assim, Calvino nos faz entender que “[...] a
diversidade da intenção e dos meios que a ela conduz, fazem que a justiça do Deus
apareça imprescindível e torna evidente a maldade de satanás e do homem”
(INSTITUTAS, II, IV, 2).
3.3 Tal ação de Deus sob o mal e o sofrimento não é simples presciência nem
mera permissão.
64
Essa questão, está bem clara na visão de Calvino, Deus é totalmente fiel a si
mesmo e a sua Justiça, quando endurece os ímpios, o move, o inclina, cega e impele
seu coração a coisas que são contrárias seus próprios mandamentos. Entendemos,
que para que esse ponto fique mais abrangente, seja necessário retornarmos um
pouco ao que Calvino fala a respeito no primeiro livro, capítulo XVIII. Pode parecer
absurdo, ele reconhece, que um homem se torne mais cego pela vontade de Deus,
sendo que, depois o homem sofrerá as duras penas de sua cegueira (INSTITUTAS, I,
XVIII,1). Embora de forma tão racional não se explique como se dá, é a verdade
Bíblica. Para Calvino está claro, que os homens nada fazem senão pelo secreto
arbítrio de Deus, e as escrituras testemunham isto: “Deus faz tudo o que quer” (Sl
115.3). Ainda que muitas dessas ações, sejam desaprovadas por Deus.
algo em um sentido, e não querer a mesma coisa em outro sentido. Mesmo que o
intuito de Piper, em tal afirmativa, seja responder a pergunta: Deus deseja que todos
sejam salvos? E não em relação ao mal. Ainda assim, o princípio da vontade de Deus
prevalece, o que fica claro é que, não pode ser desconsiderado, o fato de Deus fazer
tais coisas. Há no ser humano uma dificuldade em entender essas duas verdades em
Deus, ou simplesmente aceitá-las, embora a verdade de Deus seja una e simples,
segundo apresenta o Apóstolo Paulo, ela parece multiforme para nós (Ef 3.10).
A própria morte de Cristo está permeada desses exemplos. E constitui uma das
melhores provas para tal afirmação. A traição de Jesus por Judas, foi um ato
moralmente mau, inspirado diretamente por Satanás “Entrou, porém, Satanás em
Judas, que tinha por sobrenome Iscariotes, o qual era do número dos doze” (LUCAS
22.3). Todavia, em outro lugar, é afirmado que na verdade, Jesus foi entregue pelo
desígnio de Deus. “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e
presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;”
(ATOS 2.23). Aqui recordamos o que vimos anteriormente, acerca da tríplice operação
66
nas obras más. A traição foi um pecado que envolveu a instrumentalidade de Satanás,
mas era parte do plano de Deus. Percebamos que “há um sentido em que Deus queria
a entrega de seu filho, embora esse ato fosse pecado” (PIPER, 2014, p. 28). O
desprezo de Herodes (Lc 23.11), a covardia de Pilatos (Lc 23.24), o clamor dos Judeus
pedindo sua crucificação (Lc 23.21), o escárnio dos soldados romanos (Lc 23.36).
Todas estas obras foram pecaminosas e más. Destaque-se, que tudo isso não
foi mera permissão, nem presciência, visto que o plano da redenção já estava
estabelecido. As formas de como o Cristo haveria de padecer, foi profetizada. Cada
ato (Sl 40.10; Sl 55.12-14; Zc 11.12; Zc 11.13; Zc 13.7; Is 50.6; Is 53). Pensemos, se
Deus dependesse do livre arbítrio do homem, para cumprir cada determinação e cada
ato do assassinato do seu filho, quem garantiria que tudo aconteceria na plenitude
dos tempos? “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei, Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de
recebermos a adoção de filhos” (Gl 4.4,5). Para que tudo estivesse conforme o que
havia sido predeterminado e profetizado. De modo que, também não é mera
permissão, pois o plano de redenção havia sido decretado, a salvação dos pecadores
eleitos havia sido determinada por Deus. Não foi um segundo plano ou uma segunda
chance.
40 LIMA, Leandro. O que diz a Bíblia: o problema do mal. 2016. (68m00s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3_4Ue2sZFzw&t=2743s> acesso em: 18 de Maio de 2020.
67
Houve, uma atuação efetiva do Senhor Deus, nos males sofridos por José,
infligidos por seus irmãos, na calunia da mulher de Potifar (Gn 39.1-23), no endurecer
o coração de Faraó (Êx 9.12; Rm 9.17-18), na deliberação autorizando que seu servo,
Jó fosse afligido (Jo 1.12), e obviamente no maior ato de mal e sofrimento, contra o
seu próprio filho, Jesus Cristo. Em todos estes grandes acontecimentos, Deus
determinou que tais coisas acontecessem, se utilizando dos pecados dos ímpios, e
também da astúcia do diabo, como nos casos de Jó, bem como para seduzir a Judas,
para fazer exatamente conforme determinou, que Jesus cumprisse o propósito de ir a
Cruz. Lucas expressa a ação do Senhor em tudo isso.
tempo, não é problema para Calvino. Os que negam tal realidade “tergiversam
alegando que isso ocorre somente pela permissão de Deus, mas não por sua vontade.
Na verdade, ele próprio, declarando abertamente que faz isso, impede tal subterfúgio”
(INSTITUTAS, I, XVIII, 1).
O salmista entende que Deus faz tudo que é do seu agrado (Sl 115:3), assim,
Calvino entende que, os homens nada fazem senão pelo secreto arbítrio de Deus, e
prova-se esse argumento, pelos diversos testemunhos bíblicos já citados, ninguém
faz nada, a menos que “Deus já o tenha decretado e em sua secreta direção o
estabeleça” (INSTITUTAS, I, XVIII, 1). É acertado concluir que, no caso de Jó, na
grande provação pela qual passou, Satanás e os ladrões ímpios foram servos, Deus
foi o Senhor da ação (1.21). Não no sentido de que Deus tenha praticado a ação, as
ações, embora livres e deliberadas, não escaparam pelos dedos de Deus, antes, Deus
sabia de como tudo se daria, mesmo assim, determinou que fosse feito. Ele é senhor
da ação, percebamos que o próprio Deus, toma a iniciativa da conversa, “donde
vens?” (1.7), e ainda “observastes o meu servo Jó?” (1.8).
O que se segue é bem nítido, Deus parece estar sugerindo, ou querendo que
satanás lance uma de suas setas contra Jó e a respeito do próprio Deus. Aqueles dois
fundamentos levantados por Calvino anteriormente, o que distingue às ações do
Senhor e do Satanás é a finalidade e o modo de agir. A finalidade de satanás é fazer
Jó blasfemar diante da face de Deus (1.11), o modo de agir é perverso, envenenando
os ímpios, sabeus e os caldeus, como já observado. A finalidade de Deus é mostrar
que, o satanás levantou vãs acusações, contra Jó e contra a Deus. “Satanás está aqui
insinuando duas coisas: primeiro, que Deus precisa subornar as pessoas com
bênçãos para receber delas adoração. [...] segundo, que Jó só serve a Deus por
interesse” (LOPES, 2014, p. 37). E o agir de Deus é evitar que o Diabo avance mais
do que lhe foi determinado, preservar à vida do seu servo, mesmo em meio a tragédia.
Porque é sempre o senhor quem dá a última palavra: “eis que tudo quanto ele tem
está em teu poder;” (1.12), “eis que ele está em teu poder; mas poupa-lhe a vida” (2.6).
Outro exemplo bíblico, Deus quis que o rei Acabe fosse enganado, o diabo se
ofereceu para isso, e assim foi enviado por uma ordem, para ser o espírito de mentira
na boca dos profetas (1 Rs 22.20-23), a cegueira de Acabe vêm da justiça divina,
assim “a figura da mera permissão se esvai, pois seria ridículo o juiz apenas permitir
69
o que seja feito, e nem decretar nem mandar a seus servos que o executem”
(INSTITUTAS, I, XVIII, 1).
Absalão, ao macular o leito do pai com uma união incestuosa, comete um crime
abominável, esse crime viola a lei de Deus (2 Sm 16.22), no entanto, Deus declara
que é obra sua e como uma espécie de punição a Davi, pelo seu erro em secreto, ele
iria expor os do seu filho (2 Sm 12.11,12). O profeta Jeremias deixa claro, que é Deus
quem age na perseguição dos Caldeus na Judéia (Jr 1.15), Nabucodonosor é
chamado servo de Deus (Jr 25.9; 27.6). Chama a Assíria de “vara de sua ira” e “bastão
do seu furor” posto em suas mãos (Is 10.5). Estes são apenas, alguns dos:
Não adianta dizer apenas que Deus previu, se ele não tivesse também
determinado, seria o mesmo que cortar de Deus um de seus atributos, com a ideia
apenas da presciência, se mantém sua onisciência, mas por outro lado se cortaria sua
onipotência, a capacidade de ordenar todas as coisas, afinal ele não criou o mundo e
ficou escondido para observar o que aconteceria, talvez essa seja a imagem que
alguns fazem. Se Deus não governa todas as coisas, segue-se que há outro deus, o
41 INSTITUTAS, I, XVIII, 2.
70
Retomemos a mais um exemplo que fora citado de forma rápida: Gênesis 37,
toda trama dos irmãos de José, inicialmente para matá-lo e depois, para vendê-lo,
todo mal moral que neles estava e o mal circunstancial que causaram a seu pai, por
sua mentira e a José seu irmão. Entretanto, embora responsáveis por cada ato
pecaminoso e mal causado, foi plano, fez parte da determinação de Deus que José
chegasse ao Egito.
o seu traidor (Lc 22.3,4), a intensão de Deus é Santa e boa, fazer com que Jesus seja
levado a cumprir o decreto para a consumação da redenção do homem, a intenção
de Judas é a ganância, assim como a de todos os outros, nos quais estavam
envolvidos o mal moral, era perversa e impura.
Sobre este ponto, até quem foi associado a neo-ortodoxia ou, a teologia
dialética concorda: “Judas, Caifás e Pilatos são inimigos de Cristo e Deus é, portanto,
inimigos deles. Ao mesmo tempo eles são instrumentos de Deus, através dos quais,
mais do que em qualquer outro evento, Ele revela sua justiça e seu amor” (BRUNNER,
2020, p. 289). Mas acerca desta ação e instrumentalidade do diabo e dos ímpios,
veremos a seguir.
3.4 A ação de Deus nos ímpios e através deles. Satanás como instrumento da
ira de Deus.
É importante, vermos como há uma atuação divina, em tudo que acontece. Mas
é importante lembrar, de que Deus exerce o seu justo Juízo ao usar de um ato, ou
evento mal, seja para punir, provar, ensinar ou restaurar. De modo que, a Deus não
pode ser creditada a autoria do ato pecaminoso em si. E isso é reiterado algumas
vezes por Calvino. Para isso, além de analisarmos os parágrafos cinco e seis do
capítulo IV das institutas, recorreremos também a outros capítulos, e comentários de
textos bíblicos, pois o capítulo em análise não contempla toda perspectiva calvinista
no tocante a isto. Assim, nos esforçaremos para descobrirmos, quem de fato, pode
ser responsabilizado pelo mal segundo Calvino.
Em outro lugar, faz com que os ímpios percebam, ou entendam que em algum
momento essa é a determinação divina. “Por que, ó Senhor, nos fazes errar dos teus
caminhos? Por que endureces o nosso coração, para que não te temamos? Volta, por
amor dos teus servos, às tribos da tua herança” (Is 63.17). Não há como esconder ou
se esquivar, diante das narrativas bíblicas, de Deus se utilizando das ações ímpias do
homem, agindo neles e por meio deles, como e quando quer (CALVINO, 1985, p. 71),
“[...] na verdade, estas passagens indicam antes, que espécie de homens Deus os faz
com desertá-los de que maneira neles executa a sua obra”.
mal, que para Calvino é o que peca desde o princípio, ou seja, o Diabo. Robert G.
Ingersoll, indagando sobre os decretos de Deus e a existência do Diabo, que lhes faria
autor do pecado, pergunta porque Deus criou o Diabo? Ao que responde (STRONG,
2007, p. 637) “Deus não o criou. Deus fez um espírito livre e santo que abusou da sua
liberdade, que criou o pecado, e se fez diabo.” E ainda:
46Conf. Capítulo 1.3. Quem criou o mal? Da presente pesquisa. Mesmo sem que lá, fosse analisada a
perspectiva de Calvino, por ser introdutório. Todavia, é o que Calvino também concorda com Agostinho
em várias ocasiões.
74
Portanto, não podemos, atribuir ações do tipo as que ocorreram com Saul, ao
Espírito Santo, Calvino diz que seria uma impiedade tal referência. “Tendo-se retirado
de Saul o Espírito do Senhor, da parte deste um espírito maligno o atormentava.
Então, os servos de Saul lhe disseram: Eis que, agora, um espírito maligno enviado
de Deus, te atormenta” (1 Sm 16.14,15). O texto é claro, o Espírito do Senhor (Espírito
Santo), se retira de Saul, e após vem um outro espírito, impuro, mas ordenado, ou
enviado por Deus, para ser instrumento de seu agir, Calvino assevera que este (o
espírito imundo), é mais uma ferramenta no agir de Deus, do que um agente de si
mesmo. É o que dizia Martinho Lutero: “O Diabo é o diabo de Deus”. Mesmo que haja
diferença quanto a atuação e a finalidade, “[...], por uma diferença muito grande,
sempre difere na mesma obra aquilo que o Senhor faz daquilo que satanás e os ímpios
propalam” (CALVINO, 2008, p. 295). Esses instrumentos maus, lhes servem para
exercer sua justiça como lhe apraz.
Até hoje os homens se munem de textos da Escritura para tal, no entanto, Tiago
nos mostra que: “ninguém, sendo tentado, diga: de Deus sou tentado; porque Deus
75
não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (TIAGO 1.13).47 Calvino reconhece
que, assim como Deus ‘tentou’ Abraão (Gn 22.1]), ele diariamente nos tenta, no
sentido de que ele, prova-nos quanto ao que somos, pondo diante de nós uma ocasião
mediante a qual, nossos corações se tornam conhecidos. Tentações ‘externas’, o que
Tiago trata aqui, são de tentações íntimas, as quais nada mais são, do que os desejos
desordenados que arrastam ao pecado.
[...] O mal será transformado num meio de glorificar a Deus. Deus fará
surgir do mal coração do mundo, o seu povo, um povo que odiará o
pecado como ele o odeia [...] aceitamos pela fé o fato do mal como
sendo aceito por Deus e como utilizado por ele de algum modo que
desafia o nosso finito entendimento, para a sua glória eterna (FITCH,
2005, p.19).
Por outro lado, não podemos negar, e Calvino não o faz, a dureza do
enfrentamento diante do mal e do sofrimento. Precisar, qual a finalidade de todos os
males, seria como querer decifrar o indecifrável, senão, uma grande presunção nossa.
Mas, levando em conta os casos já expostos na presente pesquisa, podemos, com
base no pensamento Calvinista, obter respostas satisfatórias para nossa alma, crendo
na providência divina. Observando o texto sagrado que diz: “E sabemos que todas as
coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que
são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Acerca disto, João Calvino conclui
que:
Deus, sempre que deseja que se faça o caminho para sua providência,
verte e dirige a vontade dos homens nas coisas exteriores, de modo
que não seja livre a eleição destes sem o arbítrio de sua liberdade ser
dominado pelo Senhor (INSTITUTAS, II, IV,7).
Não há dúvidas, a jugar pelos textos que vimos, que Deus é senhor de tudo e
todas as coisas. Mesmo que não entendamos que caminhos a providência do Senhor
está a nos levar, devemos confiar que se nele estamos, a ele pertencemos. Isso
implica dizer, que ele sabe como agir de acordo com a natureza e o propósito de cada
um dos seus eleitos. É como nos diz o Pastor Hernandes Dias Lopes: “Mesmo quando
as providências estão cinzentas e carrancudas, poderemos ter a plena convicção de
que, por trás dessa carranca, há uma face sorridente” (LOPES, 2014, p. 86-87). Nem
sempre o sofrimento e o mal que nos sobrevém, é por punição ou reflexos da lei
natural, principalmente ao justo. “Para Jesus, os diversos sofrimentos que aconteciam
no dia a dia não eram, necessariamente, uma punição opressiva ou a consequência
de um erro anterior, mas, sim, um caminho a ser percorrido para entrar na glória”.
(GASPAR, 2018, p. 51).
Essas citações, não são uma digressão, no sentido de recurso literário, antes,
um complemento ao que finalizaremos da perspectiva de João Calvino para os salvos,
para a igreja de Cristo, em relação a sua providência. É por isso, que não poderemos
fugir de sua análise fantástica do livro I, Capítulos XVI e XVII da Instituição da Religião
Cristã.50 Onde fala-nos da providência do altíssimo.
Primeiro nos é dito, acerca de eventos nos quais, via de regra, são atribuídos
aos casos fortuitos (acaso). É fácil atribuir um livramento, ou milagre a providência de
Deus, mas parece difícil para alguns cristãos, vê-la em todos os acontecimentos do
cotidiano.
Providência, significa não que Deus está ocioso no céu, apenas contemplando
o que se faz no mundo, mas que dirige todos os eventos. O sábio Salomão diz: “do
homem são as preparações do coração, mas do SENHOR a resposta da língua” A (Pv
16.1). Sobre o que Calvino diz: “É ridícula insânia que pobres homens pretendem fazer
algo sem Deus, quando sequer poderiam falar se Deus não o quisesse” (INSTITUTAS,
I, XVI,6). Portanto, na doutrina da providência não há espaços para os fortuitos ou a
teoria da lei natural, Calvino chega a ser mais enfático ao afirmar que, se todo sucesso
é bênção de Deus, toda calamidade e adversidade é maldição sua, não há espaço
para o acaso nas coisas humanas.
Para concluirmos este ponto, creio que possamos migrar, e seja útil ao nosso
coração, ao texto Bíblico que nos garante vitória sobre os infortúnios desta vida, pelo
fato de pertencermos a Cristo. E a interpretação que Calvino tem a nos oferecer é
animadora.
51 “Pois a curiosidade dos homens vãos é satisfeita jamais nem se deve optar por fazê-lo” (INSTITUTAS,
I, XVII,12).
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nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso
Senhor (Rm 8.35-39).52
Na verdade, o texto de si mesmo emana as doces notas, em tons suaves e
melancólicos da providência e cuidado de Deus. Assim consideramos que a nossa
esperança, está em ver que o mal e o sofrimento, tem seu limite de atuação e prazo
de validade, nas mãos de Deus. Ao comentar o versículo (29), “porquanto, aos que
diante mão conheceu, também os predestinou...” sem inferir aqui especificamente a
discursão da predestinação, como já observado por Calvino, isto deve ser abordado
no assunto da salvação. Mas nos diz, que pela própria ordem da eleição, todas as
aflições dos crentes, são os meios pelos quais eles são identificados com Cristo. As
aflições não devem ser um motivo para o desengano, para nos sentirmos
entristecidos, amargurados ou sobrecarregados. A menos que não reconheçamos a
eleição do Senhor, e não queiramos tomar parte, em levar em nosso ser a imagem do
Filho de Deus, por meio da qual, somos preparados para a glória celestial.
A referência, feita por Paulo ao (Sl 44.22), no versículo 36 “Como está escrito:”
nos parece central, ele insinua, segundo o reformador, que o terror da morte deve
estar longe de ser uma razão para a nossa apostasia. Para nos separar do amor de
Deus. Uma vez que este Salmo, descreve a opressão do povo, sofrida sob a tirania
de Antíoco, sobre o qual é dito que agia com crueldade contra o povo de Deus. Estes
afirmam sempre, que sofrem pelo Senhor, como Paulo em outro lugar se recusa
assumir que é prisioneiro de Roma, antes se satisfaz em ser prisioneiro por Cristo.54
54“Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo...” e “Paulo o velho, e também agora prisioneiro de Jesus Cristo.”
(FILEMOM 1.1;9).
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Lógico que Paulo está usando uma hipérbole, exagero literário, mas ao mesmo
tempo, nos assegura que, não existe espaço de tempo, ou coisas criadas que possam
nos afastar da graça e providência divina. Nem coisas do presente, nem no porvir.
“Era imprescindível que ele adicionasse este elemento, visto não termos de lutar
somente contra as dores que sentimos dos males atuais, mas também contra os
temores e ansiedades com que os perigos nos ameaçam infligir” (CALVINO, 2001, p.
319). É indispensável que estejamos cônscios de que, “aquele que começou em nós
uma boa obra, a completará até o dia do nosso Senhor” (Filipenses 1.6).
55A BÍBLIA. Bíblia de estudo de Genebra. Tradução de João Ferreira Almeida. Almeida Revista e
Atualizada 2ª ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 1969 p.
Antigo Testamento e Novo Testamento. Símbolos de fé das igrejas reformadas, p. 1760.
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livrar e nos preservar ilesos de todo mal, no dia glorioso da volta do Senhor, a Cruz
nos proporcionou esperar com certeza e convicção por isso.
Assim sendo, o cristão deve confiar que mesmo sem compreender, mesmo em
situações contrárias, Deus é bom em todo tempo. O salmista convida a nação a louvar
Deus porque ele é Bom (Sl 135.3; 136 1), sua misericórdia dura para sempre (Sl 136).
Ele criou o universo, todos os seres e os sustenta, os mantem, os governa, e o
salmista continua: “porque a sua misericórdia dura para sempre”. Feriu os egípcios
em seus primogênitos, a faraó e outros reis da terra, e continua: “porque a sua
misericórdia dura para sempre”. Calvino não se preocupou em apresentar uma
teodiceia, embora reconheçamos sua relevância ao debate apologético-teológico.
Para o mal, a dor o sofrimento, ele apresentou as Escrituras, e nelas a providência
secreta de Deus.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (JOÃO 16.33). Ao
decidirmos enveredar por um caminho, que para muitos, só poderia ser respondido
por meio da filosofia, aprendemos com Calvino e com os seus seguidores mais
coerentes, que o mal e o sofrimento no mundo, cumprem os decretos de Deus e fazem
parte da sua providência secreta,56 sem que isso lhe contamine, nem que sejam
desculpáveis aos que praticam o mal e a injustiça.
56 HELM, Paul. A providência secreta de Deus. João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã,2012.
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E que assim sendo, em meio aos grandes conflitos os ateus e não cristãos
estão sem respostas lógicas. No entanto, “Os que observam o sofrimento são
tentados a rejeitar Deus; os que o provam muitas vezes não conseguem desistir de
Deus, que é seu conforto e sua agonia.” (VOLF apud, YANCEY, 2015, p. 105). Cremos
que, os que são fieis, a igreja do Senhor encontra nesta citação sua identificação, com
aquilo que o evangelho não lhe escondeu, antes lhe revelou: “Se alguém quer vir após
mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (LUCAS 9.2).
Escrevendo a seu amigo Viret, acerca da morte de seu primeiro filho, ele diz:
“O Senhor certamente nos infligiu ferida severa e amarga com a morte do nosso filho.
Mas ele mesmo é Pai e sabe muito bem o que é melhor para seus filhos” (CALVINO
apud, PIPER, 2005, p. 139). Esse é o tipo de submissão à mão soberana de Deus
que Calvino apresentou em suas inúmeras provações. Além das pressões pelos
sofrimentos físicos, em relação a sua frágil saúde, estavam as constantes ameaças à
sua própria vida, ameaças de exércitos que poderiam adentrar em Genebra a
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qualquer momento, por exemplo, lhe tiraram por várias vezes o sono, com os barulhos
dos seus mosquetes.
O que pode levar um cristão a lidar com o problema causado pelo mal e o
sofrimento neste mundo, de maneira tão subjugada a majestade de Deus? Segundo
Piper (2005), a exemplo de Calvino, ele experimentou um testemunho interno e
sobrenatural do Espírito Santo, da majestade de Deus na Escritura. Daí por diante,
todo seu pensamento, em seus escritos e seu ministério tinham como alvo demonstrar
a majestade de Deus. Por isso, talvez, ninguém tenha tido tanta preocupação em
tratar, de temas dos mais variados possíveis, de maneira unicamente bíblica. Onde
emana a majestade de Deus em toda a sua vontade.
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GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática ao alcance de todos. Rio de Janeiro:
Thomas Nelson Brasil, 2019.
GRÜN, Anselm. Como lidar com mal. Rio de janeiro: Editora Vozes, 2015.