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UNIDADE 01

UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA:


SOCIEDADE E CRISTIANISMO NO BRASIL
Prof. Dr. Edilson Soares de Souza

Introdução
Podemos relacionar o Aconselhamento à diversas áreas de atuação profissional,
como o Aconselhamento Psicológico, o Aconselhamento Educacional e o
Aconselhamento Religioso, também conhecido como Aconselhamento Pastoral ou
Cristão, quando ele é conduzido a partir de pressupostos da Religião Cristã. O
aconselhamento pode ser relacionado também a outra forma de atuação: a capelania.
Assim, podemos considerar a relevância do Aconselhamento Social e Carcerário
ou, colocando a mesma temática de outra forma, da Capelania Social e Carcerária,
como outra maneira de atuação no cenário social brasileiro. Para iniciar a discussão
sobre a relevância deste tipo de capelania precisamos considerar, mesmo que
brevemente, a constituição da sociedade brasileira e a inserção do cristianismo entre os
brasileiros, já que a proposta é compreender a esta forma de aconselhamento a partir do
pensamento da religião cristã.
Uma questão que pode nos orientar é a seguinte: que elementos ou
características da sociedade brasileira e da influência do cristianismo devem ser
observados quando pensamos em Capelania Social e Carcerária ou Aconselhamento
Social e Carcerário?

A sociedade brasileira
Um dos documentos que conta do processo de constituição da sociedade
brasileira foi elaborado no ano de 1500, logo após a chegada da esquadra de Cabral ao
Brasil, num esforço de expansão territorial de Portugal. Trata-se da Carta que Pero Vaz
de Caminha enviou a D. Manuel, relatando dos acontecimentos sobre o “achamento” de
terras ultramarinas, como também dos habitantes daquelas terras, inicialmente
denominada de Terra de Vera Cruz, mas que posteriormente chamou-se de Terra de
Santa Cruz.

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De acordo com Sílvio Castro, que escreveu A Carta de Pero Vaz de Caminha,
considerando O descobrimento do Brasil, a missiva pode ser entendida a partir de um
duplo sentido. Para Castro, o primeiro sentido “é aquele imediato de ser a memória
estável dos primeiros atos de seu nascimento – ela permite, por isso mesmo, aos
brasileiros, a consciência de uma história claramente colocada no tempo conhecido e
nos espaço cultural correspondente” (CASTRO, 2009, p. 35). Isto não significa
desconhecer a importância da cultura dos nativos, que já habitavam tais terras, quando
da chegada dos portugueses. A sociedade brasileira é o resultado da contribuição de
diversas culturas, que ajudaram no desenvolvimento de toda a coletividade.
Castro ainda lembra um segundo sentido: “o segundo, pelo fato de ser o duplo
testemunho, que soube dar contemporaneamente, sobre os dois elementos que podem
ser considerados a base do futuro indivíduo brasileiro, o português e o índio”
(CASTRO, 2009, p. 35). Além dos dois sentidos indicados por Castro, que remetem às
influências culturais na formação do povo brasileiro, não se pode desprezar um terceiro
elemento importante: a presença da religião cristã europeia, representada dos clérigos
que integravam a comitiva de Cabral, que teve uma participação ativa e decisiva no
desenvolvimento cultural e político brasileiro.
Assim, a sociedade brasileira formou-se a partir dos hábitos dos nativos, do
pensamento ibérico português e das práticas dos africanos que foram traficados como
mão de obra para o cultivo das terras na colônia. Estes e outros aspectos que
constituíam as três culturas mencionadas – a nativa, a portuguesa e a africana – foram
perpassados pelo pensamento e pela catequese do catolicismo romano em terras além
mar. Durante longo tempo, desde o século XVI até o final do século XIX, o catolicismo
romano se tornou a principal influência religiosa no contexto social brasileiro. Se outras
formas de religião foram toleradas até a Proclamação da República (1889), deve-se
lembrar que durante aproximadamente quatro séculos a Igreja Católica Apostólica
Romana compartilhou o poder político e religioso com o Império, primeiro com relação
a Portugal e depois com relação ao Brasil.
Outros dois autores – Ronaldo Vainfas e Juliana Bestriz de Souza – buscam
compreender e explicar a formação da sociedade brasileira, escrevendo Brasil de todos
os santos. Para eles, a formação do Brasil passa pela “cruz fincada em 1500 sob a
chancela de Pedro Álvares Cabral, com as armas e divisas de D. Manuel, e missa rezada
por frei Henrique de Coimbra” (VAINFAS e SOUZA, 2002, p. 08). No entanto, a

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sociedade brasileira não pode ser entendida, somente, pelo viés da ocupação territorial,
quando a força é exercida por aquele que detêm o poder sobre o outro que é
constrangido.
De acordo com Vainfas e Souza,

no Brasil, terra diabólica pelo nome, a Bahia abrigaria todos os santos na


fundação do Salvador. Santos católicos na intenção. Santos múltiplos nos
resultados. Os santos da Bahia eram católicos, todos eles, mas as culturas
envolvidas e revolvidas pela colonização eram várias. A pluralidade não
tardaria a se insinuar, soberba, ainda em nosso primeiro século, para se
acentuar nos vindouros, e não só na Bahia, mas em todo o Brasil: Brasil de
todos os santos (VAINFAS e SOUZA, 2002, p. 10).

Estes são apenas alguns dos principais elementos que fazem parte da construção
da sociedade brasileira, que teve a sua trajetória iniciada em 1500. Trata-se de uma
historia social curta, sobretudo, se considerarmos a trajetória de outras sociedades,
principalmente, aquelas de ajudaram a formar o Oriente e a Europa que conhecemos
atualmente. No que pese ser uma trajetória curta, em comparação com outras
sociedades, é importante identificar e reconhecer os traços que são singulares do povo
brasileiro. Afinal, quando consideramos a atuação no contexto de Aconselhamento
Social e Carcerário, temos como foco e prioridade o povo brasileiro, com suas virtudes
e também com os seus desafios.

O cristianismo no Brasil
Pero Vaz de Caminha parece entender que os nativos que ocupavam as terras
“achadas” pela esquadra de Cabral eram desprovidos de qualquer forma de
religiosidade. Revelando uma visão cristã eurocêntrica, Caminha escreve ao Rei de
Portugal sobre a missão de transformar os habitantes daquelas terras em cristãos. No
livro Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960, esta análise está colocada ao se discutir
O projeto de cristianização da sociedade brasileira.
Baseando-se na análise que Sílvio Castro fez dos relatos de Pero Vaz de
Caminha, lemos sobre a relação entre cristianismo e o desenvolvimento da sociedade
brasileira:

das igrejas e denominações cristãs no Brasil, a mais antiga é o catolicismo


romano, que se destacou num dos relatos de Pero Vaz de Caminha (1500),
indicando, já naquele período, a influência eurocêntrica na constituição social
e religiosa brasileira. Ao terminar a narrativa, entre relatos sobre a terra e as

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águas, Caminha acrescentou que ‘o melhor fruto que dela se pode tirar me
parece que será salvar esta gente’, infundindo-lhe a ‘nossa Santa Fé!’
(SOUZA, 2014, p. 41).

Assim, a religião cristã, representada pela Igreja Católica Apostólica Romana,


aportava no litoral brasileiro em 1500, apoiada pelo poder do Rei de Portugal e
determinada a implantar as práticas litúrgicas e ritualísticas orientadas por Roma. Após
a chegada do cristianismo de viés católico romano, outras religiões foram chegando e
permanecendo no contexto social brasileiro. Se por um lado o cristianismo de confissão
católica se tornou a religião oficial do Estado, até 1889, coube aos demais grupos
confessionais ocuparem o seu espaço na sociedade, entendendo que sua atuação estava
diretamente vinculada à tolerância da religião oficial no Brasil.
Quando as denominações protestantes buscam o seu espaço de influência sócio-
religiosa entre os brasileiros, o catolicismo conta com aproximadamente quatro séculos
de esforço missionário, catequético, educacional e social entre os brasileiros. O cenário
que os imigrantes e missionários protestantes encontraram ao chegarem ao Brasil, no
século XIX, foi de uma forma de cristianismo que dominava vários setores da sociedade
brasileira, entre eles a educação confessional e não confessional nos estabelecimentos
de ensino, além de exerceram a instrução religiosa nos quadros das forças armadas.

Breves considerações
O trabalho de aconselhamento e de capelania nas diversas áreas de atuação, tanto
voluntária quanto profissional, requer alguns cuidados, entre eles algum conhecimento
da formação da sociedade brasileira, considerando a relevância das múltiplas religiões
inseridas entre os brasileiros. Podemos reconhecer que este é um dos primeiros passos
para o desempenho adequado na Capelania Social e Carcerária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Sílvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 2009.

SOUZA, Edilson Soares de. Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960. Curitiba: CRV,
2014.

VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. 2.ed. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

TEXTOS COMPLEMENTARES

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