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INTELECTUALIDADE CATÓLICA E O INTEGRALISMO DE PLÍNIO

SALGADO: TENSÕES E CONTROVÉRSIAS EM ALCEU AMOROSO LIMA


(1932-1937)1

Gabriel Ícaro da Silva


Mestrando em História
Universidade Federal de Juiz de Fora
icarons11@gmail.com

RESUMO:Ao ser identificada uma tensão entre o discurso oficial de neutralidade


partidária da Igreja Católica na década 1930, discurso que um dos principais líderes do
laicato à época, Alceu Amoroso Lima, é porta voz, e paralelamente posições em textos
publicados pelo mesmo intelectual denotando inclinações e preferências à doutrina
política de extrema direita de Plínio Salgado, que toma forma na Ação Integralista
Brasileira (AIB), pretendeu-se analisar a dimensão e implicações da referida tensão
discursiva. A partir da análise de textos publicados em periódicos católicos e seculares,
bem como pela investigação da sociabilidade intelectual de Amoroso Lima, buscou-se
apontar os principais caminhos da pesquisa em curso que trata do assunto, com ênfase:
nas proximidades e distâncias entre o discurso social da Igreja no Brasil e o integralismo
de Plínio Salgado; a interpretação dada pela Igreja à apropriação instrumentalizada de
seus elementos por uma agremiação política que se inspira em expressões políticas de
caracterização fascista no contexto internacional daquela época; e os graus de autonomia
e desencontro de ideias políticas entre o intelectual e a instituição a que está ligado.

PALAVRAS CHAVE: Intelectualidade. Ação Católica. Integralismo.

1- Contexto de reação: “a descoberta do valor teórico do catolicismo”


Assim como o meio do poder político é sempre, em última instância, a posse
das armas e o meio do poder econômico é a acumulação de bens materiais, o
principal meio do poder ideológico é a palavra ou melhor, a expressão de ideias
por meio da palavra, e com a palavra, agora e sempre mais, a imagem.
(BOBBIO, 1997, p. 12).
Nos anos derradeiros do século XX, o cientista político italiano Norberto Bobbio
reuniu em livro uma série de ensaios seus sob o título sugestivo “Os intelectuais e o
poder”. Se as muitas questões ali levantadas parecem em alguma medida dialogar com
questões específicas da época de sua produção (o pós segunda guerra em diante), suas
análises ainda assim informam para a reflexão mais ampla, e por que não dizer, histórica,
acerca das dos níveis de ação dos poderes ideológicos e políticos. E a percepção da

1
Comunicação referente a pesquisa de mestrado financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de Minas Gerais - FAPEMIG.
existência de esferas, por assim dizer, distintas mas não necessariamente isoladas entre
poderes (político, econômico e ideológico) foi o fator catalisador do pensamento e ação
militante do catolicismo entre fins do século XIX e as três primeiras décadas do século
XX, momento em que setores da Igreja perceberam que sua dimensão de poder ideológico
se encontrava debilitada em termos de alcance e influência prática no âmbito político e
social e precisava ser estrategicamente trazida de volta ao cenário da relevância.
Sendo prioritário nesta comunicação o recorte sobre o catolicismo no Brasil, cabe
apenas a menção de que no mundo todo, no período em análise, a Igreja se deparava com
um contexto de crise social e de referências em que as explicações da realidade baseadas
na dimensão religiosa têm seu espaço suprimido ou ameaçado pelo chamado secularismo
e pelas propostas revolucionárias de transformação social. Diante de tamanhas ameaças
e perda de terreno, a partir de Roma foram estabelecidos os movimentos estratégicos de
reação que repercutiram nos países onde há presença católica. Expressivos desse contexto
são a produção de intelectuais católicos europeus cuja argumentação é baseada em uma
visão contra revolucionária em que a autoridade é posta como central na regulação da
sociedade (mais que a noção de liberdade)2; e o documento papal de 1891 Rerum
Novarum, por Leão XIII, onde há uma proposta de organização da sociedade que nega a
revolução, afirma as diferenças sociais baseadas em uma suposta harmonia orgânica, e
atribui lugar importante à Igreja na organização social.
No Brasil toda essa discussão encontrou lugar em um contexto onde havia a
particularidade da separação entre Estado e Religião e consequentes perdas dos
privilégios católicos após a Proclamação da República em 1889, e o temor da ameaça
internacional comunista após a Revolução Russa de 1917. À primeira situação, são
conhecidas as formas de reação nos celeiros religiosos. Desde movimentos messiânicos
e monárquicos como aquele liderado por Antônio Conselheiro - não obstante essa
experiência nem sempre seja registrada na historiografia como relacionada de alguma
forma à reação e consequente Restauração Católica -; até movimentações mais
diretamente ligadas ao clero, como a mobilização proposta pelo Padre Júlio Maria, que
desde os primeiros anos do século XX fez o chamamento dos católicos a não mais se

2
A estruturação do pensamento e principais autores do pensamento contra revolucionário, bem como suas
influências diretas no pensamento intelectual católico no Brasil são esmiuçadas por Cândido Moreira
Rodrigues (2005) em sua tese, posteriormente publicada em livro.
restringirem aos domínios espirituais. Quanto ao segundo problema, o da ameaça
comunista, a mobilização católica soma-se e catalisa uma mobilização social mais ampla
que envolve várias esferas da sociedade num movimento de defesa das instituições
econômicas, políticas e ideológicas tradicionais contra a suposta barbárie anunciada pela
Revolução Russa de 1917.
Um ano antes da dita Revolução, Sebastião Leme, bispo em Olinda, publica carta
pastoral que é compreendida pela historiografia como o marco daquilo que João Camilo
de Oliveira (1986) chama de “a descoberta do valor teórico do catolicismo”. Em texto
que denuncia, a desconexão entre religiosidade e prática social, aprofundando o caminho
militante aberto pelo Padre Júlio Maria, o documento espiscopal conclama as forças
ideológicas da Igreja a prestarem seus talentos e esforços à causa religiosa, como bem
expressa o excerto:

Somos católicos de clausura; a nossa fé se restringe ao encerro do oratório ou


à nave das igrejas. [...] Têm instrução religiosa os nossos intelectuais? Não –
respondemos convictos. Seremos – oh! Aproxime Deus esse dia! – seremos a
maioria absoluta do País, não somente pelo número, como pela força de nossas
convicções e pelo clarão fulgente de nossos arraiais. Em vez de coro plangente,
formemos uma legião que combata: quem sabe falar, que fale; quem sabe
escrever, que escreva; quem não fala e nem escreve, que divulgue os escritos
dos outros. (SEBASTIÃO LEME, 1916 apud SILVA, 2009, p. 550).
O batismo das penas e canetas ocorre de fato, e nos anos subsequentes Leme verá
emergir uma ampla resposta ao seu chamado. Muito embora a sociedade brasileira seja
marcada em sua gênese pela presença transversal do elemento religioso cristão, é só a
partir desse movimento levado à frente por Sebastião Leme que essa marca religiosa será
definidora da ação intelectual de um alto contingente de pensadores e artistas que
pessoalmente já se professavam católicos, mas que não envolviam essa dimensão
religiosa em sua produção. Fernando Pinheiro (2007) analisa que em tal contexto podem
ser definidas duas tendências da intelectualidade católica: por um lado aquela formada
por intelectuais artistas, os escritores e poetas cuja produção e ação está mais ligada ao
campo das artes, como é o caso da tentativa de “restaurar a poesia em Cristo” de Murilo
Mendes e Jorge de Lima. Por outro lado, há no mesmo contexto a tendência de maior
engajamento político e social direto, onde se situa mais expressivamente as mobilizações
em torno de Jackson de Figueiredo, da revista intelectual católica A Ordem, e do Centro
Dom Vital. Os dois setores da intelectualidade católica, separados assim para fins
analíticos, não raro se interconectam. Cabe notar, porém, que a intervenção católica em
contextos sociais e políticos se mostrou mais evidente que aquela voltada prioritariamente
para as artes. Seja pela sua importância mais iminente em vista de situações específicas
da época, seja pela sua formalização institucional mais concreta que se deu na criação do
Centro Dom Vital por Jackson de Figueiredo em 1922, na Liga Eleitoral Católica em
1932, na Ação Católica, em 1935, e nas diversas associações leigas que congregavam
setores e grupos de interesse organizados em torno do ideal religioso.

2 - Militância católica de Alceu Amoroso Lima

Alceu Amoroso Lima, vida pública iniciada em 1919 ao assumir a crítica literária
no periódico O Jornal e concluída pela ocasião de sua morte em 1983 como professor
universitário aposentado e articulista, é personagem significativo para a história do século
XX brasileiro. Empresário, bacharel em direito, intelectual, e, a partir da morte de seu
mentor e amigo Jackson de Figueiredo, líder do laicato católico. Sob anuência direta de
Sebastião Leme, entre 1928 a 1942, Amoroso Lima atua entusiasticamente a frente do
Centro Dom Vital, da Liga Eleitoral Católica a partir de 1932, e da Ação Católica
Brasileira, a partir de 1935. Nesses postos se tornou o principal articulador leigo das
estratégias de ação social da Igreja. Considerado ainda como testa de ferro de Dom
Sebastião Leme, seus escritos públicos e suas articulações privadas nos meios intelectuais
e políticos levaram a pauta cristã, àquela altura de viés fortemente marcado pelo
direitismo e autoritarismo, às esferas de decisão e mobilização de opinião pública.
A militância de Amoroso Lima, eficiente e eficaz, indica que a empreitada de
Sebastião Leme efetivamente pode ser considerada bem sucedida. Ajudada pela co
beligerância contra o comunismo, a causa católica era bem vista aos olhos da sociedade
em geral, predominantemente católica, e pelo governo federal. O periódico O Jornal, em
25 de maio de 1935, informa sobre uma conferência pronunciada por Amoroso Lima
abrindo uma série de palestras do Ministério da Educação, prestigiada com a presença do
próprio ministro Gustavo Capanema. O título: A educação e o comunismo. Essa é uma
amostra da reaproximação entre o poder político do estado e o poder ideológico da Igreja,
costurado progressivamente desde o início do XX e alcançando seu auge sob os auspícios
da liderança clerical de Leme, e laica de Amoroso Lima. Outras evidências nesse sentido
podem ser mencionadas, como a sagração do país à santa católica Nossa Senhora de
Aparecida, e construção do monumento ao Cristo Redentor em lugar de destaque na então
capital federal, a cidade do Rio de Janeiro. Todos esses elementos indicam uma relação
estratégica entre poderes, onde o governo se beneficia da legitimação conferida pela
Igreja (que exerce influência em seus fiés) e a Igreja readquire certos privilégios e
influência frente ao Estado. Isso tudo ocorreu, no entanto, diante do discurso apregoado
entre a intelectualidade católica de que os católicos, na política, não se submetem a
nenhuma afinidade partidária e facciosa. Deveriam, antes, submeter suas consciências à
religião e não creditar a nenhuma estrutura política-partidária a transposição exata do
catolicismo à política.
Se em 1932 foi fundada uma Liga Eleitoral Católica, esta antes de ser um partido,
tratava-se de um eixo de mobilização de apoio a candidatos à Assembléia Constituinte
que se comprometiam a apoiar determinadas pautas católicas. Indiscriminado partidos. É
pela pena do próprio Amoroso Lima que saem na revista A Ordem textos que indicam o
caráter supra e apartidário da Igreja na arena política nacional. Notáveis são os textos O
espírito do nosso voto, e Os católicos e a política (LIMA, 1934). Ali o autor responde às
críticas recebidas pela Igreja quanto a sua não partidarização e não envolvimento mais
direto com as lutas políticas. Os esforços intelectuais e estratégicos que vinham sendo
empreendidos não se mostravam suficientes para setores mais radicalizados que desejam
uma intervenção de ruptura e não de conciliação, e Lima vinha sendo cobrado a se
posicionar mais claramente. Nos textos referidos, após indicar que os católicos não devem
de forma alguma se manter indiferentes à política, mas que também não deveriam colocá-
la como fim último da vida em sociedade, o autor ressalta mais uma vez o caráter
apartidário da Igreja que, nessa condição, não iria se posicionar favoravelmente a
nenhuma das agremiações políticas seculares:

Pode haver, porém, (e há tendência crescente em toda parte para que o haja),
partidos políticos que aceitem integralmente os princípios catholicos, sem que
tenham o rótulo religioso ou se prevaleçam dos seus princípios para forçar os
catholicos a ingressarem em suas fileiras. Mesmo nesse caso, porém, que já se
delineou no Brasil e possivelmente se apresentará de novo, no futuro, não se
confundem a Ação Católica ou a LEC, com esse gênero de partido, que terá
sua plena autonomia em sua atuação em terrenos políticos de livre opinião
entre catholicos, ao contrário da LEC. Não tem, pois, um partido nessas
condições direito de exigir preferências da LEC (...) essa preferência virá
naturalmente, sem dúvida, dos próprios católicos. Mas não por autoridade.
(LIMA, 1934, p. 162).
A discussão e reivindicação por um partido católico tem um precedente que a torna
inadmissível para a hierarquia eclesiástica brasileira. Trata-se da Action Française,
movimento de caráter contra revolucionário que se propõe na França em 1899 como
posição da Igreja na esfera partidária, mas que em pouco tempo superlativiza as
tendências autoritárias, se tornando insubmisso à hierarquia da Igreja. Em vista dessa
experiência, o desejo de criar um partido católico no Brasil, presente nas intenções de
Jackson de Figueiredo quando da fundação do Centro Dom Vital em 1922 foi vetado por
Sebastião Leme, e tal veto prevaleceu. Assim, em termos de discurso oficial, o
empreendimento religioso em direção a política, durante toda a década de 1930, sob a
liderança de Sebastião Leme e Amoroso Lima, é pautado na submissão à hierarquia
eclesiástica, equidistância dos partidos, e referenciação institucional em torno da Ação
Católica.

3 - O Problema do integralismo

Na mesma onda da mobilização de reação à crise causada pela modernidade, e, a


partir de 1917, ao comunismo internacional, surge em 1932 a Ação Integralista Brasileira.
Como esquematiza Douglas Pessanha Lopes (2015, p. 36-37), o movimento se aproxima
do catolicismo em um sentido amplo de fundamentação espiritualista, isto é, que busca
as respostas aos problemas da realidade em explicações fora da realidade, irracionalistas.
Para além desse ponto estrutural em comum,

quando se analisam as influências que tiveram um papel importante na


constituição do ideário integralista, - e, neste sentido, porque não dizer na
própria trajetória e conformação do pensamento político de seu principal líder,
Plínio Salgado - [...], além do corolário de ideias fascistas, [devem ser
mencionados] o conservadorismo advindo da Action Française de Charles
Maurras, a Doutrina Social da Igreja Católica, e também as concepções do
integralismo português [que] foram muito importantes. (GONÇALVES e
PIMENTA, 2019).
Em vista da comunhão de certas pautas e princípios entre catolicismo e
integralismo, o movimento de Plínio Salgado logra grande adesão nacional e
capilarização entre leigos e clérigos católicos. Suas menções não ocasionais a Deus - seja
no lema Deus, Pátria, Família, seja de forma diluída nas várias plataformas de sua
propaganda - podem ser analisadas como estratégia do movimento de tentar dissolver as
fronteiras entre o que é partidário e o que é religião, aproveitando-se da enorme
capilaridade religiosa do país. O forte teor anticomunista, e a proposta de organização
social que legitima diferenças mas supõe cooperação harmonica entre as classes agrada
àquela consciência cristã que se opõe ao comunismo bem como, em tese, se incomoda
com o problema da injustiça. Não obstante a tamanhas aproximações, um reconhecimento
por parte da hierarquia católica do integralismo como representação genuína da Igreja na
política nunca houve. Apesar dos não poucos padres e mesmo bispos que se juntaram
formalmente às fileiras integralistas, outros tantos identificaram na doutrina de Plínio
Salgado impedimentos de ordem moral, institucional e religiosa que, em sua perspectiva
tornava incompatível a associação indiscriminada entre o catolicismo e o integralismo.
No calor dessa questão, o líder do laicato se pronunciou, nas edições da revista A
ordem publicadas no segundo semestre de 1934 e no primeiro semestre de 1935. Em
artigo divido em três secções, Alceu Amoroso Lima discorre sobre a prática política da
Ação Integralista Brasileira e indica a posição dos fiéis com respeito ao movimento.
Tentando equilibrar a situação, o texto de Lima aponta que o movimento de Plínio
Salgado não deveria ser, paralelamente: nem de todo renegado e tratado com desprezo;
nem exaltado como a síntese das soluções esperadas pelos fiéis; nem ainda tratado com o
que o autor chama nos textos de de indiferença oportunista, expressada na visão dual de
não se engajar diretamente mas tomar parte numa eventual vitória do projeto integralista
nas urnas. O cerne da questão é que neste texto, Lima soa pouco fiel aos seus próprios
escritos, uma vez que afirma a equidistância partidária que os envolvidos na Ação
Católica devem ter, mas faz vigorosos acenos a uma agremiação política específica. A
afirmação de que “os leigos podem perfeitamente participar do movimento integralista,
com mais razão ainda que participam de qualquer outro partido” indicam o contrário da
equidistância tida como basilar da Ação Católica, e é agravada com a justificativa de que
“tanto mais quanto o Integralismo foi a agremiação política que de modo mais explícito
e peremptório, em suas recentes “diretrizes”, aceitou todos os pontos do nosso programa.”
(LIMA, 1934a, p. 413).
Tais declarações colocam Amoroso Lima em difícil cenário consigo mesmo, com
os integralistas, e com certa ala da intelectualidade católica. Consigo pelo fato de pôr em
questão a coerência de suas publicações e discurso, enquanto líder do laicato; com os
integralistas pois o que eles esperavam era a indicação objetiva de sua doutrina como
representação genuína e exata dos interesses católicos na política, o que não foi satisfeito
apesar dos acenos simpáticos; e por fim com o setor da intelectualidade católica que
percebia o integralismo como mimetismo do racismo alemão e do fascismo italiano em
seus piores aspectos. No final do ano de 1935, em coluna nO Jornal, novamente Alceu
tratou do assunto dizendo que não é “de modo algum integralista”, mas que era e sempre
seria, “antes e acima de tudo um simples soldado da Igreja.” Não obstante, algumas linhas
abaixo traz o porém de que considera o integralismo como uma grande força política do
país contra a qual se opor seria configurado como “ato impatriótico”(LIMA, 1935b). Na
mesma página do jornal, uma contestação veemente de Assis Chateaubriand indaga onde
poderia haver interação entre a fé cristã e “uma ordem de coisas onde se prega aberta e
violentamente o ódio a determinada raça.” (CHATEAUBRIAND, 1935). Crítica expressa
de Chateaubriand ao elemento racista anstissemita que compõe o ideário integralista -
aspecto que é mais desenvolvido na obra de Gustavo Barroso 3, liderança imediatamente
abaixo de Plínio Salgado na Ação Integralista.
Críticas como a do empresário Chateaubriand também correm entre a
intelectualidade mais restritamente católica. Cabe menção derradeira e suficientemente
exemplar ao texto do poeta católico Murilo Mendes que dialoga diretamente com as
declarações de Amoroso Lima. Tratando da posição dos catolicismo frente ao
integralismo discorre:

Procuram fundamentar sua tese explicando que o integralismo defende as


idéias básicas - Deus, Pátria e Família. (Já que a confusão é enorme, devo
declarar que não combato de maneira alguma estas idéias!..) E que os chefes
principais do integralismo crêem em Deus e se dizem mesmo católicos. Eu
acharia tudo isto excelente, se os católicos mantivessem uma atitude discreta
em relação ao integralismo e os que sentissem vocação política entrassem no
partido e não procurassem envolver o catolicismo nas teias da politicagem. O
que se está vendo, entretanto, é o contrário: freqüentes manifestações públicas
partidas de membros influentes do laicato e do clero, insinuando claramente
que o integralismo deve ser o partido dos católicos; que defender o
integralismo é defender a religião e a pátria etc. (Acho bom os interessados não
me contestarem; possuo comigo a documentação sobre o assunto). (MENDES,
2001 apud GONÇALVES e PIMENTA, 2019).

3
Embora os discursos oficiais da AIB levantassem a bandeira do multi etnicismo na formação do povo
brasileiro, o elemento racista era presente nas suas frequentes acusações de que os judeus estariam
envolvidos em uma conspiração global, se aliando tanto a comunistas como também a capitalistas liberais.
A esse respeito, Gustavo Barroso, um dos líderes do integralismo, traduziu e divulgou no Brasil a obra
conspiratória “Os protocolos do Sábio de Sião” que descreve as articulações do suposto plano de dominação
judeu, baseando-se em infomações insustentadas, e fazendo coro à doutrina antisemita Nazista alemã.
Diante do exposto, complexifica-se a discussão a respeito das relações entre
catolicismo e integralismo. Em tempo, não se pode perder de vista que o fenômeno
católico no Brasil, tanto na década de 1930 como ainda hoje, se apresenta como um todo
composto por recortes variados, ênfases e recepções distintas. Apesar da noção oficial de
centralidade em Roma e da rigidez hierárquica. Da mesma forma, o integralismo de Plínio
Salgado, em sua amplitude de alcance nacional, não teve uma recepção homogênea em
todos os lugares onde estabeleceu raízes. Se seu aspecto conservador e espiritualista é
instrumento político para mobilização de católicos, não obstante por esse mesmo aspecto
também foi recebido e adaptado em determinadas localidades por espíritas e protestantes
(GONÇALVES e PIMENTA, 2019). A impossibilidade de se compreender em totalidade
e homogeneidade as relações entre catolicismo e integralismo não implica, porém, no
desinteresse pelos recortes. Especialmente no caso que aqui é objeto, situado no centro
das diretrizes do catolicismo brasileiro à época.

4 - Conclusão

O problema não é ético, mas histórico, mesmo que - e isso complica ainda mais
a tarefa do pesquisador - frequentemente tenha sido colocado em termos éticos
pelo próprio intelectual. Nem complacente, nem membro, a contrario, de
qualquer pelotão de fuzilamento da história, o historiador dos intelectuais não
tem como tarefa nem construir um Panteão, nem cavar uma fossa comum.
(SIRINELLI, 2003, p. 261)
A partir da década de 1940 e até o final de sua trajetória, Amoroso Lima se
encaminhou para a vertente progressista do pensamento político. Defensor da liberdade,
opositor do autoritarismo e da repressão da Ditadura Militar, seu passado de simpatia ao
integralismo é auto revisto e repudiado em escritos públicos e em correspondência
privada. Retomar esse recorte específico de sua trajetória, longe de indicar um interesse
de mácula biográfica, expressa na verdade a importância de se compreender o papel e
relevância das relações entre intelectualidade, religião, ideologia e autoritarismo. Tais
desenvolvimentos, ora empreendidos, podem lançar luz histórica a questões correlatas no
tempo presente.

Referências

Fontes consultadas diretamente:


Artigos de Alceu Amoroso Lima na Revista católica A Ordem
LIMA, Alceu Amoroso. Os católicos e a política. n 14(12), jul/dez 1934;
LIMA, Alceu Amoroso. O espírito do nosso voto. n.14(12), jul/dez 1934;
LIMA, Alceu Amoroso. Catolicismo e Integralismo. n.14(12), jul/dez 1934;
LIMA, Alceu Amoroso. Catolicismo e Integralismo II e III. n. 15(13), jan/jun 1935a.

Excertos do periódico O Jornal, consultados na Hemeroteca Digital da Biblioteca


Nacional
CHATEAUBRIAND, ASSIS. Dictadura e Catadura. O Jornal, Rio de Janeiro,
23/11/1935. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=110523_03&Pesq=trist%c3%a
3o%20de%20athayde&pagfis=33619>. Acesso em 15/09/2020.
LIMA, Alceu Amoroso. Erros de Repercussão. O Jornal, Rio de Janeiro, 23/11/1935b.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=110523_03&Pesq=trist%c3%a3
o%20de%20athayde&pagfis=33619. Acesso em 15/09/2020.

Bibliografia:

BOBBIO. Norberto. Os intelectuais e o Poder. São Paulo: Editora Unesp, 1997.


RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem – uma revista de intelectuais católicos (1934-
1945). Belo Horizonte: Autêntica. 2005.
PINHEIRO FILHO, F. A invenção da ordem: intelectuais católicos no Brasil . Tempo
Social, v. 19, n. 1, p. 33-49, 1 jun. 2007.
GONÇALVES, Leandro Pereira; PIMENTA, Everton. O cristianismo de camisa verde:
as relações do integralismo com o universo religioso. Em: GRECCO, Gabriela de Lima;
NETO, Odilon Caldeira (orgs.). Autoritarismo em foco: política, cultura e controle social.
Pernambuco. Edupe, 2019.
LOPES, Douglas Branco Pessanha. Plínio Salgado e Alceu Amoroso Lima : integralismo,
crise e revolução nos anos de 1930. 2015. Dissertação (Mestrado em Sociologia) -
Universidade Federal do Paraná.
SILVA, W. T. DA. Catolicismo militante na primeira metade do século XX brasileiro.
História Revista, v. 13, n. 2, 9 jul. 2009.
SIRINELLI, Jean François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.) Por uma história
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TORRES, João C. O. História das ideias religiosas no Brasil. São Paulo: Grijalbo LTDA.
1986.

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