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Seminário Teológico Evangélico Congregacional - STEC

GUSTAVO HENRIQUE LIRA

O PROBLEMA DO MAL E DO SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA DE


JOÃO CALVINO:
Uma análise do sofrimento humano na teologia Calvinista, a luz do
governo de Deus em todos os eventos da história.

CARUARU
2021
Gustavo Henrique Lira

O PROBLEMA DO MAL E DO SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA DE


JOÃO CALVINO:
Uma análise do sofrimento humano na teologia Calvinista, a luz do
governo de Deus em todos os eventos da história.

Monografia, apresentada ao Curso de


teologia do Seminário Teológico Evangélico
Congregacional, como requisito para
obtenção do título de bacharel em teologia.
Orientador: Rev. Marcos Roberto da Silva.

CARUARU
2021
GUSTAVO HENRIQUE LIRA

O PROBLEMA DO MAL E DO SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA DE


JOÃO CALVINO:
Uma análise do sofrimento humano na teologia Calvinista, a luz do
governo de Deus em todos os eventos da história.

Relatório final, apresentado ao Seminário


Teológico Evangélico Congregacional - STEC
como parte das exigências para obtenção do
título de bacharel em teologia.
Caruaru, ____de _____________2021.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________
Prof:

___________________________________________________
Prof:

___________________________________________________
Prof:
– Dedico esse trabalho ao meu primo (Gugu)
Jeferson Henrique (in memorian), que foi um
irmão e companheiro de muitos momentos da
minha vida, bons e sofríveis, o qual partiu de
forma repentina e trágica, nos deixando um
sofrimento indescritível e me fazendo sentir na
prática às consequências daquilo que está
sendo objeto de estudo neste trabalho e, as
vezes, até a sensação de que não nos deixou,
mas que ainda vive. Também dedico a seu filho,
Heitor, o qual faz viver a figura física de seu pai,
através de seus traços que fazem a sua
aparência ser quase uma cópia física do seu
querido Pai.
AGRADECIMENTOS

Ao Senhor soberano sobre tudo e todas as coisas, o único Deus verdadeiro, o


Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Pois sem ele, nada podemos fazer.

A minha esposa Érica, fonte inesgotável de auxílio moral e espiritual, aos meus
Filhos, Nícolas e Nicolly, que apesar de não entenderem bem o que seu pai tanto fazia
na frente do computador, por diversas noites, mas foram fontes de inspiração quando
ideias e palavras me faltaram.

Ao amigo Vinícius Raoni, que foi o meu, digamos “avalista”, ao me indicar para
adentrar no seminário teológico, junto ao Presbítero Robson Mendes, o qual devo
também um agradecimento especial, por investir nos meus estudos.

Ao Pastor Nicácio Correia de Moura, da 1ª Igreja Evangélica Congregacional


Vale da Benção em Caruaru, e a sua esposa, pela confiança e oportunidade que me
deram de colocar meus talentos ministeriais em ação.

Ao Pb. João Barbosa, pela confiança que demonstrou ter a minha pessoa, o
agradeço pelas oportunidades que me foram dadas e pelos ensinamentos de vida
prática bem como em seus conselhos.

À igreja, a qual sirvo atualmente, 2ª Igreja Evangélica Congregacional Vale da


Bênção do Kennedy, bem como aos pastores que me pastoreiam, Ismael Ornilo e
Jonathan Anderson. Os quais demonstraram além de sua confiança e apoio, serem
como pais amorosos para com um filho na fé. Não tenho palavras para agradecer as
orientações, suporte espiritual e ministerial que têm me dado.

Aos oficiais da igreja supracitada, por sua preocupação e zelo, quanto a nossa
transferência para essa igreja, por sua recepção para com a minha família.

Aos queridos irmãos da congregação no bairro Luiz Gonzaga, a qual, pela


graça e misericórdia do Senhor estou dirigindo. A missionária Carla Mestre, pela ajuda
espiritual, envolvimento e sua cooperação nessa congregação.

Ao meu orientador Rev. Marcos Roberto, ao qual atribuo os acertos do presente


trabalho. Grato por sua disposição em me encorajar mesmo diante de um tema tão
desafiador para a fé cristã, e que não me deixou desanimar nas dificuldades.
“Assim que pensei em falar sobre o mal, percebi
que este é um tema atual e urgente, que todos
têm discutido.” (WRIGHT, 2009, p. 15).

[...] o maior obstáculo para a fé em Deus tanto


para o cristão como para o não cristão é o
chamado problema do mal. Em outras palavras,
como é difícil aceitar que existe um Deus todo-
poderoso e todo-amoroso, e que permite tanta
dor e sofrimento no mundo. (CRAIG, 2010,
p.81).

Nós não aprendemos as grandes lições da vida


em dia de festa. O sofrimento é a escola
superior do Espírito Santo que nos gradua para
uma vida de obediência (LOPES, 2017, p. 20).
RESUMO

O presente trabalho apresenta o problema do mal e do sofrimento, a partir de uma


perspectiva filosófica-teológica e suas implicações para a fé cristã. Discute as
questões relativas a sua entrada e ação no mundo, as formas pelas quais, teorias de
filósofos e religiões orientais lidaram e lidam com o problema, bem como sua atuação
sendo limitada pelo sábio governo de Deus e atendendo aos seus decretos, conforme
a perspectiva calvinista da providência e ação de Deus, pelos seus livres e imutáveis
decretos, em todos os eventos da história da humanidade. Mostrando que há consolo
e esperança aos que confiam e descansam na soberania total do grande Deus.

Palavras-chave: Mal. Sofrimento. Filosofia. João Calvino. Providência.


ABSTRACT

The present work presents the problem of evil and suffering, from a philosophical-
theological perspective and its implications for the Christian faith. Discusses
issues related to their entry and action in the world, the ways in which theories of
philosophers and Eastern religions dealt with and deal with the problem, as well
as their performance being limited by the wise government of God and according
to its decrees, according to the perspective Calvinist of God's providence and
action, by his free and unchanging decrees, in all events in human history.
Showing that there is comfort and hope to those who trust and rest in the total
sovereignty of the great God.

Keywords: Evil. Suffering. Philosophy. João Calvino. Providence.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 13

O QUE É O PROBLEMA DO MAL? ......................................................................... 13

1.1 Definição do problema .................................................................................. 14

1.2 O paradoxo de Epicuro .................................................................................. 15

1.3 A teodiceia ...................................................................................................... 16

1.3.1 Quem criou o mal?...................................................................................... 17

1.3.2 Problemas com a resposta ontológica ..................................................... 22

1.4 O Problema intelectual (lógico) e emocional (do coração) ........................ 23

1.4.1 O Problema intelectual (lógico) ................................................................. 24

1.4.2 O Problema emocional (do coração) ......................................................... 24

1.5 Mundo injusto Deus justo ............................................................................. 25

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 28

TENTATIVAS DE EXPLICAR E RESOLVER O PROBLEMA.................................. 28

2.1 Dos principais filósofos e suas propostas .................................................. 28

2.1.1 Sócrates, Platão e Aristóteles. ................................................................... 29

2.1.2 Santo Agostinho (354-430) ......................................................................... 31

2.1.3 Tomás de Aquino (1225-1274).................................................................... 36

2.1.4 Blaise Pascal (1623 -1662) .......................................................................... 38

2.2 Das principais religiões orientais ................................................................. 42

2.2.1 Hinduísmo.................................................................................................... 42

2.2.3 Budismo ....................................................................................................... 44

2.2.4 Islamismo..................................................................................................... 45

2.2.5 Religiões dualistas ...................................................................................... 46

2.3 A teoria da punição ........................................................................................ 47


2.4 A teoria do livre arbítrio ................................................................................. 48

2.5 A teoria da lei natural ..................................................................................... 51

CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 53

O PROBLEMA DO MAL E DO SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA DE JOÃO


CALVINO. ................................................................................................................. 53

3.1 A vontade humana cativa ao pecado ........................................................... 53

3.1.1 A criação cativa a maldição ....................................................................... 54

3.3.2 A ação do homem cativa ao pecado ......................................................... 56

3.2 A tríplice operação nas coisas más ............................................................. 59

3.3 Tal ação de Deus sob o mal e o sofrimento não é simples presciência
nem mera permissão. .......................................................................................... 63

3.4 A ação de Deus nos ímpios e através deles. Satanás como instrumento
da ira de Deus....................................................................................................... 71

3.5 A finalidade dos males e a divina providência em todos os fatos da vida


............................................................................................................................... 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 88


11

INTRODUÇÃO

O problema do mal e do sofrimento, como tem sido chamado pelos diversos


filósofos da história, se constituiu ao longo dos tempos, de fato, um problema para fé
Cristã. Tanto no aspecto emocional, do sofrimento, das dores, quanto no aspecto
moral, do mal causado pelos erros de alguém a outrem. Que nesse caso, também
gera sofrimentos e dores. Essa questão tem desafiado filósofos e teólogos do mundo
inteiro, nas mais diferentes épocas e nas mais diversas religiões.

Os ateus ou agnósticos têm, nessa questão, um grande trunfo para tentar


provar que a existência de um Deus soberano, bom, santo e todo poderoso é
incompatível com a existência do mal em um mundo criado por esse Deus. Por isso,
identificamos que há uma necessidade geral, de que o tema seja apresentado,
discutido e refletido. Geral, porque muitos filósofos não conseguem ouvir as
explicações que vêm da Bíblia, via de regra, não as aceitam como plausíveis. E
também, porque poucos cristãos estão aptos, a responder sobre tais assuntos.

A ênfase deste trabalho não é apenas buscar as respostas filosóficas para


perguntas como: quem criou o mal? Ou, porque o mal existe? Embora, façamos uso
das categorias filosóficas afim, de tentar mostrar como o problema se apresenta na
história. Para isso, recorreremos a alguns notáveis filósofos e teólogos cristãos, que
ao longo da história da igreja Cristã, se debruçaram sobre tal inquietação, a saber: o
mal tem forma, ou substância? Se assim for, algo criado, com forma e substância
casaria com a doutrina cristã? Esses são os maiores desafios em face da temática.

Assim, esta pesquisa busca, através desses problemas, esclarecer como o


Cristão pode conhecer os aspectos filosóficos envoltos no tema, mas, sobretudo,
como lidar de forma teológica com o assunto.

No primeiro capítulo, desenvolveremos uma síntese de algumas problemáticas


que surgiram na história, que foram, e são, discutidas até hoje. E, para a questão do
porquê? Ou para quê? do mal e do sofrimento existirem.

Também veremos algumas teorias interessantes para justificar a Deus diante


de tal problema. Este, se fará no segundo capítulo, pois a proposta é mostrar, que
diferentes interpretações foram dadas e também propostas como soluções para
12

problema ao longo da história, das quais, a maior parte delas ainda vigora entre
movimentos religiosos ou filosóficos.

Onde faremos também, algumas objeções, as propostas de soluções filosóficas


e religiosas apresentadas, Com base, no pressuposto, da superioridade calvinista
ante as demais interpretações acerca do tema.

O terceiro capítulo, aponta para o entendimento, acerca da visão do reformador


João Calvino, sobre o tema: mal e sofrimento. Fazendo uso, em sua maioria dos
escritos do Livro II, Capítulo IV das Institutas da Religião Cristã, livro I, Capítulos XVI
e XVII ao final, sobre a providência de Deus.

Também utilizaremos, escritos de outros capítulos da obra supracitada, além


de comentários bíblicos feitos pelo reformador, bem como, de autores que
interpretaram e mantém comunhão de pensamento com Calvino acerca do tema em
discussão. Ainda que não concordem em todo o processo de abordagem, mas que
concordem com um aspecto específico, o seu desfecho.

Já que, não há somente entre os ateus e agnósticos a busca por uma


explicação razoavelmente lógica sobre o “Problema do mal e do sofrimento” os
Cristãos, quando em face de um sofrimento, aparentemente injusto, ou sem causa,
também podem vir a contestar, ainda que, creiam na existência de um Deus, se esse
Deus, lhes dará expectativas de que esse problema será resolvido um dia.

Nesse sentido, é para esse tipo cristão também que o presente trabalho
pretende apontar. De forma teológica e pastoral, assim se dará a conclusão. A
proposta é que o cristão entenda, como aceitar, lidar, se satisfazer, se contentar com
o que a Bíblia apresenta sobre a questão, tanto emocional, quanto moral do problema
do mal e do sofrimento. A forma bíblica, teológica e pastoral utilizada por Calvino,
serve de base para nossas ponderações.
13

CAPÍTULO 1

O QUE É O PROBLEMA DO MAL?

O mundo em que vivemos está repleto de coisas más. Dor, fome, pobreza,
tristeza, guerras, catástrofes naturais, doenças, epidemias, pandemias e muitas
outras coisas. Que colocam o ser humano em constante apreensão quanto ao seu
presente e futuro.

Essas questões são inerentes também, aos que professam alguma fé e que
acreditam que haja um criador do universo, fazendo com que, em certo ponto, em
momentos de devaneios venham a pensar: “Se eu fosse Deus, acabaria com tudo
isso e faria um mundo melhor!” ou ainda, “se tivesse o poder que Deus tem, não faria
dessa forma, ou não deixaria isto acontecer!”.

Supondo que, quem faça essas indagações momentâneas sejam teístas


cristãos. O fato de coisas ruins existirem e acontecerem, por si só, já constitui um
problema. Se a existência de coisas ruins já suscita tais interrogações para os teístas,
o que dizer dos ateus ou agnósticos?

Partindo do pressuposto de que, tudo que existe foi criado por um Deus, todo
poderoso, todo bondoso e amoroso, e esta é a proposta. Que esse Deus governa e
tem poder sobre toda sua criação, o fato do mal, entrar na história da criação, do ponto
de vista religioso, cristão, já levanta sérios questionamentos acerca do Criador. Ao
menos do ponto de vista da filosofia da religião.

Por outro lado, se partimos desse pressuposto, de que há um Deus, criador,


poderoso, bom e amoroso, sem levar em conta o aspecto filosófico, a existência do
mal, no mundo, por ele criado, pode não ser um problema tão grande assim. Isto
porque ainda que se levantem questionamentos, eles estão na esfera do sagrado, do
espiritual, ou como diz C.S Lewis ao citar Otto, na esfera do “Numinoso”.1 O que não
se explica racionalmente, deve apenas ser crido.

Era essa, a ideia que tinham, os que não procuravam especular os motivos,
que fizeram o mal entrar num mundo criado por um Deus bom, bastaria a estes saber

1Referência a Rudolf Otto, teólogo alemão de grande influência no séc. XX. De sua obra: A ideia do
sagrado, talvez a mais conhecida. O termo “numinoso”, refere-se à dimensão irracional da religião.
Citado por: LEWIS, C.S. O problema do sofrimento. São Paulo: Vida,2009. (p.21).
14

que havia uma razão, que não lhes caberia decifrar, como vemos nas palavras do
filósofo Cristão Alvin Plantinga: “O teísta crê que Deus tem uma razão para permitir o
mal; mas não sabe que razão é essa. Mas por que deveria isso significar que a sua
crença é imprópria ou irracional?” (PLANTINGA, 2012, p.23).

Ainda que a existência do mal, seja um problema, pelo sofrimento que produz,
o teísta não vê incompatibilidade, entre um criador com todos estes atributos acima
citados, e a existência do mal. O problema, se torna maior, e de fato, o é, quando a
filosofia e a religião resolvem caminhar juntas para descobrir, ou compreender o
porquê da existência do mal.

Isso porque, a primeira, vai sempre questionar qualquer resultado que não
tenha dentro da “razão”, um argumento lógico e inteligível, bem como, tentar tornar
claro, compreensivo, um pensamento desconectado do dogma, sem compromisso, ou
a parte dele. O que para a segunda, a teologia, certamente pode significar rejeitar, ou
ser flexível quanto a algum ponto doutrinário. Abrir mão de algum preceito, de algum
atributo divino, sob o afã de explicar logicamente o que, talvez, não possa ser tão
logicamente explicado.

1.1 Definição do problema

Na filosofia da religião, o “problema do mal” é a questão de como conciliar a


existência do mal e do sofrimento, com a de uma divindade que é, tanto em termos
absolutos ou relativos, onipotente, onisciente e benevolente. Como introduzimos. Uma
ampla gama de respostas, foram dadas para o problema do mal na teologia. Há
também muitas discussões do problema do mal em outros campos filosóficos, tais
como ética secular, e ética evolucionista.

Mas, como normalmente entendido, o "problema do mal” é colocado em um


contexto filosófico-teológico. E é exatamente ai que reside o grande problema, após
uma indagação do ponto de vista lógico, o ser humano busca entender a razão de
tanto mal e sofrimento no mundo ao longo da história.

Quantos desastres naturais, terremotos que destruíram civilizações quase que


inteiras, tsunamis que devastaram tudo que encontravam pela frente, doenças,
pragas, pandemias. E o que dizer do mal produzido pelo próprio homem, através de
guerras e tramas de bombardeios e armas biológicas? Obviamente resultando em
15

sofrimentos tanto para quem os praticam, quanto, tanto mais os que são alvos da
prática.

Guerras tão sangrentas, que nem sequer, o grande escritor russo Dostoievski,
com toda sua capacidade de pintar a cena, em seus romances,2 conseguiria ser tão
preciso em descrever toda a barbárie da qual, o ser humano pode ser capaz. A
pergunta que se segue naturalmente é: se há um Deus, criador, poderoso e bondoso,
por que permitiria tais coisas? Ou, por que deixou que todo esse mal se arraigasse
em sua criação? “Isso recebe o nome de argumento do mal contra Deus ou,
simplesmente, o problema do mal” (KELLER, 2016, p. 101).

Ai reside a questão, para a filosofia, este tema é um dilema, ou um enigma.


Para as religiões, principalmente monoteístas, um grande problema. Ao enfatizar o
problema maior para o monoteísmo, não se quer dizer que também não se constitua
um problema para os politeístas, mas a questão é que, religiões politeístas
conseguem, se sair com um pouco mais de facilidade, ao atribuir o mal e o sofrimento
a uma entidade coexistente a outras mais benevolentes, muitas vezes iguais em poder
e ação.

Como por exemplo no panteão grego, deuses com poderes equivalentes, mas
uns menos benevolentes que outros, além de semideuses que podem ferir aos
deuses. Semelhantemente em religiões orientais sobre as quais veremos mais
adiante.

1.2 O paradoxo de Epicuro

O paradoxo de Epicuro,3 é um dilema lógico, sobre o problema do mal. A partir


desse paradoxo, argumenta-se contra a existência de um Deus que seja ao mesmo
tempo onisciente, onipotente e benevolente. Em síntese, o paradoxo ataca a crença
em três atributos de Deus, nos seguintes termos:

2Referência as tramas e crimes, males e sofrimentos contados em duas de suas obras. DOSTOIÉVSKI,
Fiódor M. Os irmãos Karamázovi. Tradução Natália Nunes e Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Abril
Cultural, 1970. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias da Casa dos Mortos. Tradução Natália Nunes. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.
3EPICURO. Carta sobre a felicidade: (a Meneceu). Tradução Alvaro Lorencini e Enzo Del Carratore.
São Paulo: Editora UNESP, 2002. Filósofo grego do período helenístico, nasceu em Atenas, em torno
de 341 ou 342 a.C Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/epicurismo.htm/ e
https://www.infoescola.com/filosofos/epicuro/
http://educacao.uol.com.br/biografias/epicuro.jhtm>Acesso em: 05/02/2019.
16

1) Enquanto onisciente e onipotente, tem conhecimento de todo o mal e poder para


acabar com ele. Mas não o faz. Então não é benevolente.

2) Enquanto onipotente e benevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer
fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal
está. Então ele não é onisciente.

3) Enquanto onisciente e benevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer
mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é onipotente.

Um "argumento do mal" tenta mostrar que a coexistência do mal e tal divindade


é improvável ou impossível, se colocado em termos absolutos. Este dilema lógico, ou
simplesmente, Paradoxo de Epicuro, tem sido, uma das mais antigas cartadas
ateístas para uma suposta refutação do teísmo.

Mesmo sabendo-se, que Epicuro não estava fazendo uma defesa do ateísmo,
e sim rejeitava a ideia de uma divindade preocupada com os assuntos humanos. Para
ele, os deuses não teriam nenhuma afeição especial pelos seres humanos, sequer
saberiam de sua existência, servindo apenas como ideais morais dos quais a
humanidade poderia tentar aproximar-se.

Ainda hoje, este paradoxo é repetido por ateus do mundo inteiro, como se ele
jamais tivesse sido refutado, quando isso não é bem verdade. O paradoxo de Epicuro
já foi refutado no mínimo desde Santo Agostinho, com suas várias obras que abordam
o famoso problema do mal. As tentativas de demonstrar, ou melhor, refutar o paradoxo
de Epicuro, tradicionalmente têm sido discutidas sob o título de teodiceia, conforme
descrito e sintetizado a seguir.

1.3 A teodiceia

Um termo derivado do título da obra: (Theodicy: Essays on the Goodness of


God the Freedom of Man and the Origin of Evil) Teodiceia: Ensaios sobre a bondade
de Deus a liberdade do homem,4 do filósofo alemão Leibniz, que justifica a existência
de Deus a partir da discussão do problema da existência do mal e de sua relação com
a bondade de Deus.

4 G. W. Leibniz. Theodicy: essays on the goodness of God, the freedom of man, and the origin of evil.
Release Date: November 24, 2005. Produced by John Hagerson, Juliet Sutherland, Keith Edkins and
the Online Distributed Proofreading Team at <http://www.pgdp.net.> Acesso em: 20/03/2020.
17

O termo teodiceia provém do grego θεός - theós, "Deus" e δίκη - díkē, "justiça",
que significa, literalmente, "justiça de Deus.” O pequeno dicionário brasileiro da língua
portuguesa o define como: parte da teologia natural que trata da justiça de Deus; parte
da filosofia que trata da existência e dos atributos de Deus.5

É a tentativa de justificar Deus, diante do problema do mal e do sofrimento no


mundo. Para Leibniz, Deus criou o mundo da forma como é, porque este é “o melhor
dos mundos”. Essa é a base central de sua teodiceia apologética, centralizando-a no
aspecto ontológico-cosmológico.

Entretanto, essa parece ser uma visão racionalista, isto é, que parte apenas
dos pressupostos lógicos para a formulação do conceito de “melhor mundo possível”.
Deus criou o mundo tal como é por ser ele (o mundo) o melhor possível, ou seja, que
Deus não poderia ter feito outro mundo melhor que não fosse esse. Leibniz, apresenta
sua visão de Deus, muito parecida com a visão moral (que viria a ser formulada por
Kant, um século depois).

A teodiceia vem sendo o campo de batalha de muitos filósofos e teólogos


cristãos, principalmente no tempo presente. Dentre os vários campos de batalha, na
apologética evidencialista, Craig tem se dedicado também a tratar da teodiceia, a
partir de uma perspectiva filosófica, mas reconhece o tamanho do obstáculo.

[...] o maior obstáculo para a fé em Deus tanto para o cristão como


para o não cristão é o chamado problema do mal. Em outras palavras,
como é difícil aceitar que existe um Deus todo-poderoso e todo-
amoroso, e que permite tanta dor e sofrimento no mundo” (CRAIG,
2010, p.81).
Há uma questão, ainda no aspecto cosmológico-ontológico, ou ontológico-
metafísico levantada, muito importante na teodiceia, acerca da natureza do mal, a
gênesis do mal. Acerca da qual, filósofos e cristãos mais antigos já andaram sobre os
caminhos de labirintos desse campo minado filosófico.

1.3.1 Quem criou o mal?

Santo Agostinho, foi capaz de responder a um aspecto do problema do mal.


Reformulando a pergunta. A pergunta surge, a partir de uma concepção lógica de

5FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa 13ª
edição. Rio de Janeiro: editora civilização brasileira S.A, 1979.
18

Deus e seus atributos. Sendo ele Criador, soberano, poderoso, bom e não existindo
nenhuma outra força equivalente capaz de criar, não há criação a parte dele.

Porque o mal foi criado? Ou quem criou o mal? Ora, Agostinho entendeu que o
mal não pode ser visto como algo ou um ser criado, mas como a ausência do bem,
este conceito será melhor explicado adiante.

Antes porém, um ponto interessante das várias páginas da história do Santo


Agostinho é que, em determinado momento de sua vida, perseguindo a resposta para
o problema do mal, claramente afetado pelo ensino maniqueísta, defendeu um
dualismo, incompatível com sua postura tempos depois.

“[...] foi o ensinamento dos maniqueus que o levou a creditar que o mal
era certa substância [...] e tinha certa massa como a matéria. [...]
Agostinho considerou, em consequência, que o bem e o mal como
duas massas (moles) colocadas em mútua oposição, ambas infinitas,
mas a massa do mal era mais confinada e limitada de que a do bem.
Essa massa do mal não foi criada por Deus”. (EVANS. 1995, p.59).
Embora, defendesse que Deus não criara o mal, o concebia como uma espécie
de massa, “[...] ainda não sabia que o mal nada mais era do que a privação do bem”
(AGOSTINHO,2017, p.53). Segundo Evans, no entanto, esse pensamento vai
mudando e sendo aperfeiçoado, ao passo que Agostinho vai se afastando do
maniqueísmo e se aproximando do cristianismo, ou, se reaproximando do
cristianismo. Seguindo um pensamento platônico, Agostinho reformula a pergunta e
sua resposta.

Ele passa a entender que, embora tenha criado tudo o que existe, Deus não
criou o mal, porque o mal não é algo, mas a falta ou a deficiência de algo. Agostinho
tomou emprestado esse modo de pensar de Platão e seus seguidores. Platão não se
ocupou muito a falar sobre o mal, de temperamento completamente positivo, nenhum
lugar concedeu ao negativo no seu pensamento. Mas não se furtou de todo, para ele:
o mal é uma realidade, no sentido de que pode ser percebido. Mas não é "justo", não
é um ser ideal.

Posteriormente chamou-se a isto de privatio (privação), falta-lhe algo (no mal),


para que seja. O ensinamento de Sócrates ressoava em Platão: sê sábio e serás bom.
Ou seja, para platão também, o ser, sábio, fazia com que, o homem fosse bom, o não
ser (sábio), faz surgir o quê, não é em si mesmo nada, senão a privação do ser sábio
(o mal). Para Sócrates, o mais elevado bem que se pode medir tudo é conhecimento.
19

A falta do ser (sábio), ou, a privação do ser, é não ser, então falta algo, para que o
que é mal, ruim surja, exista.

Por exemplo, o mal padecido por um homem cego é a ausência de visão; disse
alguém, o mal em um ladrão, é a falta de honestidade. Certamente, já ouvimos falar
da teoria platônica de, mundo sensível e mundo inteligível, o mal, então estaria no
mundo sensível. O mundo dos sentidos, ensinava Platão, é irreal, transitório e
mutável, Eis o mal. O verdadeiro mundo das ideias puras e imutáveis é o do bem.

É baseado neste conceito, que “Diz-se que Agostinho conseguiu fazer uma
síntese filosófica entre platonismo e cristianismo, porém sua obra não evidencia um
sistema como tal” (SPROUL, 2002, p. 59). Apenas, Santo Agostinho sugeriu, que o
mal é a privação, ou ausência do bem, assim não pode ter sido criado por Deus. O
mal é ausência do bem, da mesma maneira que as trevas são a ausência da luz,
define Agostinho.6 Com base nessa premissa, o problema em torno da criação do mal
é deslocado de uma discussão metafísica para uma abordagem moral. Filosofia que
teve grande influência entre os pensadores cristãos posteriores.

Outra defesa interessante, da não criação do mal, faz Van Groningen, que trata
a existência do mal, como um reino parasita. É necessário existir algo, para o mal
existir. Tal ensino está expresso no capítulo cinco onde fala sobre a queda.7 Trazendo
uma abordagem sobre a criação de Deus e sua obra prima o homem, na figura dos
nossos primeiros representantes, Adão e Eva, a eles foi dada autoridade para
gerenciar e desfrutar da criação.

Depois, fala-nos acerca da figura do satanás “o acusador” seu caráter, e em


seguida sobre o mal, que se deduz a partir de alguns relatos bíblicos, ter entrado no
céu por meio do diabo, Criado perfeito, porém com potencialidade e liberdade para se
corromper ou obedecer.

Satanás tinha a potencialidade e a liberdade como criatura de Deus


para se rebelar contra Deus, para se opor a ele em seu reinado, e para
buscar para si o controle do reino cósmico de Deus. Das escrituras só
se pode deduzir que o pecado e o mal surgiram no mundo angelical”
(GRONINGEN, 2002, p. 124).

6 SILVA, Ivan de Oliveira. Santo Agostinho: O problema do mal. São Paulo: Editora Pillares, 2008.
7 GRONINGEN, Gerard Van. Criação e consumação vol. 1. São Paulo: Editora Cultura Cristã,2002.
20

Após deduzir que o mal surge de forma secundária, ou seja, não foi criado, mas
deriva da criatura por meio de satã, o autor trata do mal como um reino parasita. Era
desejo do diabo estabelecer o domínio sobre o cosmos, como isso não foi possível, a
princípio, ele conseguiu estabelecer esse reino do mal, por meio da sedução dos vice-
gerentes da Criação. Quando faz com que o mal se instale dentro do coração do
Homem. Quando seguiram as sugestões enganosas de Satanás, seus corações
foram corrompidos; o pecado e o mal já tinham uma fonte ou raiz no Éden.

O reino de Satanás, no entanto, é um reino parasita. Um parasita é um


organismo que é totalmente dependente de outro organismo vivo. Um
parasita não tem os meios e a capacidade de existir por eficácia dos
seus próprios meios e métodos” (GRONINGEN, 2002, p. 128).

A ideia do reino parasita em Groningen, casa com a ideia de causa primária e


secundária, que deduzimos de Santo Agostinho e de Tomás de Aquino. Também
deslocando a discussão para o aspecto moral. Deus criou o reino cósmico, criou
satanás, não como satanás, o mal nasce a partir do satanás, isso não faz de Deus o
autor do mal, o diabo influencia o reino cósmico com o mal, planta o mal no mundo, o
mundo foi criado por Deus é verdade, mas perfeito, assim como o homem, toda a
criação (toda causa primária), foi boa. O mal como o reino parasita a contamina, não
Deus.

O anticristo depende de Cristo até para a sua identidade. Assim como


um parasita depende do seu hospedeiro para existir, a existência do
mal depende do bem. Tudo o que participa do ser, enquanto existe, é
bom. Não ser é mau. Se algo fosse pura ou totalmente mau, não
poderia existir. O mal não é uma substância ou coisa (SPROUL, 2002,
p. 63).

Em Tomás de Aquino, a causa primária é o que Deus criou, imaginemos uma


pedra, ou um pedaço de madeira, a causa secundária seria qualquer ação exercida
por ou, com essa pedra ou madeira. Se essa pedra ou madeira mata alguém, não o
faz por si só, precisa sofrer uma ação externa, essa ação não é criada, pois se fosse,
seria de Deus porque não há criação a parte de Deus, mas essa ação, é metafísica,
causa secundária.

Alguém atira a pedra ou, o pedaço de madeira para matar outrem (causa
secundária), mas Deus não as criou para esse fim, a pedra e a madeira podem ser
utilizadas também, para fins mais proveitosos, como por exemplo, construir moradias
para ser fonte de abrigo e proteção.
21

Logicamente, que estamos por enquanto, abordando esse aspecto tomista, em


termos ontológicos-metafísicos, pois esse exemplo da pedra e da madeira, objetos
inanimados, não se aplica, ou não funciona para agentes morais livres. Nos quais há
liberdade para agir. Nesse aspecto também, a discussão migra para o aspecto moral,
o que leva esses agentes morais a utilizarem, a causa primária (o que foi criado), para
exercer o mal?

Em contra partida, ao que pensa Agostinho, Van Groningen e Tomás de


Aquino, quando não atribuem a criação do mal a Deus. Há teólogos e filósofos
Cristãos que defendem que o mal é algo criado e que, portanto, alguém o teria criado.
A objeção à visão agostiniana vem com uma afirmação teológica clara, facilmente e
geralmente aceita por agostinianos e calvinistas, de que: “não há criação a parte de
Deus” e como não há nada criado à parte de Deus, o mal teria então, sido criado por
este Deus.

Gordon Clark e Vincent Cheung, estão entre os que assim creem ou, ainda que,
o mal não seja uma substância, é causado por Deus, ao aplicá-lo, por assim dizer, na
criação. Portanto, para estes, ainda que Deus não o tenha criado, Ele o colocou na
criação. De acordo com o Cheung (2005), dizer “criar” ou “causar” o pecado seria
simplesmente a mesma coisa em nosso contexto, e ambas as palavras são aplicáveis
de modo, que ele não peca por isso.

Estes, também têm produzido alguns materiais que foram publicados, com a
defesa desta ideia, Em 2010, foi publicado um livro do Gordon Clark, com um título,
no mínimo, pretencioso para abordar o problema.8 Nesta obra ele “resolve” o problema
atribuindo a Deus, a criação do mal, bem como, sua introdução e agência no mundo.

Resposta que, não deve ser de todo descartada, pois há a partir da sua
perspectiva uma linha muito bem definida, que faz com que, de fato as coisas vão se
encaixando. Principalmente, em relação agência do mal no mundo por ordem divina,
inclusive, perspectiva defendida por João Calvino, como veremos adiante na presente
pesquisa. Lógico, o ponto de partida deles é de que, Deus é o criador de tudo que
existe, inclusive o mal.

8CLARK, Gordon Haddon. Deus e o Mal, o problema resolvido. Brasília, DF: Editora Monergismo,
2010.
22

Mas como tudo que Deus traz a existência é bom, o mal tem seu propósito, de
promover um bem maior. No entanto, algumas lacunas não são respondidas, uma
delas é em relação ao texto bíblico “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era
muito bom” (Gn 1.31).

Não é nosso propósito fazer uma resenha crítica da obra citada, mas apenas
situarmos o leitor de que há esse pensamento no meio cristão, e defendidos por
nomes de peso da teologia, que sugeriram o livro supramencionado como: Vicent
Cheung e John W. Robbins que prefaciaram o livro, bem como outros bons nomes
que o indicaram, como: W. Gary Crampton, Richard Bacon, R. K. Mc Gregor Wright,
Dr. Kenneth Gary Talbot e Herman Hanko9.

1.3.2 Problemas com a resposta ontológica

O problema é que, quando a teologia recorre a razão para explicar o problema


do mal, ela mexe, conforme aponta (CRAIG, 2010, p.86), com o problema intelectual
do mal. É ai que ela pode falhar, ou não responder adequadamente, ao recorrer ao
que se chama, de Hiper calvinismo (ou ultra calvinismo), embora não se definam
assim. Em resposta a um e-mail de um leitor, Vicent Cheung (2005) fala sobre isso,
dizendo que se, suas posições são consideradas hiper-calvinismo (e não é!) afirma
ele, então, isso simplesmente significaria que o hiper-calvinismo é a visão correta e
bíblica.

Logicamente e inevitavelmente, com tal interpretação, podem tornar Deus,


apenas um ser carrasco e sádico, do mesmo modo que, recorrer ao livre arbítrio de
modo geral, visão que veremos adiante, como o faz o próprio Agostinho e William
Lane Craig (2010), tira de Deus um dos seus atributos que é sua soberania.

Ao contrário do que se pensa, responder ao problema intelectual do mal, a


saber, quem o criou? Não parece solucionar o dilema. As duas propostas no mínimo,
põem em dúvida a bondade de Deus no primeiro caso (Deus criou), ou, a sua
onipotência, no segundo (livre arbítrio), o qual ainda será apresentado. Talvez haja
uma terceira via, que equilibre as coisas, e que Deus não seja apresentado nem como
sádico, nem como impotente, ante o problema.

9 Ibidem nota 8.
23

Para o pastor Leandro Lima,10 Gordon Clark e Vicent Cheung, não seguem o
calvinismo nesse ponto, atribuindo a Deus a autoria do mal, seguem um calvinismo
distorcido. Segue-se então, que talvez a solução mais viável e edificante para o
cristianismo, seja não tentar explicar, ou solucionar o problema de forma lógica, em
detrimento de atributos que não podem jamais ser negociados ou tirados de Deus.
Mas, antes de tudo, vamos conhecer um pouco a distinção do problema intelectual e
emocional do mal.

1.4 O Problema intelectual (lógico) e emocional (do coração)

Há uma divisão importante que deve ser feita ao tratar da temática do mal, esta
deve facilitar um pouco a compreensão da temática envolvendo o mal. Esta divisão é
entender a diferença entre o Problema intelectual e emocional do mal. “A realidade
universal do mal e do sofrimento levanta duas categorias de questionamento: a de
cunho filosófico/intelectual (as questões da mente) e a de fundo emocional (as
questões do coração)” (COFFEY, 2012, p. 69). O primeiro é teórico e racional, o último
prático e lida com a realidade presente. Isto nos ajudará a compreender a qual dessas
temáticas o presente trabalho dará mais relevância.

Quando se depara com o problema, o escritor William Lane Craig, começa com
a seguinte afirmação:

Em primeiro lugar, nós devemos distinguir entre o problema


intelectual do mal e o problema emocional dele. O problema
intelectual do mal diz respeito a como dar uma explicação racional
de Deus e do mal. O problema emocional do mal diz respeito a como
confortar ou consolar aqueles que estão sofrendo e como dissolver
o desprazer emocional que as pessoas têm de um Deus que permite
o mal. (CRAIG, 2010, p.86).

De fato, as duas vias nos levam por caminhos espinhosos em busca de uma
resposta ao “porquê?”. No problema intelectual, pode-se chegar à conclusão de que
a realidade do mal, nega a existência de Deus (o ateísmo), em resposta a isso,
filósofos de conceitos monistas, afirmam a existência de Deus e negam a realidade
do mal (panteísmo).11 Via de regra, as análises filosóficas levam, a estas duas

10 O problema do mal. Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. Youtube. 2016. 68 min. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3_4Ue2sZFzw&t=2743s> acesso em: 18 de Maio de 2020.
11 Conceito abordado por: GEISLER, Norman e FEINBERG, Paul D. Introdução à filosofia: uma

perspectiva cristã. São Paulo: Vida Nova, 2016.


24

máximas, mas também pode-se procurar demonstrar a compatibilidade entre Deus e


o mal, o que propõem alguns filósofos cristãos e teólogos evidencialistas.

1.4.1 O Problema intelectual (lógico)

No problema intelectual, ou racional, o ateísmo vai se fundar em três


proposições clássicas do teísmo, e alegar que elas não podem ser verdadeiras ao
mesmo tempo:

1. Deus é onipotente.
2. Deus é totalmente bom.
3. O mal existe.

O teísta, é desafiado a resolver essa aparente incompatibilidade entre as


proposições, conforme já apresentamos antes, dizem os ateus: “se Deus é onipotente,
pode destruir o mal. Se ele é totalmente bom, destruirá o mal. Mas o mal não está
destruído. Logo, não há um Deus totalmente onipotente e totalmente bom”.

Em síntese, essa é a base do argumento ateísta em relação ao problema


intelectual do mal. É o paradoxo de Epicuro, supracitado, posto em prática. No
entanto, o teísta pode apontar um problema a este argumento, é que, ele pressupõe
uma premissa que o ateísta não forneceu. Nos lembram (GEISLER e FEINBERG,
2016), a premissa que falta deveria dizer: (4) Que Deus não tem nenhum bom motivo
para permitir o mal. É ai que, o teísta aponta que (a) Deus pode ter um bom motivo
para permitir o mal, motivo esse que somente ele mesmo conhece, ou ainda (b) Deus
pode ter um bom motivo, conhecido por alguns, os cristãos, mas não plenamente
reconhecido por todos, especialmente os ateístas.12

1.4.2 O Problema emocional (do coração)

No aspecto emocional (ou do coração), o problema se aproxima, de forma mais


íntima e real do ser, seja ele ateu ou teísta. Todos sofrem, o sofrimento é um mal, pelo
menos na concepção geral se dá conta desse fato. “À filosofia do iluminismo
minimizou o mal. Mas o mal é uma realidade. E um pensamento honesto e sincero
não se esquiva da sua obrigação de refletir sobre o mal” (GRÜN, 2015, p. 10).

12 Paráfrase de (GEISLER, FEINBERG, 2016, p. 305).


25

O ateu sofre, e como para ele tudo é material, e todos os acontecimentos tem
a relação causa e efeito, ele também encontra a ideia acusativa contra a existência
de Deus. Pelo fato desse “deus” deixar, ou permitir o sofrimento daqueles que são
seus súditos. Mas, esse também pode ser o ponto fraco dos ateus, porque diante de
um grande sofrimento duradouro, seu pensamento materialista não encontra
esperança, confiança ou saída.

O sofrimento real, experimentado por todos os seres humanos, deixa o ateu


desamparado. Talvez ele até levantasse a premissa sugerida por Geisler e Feinberg,
“Que Deus não tem nenhum bom motivo para permitir o mal”. A resposta do teísmo,
de que Deus pode ter um bom motivo, conhecido por alguns mas não plenamente
reconhecido por todos, traz consolo e esperança ao teísta e indignação ao ateu.

Talvez essa indignação alimente o ateísmo. Mas o sentimento da fé, em relação


e isto é: “Se existe um Deus grande o suficiente para você ficar indignado com ele por
permitir o mal e o sofrimento, então esse Deus é grande o suficiente para ter motivos
que você e eu nem podemos começar a entender.” (COFFEY, 2012, p. 77). Via de
regra, os que sofrem, na hora do sofrer, não estão interessados em saber todas as
fórmulas filosóficas, ou todas as premissas e proposições acerca do dilema.

Tenha muito cuidado quando você fala com alguém que esteja
sofrendo de fato. [...] Não tente defender Deus tentando responder aos
“por quês?”. Essa abordagem provavelmente sairá pela culatra.
Lembre-se de que é o coração que dói, e, quando a dor é grande, a
razão só consegue falar à mente, mas não consegue nem mesmo
chegar ao coração (COFFEY, 2012, p. 72).

É nesse sentido, que a perspectiva como Calvino aborda toda essa temática,
parece falar muito mais ao coração, por meio de uma visão que emana
exclusivamente das escrituras, e que pode ser muito mais eficaz a fé dos que sofrem.
E todos sofrem. Não há injustiça nesse fato, por isso, no próximo ponto, veremos duas
questões antagônicas entre si, ou ao menos, aparentemente.

1.5 Mundo injusto Deus justo

Ás vezes, escutamos de pessoas leigas, quanto a filosofia ou a teologia, a


afirmativa de que esse mundo é injusto. As vezes para sugerir, a negação de Deus ou
de sua soberania. Ateus, inclusive, fazem tais afirmativas com frequência. Mas a
pergunta que se faz é: se não há Deus, se não há um padrão de bondade e justiça,
26

como traçar, ou ter certeza do que é justo ou injusto? Nesse sentido o padrão de
justiça pode ser simplesmente relativo.

O mal não é só um enigma filosófico; é uma realidade que perambula


pelas ruas e destrói as vidas, os lares e os bens das pessoas. Buscar
uma solução é mais do que procurar uma resposta intelectualmente
satisfatória sobre o motivo da existência do mal. Implica procurar
meios para que a justiça curadora e restauradora do Deus Criador,
que um dia permeará toda a criação, seja trazida à existência,
antecipando a realidade final, para o mundo presente de espaço,
tempo, matéria e para as realidades conturbadas da vida e das
sociedades humanas. Diante desse desafio, se preocupar com o mal
como sendo um problema da filosofia ou da teologia se torna uma
atividade desarticulada; é como chorar sobre o leite derramado em vez
de pegar um pano e limpá-lo (WRIGHT, 2009, p. 132/133).
A questão, é que se busca uma resposta, ou uma solução imediata para o
problema, e isto não está ao alcance apenas da teologia ou filosofia. Não é apenas
algo que deve ser estudado de longe e de forma teórica resolvê-lo. É preciso lidar com
o mal. “Não conseguimos expulsá-lo completamente do mundo. Mas cabe a nós a
responsabilidade de escolher a maneira de lidar com o mal, que nos acomete de fora,
e de investir em ações que não causem mal aos outros” (GRÜN, 2015, p. 11).

O Cristão deve compreender, que há no curso da história, coisas que vão se


ajustando ou se revelando, progressivamente. E não há uma solução instantânea para
a injustiça do mundo, e isso não quer dizer que Deus seja culpado ou injusto por isso.
Na verdade esta é a forma como ele mesmo a estabeleceu.

Nesse sentido, a teologia reformada, tem muito a esclarecer. Com a doutrina


da queda. O relato de Gênesis 3, o qual descreve a queda do homem, lança maldição
(condição de queda, moral e espiritual), não somente sobre o homem, mas sobre toda
a terra. Deste modo, o mundo é injusto, porque o homem se tornou injusto, a natureza
do homem é injusta. Mas também, explica os próprios sofrimentos, causados pelos
males naturais, tsunamis, furacões, tornados, inundações... O texto de Gênesis 3.17-
18 diz:
E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste
da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua
causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida.
Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do
campo (ARA).
27

O fato inegável e explícito é que, não só o homem entrou em degradação, pós


queda. A terra, foi amaldiçoada, a ordem cósmica foi desfeita, os cardos,13 Nos dão
uma ideia disso tudo, do quanto todo o (cosmos) foi afetado com a maldição pós
queda. De fato, há algo no mundo, que nos remete a uma ordem injusta de fatos e
acontecimentos na história.
O grande matemático, físico e literário, Blaise Pascal, também procurou
explicar essa desordem cósmica, que torna o mundo injusto, guiado por um Deus
Justo. Em duas de suas mais notáveis obras, “as provinciais”, onde trava uma
batalha teológica com os jesuítas, sendo ele jansenista14. E “pensamentos”, esta
última, com mais ênfase teológica e filosófica, sobre a questão do mal e do sofrimento,
na perspectiva da graça irresistível.
Vai dizer ele, que a graça não é dada a todos os homens e que a graça eficaz
é que determina nossa vontade de fazer o bem (PASCAL, 2016, p 20). A falta da graça
eficaz de Deus, traz mais e mais injustiça sob um mundo desorganizado, exatamente
pela falta da graça eficaz. Tanto Pascal, quanto qualquer cristão comum, que tenha
em mente, a doutrina bíblica da queda e da depravação humana, não poderá negar,
a certeza de um Deus Justo e um mundo injusto. “Na medida em que a retidão é uma
parte essencial do caráter de Deus, ele não pode ignorar o pecado sem o pagamento
adequado para esse pecado” (PENNEY, 2009, p. 306). Assim como Pascal, devemos
ter em mente, de onde parte, ou qual a causa dessa injustiça no mundo, a saber, o
que já introduzimos a respeito da queda. Deus será para sempre Justo (Sl 67.4;
145.17). O mundo, tal como o vemos agora, terá o prazo de sua injustiça limitado. Mas
aceitar esse fato Bíblico, como forma de responder as inquietações do ser humano
diante do mal e do sofrimento, não é uma tarefa tão simples. Por isso, existem muitas
outras tentativas de resoluções filosóficas ao problema. Como ponderaremos adiante.

13 Planta das famílias das compostas (Centaura melitensis), considerada praga da lavoura, de flores
amarelas, folhas com espinho, acinzentadas, caule ereto, revestida de pelos (Dicionário Online de
Português).
14 (PASCAL,2016, p. 8) O jansenismo é uma doutrina religiosa inspirada nas ideias de um bispo de

Ypres, Cornelius Otto Jansenius. No século XVI, O movimento tem caráter dogmático, moral e
disciplinar, que assumiu também contornos políticos, e se desenvolveu principalmente na França e na
Bélgica, Defende uma interpretação das teorias de Agostinho de Hipona sobre a predestinação contra
as teses tomistas do aristotelismo e do livre arbítrio.
28

CAPÍTULO 2

TENTATIVAS DE EXPLICAR E RESOLVER O PROBLEMA

2.1 Dos principais filósofos e suas propostas

É difícil afirmar com clareza e total certeza, qual filósofo começou a tratar
acerca do problema do mal e do sofrimento. A linha histórica, pode ser injusta com
alguns menos conhecidos e que, por ventura tenham abordado o problema antes dos
mais conhecidos. Afirmamos isto, pelo motivo de encontrarmos, em alguns filósofos,
apenas relações, ou melhor, associação entre o que poderia ser melhor ou pior, mal
ou bem.
Tales de Mileto, Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Zenão de Eléia, Empédocles
e Anaxágoras, nos parece que suas preocupações básicas, não era trabalhar
sistematicamente algum conceito do bem e do mal, as três preocupações que
dominavam as reflexões principais para estes primeiros eram: ‘“a busca da
‘monarquia’, a busca da unidade em meio a diversidade e a busca do cosmos sobre
o caos”’ (SPROUL, 2002, p. 15).
Dentro destas perspectivas, das quais se ocupavam os primeiros filósofos, não
encontramos nenhum pensamento mais centralizado na perspectiva do bem e do mal
(pelo menos até onde pesquisamos), exceto Epicuro, já anteriormente citado. Talvez
possamos identificar em Parmênides, ainda que de forma embrionária ou implícita,
algo relativo ao conceito de verdade (o caminho da verdade), justiça, a existência de
algo (o caminho das aparências).
O que a obra de Parmênides traz, como o conceito básico, é a ideia de que
“Tudo que é, é” sua citação mais famosa. Apesar de, parecer-nos a princípio, algo
óbvio, ou redundante, para R. C Sproul, Parmênides compreendeu o princípio ex
nihilo, nihil fit, Conceito de que: nada vem do nada, e se houve um tempo em que não
havia nada, então não haveria nada agora (SPROUL, 2002, p. 23).
Ele expôs seus pensamentos através da poesia em estilo homérico,15 mas nem
por isso, deixou de usar rigorosos argumentos dedutivos em suas colocações.
Argumentos que despertaram a admiração de Platão, que posteriormente, de algum
modo, influenciaria um pouco do pensamento agostiniano, acerca da criação e o

15 Relativo a Homero, poeta épico que teria vivido na Grécia no século VI a.C., presumível autor da
Ilíada e da Odisseia, ou a seu estilo. Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Vol.2, 13ª Edição p.645.
Rio de Janeiro: SKORPIOS, 1979.
29

surgimento do mal, entre essa criação. Adiante, apresentaremos o pensamento dos


seguintes filósofos:
2.1.1 Sócrates, Platão e Aristóteles.

Inevitável falar de Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Blaise Pascal, sem
antes mencionarmos estes três filósofos. Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.), Platão (428
a 347 a.C.) e Aristóteles (428 a 347 a.C.). O que temos de Sócrates, nos é informado
por Platão, “Como Sócrates não nos legou nenhuma coleção de textos e como quase
sempre estrela o sábio supremo nos Diálogos de Platão, é difícil discernir onde acaba
Sócrates e onde começa Platão” (SPROUL, 2002, p. 29). E, ele não nos dá muita
informação sobre o debruçar de Sócrates e dele próprio, sobre a questão do bem e
do mal.
Mas podemos deduzir, de sua contraposição a um sofista chamado Górgias,
que negava a existência da verdade, que despertou Sócrates para pensar que “a
morte da verdade significaria a morte da virtude, e que a morte da virtude seria o beijo
da morte da civilização” (SPROUL, 2002, p. 30). Sócrates entendia que, sem verdade,
não há virtude e sem virtude (algo bom), o único resultado seria a barbárie (o mal).
Não por acaso, “Há quem diga que, em sua época, Sócrates foi o salvador da
civilização ocidental. Ele percebeu que o conhecimento e virtude são inseparáveis –
tanto que a virtude poderia ser definida como o conhecimento correto” (SPROUL,
2002, p. 32). Muito por conta dessa defesa a virtude e o conhecimento.
Em Sócrates e Platão, destaque-se o contraste com um sofista impetuoso que
influenciado pelo cinismo,16 debateu com Sócrates sobre: o que é a Justiça? Este
chamava-se Trasímaco, que atacou a busca pela justiça. Diálogo registrado, em uma,
de suas mais conhecidas obras: A República, nos livros I e II respectivamente. Dizia
o sofista: “Ouve então. Afirmo que a justiça não é outra coisa senão a conveniência
do mais forte [...] De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a Justiça é a
mesma em toda a parte: a conveniência do mais forte” (PLATÃO, 2006, p. 23).

16O cinismo foi uma corrente filosófica que perdurou do século V a.C., ao século V d.C. vem da palavra
grega kúnitos, que significa parecido com um cão. Fundada por Antístenes de Atenas (444-365 a.C.).
A designação proveio de Diógenes de Sinope, discípulo de Antístenes, por sua conduta vergonhosa,
semelhante à de um cão. Pensava que a felicidade consistia em viver o homem de acordo com sua
natureza. Os cínicos antigos não viam utilidade para a sociedade e seus padrões, preferindo viver de
acordo com a natureza. Para isso, prescrevia a felicidade de uma vida simples e natural através de um
completo desprezo por comodidades, riquezas, apegos, convenções sociais e pudores, utilizando de
forma polêmica a vida canina como modelo ideal e exemplo prático destas virtudes (CHAMPLIN, 2014,
p. 744).
30

Segundo Trasímaco, o ímpio, não é uma pessoa imoral, “o ímpio, ao constatar


que o crime compensa, é uma pessoa superior com intelecto superior” (SPROUL,
2002, p. 30). No contraste com Sócrates, Górgias, atacava a verdade, “todas as
afirmações são falsas”, que para Sócrates, a verdade era uma virtude (algo bom), logo
a mentira (ausência da verdade) era má.
Temos agora a disputa que aparece sendo travada entre Sócrates e Trasímaco,
este último, atacando a justiça, e encontramos nesse ataque, nos diz R.C Sproul, a
antecipação da filosofia da “lei do mais forte” em seu máximo grau, a filosofia do
“super-homem” de Friedrich Nietzsche, ou a filosofia da barbárie de Karl Marx.
Trasímaco vê a lei e a justiça como uma simples manifestação dos interesses das
classes dominantes. É interessante notar que no ambiente dito “selvagem”, não
controlado por humanos e leis morais, os animais matam-se à vontade e, não se cogita
falar de “certo” ou “errado” de ética ou moral.
Na natureza indomada a barbárie impera: matar outros seres, roubar-lhes o
alimento ou território, de sua própria espécie ou não, é quase sempre uma questão
de quem é o mais ‘forte’. A barbárie citada por Sócrates, que aconteceria em uma
sociedade sem verdade e sem virtude, também aconteceria em uma sociedade sem
lei e justiça. Neste contraste com Trasímaco, Sócrates parece ter vencido seu
argumento.
Portanto, de modo algum concordo com Trasímaco, em que a justiça
seja a conveniência do mais forte. [...] Parece-me valer muito mais a
afirmação que agora fez Trasímaco, ao declarar que melhor a vida do
injusto do que a do justo. Ora, tu qual escolhes Glauco? Qual das duas
afirmações te parece mais verídica? – Considero que a vida do Justo
é a mais vantajosa (PLATÃO, 2006, p. 35).
Glauco, figura partícipe do diálogo, parece ter entendido também, assim como
Sócrates e concordado com sua refutação ao argumento de Trasímaco. Essa
abordagem, entendemos, se faz necessária, para observarmos que, seja o caos, a
mentira, o ruim, a injustiça, a imoralidade, estão todos em contra posição a ordem, a
verdade, a virtude, a ética (ref. A Aristóteles)17, a justiça e a moralidade, ou seja, ainda
que de forma despretensiosa e implícita, há todos os conceitos de mal e bem, dentro
do que permeava tais discursões. Some-se a estes últimos o “conhecimento”, para o

17Depois de Platão, um dos mais notáveis, Aristóteles recebe o título de “o filósofo”, mas dentro da
perspectiva abordada, pouco nos remete ao assunto. Devido a vasta variedade de assuntos, abordados
por ele tais como: lógica, retórica, poesia, ética, biologia, física, astronomia, teoria política, economia,
estética e anatomia, além da filosofia metafísica (SPROUL, 2002, p. 59).
31

qual Platão (Sócrates) o chama de bem, e atribui “o mal” a falta daquele, como já
sintetizado anteriormente.
Dentro de uma perspectiva da filosofia Cristã (ou teológica), procuraremos os
mais notáveis, filósofos Cristãos, que de alguma forma, foram influenciados por alguns
dos aspectos dos pensamentos dos filósofos acima citados, e que formularam sua
‘apologética’ Cristã, a partir de alguns desses argumentos, ainda que apenas a ideia
inicial, mas que conseguiram fazer uma transição bem elaborada entre a filosofia e a
teologia.
2.1.2 Santo Agostinho (354-430)

Não há como passar por esse tema e não recorrer ao “doutor da graça”
(SPROUL, 2002, p. 58). Visto, não somente sua importância e relevância, como
evidenciada pelo Dr. Jorge Luis Rodriguez Gutiérrez, quando lembra da sua influência
“É sempre é bom lembrar que Agostinho foi o grande pensador do ocidente e que seu
pensamento teve vigência ainda pelos 800 anos após sua morte, o que o torna o
filósofo de maior vigência cronológica da história da filosofia” (SILVA, 2008, p. 16).
Mas também pelo fato do pensamento agostiniano ter influenciado tantos gigantes da
reforma protestante, dentre os quais, João Calvino é um deles, “Lutero era monge
agostiniano, e Calvino citava as palavras de Agostinho mais do que qualquer outro pai
da igreja” (PIPER, 2005, p. 09).
Nos é dito ainda em relação a sua influência no pensamento da Reforma:
“Agostinho é até hoje um santo da Igreja Católica Romana, mas os líderes da doutrina
protestante, Martinho Lutero e João Calvino, também o consideravam seu principal
mentor teológico” (SPROUL, 2002, p. 64). João Calvino faz uso de parte do seu
pensamento, acerca do problema, em vários pontos de seus escritos, é notável o
número de citações que o reformador faz de Santo Agostinho, percebemos, tanto pela
afirmação supracitada, quanto pela comprovação experimental de ler seus escritos.
Mesmo que discordando em pontos secundários, Calvino o cita constantemente.
Agostinho, como já fora citado no capítulo anterior, teve uma relação íntima e
importante com o tema. Sua terrível experiência entre os maniqueus, rendeu a ele
longos anos de busca pela explicação acerca do mal, que não tornasse Deus seu
criador, ou autor, e que não encontrasse no mal alguma substância que lhes atribuísse
a ideia de que fora criado. Porque, se no mal se encontrasse substância, ele seria
32

criado, então, ou Deus seria seu criador, ou alguma outra força ou deidade lhe havia
criado. Assim pensavam os maniqueus. E, nesse sentido:
Agostinho procurou definir o mal em termos puramente de negação. O
mal é falta, privação (privatio) ou negação (negativo) do bem. Só o que
primeiramente foi bom pode se tornar mau. [...] O mal depende do bem
para sua definição (SPROUL, 2002, p. 63).
Definindo, que Deus não pode ter criado o mal, porque tudo que Deus criou é
bom. “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom...” Gênesis 1:31 (ARA).
Portanto, o mal, é o não ser bom, se o que foi criado é bom, o que não é bom, ou o
mal, não pode ter sido criado. Deduzimos da obra de Ivan de Oliveira Silva (2008),
que há grande aproximação de Agostinho ao pensamento de Plotino, que reside no
fato de que Plotino pontificou que o mal é o afastamento do Uno, ou seja, o mal é um
distanciamento do bem, que ocorre por meio da vontade humana.
Verdade que continua aceita por grande parte da teologia reformada até os dias
de hoje, “[...] o pecado não é uma substância que existe independentemente de
representantes morais. O mal não é algo criado. Não é um elemento. O pecado é uma
realidade moral e ética, não física.” (MACARTHUR, 2002, p.104). Ela, a vontade ou,
o arbítrio é a causa da perversão, ou contaminação do bem, da substância criada boa.
No conjunto do seu pensamento, toda substância criada pelo supremo
Bem é, por natureza, boa. Assim, não é possível falar-se em oposição
eterna entre a substância do bem e substância do mal, pois que esta
última não existe ontologicamente (SILVA, 2008, p. 57).
Após se dar por satisfeito por sua busca nesse primeiro momento, Agostinho
não se preocupa tanto em tratar do problema ontológico-metafísico, apesar de
desenvolver bem toda essa parte, a construir a ideia de que o mal não pode ter sido
criado. Lhe foi de grande relevância essa confirmação, ter essa convicção, pois
encontramos em suas confissões, o quanto esse problema,18 que criara uma
dualidade em sua cabeça, motivada pelos ensinos dos maniqueus, lhe perturbava a
mente “O problema ontológico do mal em relação a Deus acaba por envolver a
onipotência do Sumo Bem, seu caráter e também a indagação se o mal tem ou não
substância criada por Deus ou que a Ele se opõe” (SILVA, 2008, p. 64).
Pela sua própria experiência com o mal, descrita em sua maior parte no livro
supracitado, “em referida obra o pensador de Hipona se vale de seu testemunho
particular para criar doutrina a respeito do relacionamento da espécie humana com o
mal” (SILVA, 2008, p. 31). Ele dá uma ênfase maior a perspectiva ontológico-

18 Acerca da existência do mal no mundo e sua substância ou, falta de substância.


33

deontológica. Que joga o mal, totalmente na conta do livre arbítrio. Passando da


discussão sobre a origem, para o aspecto prático da sua existência e atuação.
Para evitar a necessidade ontológica do mal, Agostinho se voltou para
o livre-arbítrio. Deus criou o ser humano com uma vontade livre
(liberum arbitrium), na qual ele também tinha liberdade (libertas)
perfeita. O ser humano tinha capacidade de escolher o que quisesse.
Tinha a possibilidade de pecar (posse peccare) e de não pecar (posse
non pecare) (SPROUL, 2002, p. 64).

A partir daí, o problema do mal passa a ser totalmente relativo ao homem e


não a Deus. Há um entendimento bem peculiar, acerca do livre arbítrio interpretado
por Agostinho no tocante ao problema do mal que, difere um pouco da visão que mais
adiante será apresentada, ele não fala de livre arbítrio, de forma geral como fazem os
arminianos ao abordar o tema, em termos soteriológicos.
Esse poder, ou, esse arbítrio para escolher obedecer ou desobedecer, em
Agostinho, só é possível antes da queda. O (posse non pecare), é relativo ao estado
no qual o homem foi criado, em seu estado de perfeição e bondade como toda a
criação. Mas o livre arbítrio ali, o seu mau uso, introduziu o homem em um estado de
total desgraça em relação a Deus, assim sendo, o mal é quando falta algo, no caso,
faltou ao homem (Adão e Eva) obedecer, a partir daí o que se seguiu, foi que o homem
se tornou, tanto mau, quanto responsável pelo mal.
Nesse sentido, encontramos nas confissões de Agostinho, a afirmação
de que o mal persegue o homem desde os seus primeiros instantes
de vida, haja vista que a sua natureza é voltada para o mal, não
obstante ele ter sido criado para ser uma continuidade do bem (SILVA,
2008, p. 31).

Além de vencer seu adversário mais direto, a saber os maniqueus, com o


argumento ontológico-metafísico, “o mal, como ausência de bem” sem substância,
portando não criado, esse argumento da queda (desobediência), também combate o
pelagianismo19, doutrina também rebatida por Agostinho.
O pelagianismo alegava ser possível ao homem não pecar se assim o quiser.
“A vontade humana sempre foi e continua sendo livre para escolher o bem. Essa
vontade pode rejeitar o mal, porquanto isso está ao alcance do homem, inteiramente
à parte da degradação do pecado” (CHAMPLIN, 2014, p. 184). Todo homem é
totalmente responsável pela sua própria salvação e portanto, não necessita da graça

19Esse nome refere-se ao sistema doutrinário de Pelágio (360-420 D.C), teólogo britânico, cujos pontos
principais acerca da natureza humana, do pecado e da soteriologia, diferem da ortodoxia ocidental
normal (CHAMPLIN, 2014, p. 184).
34

divina. Segundo os pelagianos, no aspecto soteriológico, todo homem nasce


"moralmente neutro", sendo capaz, por si mesmo, sem qualquer influência divina, de
salvar-se quando assim o desejar.
Posteriormente Pelágio reivindicou que a graça divina era desnecessária para
a salvação, embora facilitasse a obediência. Em total oposição a esse ensino, na obra
confissões, “para Agostinho, o mal não é adquirido com o passar dos anos, ou pelo
meio em que a pessoa vive, ou por influências externas, mas o mal já está presente
na alma das crianças” (SILVA, 2008, p. 34). Esse ponto acerca do mal moral, ou do
pecado original, foi um dos pontos mais conflitantes entre os dois.
Pelágio, asseverava que todo ser humano nasce sim, livre do pecado original;
o pecado de Adão e Eva era de responsabilidade exclusiva deles; cada um responde
por seus atos, sem herança pecaminosa. De acordo com seu proceder, cada um
receberá recompensa ou castigo. O pecado se efetua no ato individual de cada um,
para ele. “Cada criança nasce como uma tábua rasa. À semelhança de Adão, enfrenta
o problema da degradação, mas tem a liberdade de escolher o bem ou o mal, tal como
sucedeu a Adão” (CHAMPLIN, 2014, p. 185). Esse ensino foi considerado como
herético, e Pelágio foi condenado pelos dois sínodos norte-africanos de Mileve e
Cartago (461 e 462), condenação oficializada e confirmada pelo papa Inocente I, e
mais tarde pelo papa Zózimo.
Ao contrário, Agostinho aprofundou o debate ao indagar a situação moral das
crianças, desde seus primeiros suspiros.
Pois a teus olhos não há ninguém livre do pecado, nem mesmo o
recém-nascido que viveu senão um dia nesta terra. Quem traz isso à
minha mente? Não será cada pequeno bebê, em que vejo o que não
lembro em mim? Qual foi então meu pecado? Foi o fato de que eu
estava afeiçoado ao seio e chorava? Pois caso eu fizesse isso agora
em relação ao alimento adequado à minha idade, com razão seria
ridicularizado e reprovado. O que fazia então era digno de reprovação;
mas, sendo que eu não sabia o que era reprovação, o costume e a
razão impediam-me de ser reprovado. [...] A fraqueza então dos
membros infantis é a inocência do bebê, não à vontade dele. Eu
mesmo vi e até conheci pessoalmente um bebê invejoso. Ele não
sabia falar, mas ficava lívido e fitava com olhar cruel seu irmão de
criação. Quem não sabe disso? [...] será que também isto é inocência,
não suportar compartilhar a fonte de leite que flui em grande
abundância, mesmo em caso de extrema necessidade, quando
daquele leite depende a própria vida? Nós toleramos tudo isso com
brandura, não porque eles desaparecem com o avançar dos anos.
Pois, embora toleradas agora, alguns anos mais tarde essas mesmas
atitudes são plenamente insuportáveis (AGOSTINHO, 2017, p.19).
35

Embora, aos olhares mais leigos, essa doutrina agostiniana, acerca do pecado
original possa soar insensível, ou ofensivo, ou politicamente incorreta. Na verdade,
não há nada mais bíblico que esse entendimento. Doutrina que serviu, e serve até
hoje, como base da hamartiologia20, antropologia teológica21 e da doutrina da
predestinação22 na fé reformada. Lutero, Zwinglio e Calvino herdaram muito do
pensamento agostiniano.
Mas, voltando a citação acima, retirada da obra confissões, comentada com
excelência por Ivan de Oliveira Silva (2008), quando fala que: o mal não se aprende,
nem depende do meio o qual o ser humano está inserido, ele crescerá e simplesmente
vai aflorar e se revela com o passar do tempo, mas sempre esteve lá. Na interpretação
seguinte, onde encontramos uma explicação ainda mais clara acerca do exposto por
Agostinho:
Tão novas para terem aprendido a controlar ou esconder seus
impulsos, as crianças revelam com transparência o mal que está
nelas. Agostinho não tem dúvidas acerca da seriedade do assunto. A
inveja é, acredita ele, tão forte na criança como seria no adulto. É que
as crianças são fisicamente fracas e subdesenvolvidas, não podendo
agir com seus impulsos malignos tão eficazmente como o poderia o
adulto. É a fraqueza de corpo que torna inofensiva (innocens) a
criança, e não uma inocência de espírito. O mal é, com efeito, tão forte
na criança que parece fornecer a razão mesma para aprender a falar
(EVANS, 1995, p.17).

Assim, concluímos, em síntese, o pensamento agostiniano acerca do problema


do mal. Ele o tratou em três perspectivas, ou de três maneiras. Ontológico-metafísico,
ontológico-deontológico e físico. Desta feita, do ponto de vista ontológico-metafísico
o mal nada é, ‘o não ser’, por outro lado, do ponto de vista ontológico-deontológico,
do ponto de vista moral, o mal é o ‘pecado’. “O efeito do mal na mente é impossibilitar
ao pecador pensar claramente e, em particular, entender verdades espirituais mais
elevadas e ideias abstratas.” (EVANS, 1995, p.53). E do ponto de vista do mal físico,

20 Hamartiologia (do grego[1] transliterado hamartia = erro ou pecado + logia = estudo), como sugere o
próprio nome, é a ciência que estuda o pecado e as suas origens e consequências, ou — se preferível
— o estudo sistematizado daquele tema (pecado). Disponível em:
http://semeandoabiblia.blogspot.com/2011/06/apostila-12-apostila-de-hamartiologia.html. Acesso em:
03/05/2020.
21 A doutrina do homem mormente no que tange a Deus, à sua origem, à sua natureza presente,

atividade, deveres e destino. [...] Na antropologia teológica, o homem é um ser transcendental, ou pelo
menos, está destinado a sê-lo (CHAMPLIN, 2014; vol.1 p.199).
22 O conselho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns para e

a justa reprovação dos restantes. Essa palavra nem sempre é utilizada no mesmo sentido. Às vezes é
empregada simplesmente como sinônimo a palavra geral “decreto”. Em outros casos, serve para
designar o propósito de Deus com respeito a todas as suas criaturas morais (BERKHOF, 2012).
36

“como as doenças, os sofrimentos e a morte, tem significado bem mais preciso para
quem reflete na fé: é a consequência do pecado original, ou seja, é consequência do
mal moral” (AGOSTINHO,1995, p. 16).
Uma consequência vinda sobre a criação, pela desobediência (pecado) do
homem. Mas não apenas dos pecados livremente cometidos por cada pessoa, senão,
também, do pecado originado pela manifestação do livre-arbítrio de Adão e Eva. Esse
pecado, chamado de pecado original, transmite-se a todos os seres humanos, como
uma identidade genética pecaminosa. Que atingiu todo o cosmos.
2.1.3 Tomás de Aquino (1225-1274)

O então Jovem, Tomás de Aquino, teve como mentor, um dos teólogos mais
aplaudidos na época em que Tomás se mudara para a universidade de Paris, aos
dezoito anos. Alberto Magno (Alberto, o Grande), conhecido como “o professor
universal”. Conta-se que neste período, Tomás era visto como motivo de chacotas
entre os colegas, chamado de “o boi parvo de Aquino” levando o seu mentor, certa
vez afirmar que “um dia esse boi parvo deixará o mundo perplexo” (SPROUL, 2002,
p. 68). Bem, foi o que aconteceu.
Sua visão acerca do problema do mal, é bem semelhante à de Santo Agostinho.
Acerca do livre arbítrio dado ao homem pelo supremo bem, seu mal uso, incorrendo
no pecado, e daí o mal moral. O escritor R.C Sproul, descreve cinco respostas de
Tomás de Aquino, em relação existência de Deus, em uma delas ele expõe a prova
dos graus de perfeição, nessa encontramos um perfil do seu entendimento, acerca do
que é bom e o que é mau. Segundo seu pensamento, só podemos julgar ou considerar
algo bom e verdadeiro se tivermos um padrão para tal. Dizemos que algo é bom, certo,
verdadeiro e belo se tivermos uma norma ou padrão máximo (SPROUL, 2002, p. 72-
76). Aos relativistas que acreditam, não haver verdade, na verdade, bem, no bem,
virtude, na virtude.23 Segundo o pensamento tomista, nós não podemos ter algo
relativo a qualquer coisa, a menos que, o que é relativo seja medido por um absoluto.
Ou seja, há um grau máximo medindo todas as outras coisas, a ideia aristotélica
do primeiro motor, o máximo em qualquer gênero é a causa de tudo naquele gênero.
A ideia de hierarquia de bondade (ou de bem), as plantas seriam inferiores aos
animais, que por sua vez seriam inferiores aos homens, que seriam inferiores a Deus.

23 SPROUL, Robert Charles. Filosofia para iniciantes. São Paulo: Vida Nova, 2002.
37

Então, Da mesma forma, é preciso que, haja algo, que seja, em todos os seres, a
causa do ser, da sua bondade e de qualquer outra virtude, ou seja, Deus.
Então, surge a contra argumentação de seus opositores, Deus também teria de
ser máxima ou perfeitamente mau, para aplicar os graus relativos de maldade no
mundo. Assim, como Santo Agostinho, Tomás de Aquino define o mal em termos de
privação e negação. A quanto a alegação de Deus ter que ser o padrão máximo
também em maldade, por ser ele o primeiro “motor”, Aquino responde que “O padrão
fundamental pelo qual temos de julgar o mal não é o mal máximo, mas a perfeição
máxima” (SPROUL, 2002, p. 75).
No sentido ontológico-metafísico, o mal não existe. Assim, Tomás segue
Agostinho e “livra Deus” de ser o grau máximo do que, não existe e nem foi criado. O
mal na filosofia de Tomás de Aquino significa exatamente a carência de perfeição no
sujeito em que se dá. Ele (o mal) é, portanto, a falta, a ausência de ser, de perfeição,
de virtude na natureza do ser, enfim, privação do bem do qual o sujeito deveria
possuir, mas se encontra carente. O mal é no sujeito, porém não tem existência como
sujeito porque a existência do mal depende do existir do sujeito. Assim Sproul
interpreta a visão Tomista acerca do mal.
No entanto, em seu aspecto mais prático e teológico, Aquino parece se afastar
um pouco do que entende Agostinho e o próximo filósofo a ser exposto. Seu estilo é
mais aproximado da filosofia aristotélica, há quem diga que Agostinho cristianizou
Plantão e Tomás de Aquino cristianizou Aristóteles.
Talvez isso tenha influenciado sua conclusão, bem como, a própria visão
escolástica, que nessa fusão de tentar usar a razão para explicar ou entender Deus e
a fé. “Por exemplo, a partir da contemplação da natureza, Aristóteles chegou ao
conhecimento de Deus como causa do universo, porém diante do Deus de Aristóteles
ninguém se prostra em temor e temor” (MADUREIRA, 2017, p. 88). Para Tomás de
Aquino, apenas com a lei natural, o homem era capaz de cumprir as regras morais.
Mesmo sem ter acesso a lei divina, por meio das Escrituras. A filosofia auxilia a
interpretação das Escrituras.
38

Ainda que admita que a fé é quem torna mais clara a razão. Em Tomás de
Aquino, a adesão do homem ao bem, segundo interpreta Paulo Faitanin,24 passa pela
reordenação da vontade, não mais dirigida pela concupiscência da carne marcada
pelo pecado, mas orientada pela aquisição das chamadas virtudes intelectuais, morais
e teologais, as quais disciplinam a natureza e a dispõem à graça, que a revigora na
ordenação ao bem e à verdade. Ou seja, a razão e as leis naturais abrem caminho
para se aproximar da fé. Assim, podemos afirmar que para a escolástica a liberdade
é a capacidade que o homem possui para ser senhor de suas próprias ações. Estas
ações devem ser guiadas pela racionalidade que, no homem,
[...] emana do intelecto (hábito e força oriundos do apetite intelectual,
na busca da verdade e do bem), se manifesta pela vontade (potência
de ordenar-se na eleição livre da verdade e do bem) e se realiza na
escolha (ato que realiza e atualiza o apetite intelectual da verdade e a
potência volitiva do bem). O homem, mediante esta capacidade, pode
querer e não querer, fazer e não fazer. E a razão disso está no próprio
poder da razão (FAITANIN, 2006, p. 124).
Apesar de não responsabilizar Deus pelo mal, há uma demasiada ênfase no
poder da razão humana para que ele se produza. Digamos, que a queda em
Agostinho, foi maior e com mais consequências negativas na capacidade humana, do
que em Tomás de Aquino. Ao menos nesse sentido.

2.1.4 Blaise Pascal (1623 -1662)

Foi um matemático, escritor, físico, inventor, filósofo e teólogo católico francês.


Os primeiros trabalhos de Pascal dizem respeito às ciências naturais e ciências
aplicadas. Aos 19 anos inventou a primeira máquina de calcular, chamada de máquina
de aritmética, Matemático de primeira linha, criou dois novos campos de pesquisa:
primeiro, publicou um tratado de geometria projetiva aos dezesseis anos; então, em
1654, ele desenvolveu um método de resolver o "problema dos partidos", que, dando
origem, no decorrer do século XVIII, ao cálculo das probabilidades, influenciou
fortemente as teorias económicas modernas e as ciências sociais.
Depois de uma experiência mística que experimentou, em 23 de Novembro de
1654, entre dez e meia e meia-noite meia, conta-nos Jonas Madureira, dedicou-se à
reflexão não apenas filosófica, mas religiosa, no perfeito entendimento conforme suas

24FAITANIN, Paulo. O Mal como Privação do Bem em Santo Tomás de Aquino. Disponível
em:<http://www.aquinate.com.br/wpcontent/uploads/2016/11/artigo-paulo-faitanin-o-mal.pdf >acesso
em: 12 de maio de 2020, 16:25:50.
39

palavras acerca do “Deus de Abrãao, Deus de Isaque, Deus de Jacó, não dos filósofos
e dos sábios” (PASCAL apud, MADUREIRA, 2017, p. 90). Mas não renunciou ao
trabalho científico. Escreveu durante este período As provinciais, escritas em meio ao
pesado clima religioso do século XVII, são uma série de cartas anônimas vendidas
clandestinamente em Paris e posteriormente publicadas sob o pseudônimo de Louis
de Montalte.
Estas cartas foram redigidas em defesa do jansenista Antoine Arnauld, amigo
de Pascal que estava sob julgamento dos teólogos de Paris por se opor aos jesuítas.
Obra somente publicada após a sua morte, que ocorreu dois meses após o seu 39º
aniversário, quando já se encontrava muito doente, sofria de terríveis enxaquecas.
O que o impeliu a buscar respostas para a questão do mal, foi o aterrador vazio
de sentido para a vida e o medo do arremate final trazido pela evidência e realidade
da morte. Sua reflexão parte do marco bíblico, assim como Agostinho, na queda de
Adão no Paraíso. Conquanto, Agostinho tenha entrado na questão do motivo do
pecado, Pascal não parte para tal minúcia, ele parte da ideia de que simplesmente o
“homem pecou”. E o amor-próprio, é a raiz de todos os pecados e males que se
seguem.
Como nos informa Adrei Venturine Martins, Afim de mostrar que o amor-próprio
é o marco que impeliu o homem à queda, Pascal o faz expressando aquilo que
aprendeu de dois grandes personagens, Há a sugestão segundo Mesnard25 talvez,
estes dois personagens fossem Santo Agostinho, através da obra A cidade de Deus
e Jansenius e a obra Augustinus. Se tal suposição se sustenta, acerca das influências
agostinianas e jansenistas no pensamento pascaliano, não se sabe ao certo, o fato é
que, é inegável que em vários aspectos, há similaridade, principalmente no que diz
respeito a queda do homem, a redenção e a graça irresistível.
Conquanto vemos que, em síntese, Agostinho atribui ao livre arbítrio do homem
sua queda, ou como informa Martins (2017), para Agostinho, o orgulho se manifesta
como a fonte de todos os males, porque é através dele que o homem deseja se elevar
ao mesmo patamar do seu Criador. O orgulho também permeia o pensamento de
Jansenius, quando trata acerca do que ocasionou a queda. Pascal fala muito mais
acerca do amor próprio, e o que seria esse amor próprio como mal?

25 MESNARD, apud MARTINS,2017, p.100.


40

A abordagem do tema do mal, enquanto moral e físico por Pascal, parte da


ideia, da existência de dois amores.
A verdade que abre este mistério é que Deus criou o homem com dois
amores, um por si mesmo [soi-même], mas com esta lei, que o amor
por Deus seria infinito, isto é, sem nenhum outro fim senão Deus
mesmo, e que o amor por si mesmo seria finito e relacionado a Deus
(PASCAL apud, MARTINS, 2017, p. 101).

O mistério do qual fala, é o pecado original, ele assim se refere em seus


pensamentos (PASCAL, 2002), de que o pecado original é concebido como um
mistério. Então, Deus ao criar o homem, colocou nele a capacidade de amar
infinitamente o que é infinito, a saber o próprio Deus, e amar com o amor finito, o que
é finito, toda a criação de Deus, e o próprio homem. Nessa gênese da teoria do pecado
original em Pascal, há uma relação de proporcionalidade perfeita. A ordem cósmica
está perfeitamente estabelecida, há justiça, o amor infinito destinado ao objeto infinito
e o amor finito destinado ao objeto finito. Deus criou o mundo, o homem, equilibrou
tudo isso e deu liberdade ao homem.
De alguma maneira, Pascal não entra em detalhes, o homem usou da liberdade
e pecou, após o pecado, conforme (MARTINS,2017), o homem ainda continua com
essas duas capacidades de amar, sendo que de forma contrária a anteriormente
estabelecida por Deus. O amor finito continuava nele, e ele ainda direcionava as
coisas finitas, mas o amor infinito, ele não tinha mais para quem entregar, porque o
objeto infinito havia, virado as costas para ele. O homem pecou, e Deus se afasta
deste. O homem então, não tem para quem direcionar esse amor infinito, e direciona
para si mesmo.
Agora já não há mais uma relação de proporcionalidade, porque o amor infinito
está sendo destinado ao ser finito. É daí a definição de amor-próprio, é um amor
infinito, que o homem volta para si, o homem é então, um ser finito que se ama,
infinitamente. No entanto, é importante observar que existia também amor próprio
antes da queda, ao passo que o homem deveria amar a Deus, ele também deveria ter
amor por si próprio enquanto criatura do seu Deus, mas não de forma deturpada
“afirmamos que há em Pascal um amor próprio antes da queda, justo e obediente à
ordem estabelecida por Deus, e um amor-próprio depois da queda, mas este [...] em
sua versão corrompida e maculada (MARTINS, 2017, p. 106).
Nesse sentido, o amor-próprio é esse mal que desequilibra a ordem da criação
de Deus. O primeiro mandamento é por assim dizer, amar a Deus sob todas a s coisas,
41

quando o homem se ama infinitamente, ele se ama sob todas a coisas. Esse pecado,
é repassado a todos os descendentes de Adão. Ao passo que o homem é nesse
estado, alguém que se ama infinitamente, mas que é finito, é o que pascal chama de
grande vazio, ou que há um hiato do tamanho de Deus no homem.
Ai reside todo caráter pessimista em relação ao homem. De modo que, ele nada
consegue realizar de bom, de si mesmo. E está entregue a miséria desse grande vazio
infinito ou abismo infinito, “pois tanto vazio infinito como abismo infinito são figuras do
abandono de Deus, isto é, o próprio objeto infinito” (MARTINS, 2017, p. 211). E o que
o homem faz para lidar com isso? Para pascal, de acordo com o fragmento 136 dos
pensamentos (PASCAL, 2002), ou o ser humano está no tédio,26 ou no
divertissement.27 Não há uma possibilidade de uma felicidade perene e duradoura
nessa vida, eis o mal, ou o homem está entregue totalmente ao seu estado de ruína,
loucura, inerte com a ciência de si mesmo (tédio), ou se auto enganando, impedido
de pensar, insensível, alheio a sua condição, (divertissement).
Diante de tal visão pessimista do homem, qual a solução para esse mal? Pascal
recorre a Agostinho, e aponta que o vazio eterno, que o amor-próprio produziu, só
pode ser preenchido se esse amor infinito encontrar seu verdadeiro objeto de
devoção, e ele aponta o Cristo mediador. Diferentemente de Aristóteles e Tomás de
Aquino, que buscavam chegar ao conhecimento de Deus e sua vontade moral a partir
das leis naturais,
Pascal expressou sua recusa do Deus dos filósofos, para ele, o
conhecimento de Deus independente de Jesus Cristo é inútil, e,
dependendo do contexto, pode ser até prejudicial, uma vez que
favorece apenas a vaidade e a soberba” (MADUREIRA, 2017, p. 91).

E essa condição, só pode ser mudada pela graça de Deus, revelada no Cristo
mediador. Essa graça ele dá a quem ele quer, e somente o objeto infinito poderia
cumprir às exigências do sacrifício perfeito. O homem precisa de redenção, mas ela
não está em seu poder, nem nas criaturas, ela não pode ser conquistada ou merecida.
“É prerrogativa soberana de Deus dar a sua graça a quem lhe agrada (Rm 9.18). Até

26 Tristeza profunda do homem, é a condição miserável que permite à criatura ver a si mesma sem
desvio, sem ofuscamento. O homem percebe toda sua fragilidade no tédio, identifica tudo que o
ameaça, sejam as doenças, a morte, os acidentes, a tortura, a prisão, o abandono e a solidão
(MARTINS, 2017, p. 225).
27 Divertimento. A diversão nos consola de nossas misérias porque ela é capaz de nos fazer esquivar

de nossas misérias. O divertissement tem seu efeito anestésico da existência (PASCAL, 2002).
42

mesmo com aqueles que ele escolhe para chamar, justificar e purificar, ele reserva o
privilégio de declarar paz a consciência deles” (LUNDGAARD, 2014, p.130).
Esse é o entendimento de graça irresistível, e seu real sentido, que vem desde
Agostinho e que o calvinismo carrega até os dias de hoje. Cristo mediador, segundo
Pascal, aparece como solução definitiva para esse estado de total desgraça, entregue
ao mal do homem. Mas somente aos que recebem dele, a graça. Esse aspecto da
graça como solução para o mal no mundo é característico em Agostinho, Blaise Pascal
e Calvino, mas há tentativas de explicar ou resolver o problema do mal, totalmente
distintas do que mencionamos. Como veremos adiante.
2.2 Das principais religiões orientais

O mal é um problema universal, e diante dele, todas as religiões apontam as


razões da existência do sofrimento, e como aponta (SHIMIDT, 2008), apresentam
formas e fórmulas para evitá-lo, minorá-lo ou eliminá-lo. Por isso, entendemos ser
necessário também, conhecer, ao menos, em síntese, como algumas religiões
orientais lidam com o tema e quais as suas explicações.
2.2.1 Hinduísmo

Não é apenas um dos mais antigos de todos os sistemas religiosos, mas


também um dos mais complexos. Isto porque ao longo de sua história, o hinduísmo
gerou uma variedade de seitas que defendem diferentes crenças, por isso, segundo
(MCDOWELL, 2006), torna-se difícil expor um quadro preciso do hinduísmo, são mais
de 300 mil deuses. Mas podemos considerar, o que serviu como base de todo sistema
religioso Hindu.
Eles não desenvolveram o conceito de um Deus único, mas sim o conceito para
uma divindade máxima, o Brahma. Mas outros dois completam, digamos, uma tríade
ou, o eterno Trimúrti, da base da religião hindu, são como deuses complementares,
Vixnu e Xiva. O primeiro é o Criador supremo, o segundo o preservador e o terceiro o
Destruidor.
Acerca do mal, o hindu defende a lei do karma.28 A lei do carma diz que para
cada evento que ocorre, seguirá outro evento cuja a existência foi causada pelo
primeiro, este evento poderá ser agradável ou desagradável, a depender se a sua

28A palavra karma é originária do sânscrito oriental Kar (fazer) e Ma (efeito), ou seja: consequência.
SHIMIDT, Alaid Shivone. Como encarar o sofrimento: as cosmovisões existentes e a teologia de Deus.
São Paulo: Arte Editorial, 2008. p. 39.
43

causa foi boa ou não. Como nos diz (MCDOWELL, 2006, p.303), “No hinduísmo, a
presente situação existencial de uma pessoa é determinada pelo desempenho de
suas vidas passadas”. Se a pessoa pratica atos íntegros, ela se dirige para sua
libertação do ciclo de nascimentos e mortes sucessivos. Mas se, ao contrário, os atos
da pessoa forem maus, ela se afastará ainda mais da libertação.
Dar-se a isso, a saber, a libertação, o nome de Mocsa, ou mukti, liberação da
alma da roda do karma. Eles são estimulados a buscar o mukti, e fugir do samsara.29
Esse renascimento, ou transmigração da alma podem ser infinitos.
Essa cadeia ininterrupta consiste no sofrimento resultante dos atos de
ignorância ou pecado em vidas passadas. A cada sucessivo
renascimento, a alma, que os hindus consideram eterna, move-se de
um corpo para outro e leva consigo o carma de sua existência anterior
(MCDOWELL, 2006, p.303).

Esse renascimento pode se dar numa forma mais elevada, como nascer em
uma casta superior, ou decaída, assumindo uma condição em uma casta inferior, ou
até mesmo em forma de um animal, visto que a roda do karma, se aplica tanto a
homens, quanto a animais. Por isso se tem alta estima pelos animais, no hinduísmo.
Então, de acordo com o hinduísmo, a única forma de se livrar do mal é se livrar
do samsara, atingindo o Nirvana, “a sabedoria resultante do conhecimento de si
mesmo e de todo o Universo” (SHIMIDT, 2008, p. 41). O caminho para o Nirvana,
passa pela desvalorização dos aspectos corpóreos e sensíveis do homem, pelas
práticas religiosas, pelas orações e pela ioga, esta contém poderes místicos de
purificação da mente e melhora do corpo. Resumindo, “o mundo físico é uma ilusão:
no mundo tridimensional, designado maya, o homem e sua personalidade não passam
de um sonho” (SHIMIDT, 2008, p. 42).
Ou seja, o mal não existe, é uma ilusão ou, um tropeço da mente para impedir
a busca do Nirvana. Através da ioga, seguindo o que eles chamam de oito passos
para transcender ao universo impessoal, no qual o praticante perde o senso de
existência individual.
Tanto para (SHIMIDT, 2008), quanto para (MCDOWELL, 2006), A dificuldade, na
aceitação dessa doutrina, bem como outras que admitem esse processo de
reencarnação para melhoria, é o próprio fato, da pobreza e miséria que assola a terra,
principalmente as regiões onde elas são professadas. Continua a existir, fome, crimes,

29 Refere-se à transmigração ou reencarnação. MCDOWELL, Josh. Evidências da fé Cristã. Respostas


eficazes para defender sua fé. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 303.
44

desvios de caráter, geração após geração, mais sofrimento e mal se encontra, se essa
roda do karma, é para a melhoria da pessoa, como explicar tal realidade? É uma
dificuldade evidente para os que professam essa doutrina.
2.2.3 Budismo

Surgiu na Índia, cerca de 500 A.C, as pessoas estavam desiludidas com certas
crenças do hinduísmo, muito mais pelo sistema de castas. Na verdade ao que relata
(MCDOWELL, 2006), muitas seitas diferentes surgiram do hinduísmo, mas a mais
influente delas com certeza foi o budismo. Buda (Siddharta Gautama), é o seu
fundador específico. Existem dois tipos de budismo, o budismo teravada, mais
primitivo, ficou basicamente restrito a Índia, e posteriormente o budismo se tornou
muito popular em especial na China e Japão, e este foi denominado budismo maaiana.
Buda (Siddharta Gautama), resumiu os seus ensinamentos nas “quatro
verdades” as quais versam sobre o sofrimento e como se livrar dele. Acerca das quais
(SHIMIDT, 2008), apresenta as seguintes ideias: a primeira se baseia na palavra
dukkha, significa dor, sofrimento. Esta palavra lembra a roda viva de sofrimentos e
renascimentos sem fim, assim como no hinduísmo, chamada de samsara, diante da
existência dos sofrimentos, Buda prega que os homens devem despertar para essa
realidade, não vendo como natural e impossível de mudança, mas buscando a
libertação. A segunda verdade é chamada Samudaya, o diagnóstico da dor. A causa
principal do sofrimento é o apego ao desejo e ao intenso querer humano.
O budismo ensina que o sofrimento não é consequência de obras
passadas, mas de desejos não realizados, que por sua vez resultam
da ilusão de que somos seres individuais. Assim como os gregos
estoicos, Buda ensinou que a solução para o sofrimento é extinguir o
desejo por meio de uma mudança da consciência (KELLER, 2016, p.
28-29).

Essa classe de desejo é a base de impulsos suicidas e automutiladores, bem


como de diversas doenças psíquicas. A terceira nobre verdade é a Nirodha, ou a
descoberta da possibilidade da cessação da dor. Isso é possível, por meio da
sabedoria interior, alcançando o Nirvana ou Nibbana. Em síntese, isto é, torna-se um
iluminado, ter uma mente perfeita e livre do desejo de vir a ser alguma coisa,
alcançando assim a autotranscedência.
A quarta nobre verdade é o magga, caminho que leva a cessação do
sofrimento. Segundo o Buda, esse caminho é constituído de oito fatores:
compreensão, pensamento, palavra, ação, meio de vida, esforço, conscientização e
45

concentração corretos. A meta de um budista é purificar seu coração e ver-se livre de


todos os desejos, por isso muitos vivem de forma monástica. Porém, para (SHIMIDT,
2008), o budismo deixa um vácuo enorme entre o homem e o seu Criador. Além de
viver o autoengano da não realidade física do mal. Uma constante negação do
sofrimento.
2.2.4 Islamismo

Segundo observa (SHIMIDT, 2008), os mulçumanos acreditam na existência


de um Deus todo poderoso, infinitamente superior e transcendente à espécie humana,
ao qual chamam Alá. Ele é o criador do universo e a fonte do bem e também do mal.
Tudo o que acontece está na vontade de Alá. O relacionamento de cada seguidor com
ele, é somente na qualidade de servo e Alá, um juiz severo e poderoso, o qual será
misericordioso com os seus seguidores, dependendo se suas obras forem suficientes.
Seus seguidores acreditam em vários profetas, inclusive que Jesus foi um
grande profeta sem pecado, embora não tão importante quanto Maomé. Acerca do
pecado e salvação, os mulçumanos vivem sob um sistema legalista e precisa
conseguir a sua salvação. “Para o mulçumano, pecado é a falta de obediência à Alá.
Assim, o homem só é pecador pela ação, não devido a sua natureza” (MCDOWELL,
2006, p. 345). E para se privar da desobediência a Alá, eles precisam seguir cinco
deveres religiosos que são: repetir o credo sobre Alá e Maomé; recitar certas orações
em Árabe cinco vezes ao dia; dar aos necessitados; um mês por ano jejuar comida,
bebida, sexo e fumo desde o nascer até o pôr-do-sol (Ramadã); uma vez na vida
peregrinar até a cidade de Meca e adorar no lugar santo.
Há uma diferença considerável entre o Deus dos cristãos e o deus islâmico,
pois o deus islâmico, conforme (SHIMIDT, 2008), parece um deus, distante,
indiferente, imperativo, injusto e cruel em suas ordens, os adeptos da religião são
chamados a lutar contra os judeus e os cristãos, por considerá-los profanos e impuros.
No tocante ao problema do mal e do sofrimento, tudo que acontece ao homem,
mal ou bem, é predestinado por Alá, por meio de seus decretos que não mudam. O
muçulmanismo embora acredite que haverá o dia da ressurreição e do julgamento do
bem e do mal, os homens serão julgados por serem ou não mulçumanos e por seus
méritos individuais, de acordo com os cinco deveres do islamismo supracitados.
A sua esperança repousa na crença de que entrarão no paraíso, um lugar de
prazeres sensuais e permanentes bacanais. Se não, eles serão punidos no inferno
46

eternamente. O mulçumano tem uma relação muito íntima com o mal e o sofrimento,
que conforme o autor acima mencionado, são intensificados pela rigidez de
observância dos deveres e por tomar parte no Jihad (guerra Santa), para “reformar o
mundo”. É oferecido a qualquer mulçumano que pereça numa guerra defendendo os
direitos do islamismo ou de Alá, a vida eterna garantida.
Por essa razão, não faltam “guerreiros”, dispostos a tomar parte nessa “guerra
santa”, não têm medo de morrer ou de passar por qualquer risco ou sofrimento. Para
isso, devem se infiltrar no mundo e estabelecer seu domínio a qualquer preço. O
fundamentalismo islâmico, se impõe pela dor, pelo aumento do sofrimento e pela
imposição de regras. Assim, ao que parece, o sofrimento e o mal para eles não são
coisas que devam ser evitados ou, aliviados.
2.2.5 Religiões dualistas

Zoroastrianismo persa e Maniqueísmo. O dualismo é uma posição, como já


afirmamos em outro lugar, que admite as duas realidades. O bem e o mal são dois
princípios que coexistem em eterna oposição. Zoroastro (628-551 a.C.) atribuía os
dois princípios a um deus do bem (Ormuzd, o bem) e o deus mal (Ahriman, o mal). Os
dois eram inteiramente independentes, mas acreditava-se que o bem sairia vitorioso
ao final. Eles acreditavam que um salvador viria nos últimos dias trazer uma
restauração final conforme informa (KELLER, 2016).
O Zoroastrianismo influenciou o maniqueísmo, esta, fundada por Mani, como
já fora citado antes. Mani acreditava que a matéria é essencialmente má, não podendo
esta, entrar em contato com Deus. Segundo essa visão, “O mundo, portanto, teria sido
criado pelo demiurgo, uma emanação de Deus” (SAYÃO, 2012, p. 34). Esse
pensamento livra, ou desculpa a Deus, afirma a realidade do mal, porém, nega sua
unicidade, soberania e prerrogativa de ser único e suficiente Criador.
O autor supracitado observa que, o maniqueísmo persa influenciou o
pensamento grego. Ainda que de forma parcial, ou, moderada, o dualismo cósmico
pode ser tratado a partir de Platão. O pensamento de que o mal, reside na deficiência
do mundo material, oposto ao mundo das ideias. Mais tarde outros movimentos e
pensadores como o gnosticismo, o neoplatonismo (Plotino 205-270), marcaram essa
posição.
Assim, esse argumento baseia-se na ideia de que não pode haver nenhuma
relação de causalidade, ou de responsabilidade entre bem e mal, um e outro são
47

independentes e possuem origens distintas. Essa distinção entre os dois assegura,


como já fora dito, que Deus não tem nada com o mal. A conclusão lógica que deriva
dessa posição é a negação da onipotência e soberania de Deus e a existência de um
outro criador. Agora passaremos das visões e tentativas de resolução do problema do
mal e do sofrimento, das religiões orientais, para as teses independentes de credos
ou, como chamaremos, teorias30.
2.3 A teoria da punição

Deus criou o mundo sem dor nem sofrimento, tudo que Deus criou era bom.
Mas Adão se rebelou contra Deus, e consequentemente toda raça humana ficou sob
a maldição de Deus. Há dor e sofrimento no mundo, porque estamos sendo punidos
por termos nos rebelado, em Adão, contra Deus. Até aqui, não há problema algum
com a teoria, por estar de acordo com as Escrituras.
No entanto, individualmente: “No âmbito individual, a punição é agravada em
consequência de nossa própria marca de rebelião” (COFFEY, 2012, p.73). Essa é a
teoria da punição. A questão é que, embora haja em cada uma das teorias sugeridas
como solução para o problema, aspectos verdadeiros, não abrangem o todo da
questão.

“Quando o príncipe deste mundo apresentou uma tentadora


simplificação para os problemas deste mundo, Jesus não zombou de
sua presumida autoridade. Ele simplesmente se posicionou contra ela,
em favor de uma solução mais lenta, mais custosa, porém
permanente” (YANCEY. 2015, p. 34).
O problema na teoria da punição, está na questão da proporcionalidade do
sofrimento. Que o sofrimento é a resposta, ou, a punição de Deus para nosso ato de
desobediência no jardim do Edem, é aceitável de acordo com o relato bíblico, mas
que, individualmente esse sofrimento aumenta como consequência da rebelião de
cada indivíduo, não explica: porque muitas pessoas “boas” (ao menos socialmente),
já passaram por mais sofrimentos que outras pessoas más? Isso não parece justo.

E nesses casos, a teoria da punição não consegue fornecer respostas


satisfatórias. Fica parecendo uma espécie de carma. Simplifica a resposta e não
oferece mais argumentos. Percebemos, que diante de uma certa dificuldade em como

30 Chamaremos de teorias, com base no esclarecimento dado por (COFFEY, 2012, p. 72-75), ao se
referir as tentativas de muitos teólogos em explicar, um Deus amoroso e um mundo onde coisas ruins
acontecem. Entendemos cada uma delas isoladamente também, como teoria.
48

responder rápido e objetivamente, no afã de responder as indagações o quanto antes,


cristãos acabam se utilizando dessa teoria.

O escritor Timothy Keller31 ao escrever sobre o erro de todas as teodiceias,


menciona isso, bem como R. K McGregor32 e Philip Yancey33 também observam,
como cristãos acabam por recorrer apenas a teoria da punição, como se apenas esse
molde, servisse a todas as pessoas e todos os acontecimentos. Defender apenas
essa teoria, Pode parecer que a Bíblia só explica o sofrimento com base na punição
divina e o erro humano. A mentalidade judaica era bem assim, entendia que todo mal
e sofrimento vinha para punir o sofredor de alguma desobediência, a teologia dos
amigos de Jó (5.17,18).

Devo insistir em que os próprios profetas nunca afirmam isso como um


princípio universal, como uma forma de explicar todos os casos de
sofrimento. Ou seja, os profetas estavam falando apenas a seus
contemporâneos sobre seu sofrimento específico (EHRMAN, 2008, p.
53).
Ehrman analisando o pensamento judaico acerca da explicação ao sofrimento
dada pelos judeus, não responde todas as questões. Embora veja pontos positivos e
seja verdadeiro que dada uma lei, o seu descumprimento causará a devida punição,
leva Deus a sério e sua intenção para com esse mundo. Não é razoável advogar que
o sofrimento é causado apenas por punição divina e que só tem a finalidade de punir.
Os amigos e Jó disseram verdades, como há verdades na teoria da punição, no
entanto, o sofrimento de um, não é igual ao de toda humanidade, as causas,
consequências e propósitos são diversos. A exemplo desta, veremos outra teoria, bem
notada e utilizada por cristãos ao responderem as indagações sobre o mal e o
sofrimento.
2.4 A teoria do livre arbítrio

A teodiceia do livre arbítrio tem uma longa jornada na história, “[...] remonta a
Santo Agostinho” (KELLER, 2016, p. 107). Mas, conforme analisamos antes, há certa
diferença, certas nuances em relação a visão de livre arbítrio em Agostinho, para esta
mais comum e normalmente difundida principalmente em círculos arminianos. Em

31 KELLER, Timothy. Caminhando com Deus em meio a dor e ao sofrimento. São Paulo: Vida Nova,
2016.
32 WRIGHT, R.K. McGregor. A soberania banida. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
33 YANCEY, Philip. Decepcionado com Deus: três perguntas que ninguém ousa fazer. São Paulo:

Mundo Cristão, 2012. E YANCEY, Philip. A pergunta que não quer calar. São Paulo: Mundo Cristão,
2015.
49

termos menos rebuscados, ela se apresenta com a ideia de que: Deus não nos criou
para sermos robôs ou animais com instinto, mas agentes racionais e livres, com
capacidade de escolher.
Temos capacidade de escolher tanto o bem, quanto o mal livremente. Assim
podemos abusar do livre arbítrio, e essa é razão para a existência do mal. E, até aqui
está de acordo com basicamente toda ontologia-deontológica de Agostinho. Assim,
não seremos “bichinhos de estimação” Deus quer ter filhos amorosos. Jean-Paul
Sartre explicou bem essa ideia ao dizer: “quem deseja ser amado não quer a
escravidão da pessoa amada [...] Se a pessoa amada se transforma em autômato, o
apaixonado acaba sozinho” (apud KELLER, 2016, p. 107).
É exatamente o que diz a teoria do livre arbítrio. Para o amor de fato existir,
você precisa ter liberdade. Acontece que nessa visão menos rebuscada, o livre arbítrio
ainda existe efetivamente nos homens, nem ao menos tentam fazer como Agostinho
ao falar em liberdade da vontade. Dizem: Se não formos livres para escolhermos fazer
o mal, odiar, as nossas escolhas para amar, fazer o bem, desejar e querer o bem, não
significam nada, seríamos marionetes e marionetes não amam. Mas essas respostas,
ou tentativas de justificar a Deus, podem até soar bonito e romântico por um tempo,
aos ouvidos menos treinados na apologética cristã ou, na própria filosofia. Basta um
simples argumento de algo da vida prática, para que se detecte a ineficácia da teoria
do livre arbítrio.
Ensinei a cada um de meus três filhos, do mesmo jeito, a andar de
bicicleta. Com cada um deles, eu tirava as rodinhas e mandava que a
criança vestisse um moletom bem grosso. Saíamos para a rua, e eu
pedia que subisse na bicicleta. Eu agarrava a parte de trás do moletom
e dizia: “comece a pedalar!”. Eu segurava firme, correndo ao lado da
criança, corrigindo-a cada vez que perdia o equilíbrio. Enquanto eu
segurava, meus filhos não sentiam nenhuma dor e se divertiam muito.
[...] cada um dos meus filhos em algum momento se virava para mim
e dizia a mesma coisa: “pode largar! Pode largar!”. É o grito do coração
humano. Liberdade. “Deixa comigo!” então eu deixava. [...] sabia que,
mais cedo ou mais tarde, aquela criança experimentaria a dor. A culpa
era minha? Sim e não. Meus filhos precisavam de liberdade e a
queriam, mas com a liberdade vinha o potencial real da dor (COFFEY,
2012, p. 73/74).

Percebemos o problema com essa teoria? Não justifica a Deus. Se Deus é tanto
amoroso quanto poderoso, em seu amor ele poderia não nos soltar “o moletom”,
porque ele sabe que iremos cair. Mesmo que nos achemos autossuficientes para
querer andar livre. Ou, em seu poder, ele poderia simplesmente não nos deixar cair,
50

nos dar liberdade, mas nos livrar do mal, que o uso dessa liberdade pode nos causar.
Essa ideia não faz jus aos inúmeros casos de sofrimentos que encontramos nas
escrituras. Outra analogia ainda torna mais clara, a ineficácia da teoria do livre arbítrio
diante do mal e do sofrimento.
Se eu visse meu filho mais novo pedalando no meio do trânsito, não
sentaria e pensaria: “isso não vai dar certo, mas não quero violar o
livre arbítrio dele”. De maneira nenhuma! Eu correria e o arrancaria da
bicicleta, e, quando ele percebesse o que poderia ter acontecido, me
agradeceria por violar seu livre-arbítrio (COFFEY, 2012, p. 74).

Assim como a teoria da punição, ela não explica por exemplo, a questão da
distribuição do mal. Porque pessoas que “supostamente” usam seu “livre arbítrio” de
maneira mais equilibrada que outros, sofrem mais do que as que se esquivaram de
uma vida cristã correta? A proporção do sofrimento, não pode ser explicada pelo livre
arbítrio. Essa realidade é reconhecida até por quem é adepto da teoria do livre arbítrio:
Quando era um cristão bem jovem, pensava que tais coisas não
acontecessem a cristãos que estivessem andando na vontade de
Deus. [...] os cristãos que experimentavam sofrimentos inúteis e
gratuitos deviam estar desviados da vontade de Deus. Mas tal
perspectiva é ingênua e obviamente incorreta, porque os justos e
inocentes realmente sofrem.” (CRAIG, 2010, p.85).

A teoria do livre arbítrio, tem sido a solução mais popular para o problema do
mal, mas tem, contudo, sido ineficiente em vários aspectos, por exemplo quanto a
soberania e a providência de Deus. Como nos diz John W. Robbins ao prefaciar Deus
e o Mal, o problema resolvido:
O argumento do livre-arbítrio é a solução proposta com mais
frequência para o problema do mal, mas na verdade ela procura
resolver o problema concordando com uma das alternativas do
problema: o argumento do livre-arbítrio admite que Deus não é
onipotente, pois o livre-arbítrio pode verdadeiramente frustrar a
vontade de Deus (CLARK, 2010, p.16).
A teologia reformada diz que, não há uma causa à parte de Deus, muito menos
o acaso, visto que Deus é a causa primária de tudo que veio a existência. Para a teoria
do livre arbítrio:
Se os sofrimentos do mundo não são totalmente determinados, eles
devem ao menos ser parcialmente indeterminados. Isso é o que a
suposição do livre arbítrio requer. Os atos da vontade não são
determinados por um estado de coisas anterior seja de dentro da
natureza humana (a escravidão da vontade ao pecado) ou de fora (p.
ex., Deus não atropela a liberdade da vontade). [...] a defesa
tradicional do livre arbítrio tenta libertar Deus da responsabilidade
pelos erros na sua criação, tirando-o do controle soberano por meio
de um indeterminismo parcial. (WRIGHT, 2007, p.195).
51

Segundo Wright, a palavra utilizada pela reforma, para negar essa concepção
do livre arbítrio é determinismo. O significado de determinismo é que todos os estados
de coisas no cosmos criado, são causados por um estado de coisas anterior, não
houve nenhum acontecimento não causado, ou fruto do acaso. Os acontecimentos
têm causas, físicas, morais, mentais espirituais direta ou indiretamente de Deus, mas
nada acontece sem uma causa suficiente.34
Quando chamamos um acontecimento de acaso é porque ele não parece ser
controlado ou causado, significa dizer que é imprevisível. Ou seja, não podemos saber
quando ele irá para um lado ou para outro. Essa crença no acaso, é uma função da
nossa ignorância acerca da causação e também dos relatos bíblicos, sobre uma causa
primária que guiou toda a história. “A doutrina da criação em si mesma exige um alto
grau de determinismo. Consistentemente a Bíblia apoia isso com abundantes
preceitos e exemplos” (WRIGHT, 2007, p. 200). Mas, a despeito do determinismo
Bíblico vamos falar um pouco mais adiante no próximo capítulo.
2.5 A teoria da lei natural

As leis foram criadas para reger todas as coisas no universo, essas leis naturais
são necessárias para que o universo funcione corretamente. De acordo com essa
teoria, alguns tipos de ação sempre têm as mesmas consequências. Segundo a
filosofia aristotélica, herdada por Tomás de Aquino, como citado anteriormente. As leis
naturais explicam muita coisa e através delas você pode chegar ao conhecimento de
Deus. Se você as conhece, pode prever as repercussões e quebrá-las.

Como uma criança que se machuca todo tempo, como cair de árvores sempre,
bater sempre em objetos sólidos, tropeçar e cair por conta da velocidade... “Massa
mais velocidade é igual a impacto” (COFFEY, 2012, p. 75). As leis naturais não se
curvam nem a uma criança, para cada ação, há uma reação.35

É interessante pensar que, as leis morais também estão entrelaçadas no tecido


do universo. Joe (COFFEY, 2012, p. 75), conta de uma moça que adentrou seu
escritório em busca de orientação, pois a mesma havia se envolvido em um
relacionamento sexual com alguém e havia engravidado. Ela lhe pergunta angustiada

34 Conceito explicado em: WRIGHT, R.K. McGregor. A soberania banida. São Paulo: Cultura Cristã,
2007. p. 195.
35 Terceira lei de Newton. Lei III: A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as

ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.
52

como Deus poderia ter feito aquilo com ela? Ela havia violado uma lei moral, e aquela
era a consequência previsível.

Então, para a teoria da lei natural, todo mal e sofrimento, nos sobrevém, de
acordo com nossas escolhas, quando violamos as leis naturais, sofremos, nos
machucamos. Embora haja verdade bíblica nessa tese, no que se refere também a lei
moral, nesta teoria, não consegue responder a toda a questão.

Um câncer no pulmão de alguém que nunca fumou e sempre se alimentou


corretamente, um atropelamento de alguém que caminhava na calçada, uma bala
perdida que atinge um inocente enquanto dormia em seu quarto... conhecemos
histórias assim. Assim sendo, a teoria da lei natural, não consegue fornecer as
respostas satisfatórias para todos os tipos de males e sofrimento. Assim, não
podemos escolher apenas uma das teorias e aceitá-la, ou apresentá-la como a
solução única e prática para a questão. De fato, por esse caminho, respostas
simplistas, não suprem todas as expectativas, nem apesentam soluções para toda a
compreensão humana.
53

CAPÍTULO 3

O PROBLEMA DO MAL E DO SOFRIMENTO NA PERSPECTIVA DE JOÃO


CALVINO.

3.1 A vontade humana cativa ao pecado

Até aqui, procuramos mostrar alguns argumentos, sobre a existência do


problema do mal e suas nuances em aspectos filosóficos e teológicos, bem como os
desafios que trazem a fé.

Mas, como pontuamos desde o início, a ideia é centralizar nossa busca, e o


faremos agora, na resposta mais bíblica, pastoral, e mais devocional possível, do
problema em questão. Para isso, nos deteremos agora, na obra do reformador João
Calvino (1509-1564), ou em seus escritos, especialmente nos livros II e
posteriormente I, das Institutas da Religião Cristã. No entanto, salientamos que nosso
objetivo é analisar a perspectiva do reformador acerca do problema do mal e do
sofrimento, e para tal, buscaremos também outros capítulos da referida Obra, bem
como comentários bíblicos do autor, para assim sermos, dentro do possível, fiéis ao
seu entendimento da temática.

Uma teologia equilibrada e bíblica, acerca das ações humanas, deverá sempre
enfatizar a condição natural do homem, sua situação de queda moral, diante de Deus,
seu criador, como já fora introduzido no capítulo dois do presente trabalho, acerca da
visão pascaliana da queda. Apesar de não encontrarmos na história, pelo menos até
onde pesquisamos, nenhuma interação ou influência do pensamento de João Calvino
no pensamento de Blaise Pascal, é possível deduzir que pela proximidade geográfica
e por Pascal ser posterior a Calvino, Pascal pode sim ter sido influenciado nesse
aspecto pela teologia de Calvino.

O que se sabe pela história é que, Blaise Pascal, por sua vez, sob uma
influência predominantemente agostiniana e jansenista, concorda com o reformador
do século XVI, no tocante a natureza caída do homem, sendo portanto, a sua vontade,
totalmente cativa ao pecado. Tanto para agir na causação de males e sofrimento,
quanto para sujeitar toda a criação a situação de queda e incapacidade de interpretar
e julgar o que é mal, adequadamente.
54

Nesta perspectiva, tem sua vontade cativa, essa vontade também sujeitou a
criação e suas próprias ações, conforme veremos. O homem é totalmente responsável
pelo mal que está dentro de si, o mal que lhe dirige, o faz pensar e agir de acordo com
tal disposição, pois sua natureza é inclinada a isso. Ele é escravo de sua natureza,
Calvino sempre foi muito resoluto em apresentar tal posição da condição humana, “Tal
é a corrupção hereditária a que os antigos chamaram pecado original, entendendo
pela palavra pecado a depravação da natureza até então pura e boa” (CALVINO,
2008, p. 230). Assim como Agostinho, Calvino também admite que o homem foi criado
bom e puro, o mal uso da liberdade tornou a natureza pura, em impura. Contaminando
assim, tudo o que Deus criou e sujeitou ao homem.

3.1.1 A criação cativa a maldição

Observamos que, assim como Agostinho e Blaise Pascal não analisaram o


problema, ontológico-deontológico, sem antes fazer uma análise da doutrina do
pecado, uma antropologia bíblica que aponta que o homem, é o responsável, e o
agente pelo qual o pecado entrou no mundo, na criação de Deus, e desde então, o
homem é escravo por natureza, do mal que praticou (mal moral), com reflexos, ou,
consequências diretas na criação, que por sua vez produz o que chamamos de mal
físico. “Há uma correspondência entre o mal físico e o mal moral das criaturas caídas,
sejam anjos ou homens; e isso está de acordo com a perfeita vontade de Deus”
(FITCH, 2005, p.38).

Tanto é verdade essa herança maldita, da consequência do pecado sob a


criação que o autor de Gênesis narra “[...], maldita é a terra por tua causa; em fadigas
obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e
abrolhos, e tu comerás a erva do campo” (Gn 3.17b-18). Entendemos necessário
pontuar a perspectiva de Calvino, sobre esse ponto, até porque, é exatamente o que
João Calvino começa pontuando no Capítulo IV, livro II das Institutas.

O pecado, sujeitou a própria criação a condição de maldição, conforme


afirmamos anteriormente, e acerca do texto bíblico supracitado, o próprio Calvino o
interpreta dessa forma em seu comentário:

Após haver falado resumidamente do pecado de Adão, Deus anuncia


que a terra seria maldita por causa do homem. [...] Muito menos deve
parecer absurdo que, através do pecado do homem, a terra foi punida,
ainda que esta, era inocente. [...] Corretamente falando, podemos
55

acrescentar que toda essa punição é imposta a partir não da própria


terra, mas apenas do homem. Pois a terra não produz fruto para si
mesma, mas para que sejamos alimentados de suas próprias
entranhas (CALVINO, 2018, p. 147).
O que Calvino está dizendo é que, Deus ao amaldiçoar a terra, por conta do
pecado do homem, na verdade estaria amaldiçoando o próprio homem, a terra não foi
amaldiçoada por si mesma, ou, em si mesma, mas por causa do homem, que era seu
regente, se ele tirara tudo que precisava da criação, sem nenhuma impossibilidade,
agora as dificuldades surgiriam, e passariam a todos os descendentes. A criação,
maldita por causa do homem, amaldiçoa o próprio homem, porque torna sua estadia
em meio a toda obra das mãos de Deus, um tanto quanto sofrida.

Quando Calvino comenta o Livro do profeta Oséias, no capítulo 4.3, ele explica,
o que Deus está trazendo a memória dos israelitas que haviam se desviado e virado
as costas para Deus, que sua punição, o seu abandono, remonta a maldição
derramada pós queda adâmica a toda criação. “Por isso a terra se lamentará, e
qualquer que morar nela desfalecerá, com os animais do campo e com as aves do
céu; e até os peixes do mar serão tirados” (Oséias 4.3).

Porém, alguém pode objetar aqui, dizendo que é indigno da parte de


Deus ficar irado com criaturas miseráveis, as quais não merecem tal
tratamento: pois por que ele estaria encolerizado com peixes e
bestas? Contudo, uma resposta pode ser dada facilmente: como
bestas, pássaros, peixes e, em uma palavra, todas as outras coisas
foram criadas para o uso dos homens, não é de se maravilhar que
Deus estenda as marcas de sua maldição a todas as criaturas, em
cima e embaixo, quando seu propósito é punir os homens. [...] quando
Deus amaldiçoa animais inocentes por nossa causa, então tememos
mais ainda, exceto, de fato, se estivermos sob a influência da extrema
letargia. [...] Compreendemos agora, então, porque Deus aqui anuncia
a destruição tanto sobre as bestas quanto sobre os pássaros e peixes
do mar: é para que os homens saibam que são despojados de todos
os dons dele, como quando uma pessoa, a fim de expor um homem
ímpio à vergonha, derriba sua casa e queima toda sua mobília: assim
também Deus faz, aquele que adornou o mundo com tanta e tal
variedade de bens por nossa causa, quando reduz tudo à ruína: nisso,
ele demonstra quão grandemente ofendido ele está conosco e, desse
modo, nos constrange a sermos humildes (CALVINO, 2008, p. 91).
Observemos a clareza que nos traz o reformador, em tal interpretação, acerca
do cativeiro no qual se encontra a criação. Entendendo o que o Apóstolo Paulo pontua
em sua carta aos romanos:

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de


Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas
por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria
56

criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da


glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um
só tempo, geme e suporta angústias até agora (Rm 8.19-22).
Há um anseio da criação, para que chegue o dia de sua redenção. O referido
texto bíblico, é comentado pelo reformador, ao descrever como se deu esse contágio
da criação, pelo pecado do homem, no capítulo I das institutas.

Como a vida espiritual de Adão era permanecer unido e ligado a seu


criador, assim também o dele alienar-se foi-lhe a morte da alma. [...],
por sua defecção, afundou na ruína sua posteridade [aquele] que
perverteu, no céu e na terra, toda a ordem da [própria] natureza.
“Gemem todas as criaturas”, diz Paulo, “não de sua [própria] vontade
sujeitas à corrupção”. [...], não há dúvida de que estejam a sofrer parte
desse castigo que há merecido ao homem, para proveito de quem
[elas] hão sido criadas (INSTITUTAS, II, I, 5).
A Criação, está na expectativa de que todos os filhos de Deus, os quais ele
mesmo elegeu, sejam revelados, salvos. A fim de que a criação possa enfim, ser livre
da vaidade a qual o homem a submeteu. Para Calvino, o termo vaidade aqui, está no
sentido de corrupção, Paulo estaria contrastando vaidade com a perfeição natural.36

Para ele, esses quatro versículos supracitados, validam e relembram, o estado


no qual o pecado do homem, lhe deixou submisso e fez submissa toda criação, às
ações da corrupção. “O mal domina a criação em torno de nós. O pecado, o sofrimento
e a dor entraram e infeccionaram a raça humana inteira com espinhos e cardos,
corrupção e morte – as principais marcas do pecado” (FITCH, 2005, p.106). Daí,
porque a criação produz eventos que causam tanta dor e sofrimento ao homem.

Terremotos, tsunamis, maremotos, avalanches, vulcões em erupção, doenças


e pragas propagadas pelos animais, todos resultados do cativeiro da criação pelo
pecado do homem. Fazendo uso mais uma vez do pensamento “pascaliano”
(MARTINS, 2017), podemos afirmar que para Calvino também, a ordem cósmica foi
desfeita com o pecado do Homem.

3.3.2 A ação do homem cativa ao pecado

Esse estado antropológico, do qual a desobediência levou o homem, é


exatamente o que João Calvino começa pontuando no livro II Capítulo IV, das
Institutas. “A não ser que me engane, está suficientemente provado que o homem
está tão preso pelo jugo do pecado que não busca ao bem pela própria natureza, por

36 (CALVINO, 2001, p. 292).


57

ser inspirado pela devoção ou por ser impelido pelo zelo” (INSTITUTAS, II, IV, 1). Por
ser a vontade do homem totalmente cativa ao pecado, esse é um dos motivos pelos
quais, o homem é incapaz de exigir, ou discutir com Deus acerca dos sofrimentos
presentes. Ao que, assevera as escrituras “por que, pois, se queixa o homem vivente?
Queixe-se cada um dos seus próprios pecados” (Lm 3.39).

Esse pensamento é expresso no capítulo anterior das Institutas, no primeiro


parágrafo, ao referir-se ao novo nascimento comentando o texto bíblico “O que é
nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3.6). Calvino
afirma que, se de fato o que nasceu da carne é carne, segue-se que, fica fácil,
segundo ele (INSTITUTAS, II, III, 1), provar que o homem é em tudo miserável.

E o apóstolo Paulo testemunha, “Porque a inclinação da carne é morte; mas a


inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra
Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8.6-7). Ao
que Calvino entende que, a afecção da carne é a morte, visto que é inimizade contra
a Deus, tão perversa é a carne que toda sua afecção exerce total rivalidade contra
Deus para não se submeter à justiça da lei divina, que não busque mais do que a
morte.

A carta de Paulo aos Romanos (6:23 e 8:6), são lembretes, para Calvino, que
o homem está morto espiritualmente, caminhando para uma morte física, que trará a
morte eterna. Nos dois textos bíblicos supracitados (CALVINO, 2001), lembra-nos que
deixados a seguir o curso da própria natureza, pulamos em um abismo, do qual não
há outra saída senão a morte. A menos que haja uma interrupção, um despertar, um
abrir de olhos, todos nós queremos, por natureza nos jogar nesse abismo.

Ao citar Agostinho, voltando no capítulo IV, no Livro II, Calvino fala da


comparação entre a vontade humana, semelhante a um cavalo que espera ser
montado pelo cavaleiro. Deus e o Diabo são os cavaleiros. Se é Deus quem o monta,
ali está um cavaleiro tanto moderado, quanto perito, incita uma marcha vagarosa,
reprime a velocidade demasiada, coage a petulância e a luxúria, conduz ao caminho
reto. Se o cavaleiro é o diabo, ai está sob o domínio de um cavaleiro tão estupido
quanto petulante, que o desvia para caminhos intransponíveis, despenca em fossos,
rola por precipícios e estimula a ferocidade.
58

O que Calvino distingue, é que o homem não é propriamente como o animal,


ele não é guiado pelo Diabo, ou obrigado a fazer simplesmente como se coagem a
escravos. O homem acha fascínio pelas seduções de satanás, de modo que
necessariamente se submete a todo comando dele e se compraz em fazê-lo. Como
disse o Apóstolo Paulo: “nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos
incrédulos, para que não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é
a imagem de Deus” (2 Co 4.4).

Este fato, nos faz perceber, o quanto o nosso julgamento acerca das vontades
e decretos de Deus, podem ser falhos. Pois o homem é incapaz de medir as vontades
e decretos de Deus, sem incorrer no engano, e fatalmente falhar nesse intento. Isso
acontece com relação ao mal e ao sofrimento. Enquanto uns buscam entender o
porquê do problema, e assim, tentar entrar na mente do Criador, Calvino se satisfaz
com o que a Bíblia entrega, acerca das consequências de um ato de desobediência.

Assim como Agostinho, o reformador de Genebra estava certo de que, havia


uma causalidade na existência real do mal e do sofrimento em mundo criado bom. A
vontade humana, ou como Agostinho chama inicialmente de Livre arbítrio e Blaise
Pascal de amor-próprio. De modo que, Calvino não fala mais em livre arbítrio, não
nesse caso, pois para ele, agora o arbítrio do homem é cativo, escravo do pecado. Se
é cativo, escravo, logo não pode ser livre.

O obscurecimento dos ímpios e quaisquer que sejam os flagelos que


se sigam, são chamados de obras de Satanás: dos quais, entretanto,
não deve ser buscada uma causa exterior à vontade humana, da qual
surge a raiz do mal, na qual o fundamento do reino de Satanás (isto é,
o pecado) residirá (INSTITUTAS, II, IV, 1).
O que observamos, é que há um alinhamento neste aspecto, entre Agostinho,
Blaise Pascal e Calvino. Segundo o reformador, não há outra causa, ou causa exterior
a essa, a saber a vontade humana é a causa do mal, no sentido; (como observadas
por Agostinho, Tomás de Aquino e Blaise Pascal) moral, ações chamadas de flagelos
do Satanás. Se sua vontade está cativa, sua ação está deliberadamente escravizada.
Assim, o homem age na causação de males, dos quais ele mesmo se torna vítima.

Na verdade Calvino faz poucas menções sobre os males físicos que, como
vimos, são o resultado do mal moral. Mas ainda assim, fala o suficiente para
entendermos que por conta dessa escravidão da natureza humana e esse jugo
maldito sob a criação, o mais terrível mal sobrevém a todos. Tomando esse princípio,
59

é inegável, que ficam refutados em Calvino, qualquer tentativa de dualismo, ou a


extinção da realidade do mal (negação do mal), como em algumas religiões orientais.
Mas também, assim como maniqueus, que por medo de tornar Deus o autor do mal,
tiram dele sua soberania e unicidade, outros cristãos que adotam a teoria de um livre
arbítrio diferente de Agostinho e Calvino em relação ao resultado da queda.

Muitos acreditam que o homem se tornou depravado, pós queda, só no aspecto


sensual. É o que foi apontado por Calvino, acerca de parte do pensamento da
patrística, que tratou dessa matéria muito mais filosoficamente do que era preciso,
muitos dos quais, se gabavam de serem discípulos de Cristo. Calvino não os cita por
nomes, mas exclui dentre esses, Santo Agostinho.37

É notável que Calvino nas institutas, dedique pelo menos três capítulos a tratar
da queda e da condição humana, pós queda e inicie o capítulo sobre a atuação de
Deus, lembrando ainda dessa condição do homem.38 Se contentando com o que diz
a escritura, ele esteve bem à vontade para tratar da situação do homem, da ação do
diabo e da responsabilidade de Deus, acerca do mal.

3.2 A tríplice operação nas coisas más

Observamos no curso do trabalho, que a ideia do mal como sendo algo criado
(sem levar em conta Platão), que também nega corporeidade no mal, foi
desconsiderada por Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Blaise Pascal e embora
Calvino não aborde a temática de forma cosmológica ou metafísica, fica evidente que,
o ponto de partida de Calvino também não é esse. Se assim fora, seria aceito a
posição dualista, de alguma natureza criada a parte de Deus, e ai segue-se que
haveria uma outra força capaz de criar. No cristianismo há pelo menos dois grupos de
pensamentos distintos duelando em duas respostas quanto a responsabilidade de
Deus diante do mal.

A proposta de Gordon Clark e Vicent Cheung (hiper calvinismo), a saber, Deus


criou o mal, ou é autor e atua efetivamente e ativamente no mesmo. Há dois
problemas com essa posição, segundo aponta o pastor Leandro Lima (2016). O
problema teológico: Deus não é totalmente bom, é um Deus carrasco, narcisista e
sádico. Por outro lado, um problema hermenêutico: a Bíblia mostra, muitos textos e

37 INSTITUTAS, II, II, 4.


38 INSTITUTAS, II, IV, 1.
60

eventos onde os homens são responsáveis e responsabilizados por seus atos. Em


muitos textos de forma clara, é mostrado um Deus santo (Is 6.3), totalmente bom (Sl
38.4), que sua vontade é boa, agradável e perfeita (Rm 12.2), que não há nele treva
alguma (Sl 31.19; 1 Jo 1.5), por ser ele o pai das luzes (Tg 1.17).

Outro grupo que duela por uma solução plausível é a proposta do livre arbítrio
(arminiano, diferente do apresentado por Agostinho). O livre arbítrio é um bem, e foi
concedido por Deus para se alcançar a felicidade, embora seja o causador do mal.
Para esses, o homem pós-queda, ainda tem livre arbítrio, para escolher o mal ou o
bem. Deus não tem nada a ver com o mal, Deus está totalmente livre de
responsabilidade e da autoria do mal. Deus é o criador de todas as coisas, sem,
contudo ser o autor do mal.

Em última instância, Deus previu o mal. Segundo (LIMA, 2016), alguns dizem
que Deus nem sequer previu. Também há dois problemas. O problema teológico:
conforme já apontado, a despeito dessa ideia, de algum modo, Deus não é soberano
sobre tudo, esvazia a soberania de Deus, abre brechas para o teísmo aberto ou,
teologia relacional. Ele é o criador, mas não o governador. Em tese, pode não haver
solução para o mal. Se Deus não pode interferir na ação do homem em relação ao
mal, quem garante que o mal será eliminado?

Problema hermenêutico: temos os diversos textos bíblicos que mostram Deus


como soberano (Dt 10.17), que tem sob seu controle tanto bem, quanto o mal (ISAÍAS
45.6-7), como responsável por eventos interpretados como ruins (Êx 7.3-4), ou ainda,
se utiliza do mal e de pessoas más (Hc 1.6-11), para cumprir seus propósitos (Jo
6.70).

Como pontuamos anteriormente, também a teoria que tenta explicar o mal,


apenas pela perspectiva da punição, falha no sentido de explicar, por que algumas
pessoas “boas”, sofrem mais do que outras. Acerca destas coisas a visão de Calvino
é muito equilibrada. É fato que, existem males e sofrimentos que vêm como resposta,
ou como consequência de atitudes erradas. A doutrina calvinista não descarta isso,
mas não dá para estabelecer uma explicação e solução para o problema apenas com
um fundamento. Assim como a relação de causa e efeito, são tentativas simplistas e
que tendem buscar filosoficamente respostas que devem ser encontradas nas
escrituras.
61

Às vezes se procura uma resposta que atenda a razões particulares, de um


grupo específico e essas tentativas falham em seus argumentos, pois tentam lidar
com a questão lógica, e supõem serem respostas racionais ao problema. Podem até
satisfazer a alguns, em um primeiro momento, mas falharão, tão logo, as Escrituras
apresentem os problemas, mostrem que há mais do que fora apresentado.

Assim como a resposta filosófica, não traz uma solução satisfatória.


Lembremos de que uma das desgraças que vieram sobre a raça humana após a
queda, é a incapacidade de compreender e saber todas as coisas, ou de usar cem
por cento de nossas faculdades intelectuais. Assim, a primeira coisa que devemos
fazer, para que assim possamos lidar com a questão, é aceitar que o problema do mal
e do sofrimento só podem ser explicados pela Bíblia e até onde ela nos leva.

Essa abordagem é importante, porque neste ponto, o que veremos, não é a


defesa de apenas uma resposta, em detrimento da outra. Não é o que Calvino faz,
diante das duas posições supracitadas, qual parece ser a posição de Calvino? as duas
coisas ao mesmo tempo. Nunca é só uma coisa ou outra. O que (PIPER, 2014), chama
de duas verdades em Deus, como Grudem (2019), nos informa, do mesmo modo que
podemos querer ou escolher algo ansiosamente ou com relutância, com alegria ou
remorso, secreta ou publicamente, Deus, na grandeza infinita de sua personalidade,
é capaz de querer coisas diferentes de formas diferentes. O que os teólogos
sistemáticos chamam de vontade secreta e vontade revelada.

E o grande reformador nos informa que, nas ações, ou nos eventos onde se
infere o mal e o sofrimento, aqui muito mais no sentido moral, mas não descartados
eventos naturais, que como vimos, derivam do primeiro ato de desobediência. Calvino
aponta que, há uma tríplice operação, atuação ou ação na causação desses males, a
saber, a ação de Deus, do homem e do diabo. Lembremos que nesse aspecto,
Agostinho não foi muito adiante, atribuindo toda responsabilidade, ao livre arbítrio do
homem e seu mal uso. A partir daí, o mal e o sofrimento seguem o homem por toda a
vida. Mas, é uma questão inegável, o fato de que o mal no mundo, não pode ser
somente resultado de uma punição a um mal uso do livre arbítrio. O mal continua a se
reproduzir, ano após ano, mês após mês, dia após dia, e se cremos que Deus tem um
plano de redenção, ele certamente não foi pego de surpresa quando o homem pecou.
É isso que Agostinho não respondeu, atribuindo apenas a permissão de Deus.
62

Para Calvino, é mais que permissão, há um decreto em relação ao mal. Assim


não é preciso inferir a pergunta que alguns gostam de fazer: o homem pecou porque
tinha livre arbítrio e escolheu pecar? Ou, porque Deus decretou? Ora! às duas são
bíblicas. Por isso as duas verdades bíblicas devem ser sustentadas, pelo simples fato
de serem bíblicas. Por isso, na mesma obra má, está operando tanto a vontade de
Deus, quando a vontade e ação do homem e do diabo. E Calvino harmoniza muito
bem essas duas verdades, falando da tríplice atuação referente ao mal e o sofrimento.
“De que modo atribuiremos a mesma autoria da mesma obra para Deus, para
Satanás, para o homem, a não ser que desculpemos a Satanás pela associação de
Deus ou prediquemos a Deus a autoria do mal?” (INSTITUTAS, II, IV, 2).

Calvino explica, se utilizando do exemplo de Jó. Deus, o Diabo e o homem


estavam atuando, mas cada um com um propósito. O próprio Jó reconhece em sua
desgraça, a atuação do Senhor “E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei
para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor” (Jó
1.21). Eis a verdade bíblica, reconhecida e bem identificada pelo reformador, verdade
acerca da qual:

Sabemos que até mesmo os mais hediondos crimes da história são


cometidos com o conhecimento e a permissão por parte de Deus. [...]
Mas a Bíblia vai além. Ela não apenas apresenta Deus como alguém
que permite o mal, mas também como alguém que o controla. [...] Por
mais que tentemos explicar as dificuldades que nos cercam, não
temos permissão de atribuir esses problemas à incompetência de
Deus (WENHAM, 1989, p.43).
Deus é senhor de tudo, e os santos que têm essa verdade fincada em seus
corações, podem dizer como Jó (2.10) “[...] receberemos o bem de Deus, e não
receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios”. A calamidade
impingida pelos Caldeus, neste mesmo ato, os Caldeus, queriam fazê-lo, pilharam
todos os rebanhos com hostilidade, aparece de forma clara sua perversidade, o seu
crime. “Estando ainda este falando, veio outro, e disse: Ordenando os caldeus três
tropas, deram sobre os camelos, e os tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada;
e só eu escapei para trazer-te a nova” (Jó 1.17). De modo que o ato do homem e do
Diabo se assemelham, ambos têm propósitos pecaminosos.

O homem, aqui na figura dos Caldeus, estava sedento de sangue, bens e


poder. Por instigação do diabo, “para que naquela obra não falte Satã, de quem a
história narra que tudo aquilo tenha sido proveniente” (INSTITUTAS, II, IV, 2).
63

Para responder a pergunta feita a si mesmo, como não desculpar o diabo e o


homem, por ter suas ações associadas a Deus? Calvino sugere apontar para a
finalidade do ato, e depois para o modo de agir. A finalidade do Senhor é que, por
meio da adversidade, seja exercitada em seu servo a paciência e confiança em seu
poder e provisão. A finalidade de satanás é levá-lo ao desespero e blasfêmia. A dos
caldeus (do homem), buscar injustamente, fora do direito e da ética, auferir ganho da
propriedade alheia. A vontade do homem é cativa ao pecado, não a de Deus.

Apontando essa diversidade de intentos, Calvino distingue a finalidade da


operação de cada um. Vejamos quanto ao modo de agir. O senhor permitiu a satanás
afligir a Jó, concedeu que por ele fosse impelido os Caldeus, aos quais foram
escolhidos por ministros para executarem o intento. Por outro lado, satanás, instiga
com dardos envenenados as almas depravadas dos Caldeus, para que marchem com
toda fúria e injustiça, contamina todos os membros para que pratiquem os crimes.
“Satanás age nos réprobos, nos quais exerce seu reino, [...] Deus age a seu modo,
pois o próprio satanás (dado instrumento de sua ira), por sua ordem e comando,
dobra-se totalmente à execução de seus justos juízos” (INSTITUTAS, II, IV, 2). As
ações do diabo, sua malícia e intensão, estão totalmente limitadas a vontade de Deus,
que são utilizadas como instrumento para exercer o juízo de Deus sob os réprobos.
Por isso concordamos com o escritor que disse:

[...] a bíblia acentua que Deus nunca permite que o mal lhe escape das
mãos. Ele o controla; ele o restringe. [...] ele pode estar preso por uma
corrente comprida, e ser capaz de fazer indescritível dano a multidões,
mas seu reinado e seu governo não são absolutos (FITCH, 2005,
p.20).
Cremos aqui, estarem sustentadas as duas verdades em Deus, devidamente
explicadas, não sendo absurdo, atribuir a mesma realização, “má” a Deus, a Satanás
e ao homem. Assim Deus nem é autor do pecado, do mal, no sentido de executar
ativamente, nem pela finalidade, nem pelo modo de agir, nem é aquele Deus que está
alheio ao mal, ou que apenas o observa. Assim, Calvino nos faz entender que “[...] a
diversidade da intenção e dos meios que a ela conduz, fazem que a justiça do Deus
apareça imprescindível e torna evidente a maldade de satanás e do homem”
(INSTITUTAS, II, IV, 2).

3.3 Tal ação de Deus sob o mal e o sofrimento não é simples presciência nem

mera permissão.
64

Há no meio Cristão, um receio muito grande de defender algumas verdades


bíblicas, principalmente aceitar tal afirmação, a saber; que Deus não apenas prevê o
mal, nem apenas permite, mas cumpre seu decreto. Essa dificuldade, Calvino observa
nos antigos, inclusive entre eles Agostinho. Que segundo (CALVINO, 1985), temiam
a simples confissão desta verdade, para não abrir à impiedade a janela de
irreverentemente murmurar acerca das obras de Deus. Mas Calvino, por mais que
respeite esse antigo pensamento, ou, como o chama superstição, ele entende que
não é perigoso, nem próximo da impiedade sustentar aquilo que a Escritura ensina.
Superstição que assegura, não livrou nem Agostinho desse medo de atingir e ferir a
santidade de Deus.

Agostinho acreditava que, o obscurecimento e endurecimento da natureza, ou


nas ações humanas, não dizem respeito à operação de Deus, mas à presciência. Ao
que Calvino se contrapõe mostrando que as citações das Escrituras não admitem tais
alegações, e o faz, com o uso de outra afirmação de Agostinho, na obra contra
Juliano39 que, entra em choque com a primeira alegação de Agostinho. “O próprio
Agostinho defende que não há pecados apenas da permissão ou da paciência divina,
mas também da potência, para que assim os pecados anteriores sejam punidos”
(INSTITUTAS, II, IV, 3).

Essa questão, está bem clara na visão de Calvino, Deus é totalmente fiel a si
mesmo e a sua Justiça, quando endurece os ímpios, o move, o inclina, cega e impele
seu coração a coisas que são contrárias seus próprios mandamentos. Entendemos,
que para que esse ponto fique mais abrangente, seja necessário retornarmos um
pouco ao que Calvino fala a respeito no primeiro livro, capítulo XVIII. Pode parecer
absurdo, ele reconhece, que um homem se torne mais cego pela vontade de Deus,
sendo que, depois o homem sofrerá as duras penas de sua cegueira (INSTITUTAS, I,
XVIII,1). Embora de forma tão racional não se explique como se dá, é a verdade
Bíblica. Para Calvino está claro, que os homens nada fazem senão pelo secreto
arbítrio de Deus, e as escrituras testemunham isto: “Deus faz tudo o que quer” (Sl
115.3). Ainda que muitas dessas ações, sejam desaprovadas por Deus.

São duas verdades em Deus, como afirma (PIPER, 2014), as Escrituras


retratam a Deus, como desejando algo que, ele mesmo desaprova. Ele pode querer

39 Conferir Rodapé em: INSTITUTAS, II, IV, 3.


65

algo em um sentido, e não querer a mesma coisa em outro sentido. Mesmo que o
intuito de Piper, em tal afirmativa, seja responder a pergunta: Deus deseja que todos
sejam salvos? E não em relação ao mal. Ainda assim, o princípio da vontade de Deus
prevalece, o que fica claro é que, não pode ser desconsiderado, o fato de Deus fazer
tais coisas. Há no ser humano uma dificuldade em entender essas duas verdades em
Deus, ou simplesmente aceitá-las, embora a verdade de Deus seja una e simples,
segundo apresenta o Apóstolo Paulo, ela parece multiforme para nós (Ef 3.10).

E porque não compreendemos, ou não aceitamos tão fácil? “por causa da


fraqueza de nossa mente, não compreendemos como ele quis e não quis, de modo
diverso, que o mesmo fosse feito. [...], o bem que Deus quis, executou-a pela vontade
má do homem mau” (INSTITUTAS, II, XVIII, 3). Ou seja, Deus quis cumprir seu
propósito, em determinada ação ou, evento da história, ele decretou tal evento, como
iria acontecer, e ao mesmo tempo ele não aprova o pecado cometido, para o
cumprimento de tal obra. Acerca disto, percebemos que não deve haver problemas
para os que admitem a doutrina reformada.

A propósito, confissão de fé de Westminster, segue Calvino em seu capítulo 3,


parágrafo II quando afirma: “Ainda que Deus saiba tudo quanto pode ou há de
acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, ele não decreta cousa alguma por
havê-la previsto como futura, ou como cousa que havia de acontecer em tais e tais
condições”. A síntese desse parágrafo, seguindo o pensamento de Calvino é que: 1-
Deus predetermina, em decreto, o que vai acontecer; não é o que vai acontecer que
predetermina a decretação divina. A sentença proferida por Jesus, contra as cidades
impenitentes, não dá a ideia de presciência (Mt 11. 21-23). 2- Deus predetermina o
que vai acontecer, como, onde, quando e em que circunstâncias acontecerá. Vemos
que há muitos eventos bíblicos que podemos pontuar, acerca dessa verdade.

A própria morte de Cristo está permeada desses exemplos. E constitui uma das
melhores provas para tal afirmação. A traição de Jesus por Judas, foi um ato
moralmente mau, inspirado diretamente por Satanás “Entrou, porém, Satanás em
Judas, que tinha por sobrenome Iscariotes, o qual era do número dos doze” (LUCAS
22.3). Todavia, em outro lugar, é afirmado que na verdade, Jesus foi entregue pelo
desígnio de Deus. “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e
presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;”
(ATOS 2.23). Aqui recordamos o que vimos anteriormente, acerca da tríplice operação
66

nas obras más. A traição foi um pecado que envolveu a instrumentalidade de Satanás,
mas era parte do plano de Deus. Percebamos que “há um sentido em que Deus queria
a entrega de seu filho, embora esse ato fosse pecado” (PIPER, 2014, p. 28). O
desprezo de Herodes (Lc 23.11), a covardia de Pilatos (Lc 23.24), o clamor dos Judeus
pedindo sua crucificação (Lc 23.21), o escárnio dos soldados romanos (Lc 23.36).

Todas estas obras foram pecaminosas e más. Destaque-se, que tudo isso não
foi mera permissão, nem presciência, visto que o plano da redenção já estava
estabelecido. As formas de como o Cristo haveria de padecer, foi profetizada. Cada
ato (Sl 40.10; Sl 55.12-14; Zc 11.12; Zc 11.13; Zc 13.7; Is 50.6; Is 53). Pensemos, se
Deus dependesse do livre arbítrio do homem, para cumprir cada determinação e cada
ato do assassinato do seu filho, quem garantiria que tudo aconteceria na plenitude
dos tempos? “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei, Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de
recebermos a adoção de filhos” (Gl 4.4,5). Para que tudo estivesse conforme o que
havia sido predeterminado e profetizado. De modo que, também não é mera
permissão, pois o plano de redenção havia sido decretado, a salvação dos pecadores
eleitos havia sido determinada por Deus. Não foi um segundo plano ou uma segunda
chance.

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos


abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo; Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo,
para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; E
nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si
mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade (Ef 1.3-5).
Não é propósito de Calvino, apesar de retornar ao estado do Homem antes da
queda, incluir nesse ponto, a discursão da predestinação secreta de Deus, não aqui.
“O homem possuía livre-arbítrio, por meio do qual, se quisesse, poderia alcançar a
vida eterna. Mas, seria intempestivo aduzir aqui à questão sobre a predestinação
secreta de Deus, pois não vem ao caso agora o que poderia ou não acontecer”
(INSTITUTAS, I, XV, 8). Calvino é muito comedido, em não misturar os assuntos, para
ele, a questão da predestinação deve ser abordada quando se tratar da salvação,
como nos lembra o Pastor Leandro Lima.40 Mas é notável que, havia um decreto

40 LIMA, Leandro. O que diz a Bíblia: o problema do mal. 2016. (68m00s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3_4Ue2sZFzw&t=2743s> acesso em: 18 de Maio de 2020.
67

estabelecido, para que a obra da redenção ocorresse exatamente como decretado, o


livre arbítrio não garantiria isso, nem a mera permissão.

O propósito dos judeus é eliminar Cristo: Pilatos e os soldados


executam o raivoso desejo deles, contudo os discípulos confessam,
em solene oração, que os ímpios todos nada fizeram a não ser aquilo
que a mão e a autoridade de Deus decretaram [At 4.28]
(INSTITUTAS, I, XVIII, 1).
Mas ainda que aceitemos a ideia de permissão, como sendo uma forma mais
branda, que pudesse desculpar a Deus. Pensemos então: o que seria permissão
senão, o consentimento ou, a expressão de sua vontade, que algo aconteça? Basta
pensarmos em uma analogia simples: só permitimos que alguma coisa aconteça, por
duas razões óbvias. A primeira é quando queremos que aquilo aconteça, mesmo que
não a façamos com nossas próprias mãos; a segunda é se formos acuados ou,
coagidos a tal ponto que, sem saída venhamos permitir, autorizar que tal coisa
aconteça. Não conseguimos imaginar, que Deus pode se encaixar na segunda
alternativa. Pois não há quem possa lhe coagir ou, lhe pressionar a algo.

Houve, uma atuação efetiva do Senhor Deus, nos males sofridos por José,
infligidos por seus irmãos, na calunia da mulher de Potifar (Gn 39.1-23), no endurecer
o coração de Faraó (Êx 9.12; Rm 9.17-18), na deliberação autorizando que seu servo,
Jó fosse afligido (Jo 1.12), e obviamente no maior ato de mal e sofrimento, contra o
seu próprio filho, Jesus Cristo. Em todos estes grandes acontecimentos, Deus
determinou que tais coisas acontecessem, se utilizando dos pecados dos ímpios, e
também da astúcia do diabo, como nos casos de Jó, bem como para seduzir a Judas,
para fazer exatamente conforme determinou, que Jesus cumprisse o propósito de ir a
Cruz. Lucas expressa a ação do Senhor em tudo isso.

Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu


ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os
gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a tua mão e o
teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer.
(At 4:27-28).
A morte terrível de Cristo, foi vontade e obra de Deus Pai, isso é
verdadeiramente o que entendemos por: “ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o
enfermar” (Is 53.4). A vontade de Deus esteve bem envolvida nos acontecimentos que
levaram seu filho a morte, e seus sofrimentos “não poderiam acontecer senão por
meio de pecado. Escárnio e desgraça eram coisas que ele deveria sofrer” (EDWARDS
apud, PIPER, 2014, p. 29). Assim também, sustentar as duas verdades ao mesmo
68

tempo, não é problema para Calvino. Os que negam tal realidade “tergiversam
alegando que isso ocorre somente pela permissão de Deus, mas não por sua vontade.
Na verdade, ele próprio, declarando abertamente que faz isso, impede tal subterfúgio”
(INSTITUTAS, I, XVIII, 1).

O salmista entende que Deus faz tudo que é do seu agrado (Sl 115:3), assim,
Calvino entende que, os homens nada fazem senão pelo secreto arbítrio de Deus, e
prova-se esse argumento, pelos diversos testemunhos bíblicos já citados, ninguém
faz nada, a menos que “Deus já o tenha decretado e em sua secreta direção o
estabeleça” (INSTITUTAS, I, XVIII, 1). É acertado concluir que, no caso de Jó, na
grande provação pela qual passou, Satanás e os ladrões ímpios foram servos, Deus
foi o Senhor da ação (1.21). Não no sentido de que Deus tenha praticado a ação, as
ações, embora livres e deliberadas, não escaparam pelos dedos de Deus, antes, Deus
sabia de como tudo se daria, mesmo assim, determinou que fosse feito. Ele é senhor
da ação, percebamos que o próprio Deus, toma a iniciativa da conversa, “donde
vens?” (1.7), e ainda “observastes o meu servo Jó?” (1.8).

O que se segue é bem nítido, Deus parece estar sugerindo, ou querendo que
satanás lance uma de suas setas contra Jó e a respeito do próprio Deus. Aqueles dois
fundamentos levantados por Calvino anteriormente, o que distingue às ações do
Senhor e do Satanás é a finalidade e o modo de agir. A finalidade de satanás é fazer
Jó blasfemar diante da face de Deus (1.11), o modo de agir é perverso, envenenando
os ímpios, sabeus e os caldeus, como já observado. A finalidade de Deus é mostrar
que, o satanás levantou vãs acusações, contra Jó e contra a Deus. “Satanás está aqui
insinuando duas coisas: primeiro, que Deus precisa subornar as pessoas com
bênçãos para receber delas adoração. [...] segundo, que Jó só serve a Deus por
interesse” (LOPES, 2014, p. 37). E o agir de Deus é evitar que o Diabo avance mais
do que lhe foi determinado, preservar à vida do seu servo, mesmo em meio a tragédia.
Porque é sempre o senhor quem dá a última palavra: “eis que tudo quanto ele tem
está em teu poder;” (1.12), “eis que ele está em teu poder; mas poupa-lhe a vida” (2.6).

Outro exemplo bíblico, Deus quis que o rei Acabe fosse enganado, o diabo se
ofereceu para isso, e assim foi enviado por uma ordem, para ser o espírito de mentira
na boca dos profetas (1 Rs 22.20-23), a cegueira de Acabe vêm da justiça divina,
assim “a figura da mera permissão se esvai, pois seria ridículo o juiz apenas permitir
69

o que seja feito, e nem decretar nem mandar a seus servos que o executem”
(INSTITUTAS, I, XVIII, 1).

Absalão, ao macular o leito do pai com uma união incestuosa, comete um crime
abominável, esse crime viola a lei de Deus (2 Sm 16.22), no entanto, Deus declara
que é obra sua e como uma espécie de punição a Davi, pelo seu erro em secreto, ele
iria expor os do seu filho (2 Sm 12.11,12). O profeta Jeremias deixa claro, que é Deus
quem age na perseguição dos Caldeus na Judéia (Jr 1.15), Nabucodonosor é
chamado servo de Deus (Jr 25.9; 27.6). Chama a Assíria de “vara de sua ira” e “bastão
do seu furor” posto em suas mãos (Is 10.5). Estes são apenas, alguns dos:

[...] poucos testemunhos entre muitos, mas o suficiente para mostrar


a inépcia e tolice dos que, lugar da providência de Deus, põem a mera
permissão, como se Deus estivesse sentado numa torre, esperando
eventos fortuitos, com seus Juízos dependentes do arbítrio humano
(INSTITUTAS, I, XVIII, 1).
Como podemos observar, Deus tanto destina suas deliberações, como
estimula, aumenta as vontades e fortalece o esforço. Para endurecer ou amolecer,
cegar ou fazer enxergar. Se endurecer e cegar significam mera permissão, o próprio
movimento da extrema obstinação não estará no faraó. A Escritura não autoriza tais
gracejos afirma (CALVINO, 2008).41 Aqui ficam refutadas as duas formas de pensar
acerca de Deus, diante do mal, seus decretos, excluem a ideia da simples presciência,
e sua ação incisiva na história e nos eventos, os quais o homem age deliberadamente,
mas sendo endurecido ou amolecido por Deus, de acordo com seus desígnios, refuta
a mera permissão. “Para aqueles a quem isso parece muito duro, considerem, por
algum tempo, se é tolerável o seu desdém quando rejeitam passagens com claros
testemunhos da Escritura, porque excedem sua compreensão” (INSTITUTAS, I, XVIII,
4).

Não adianta dizer apenas que Deus previu, se ele não tivesse também
determinado, seria o mesmo que cortar de Deus um de seus atributos, com a ideia
apenas da presciência, se mantém sua onisciência, mas por outro lado se cortaria sua
onipotência, a capacidade de ordenar todas as coisas, afinal ele não criou o mundo e
ficou escondido para observar o que aconteceria, talvez essa seja a imagem que
alguns fazem. Se Deus não governa todas as coisas, segue-se que há outro deus, o

41 INSTITUTAS, I, XVIII, 2.
70

acaso. O que entendemos da perspectiva de Calvino é que, em um mesmo ato,


aparecem três atuações42 e duas intensões.

Retomemos a mais um exemplo que fora citado de forma rápida: Gênesis 37,
toda trama dos irmãos de José, inicialmente para matá-lo e depois, para vendê-lo,
todo mal moral que neles estava e o mal circunstancial que causaram a seu pai, por
sua mentira e a José seu irmão. Entretanto, embora responsáveis por cada ato
pecaminoso e mal causado, foi plano, fez parte da determinação de Deus que José
chegasse ao Egito.

Pelo que Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa


sucessão na terra, e para guardar-vos em vida por um grande
livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão
Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua
casa, e como regente em toda a terra do Egito (GÊNESIS 45.7-8).
Desde o capítulo 37 do livro bíblico supracitado, mostra que os sonhos que
José contava aos irmãos, eram o prenúncio do que Deus já havia decretado na vida
dele. “Eis que estávamos atando molhos no meio do campo, e eis que o meu molho
se levantava, e também ficava em pé, e eis que os vossos molhos o rodeavam, e se
inclinavam ao meu molho” (Gn 37.7). Deus decreta, em última instância um mal, para
um bem maior. “Vós na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou
em bem, para fazer como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gn
50.20). A confissão de fé congregacional (C.F.C, 2015, p. 40) também é concorde a
esse entendimento, “Embora Deus saiba tudo quanto pode ou há de suceder em todas
as circunstâncias imagináveis, contudo, ele não decretou coisa alguma por havê-la
previsto como futura, nem como algo que havia de acontecer em tais circunstancias”43.

Ele decretou a morte de Jesus, o maior exemplo de um evento onde está


presente o mal (moral) e o mal circunstancial (sofrimento) “Se sempre houve um
evento no qual o mal, sofrimento inocente, malícia e dor humana alcança seu clímax,
é na Cruz de Cristo” (BRUNNER, 2020, p. 288). Tudo isto, a serviço de Deus “Pai, se
queres afasta de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua” e
“Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora; mas
para isto vim a esta hora” (Lc 22.42; Jo 12.27). Jesus, diante de toda dor, suplica, ora,
mas sabia que teria que cumprir o decreto eterno, para o qual ele foi enviado. Inclusive

42 INSTITUTAS, II, IV, 2- A tríplice operação nas coisas más.


43 C.F.C, III.2.
71

o seu traidor (Lc 22.3,4), a intensão de Deus é Santa e boa, fazer com que Jesus seja
levado a cumprir o decreto para a consumação da redenção do homem, a intenção
de Judas é a ganância, assim como a de todos os outros, nos quais estavam
envolvidos o mal moral, era perversa e impura.

Sobre este ponto, até quem foi associado a neo-ortodoxia ou, a teologia
dialética concorda: “Judas, Caifás e Pilatos são inimigos de Cristo e Deus é, portanto,
inimigos deles. Ao mesmo tempo eles são instrumentos de Deus, através dos quais,
mais do que em qualquer outro evento, Ele revela sua justiça e seu amor” (BRUNNER,
2020, p. 289). Mas acerca desta ação e instrumentalidade do diabo e dos ímpios,
veremos a seguir.

3.4 A ação de Deus nos ímpios e através deles. Satanás como instrumento da
ira de Deus.

É importante, vermos como há uma atuação divina, em tudo que acontece. Mas
é importante lembrar, de que Deus exerce o seu justo Juízo ao usar de um ato, ou
evento mal, seja para punir, provar, ensinar ou restaurar. De modo que, a Deus não
pode ser creditada a autoria do ato pecaminoso em si. E isso é reiterado algumas
vezes por Calvino. Para isso, além de analisarmos os parágrafos cinco e seis do
capítulo IV das institutas, recorreremos também a outros capítulos, e comentários de
textos bíblicos, pois o capítulo em análise não contempla toda perspectiva calvinista
no tocante a isto. Assim, nos esforçaremos para descobrirmos, quem de fato, pode
ser responsabilizado pelo mal segundo Calvino.

Como já observamos, o homem ao seguir a sua própria natureza, obedece aos


dardos envenenados do diabo. De modo que estes, são totalmente responsáveis por
seus males. Mas Deus, não fica à mercê de seu “livre-arbítrio”, ele age por meio dos
ímpios, para cumprir sua vontade, e também para que sofram o justo castigo por sua
maldade. Assim, Calvino traz a memória, o exemplo do que Deus faz em Faraó. “E
disse o Senhor a Moisés: Quando voltares ao Egito, atenta que faças diante de Faraó
todas as maravilhas que tenho posto na tua mão; mas eu lhe endurecerei o coração,
para que não deixe ir o povo” (Êx 4.21)44. Depois, Deus diz que agravava o seu
coração não apenas do faraó, mas também dos seus servos (Êx 10.1).

44 Consultar também Êxodo 7:3.


72

Em outro lugar, faz com que os ímpios percebam, ou entendam que em algum
momento essa é a determinação divina. “Por que, ó Senhor, nos fazes errar dos teus
caminhos? Por que endureces o nosso coração, para que não te temamos? Volta, por
amor dos teus servos, às tribos da tua herança” (Is 63.17). Não há como esconder ou
se esquivar, diante das narrativas bíblicas, de Deus se utilizando das ações ímpias do
homem, agindo neles e por meio deles, como e quando quer (CALVINO, 1985, p. 71),
“[...] na verdade, estas passagens indicam antes, que espécie de homens Deus os faz
com desertá-los de que maneira neles executa a sua obra”.

O povo sai do Egito, perambula pelo deserto. Os habitantes da região de


Hesbom vêm-lhes ao encontro com espírito de hostilidade, “incitados de onde?” 45
Moisés deixa claro, que estes que vêm até eles, cheios de fúria, haviam sido
endurecidos pelo Senhor. “Mas Siom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por
sua terra, porquanto o Senhor teu Deus endurecera o seu espírito, e fizera obstinado
o seu coração para to dar na tua mão, como hoje se vê” (Dt 2.30). Concluímos, como
o reformador, que se foram fortalecidos e vertidos, significa que foram
deliberadamente inclinados para aquilo. “Você vê que, embora Deus endureça o
coração do homem, essa dureza do coração é imputada ao homem? Pois cada um é
endurecido por sua própria maldade” (CALVINO, 2012, p. 80).

Semelhantemente, em relação ao Diabo, é evidenciado que seu ministério


consiste em instigar os réprobos. Com a permissão divina inclina-os para um lado e
outro, e mesmo tanta malignidade pode ser autorizada pelo Senhor. Está debaixo de
suas ordens, como no caso de Saul, “E o Espírito do Senhor se retirou de Saul, e
atormentava-o um espírito mau da parte do Senhor” e “E aconteceu no outro dia, que
o mau espírito da parte de Deus se apoderou de Saul...” (1 SAMUEL 16.14; 1 SAMUEL
18.10b). Como pode vir a ser isso, a saber como não culpar Deus de ser mau ao fazer
tais ações? observamos anteriormente.

Contudo, no tocante a se esses textos impliquem, de que o mal tenha sido


criado por Deus, em termos ontológicos, Calvino concorda com Agostinho ao citá-lo
mais uma vez: “Não mal, assim define Agostinho a matéria em certo lugar: que pecam,
deles procede, que, no pecar, façam isto ou aquilo, provém do poder de Deus, que
divide as trevas conforme lhe apraz” (CALVINO, 1985, p. 72). Acerca da origem desse

45 Conf. CALVINO, 1985, p. 71


73

mal, que para Calvino é o que peca desde o princípio, ou seja, o Diabo. Robert G.
Ingersoll, indagando sobre os decretos de Deus e a existência do Diabo, que lhes faria
autor do pecado, pergunta porque Deus criou o Diabo? Ao que responde (STRONG,
2007, p. 637) “Deus não o criou. Deus fez um espírito livre e santo que abusou da sua
liberdade, que criou o pecado, e se fez diabo.” E ainda:

Deus não é o criador do Diabo, adversário e inimigo, mas de anjos


puros, justos e perfeitos, dentre os quais alguns exorbitaram de sua
condição de criaturas limitadas e totalmente dependentes do criador
soberano, revoltaram-se contra o criador e, movidos por orgulho
desmedido, chegaram ao limite extremo da perversidade, tornando-se
inimigos de Deus (SALUM, 2017, p. 228).
Como Agostinho já afirmara. Para Calvino, ontologicamente, o mal continua a
não ter existência de si mesmo, mas sendo causa secundária, partindo das causas
primárias, ou seja, procedente das criaturas e não do criador. Assim como já
introduzimos acerca de quem criou o mal.46 O pecado procede do que é mau, ou do
que se tornou mal, o diabo e o homem, mas, conforme Agostinho, o fazer isso ou
aquilo com o pecado está no controle de Deus, confirma (CALVINO, 1985). Aqueles
que defendem que o mal foi criado por Deus, ou ainda, que Deus é o autor do mal, e
que se dizem calvinistas nestes termos, distorcem a perspectiva de Calvino em
relação ao mal e o sofrimento. Calvino nunca afirmou ser Deus o autor como causa
peccati (causar pecados), o originador do mal.

O teólogo levanta a questão pertinente, bíblica e porque não lógica (SALUM,


2017)? Como conciliar a constatação divina de que tudo o que Deus fizera “era muito
bom” (Gn 1.31), se ele fosse o criador do mal? Ao defender as duas coisas ao mesmo
tempo, (Deus decretou o mal, o diabo e o homem são responsáveis), em nenhum
lugar, percebemos o reformador defender tal entendimento, de que Deus é autor do
mal.

Se recordarmos, o que abordamos até o presente capítulo, perceberemos que


há entre os pontos de vistas expostos, em certa medida, uma preocupação de
racionalizar a questão do mal e do sofrimento, e encontrar uma solução que fique bem
resolvida na razão humana, e que essa preocupação, ou esse desejo, não é só de
ateus ou, agnósticos. Há por parte, também dos teístas, o receio de abordar

46Conf. Capítulo 1.3. Quem criou o mal? Da presente pesquisa. Mesmo sem que lá, fosse analisada a
perspectiva de Calvino, por ser introdutório. Todavia, é o que Calvino também concorda com Agostinho
em várias ocasiões.
74

determinadas questões. Aqui, notamos, que Calvino, não está preocupado, em


responder a filósofos, a racionalizar ou querer desculpar Deus, a ponto de abrir mão
de um de seus atributos, como o fazem alguns. Afirmamos em outro lugar, e
reafirmamos, sua preocupação é apresentar e defender as duas verdades Bíblicas.
Isso ele o faz, sem que seja retirado de Deus, nenhum dos seus atributos, nem
imputando a Deus a culpa de ser um Deus sádico.

Portanto, não podemos, atribuir ações do tipo as que ocorreram com Saul, ao
Espírito Santo, Calvino diz que seria uma impiedade tal referência. “Tendo-se retirado
de Saul o Espírito do Senhor, da parte deste um espírito maligno o atormentava.
Então, os servos de Saul lhe disseram: Eis que, agora, um espírito maligno enviado
de Deus, te atormenta” (1 Sm 16.14,15). O texto é claro, o Espírito do Senhor (Espírito
Santo), se retira de Saul, e após vem um outro espírito, impuro, mas ordenado, ou
enviado por Deus, para ser instrumento de seu agir, Calvino assevera que este (o
espírito imundo), é mais uma ferramenta no agir de Deus, do que um agente de si
mesmo. É o que dizia Martinho Lutero: “O Diabo é o diabo de Deus”. Mesmo que haja
diferença quanto a atuação e a finalidade, “[...], por uma diferença muito grande,
sempre difere na mesma obra aquilo que o Senhor faz daquilo que satanás e os ímpios
propalam” (CALVINO, 2008, p. 295). Esses instrumentos maus, lhes servem para
exercer sua justiça como lhe apraz.

O diabo, reina no réprobo, e Deus age sobre ambos, é o que compreende o


reformador. Neste sentido, para Calvino está provado que o diabo, é a origem do mal,
de onde procede todo o mal intento e os dardos entorpecidos que tentam o homem, e
fazem com que os réprobos sejam seus súditos. Que tais fatos são reais e bíblicos,
cremos que não haverá objeção quanto a isso. Mas para que estes fatos, não sirvam
de desculpas ao homem, como desde a queda se viu, como o próprio Calvino
assevera, e agora nos valeremos do seu comentário a epístola de Tiago (2015), de
que nada é mais comum entre os homens do que transferir para outros a culpa dos
males que cometem, principalmente ao atribuir ao próprio Deus como insinuou Adão:
“Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e
comi” (Gn 3.12). A tentativa de Adão, parece ter sido no sentido de dizer que Deus
(que me deste por companheira...) e Eva (ela me deu da árvore...) eram culpados.

Até hoje os homens se munem de textos da Escritura para tal, no entanto, Tiago
nos mostra que: “ninguém, sendo tentado, diga: de Deus sou tentado; porque Deus
75

não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (TIAGO 1.13).47 Calvino reconhece
que, assim como Deus ‘tentou’ Abraão (Gn 22.1]), ele diariamente nos tenta, no
sentido de que ele, prova-nos quanto ao que somos, pondo diante de nós uma ocasião
mediante a qual, nossos corações se tornam conhecidos. Tentações ‘externas’, o que
Tiago trata aqui, são de tentações íntimas, as quais nada mais são, do que os desejos
desordenados que arrastam ao pecado.

Assim, defendendo as verdades bíblicas, do poderio e senhorio de Deus, nos


ímpios, através deles e Satanás como instrumento da sua ira, Calvino interpreta que:
“quando a Escritura atribui a Deus a cegueira ou dureza de coração, ela não atribui a
Deus o princípio dessa cegueira, nem o faz autor do pecado, a ponto de atribuir-lhe a
responsabilidade; e Tiago apenas insiste sobre estas duas coisas” (CALVINO, 2015,
p. 42).48 O texto de (TIAGO 1.14) nos fornece a procedência interna dessa tentação:
“Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria
concupiscência”.

A própria natureza do réprobo. O princípio, a ação em si, o desejo, a tentação,


não provém de Deus. “Pois é o diabo que nos atrai ao pecado, e por esta razão: porque
ele arde totalmente com o demente desejo de pecar. Deus, porém, não deseja o que
é mal; portanto, ele não é o autor do mal que nos é feito”.49 De modo que, a intensão
do réprobo acaba sendo a mesma de satanás, mas Deus pode usá-las como
ferramentas, para que dentro de seus decretos, possa ser um bem muito maior, como
veremos em seguida.

3.5 A finalidade dos males e a divina providência em todos os fatos da vida

É notável, que há uma didática pedagógica no sofrimento, e exemplos bíblicos


mostrados aqui, também evidenciam, em certo grau, essa pedagogia divina. Isso não
é necessariamente como a solução da teoria da punição, mas é fato que, muitos
acontecimentos, os quais trazem grandes cargas de sofrimento, muitas vezes, não
são apenas consequências, ou reações, devido às más ações, podem até ser em
alguns casos. Em última análise, Deus não está apenas punindo, mas despertando,
ensinando pela dor. Como disse o grande escritor, “Deus nos sussurra em nossos

47 Versão Almeida Corrigida Fiel (ACF).


48 CALVINO, João. Epístolas gerais. São José dos Campos, SP: Fiel, 2015.
49 Idem, nota 48.
76

prazeres, fala em nossa consciência, mas brada em nosso sofrimento: o sofrimento é


o megafone de Deus para despertar um mundo surdo” (LEWIS, 2009, p. 106). Assim,
de certa forma, o mal, ou o sofrimento podem ser parte da providência divina para
uma finalidade infinitamente melhor.

[...] O mal será transformado num meio de glorificar a Deus. Deus fará
surgir do mal coração do mundo, o seu povo, um povo que odiará o
pecado como ele o odeia [...] aceitamos pela fé o fato do mal como
sendo aceito por Deus e como utilizado por ele de algum modo que
desafia o nosso finito entendimento, para a sua glória eterna (FITCH,
2005, p.19).
Por outro lado, não podemos negar, e Calvino não o faz, a dureza do
enfrentamento diante do mal e do sofrimento. Precisar, qual a finalidade de todos os
males, seria como querer decifrar o indecifrável, senão, uma grande presunção nossa.
Mas, levando em conta os casos já expostos na presente pesquisa, podemos, com
base no pensamento Calvinista, obter respostas satisfatórias para nossa alma, crendo
na providência divina. Observando o texto sagrado que diz: “E sabemos que todas as
coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que
são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Acerca disto, João Calvino conclui
que:

[...], embora Deus não socorra prontamente a seu povo, contudo


jamais o abandona, [...] ele de tal forma converte suas aparentes
perdas em meios que promovam a salvação. [...], pois Deus instrui os
crentes pela instrumentalidade das aflições e consolida sua salvação
(CALVINO, 2001, p. 303).
Essa abordagem de Calvino, cremos que, foi bem entendida pelo pastor
Hernandes Dias Lopes (2017, p. 20-21), quando afirma que: “[...] as tempestades são
necessárias para consolidar a nossa fé. As tempestades não aparecem em nossa vida
para nos destruir, mas para nos exercitar e nos deixar mais firmes.” Na perspectiva
calvinista, a finalidade do mal e do sofrimento pode assumir esse caráter, de
restauração ou, pedagógico. Semelhantemente outro pastor calvinista, que segue a
perspectiva de Calvino em relação ao tema vai afirmar que é:

Claro que o Deus todo-poderoso poderia evitar, se assim quisesse,


que determinadas coisas ruins acontecessem às pessoas. Todavia, de
uma maneira que nós não conhecemos e não e não entendemos
sempre, Deus usa eventos ruins para cumprir seu propósito
(NICODEMUS, 2017, p. 39).
É verdadeiro o fato, da divina providência em todos acontecimentos da vida,
também em relação aos que, nenhum mal aparente tenha cometido, para que lhe
77

sobreviesse uma reação com sofrimentos, como punição, ou um “desperte!” divino.


Muitas vezes a providência do Senhor é carrancuda, mas “por trás de uma providência
carrancuda, esconde-se um rosto sorridente” (COWPER apud, PIPER, 2012, p. 18).
Piper entende que, o livro de Rute é um bom exemplo, da mão estendida de Deus em
meio as amargas experiências, onde Deus esconde seu rosto sorridente por trás de
uma providência carrancuda. Calvino não se utiliza dessa linguagem em referência a
esse aspecto, mas deduzimos sua clara convicção de que, de fato, todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam ao Senhor, até o mal e o sofrimento. No
parágrafo 7 do capítulo IV, nos diz que:

Deus, sempre que deseja que se faça o caminho para sua providência,
verte e dirige a vontade dos homens nas coisas exteriores, de modo
que não seja livre a eleição destes sem o arbítrio de sua liberdade ser
dominado pelo Senhor (INSTITUTAS, II, IV,7).
Não há dúvidas, a jugar pelos textos que vimos, que Deus é senhor de tudo e
todas as coisas. Mesmo que não entendamos que caminhos a providência do Senhor
está a nos levar, devemos confiar que se nele estamos, a ele pertencemos. Isso
implica dizer, que ele sabe como agir de acordo com a natureza e o propósito de cada
um dos seus eleitos. É como nos diz o Pastor Hernandes Dias Lopes: “Mesmo quando
as providências estão cinzentas e carrancudas, poderemos ter a plena convicção de
que, por trás dessa carranca, há uma face sorridente” (LOPES, 2014, p. 86-87). Nem
sempre o sofrimento e o mal que nos sobrevém, é por punição ou reflexos da lei
natural, principalmente ao justo. “Para Jesus, os diversos sofrimentos que aconteciam
no dia a dia não eram, necessariamente, uma punição opressiva ou a consequência
de um erro anterior, mas, sim, um caminho a ser percorrido para entrar na glória”.
(GASPAR, 2018, p. 51).

Ás vezes, os sofrimentos podem representar o amor de Deus por nós, como


disse C. H Spurgeon: “Quando o Senhor Jesus ama muito uma pessoa, ele lhe dá
muito para fazer ou muito para sofrer” (SPURGEON, 2004, p.55). Isso pode confortar
o justo, pode ao menos fortalecê-lo. Nesse sentido, o cristianismo é única religião que
pode trazer paz ao pobre pecador e sofredor.

O Deus do cristianismo é singular. [...] o cristianismo corretamente


compreendido e aplicado é a única religião que oferece respostas
profundas e satisfatórias para o problema do mal e do sofrimento, tanto
para a mente quanto para o coração”. (COFFEY, 2012, p. 84).
78

Essas citações, não são uma digressão, no sentido de recurso literário, antes,
um complemento ao que finalizaremos da perspectiva de João Calvino para os salvos,
para a igreja de Cristo, em relação a sua providência. É por isso, que não poderemos
fugir de sua análise fantástica do livro I, Capítulos XVI e XVII da Instituição da Religião
Cristã.50 Onde fala-nos da providência do altíssimo.

Primeiro nos é dito, acerca de eventos nos quais, via de regra, são atribuídos
aos casos fortuitos (acaso). É fácil atribuir um livramento, ou milagre a providência de
Deus, mas parece difícil para alguns cristãos, vê-la em todos os acontecimentos do
cotidiano.

Se alguém cai entre ladrões ou entre bestas ferozes, se, por um


repentino vento, ocorre um naufrágio no mar, se alguém é soterrado
pela queda de uma casa ou de uma árvore, se outro vagando por
terras desertas, encontra com o que mitigar sua penúria, ou, depois de
ter sido abatido pelas ondas, chega a um porto, milagrosamente
escapando por um fio da morte, todos esses acontecimentos, tanto os
favoráveis quanto os adversos, são atribuídos pela razão carnal à
fortuna (INSTITUTAS, I, XVI,2).
A visão incrédula diz que tudo isso é fruto do acaso. No entanto, para quem
aprendeu da boca de Cristo, que todos os nossos “cabelos da cabeça estão contados”
(Mt 10.30), sustentará que todos os eventos são governados pelo discernimento de
Deus. São instrumentos pelos quais Deus dirige esta ou aquela ação. Um consolo,
assim deve ser, afirma (CALVINO, 2008), para os fiéis, saberem que mesmo nas
coisas adversas, nada podem sofrer a não ser por ordem e mandato de Deus, porque
estão em sua mão. Não estão entregues ao acaso.

Providência, significa não que Deus está ocioso no céu, apenas contemplando
o que se faz no mundo, mas que dirige todos os eventos. O sábio Salomão diz: “do
homem são as preparações do coração, mas do SENHOR a resposta da língua” A (Pv
16.1). Sobre o que Calvino diz: “É ridícula insânia que pobres homens pretendem fazer
algo sem Deus, quando sequer poderiam falar se Deus não o quisesse” (INSTITUTAS,
I, XVI,6). Portanto, na doutrina da providência não há espaços para os fortuitos ou a
teoria da lei natural, Calvino chega a ser mais enfático ao afirmar que, se todo sucesso
é bênção de Deus, toda calamidade e adversidade é maldição sua, não há espaço
para o acaso nas coisas humanas.

50 AS INSTITUTAS, TOMO I LIVRO I.


79

Embora a lentidão da nossa mente esteja bem abaixo da capacidade de


entender a grandeza da providência. Assim, mesmo cônscios de que todas as coisas
são ordenadas por Deus, para nós, são como que fortuitos. Porque a ordem, razão,
finalidade e necessidade dos acontecimentos mais diversos, estão quase sempre
ocultos na resolução de Deus e não conseguem ser captados por nós. “[...], às vezes,
no entanto, são ocultas as causas do que acontecem” (INSTITUTAS, I, XVII,1).
Embora se admita que, até as ações más, e seus autores: os ladrões e homicidas, e
outros malfeitores, são instrumentos da divina providência para cumprir os justos
juízos que ele mesmo constitui. Nos é dito (CALVINO, 2008) que, aquele que é movido
por um ânimo mau, não realiza o ministério ordenado por Deus, seguem unicamente
sua disposição, se esforçando e se precipitando contra a Deus, que pela magnitude
de sua imensa sabedoria, sabe usar bem, e de modo probo para a boa ação os
instrumentos maus.

Por aqui, entendemos como afirma o reformador, de que o que vimos e


dissemos sobre a providência de Deus, serve a instrução e consolo dos fiéis.51 Dada
a proposta de buscar uma perspectiva que atenda aos padrões bíblicos, é importante
reafirmar que a perspectiva de Calvino, sobre a temática, repousa no aspecto
doutrinário, bíblico, pastoral diríamos. Esse problema, ao cristão, só deve interessar
ser respondido, pelas lentes das Escrituras e olhos da fé. Mesmo que não obtenhamos
todas as respostas lógicas que pretenderíamos. Se algo sobre esse assunto não pode
ser explicado pelas Escrituras, este algo não merece ser estudado. Ou seja, não
podemos ir além das respostas oferecidas pela Bíblia.

Para concluirmos este ponto, creio que possamos migrar, e seja útil ao nosso
coração, ao texto Bíblico que nos garante vitória sobre os infortúnios desta vida, pelo
fato de pertencermos a Cristo. E a interpretação que Calvino tem a nos oferecer é
animadora.

Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou


a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?
Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia;
Somos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas
estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos
amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os
anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem
o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura

51 “Pois a curiosidade dos homens vãos é satisfeita jamais nem se deve optar por fazê-lo” (INSTITUTAS,
I, XVII,12).
80

nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso
Senhor (Rm 8.35-39).52
Na verdade, o texto de si mesmo emana as doces notas, em tons suaves e
melancólicos da providência e cuidado de Deus. Assim consideramos que a nossa
esperança, está em ver que o mal e o sofrimento, tem seu limite de atuação e prazo
de validade, nas mãos de Deus. Ao comentar o versículo (29), “porquanto, aos que
diante mão conheceu, também os predestinou...” sem inferir aqui especificamente a
discursão da predestinação, como já observado por Calvino, isto deve ser abordado
no assunto da salvação. Mas nos diz, que pela própria ordem da eleição, todas as
aflições dos crentes, são os meios pelos quais eles são identificados com Cristo. As
aflições não devem ser um motivo para o desengano, para nos sentirmos
entristecidos, amargurados ou sobrecarregados. A menos que não reconheçamos a
eleição do Senhor, e não queiramos tomar parte, em levar em nosso ser a imagem do
Filho de Deus, por meio da qual, somos preparados para a glória celestial.

A maior amplitude para a segurança dos fiéis em relação ao suportar conviver


com todo mal, por enquanto, e toda dor, observamos no versículo (35): “Quem nos
separará do amor de Cristo?” as suposições de quais circunstancias poderiam fazer
isso, são suposições bem pertinentes e bem próximas de todos nós. O que Calvino
entende a princípio (CALVINO, 2001),53 é que as terríveis circunstâncias atormentam
o ser humano em uma extensão muito ampla, possivelmente por alguns
entendimentos equivocados; sejam porque não consideram que essas coisas
(circunstâncias contrárias) procedem da providência divina, ou porque interpretam
esses sinais como sendo apenas parte da ira divina, ou porque acreditam que Deus
esqueceu-se deles, ou porque não conseguem entender os propósitos delas, ou não
conseguem meditar sobre uma vida melhor. O que se faz necessário entender, é que
uma vez que, apenas confiamos que Deus nos envolveu com seu amor, ele jamais
deixará de cuidar de nós.

Também, há um reconhecimento do reformador, no tocante a natureza da


adversidade, de ser realmente, parte ou, um sinal da ira, justa, divina do Senhor. No
entanto, embora Deus puna, pois ele é Juiz, uma vez alvos do seu perdão e
reconciliação, jamais se esquecerá de exercer sua mercê em nosso favor.

52 ACF - Almeida Corrigida Fiel.


53 CALVINO, João. Romanos. São Paulo: edições Parakletos, 2001.
81

“Sumariando, nenhuma adversidade deve minar nossa confiança de que, quando


Deus nos é propício, nada poderá ser contra nós” (CALVINO, 2001, p. 315).

Em seguida, as suposições de coisas inanimadas, mas reais, que poderiam


nos afastar do amor de Cristo, são apresentadas pelo Espírito Santo. É verdade que
de início, Paulo parece se dirigir de forma pessoal, a “Quem nos separará...” quando
poderia ter usado o gênero neutro, “o que nos separará?” segundo Calvino, mais
condizente com as propostas a seguir. Mas, observa que “ele preferiu personificar
seres inanimados afim de enviar-nos à competição com tantos campeões quantos
diferentes gêneros de tentações há que propõem abalar a nossa fé” (CALVINO, 2001,
p. 316). Tribulação, inclui todo gênero de sofrimento ou perdas, angústia é o
sentimento interno que nos enfraquece, quando as dificuldades não nos mostram
quais caminhos seguir. A perseguição, Calvino a vê como a violência tirânica, pela
qual os filhos de Deus são imerecidamente atormentados e submetidos, decorrendo
o que se segue, fome, ou nudez, ou perigo, ou espada.

A referência, feita por Paulo ao (Sl 44.22), no versículo 36 “Como está escrito:”
nos parece central, ele insinua, segundo o reformador, que o terror da morte deve
estar longe de ser uma razão para a nossa apostasia. Para nos separar do amor de
Deus. Uma vez que este Salmo, descreve a opressão do povo, sofrida sob a tirania
de Antíoco, sobre o qual é dito que agia com crueldade contra o povo de Deus. Estes
afirmam sempre, que sofrem pelo Senhor, como Paulo em outro lugar se recusa
assumir que é prisioneiro de Roma, antes se satisfaz em ser prisioneiro por Cristo.54

O que nos convém, enquanto Cristãos, pecadores, restaurados, e sofredores


pelas causas de Cristo, é a firme convicção: “Mas em todas estas coisas somos mais
do que vencedores, por aquele que nos amou” (Versículo 37). Calvino resume em:
“Ou seja: lutamos sempre, mas também vencemos sempre” (CALVINO, 2001, p. 317).
Aparentemente, as vezes os crentes podem se sentir vencidos, entregues ao cansaço,
visto que como já fora observado, o Senhor pode nos acossar com dureza, quanto
pode nos humilhar. No entanto, há um resultado final estabelecido observa, a saber
que, o Senhor sempre garantirá que no fim, saiamos ilesos.

54“Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo...” e “Paulo o velho, e também agora prisioneiro de Jesus Cristo.”
(FILEMOM 1.1;9).
82

A proposta do versículo 38, é para firmar nossa convicção de que, seja na


morte, seja na vida, situações podem nos querer rasgar de Deus, apartar
dolorosamente, porém não conseguirá. Isto nos lembra a primeira pergunta do
catecismo de Heidelberg: Qual é o seu único conforto na vida e na morte? E a resposta
inicial é esta: “O meu único conforto é que, corpo e alma, na vida e na morte, não
pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo...”55

Lógico que Paulo está usando uma hipérbole, exagero literário, mas ao mesmo
tempo, nos assegura que, não existe espaço de tempo, ou coisas criadas que possam
nos afastar da graça e providência divina. Nem coisas do presente, nem no porvir.
“Era imprescindível que ele adicionasse este elemento, visto não termos de lutar
somente contra as dores que sentimos dos males atuais, mas também contra os
temores e ansiedades com que os perigos nos ameaçam infligir” (CALVINO, 2001, p.
319). É indispensável que estejamos cônscios de que, “aquele que começou em nós
uma boa obra, a completará até o dia do nosso Senhor” (Filipenses 1.6).

Nenhuma circunstância, pode nos arrancar de Deus, os sofrimentos dos justos


não têm essa finalidade. O nosso amor em Deus, estar ligado por Cristo, ele é o
vínculo. Se aderimos a Deus por meio de seu Filho, nos asseguramos da bondade
imutável e incansável de Deus para conosco. O resultado do trabalho propiciatório de
Cristo na cruz, nos comunica como a “justiça de Deus” e em relação a sua ira santa é
explicada, como Penney (2009) aponta, no sofrimento de Cristo Deus se mostra justo.

Ao dar-nos o perdão dos pecados, Deus é justificado, oferecendo sua própria


justiça. Deus imputa a nós a justiça de Cristo pela fé. Deus é justificado concedendo
graça aos pecadores sobre os quais a propiciação é aplicada. Ao término, o Apóstolo
põe no Pai, a fonte do amor, afirmando que esta, flui através de Cristo. “Nem alguma
outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso
Senhor” (ROMANOS 8.39), Deus é Santo, justo e amoroso “Aquele que não ama não
conhece a Deus; porque Deus é amor.” (1 JOÃO 4.8). E a cruz, é a resposta para o
problema do mal e do sofrimento. Nisso reside o amor de Deus por nós, ele irá nos

55A BÍBLIA. Bíblia de estudo de Genebra. Tradução de João Ferreira Almeida. Almeida Revista e
Atualizada 2ª ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 1969 p.
Antigo Testamento e Novo Testamento. Símbolos de fé das igrejas reformadas, p. 1760.
83

livrar e nos preservar ilesos de todo mal, no dia glorioso da volta do Senhor, a Cruz
nos proporcionou esperar com certeza e convicção por isso.

Assim sendo, o cristão deve confiar que mesmo sem compreender, mesmo em
situações contrárias, Deus é bom em todo tempo. O salmista convida a nação a louvar
Deus porque ele é Bom (Sl 135.3; 136 1), sua misericórdia dura para sempre (Sl 136).
Ele criou o universo, todos os seres e os sustenta, os mantem, os governa, e o
salmista continua: “porque a sua misericórdia dura para sempre”. Feriu os egípcios
em seus primogênitos, a faraó e outros reis da terra, e continua: “porque a sua
misericórdia dura para sempre”. Calvino não se preocupou em apresentar uma
teodiceia, embora reconheçamos sua relevância ao debate apologético-teológico.
Para o mal, a dor o sofrimento, ele apresentou as Escrituras, e nelas a providência
secreta de Deus.
84

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mistério da origem do mal permanece oculto ao entendimento humano,


embora em sua introdução do comentário de Gênesis (CALVINO, 2018), afirme que o
capítulo três de tal livro é fundamental para se compreender o problema do mal e do
sofrimento em nosso mundo. Ele também afirma em seguida que a Bíblia não discute
especificamente a origem ou a finalidade do "mal". A palavra de Deus, “é clara na
exposição das consequências trágicas do mal e disso a palavra se ocupa de Gênesis
a Apocalipse” (SALUM, 2017) É nesse sentido que Calvino sustenta sua primeira
afirmação, de que de fato, em Gênesis 3, a exemplo do que acreditava Agostinho,
temos a compreensão da entrada do mal no mundo e por meio de quem (do Diabo e
do homem), ele entrou. Mas, entender racionalmente a questão por que se permite o
mal moral sob o governo de um Deus infinitamente santo, sábio, poderoso e bom.
Como nos diz (STRONG, 2007, p. 639); “Esse problema é para nossas forças finitas,
incapaz de plena solução e deve permanecer em elevado grau envolto em mistério.”
Foi decisão do Senhor soberano reservar para si o segredo desse insondável mistério
(Dt 29:29).

Mesmo não sabendo o porquê? Podemos encontrar o consolo no “como lidar


com o mal” uma vez que ele existe, por um motivo que a Deus aprouve saber, e que
é real. Para (WILLIAMS, 2016), C. S Lewis sabia ser verdade todo sofrimento e
desumanidade, que ele experimentou de forma objetiva foi um mal. Uma coisa que
realmente está lá, não é fabricado por nós mesmos. Ao contrário do que ensinam
algumas das religiões orientais. Mas como bem disse outro escritor “O sofrimento não
precisa nos paralisar, mas pode nos mover há lugares mais profundos” (GASPAR,
2018, p. 23). Confiar na providência de Deus é tanto o desafio, quanto a solução para
descansarmos em meio ao mal e sofrimento. Talvez precisemos olhar para o maior
exemplo de sofredor, para reinsistirmos e superarmos os dias maus, e para isso, não
precisamos da resposta lógica, ou, racional ao dilema.

Deus raramente responderá a seu “por quê?”, se é que responderá.


[...] Jesus não usou uma varinha mágica para fazer o mal e o
sofrimento desaparecerem. Em vez disso, entrou na dor, no sofrimento
e no mal de nosso mundo e, em seguida, com um amor inimaginável,
foi para cruz a fim de lidar com o mal que existe dentro de você e de
mim (COFFEY, 2012, p. 81).
Como já observado no último capítulo, Jesus lidou com o problema real, do mal
moral e dos sofrimentos humanos, “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz;
85

no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (JOÃO 16.33). Ao
decidirmos enveredar por um caminho, que para muitos, só poderia ser respondido
por meio da filosofia, aprendemos com Calvino e com os seus seguidores mais
coerentes, que o mal e o sofrimento no mundo, cumprem os decretos de Deus e fazem
parte da sua providência secreta,56 sem que isso lhe contamine, nem que sejam
desculpáveis aos que praticam o mal e a injustiça.

Ao lermos (PLANTINGA, 2012) do ponto de vista racional e lógico, parece não


existir explicação definitiva para o problema do mal. Há um limite onde a filosofia
apenas, não poderá mais responder, apenas continuar a perguntar: por quê? A
filosofia, apenas ela, pode tentar de todas as formas explicar o problema e o que os
filósofos fazem, em muitos casos, é negar Deus ou negarem o mal. No entanto, “[...]
a maioria das pessoas que escreveu sobre o “problema do mal” dentro da teologia
filosófica não explorou a cruz o suficiente para considerá-la parte tanto da análise
quanto da solução do problema.” (WRIGHT, 2009, p. 69).

Encontramos nas Escrituras Sagradas, textos dos quais citamos, exemplos


fantásticos do quanto o mal e o sofrimento foram importantes para que o justo, que o
sofreu pudesse se encontrar, com a verdade de Deus e em seguida a vitória que lhe
fora dada. Em exemplos que se repetem na história da humanidade, muitas vezes
encontramos grande contrição diante de vitórias pessoais dos justos que passaram
por vias dolorosas.

Vi grande beleza de espírito em grandes sofredores. Vi homens, em


sua maior parte, melhorarem, não piorarem com o passar dos anos e
vi a doença terminal produzir tesouros de força moral e humildade nos
pacientes menos promissores. Vejo em figuras amadas e
reverenciadas da história, como Johnson e Cowper, traços que
dificilmente seriam toleráveis se eles tivessem sido mais felizes
(LEWIS, 2009, p. 122).
Mesmo que a perspectiva de Lewis em relação ao que causa o mal e o
sofrimento, seja distinta da de Calvino, Lewis parece concorde com relação ao
resultado. Com isso, não estamos a insinuar que o sofrimento é algo que deva ser
buscado, seria tolice ou ainda mais falta de entendimento da providência.

Respondo que o sofrimento não é bom em si mesmo. O que é bom


em toda experiência de sofrimento é, para o sofredor, sua submissão

56 HELM, Paul. A providência secreta de Deus. João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã,2012.
86

à vontade de Deus, para os espectadores, a compaixão despertada


e os atos de clemencia a que ela conduz (LEWIS, 2009, p. 125-126).
Por sinal, até onde nos propomos analisar as mais diversas perspectivas,
como registrada em referência bibliográfica da presente pesquisa, muitos teólogos
que aderiram a uma visão mais alinhada ao livre arbítrio, são concordes com Calvino
ao menos aqui, no fato de que o sofrimento é para o justo algo que lhe levará a
experiências mais maduras com o seu Senhor. Às vezes se pensa que, ao não
responder a todas as questões da mente, o cristianismo falha em sua análise, mais
especificamente, o cristianismo influenciado por João Calvino, como o que abordamos
aqui.

E que assim sendo, em meio aos grandes conflitos os ateus e não cristãos
estão sem respostas lógicas. No entanto, “Os que observam o sofrimento são
tentados a rejeitar Deus; os que o provam muitas vezes não conseguem desistir de
Deus, que é seu conforto e sua agonia.” (VOLF apud, YANCEY, 2015, p. 105). Cremos
que, os que são fieis, a igreja do Senhor encontra nesta citação sua identificação, com
aquilo que o evangelho não lhe escondeu, antes lhe revelou: “Se alguém quer vir após
mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (LUCAS 9.2).

Ao abordar de forma tão bíblica, e apresentar as verdades paralelas da


soberania de Deus e responsabilidade do homem, em face do mal e do sofrimento,
Calvino não pode jamais ser acusado de insensibilidade diante do problema. Calvino
foi mais um, dentre tantos sofredores, cujo o legado da alegria soberana, como
informa Piper (2005), era a certeza de que nada era mais importante do que a
supremacia de Deus em todas as coisas. Problemas de saúde sempre o
acompanharam, em 1542 nasceu seu primeiro filho, Jacques, falecendo duas
semanas depois, tiveram mais duas crianças que também morreram ao nascimento
ou após nascerem, tempos depois perdeu também sua esposa.

Escrevendo a seu amigo Viret, acerca da morte de seu primeiro filho, ele diz:
“O Senhor certamente nos infligiu ferida severa e amarga com a morte do nosso filho.
Mas ele mesmo é Pai e sabe muito bem o que é melhor para seus filhos” (CALVINO
apud, PIPER, 2005, p. 139). Esse é o tipo de submissão à mão soberana de Deus
que Calvino apresentou em suas inúmeras provações. Além das pressões pelos
sofrimentos físicos, em relação a sua frágil saúde, estavam as constantes ameaças à
sua própria vida, ameaças de exércitos que poderiam adentrar em Genebra a
87

qualquer momento, por exemplo, lhe tiraram por várias vezes o sono, com os barulhos
dos seus mosquetes.

Outro espinho na carne constante de Calvino eram os libertinos. Mas sobre


esses, sua perseverança também triunfou de forma notável. O propósito pelo qual
mencionamos algumas das aflições que sobrevieram a Calvino, é para que
destaquemos a sua invencível constância no ministério para o qual Deus o havia
chamado.

O que pode levar um cristão a lidar com o problema causado pelo mal e o
sofrimento neste mundo, de maneira tão subjugada a majestade de Deus? Segundo
Piper (2005), a exemplo de Calvino, ele experimentou um testemunho interno e
sobrenatural do Espírito Santo, da majestade de Deus na Escritura. Daí por diante,
todo seu pensamento, em seus escritos e seu ministério tinham como alvo demonstrar
a majestade de Deus. Por isso, talvez, ninguém tenha tido tanta preocupação em
tratar, de temas dos mais variados possíveis, de maneira unicamente bíblica. Onde
emana a majestade de Deus em toda a sua vontade.

Para Calvino, a Bíblia é suficiente para responder ao coração do que sofre.


Que Deus aceita a responsabilidade pelo mal, sem que seja ele seu autor, nem
afetado por ele; que todos sofrem: justos e injustos; que há no mal e no sofrimento um
propósito que nem sempre é revelado; que as causas podem ser variadas, porém,
predeterminadas pela sua providência; que todas as coisas cooperam para o bem dos
que servem a Deus; que a Cruz é a resposta final a todo mal e sofrimento e que a
santa providência de Deus, em Cristo, nos levará ao triunfo sob o mal e toda espécie
de calamidade. Assim afirmam as Escrituras (APOCALIPSE 21.4): “E lhes enxugará
dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem
dor, porque as primeiras coisas passaram”.
88

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