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Comunicação referente a pesquisa de mestrado financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de Minas Gerais - FAPEMIG.
existência de esferas, por assim dizer, distintas mas não necessariamente isoladas entre
poderes (político, econômico e ideológico) foi o fator catalisador do pensamento e ação
militante do catolicismo entre fins do século XIX e as três primeiras décadas do século
XX, momento em que setores da Igreja perceberam que sua dimensão de poder ideológico
se encontrava debilitada em termos de alcance e influência prática no âmbito político e
social e precisava ser estrategicamente trazida de volta ao cenário da relevância.
Sendo prioritário nesta comunicação o recorte sobre o catolicismo no Brasil, cabe
apenas a menção de que no mundo todo, no período em análise, a Igreja se deparava com
um contexto de crise social e de referências em que as explicações da realidade baseadas
na dimensão religiosa têm seu espaço suprimido ou ameaçado pelo chamado secularismo
e pelas propostas revolucionárias de transformação social. Diante de tamanhas ameaças
e perda de terreno, a partir de Roma foram estabelecidos os movimentos estratégicos de
reação que repercutiram nos países onde há presença católica. Expressivos desse contexto
são a produção de intelectuais católicos europeus cuja argumentação é baseada em uma
visão contra revolucionária em que a autoridade é posta como central na regulação da
sociedade (mais que a noção de liberdade)2; e o documento papal de 1891 Rerum
Novarum, por Leão XIII, onde há uma proposta de organização da sociedade que nega a
revolução, afirma as diferenças sociais baseadas em uma suposta harmonia orgânica, e
atribui lugar importante à Igreja na organização social.
No Brasil toda essa discussão encontrou lugar em um contexto onde havia a
particularidade da separação entre Estado e Religião e consequentes perdas dos
privilégios católicos após a Proclamação da República em 1889, e o temor da ameaça
internacional comunista após a Revolução Russa de 1917. À primeira situação, são
conhecidas as formas de reação nos celeiros religiosos. Desde movimentos messiânicos
e monárquicos como aquele liderado por Antônio Conselheiro - não obstante essa
experiência nem sempre seja registrada na historiografia como relacionada de alguma
forma à reação e consequente Restauração Católica -; até movimentações mais
diretamente ligadas ao clero, como a mobilização proposta pelo Padre Júlio Maria, que
desde os primeiros anos do século XX fez o chamamento dos católicos a não mais se
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A estruturação do pensamento e principais autores do pensamento contra revolucionário, bem como suas
influências diretas no pensamento intelectual católico no Brasil são esmiuçadas por Cândido Moreira
Rodrigues (2005) em sua tese, posteriormente publicada em livro.
restringirem aos domínios espirituais. Quanto ao segundo problema, o da ameaça
comunista, a mobilização católica soma-se e catalisa uma mobilização social mais ampla
que envolve várias esferas da sociedade num movimento de defesa das instituições
econômicas, políticas e ideológicas tradicionais contra a suposta barbárie anunciada pela
Revolução Russa de 1917.
Um ano antes da dita Revolução, Sebastião Leme, bispo em Olinda, publica carta
pastoral que é compreendida pela historiografia como o marco daquilo que João Camilo
de Oliveira (1986) chama de “a descoberta do valor teórico do catolicismo”. Em texto
que denuncia, a desconexão entre religiosidade e prática social, aprofundando o caminho
militante aberto pelo Padre Júlio Maria, o documento espiscopal conclama as forças
ideológicas da Igreja a prestarem seus talentos e esforços à causa religiosa, como bem
expressa o excerto:
Alceu Amoroso Lima, vida pública iniciada em 1919 ao assumir a crítica literária
no periódico O Jornal e concluída pela ocasião de sua morte em 1983 como professor
universitário aposentado e articulista, é personagem significativo para a história do século
XX brasileiro. Empresário, bacharel em direito, intelectual, e, a partir da morte de seu
mentor e amigo Jackson de Figueiredo, líder do laicato católico. Sob anuência direta de
Sebastião Leme, entre 1928 a 1942, Amoroso Lima atua entusiasticamente a frente do
Centro Dom Vital, da Liga Eleitoral Católica a partir de 1932, e da Ação Católica
Brasileira, a partir de 1935. Nesses postos se tornou o principal articulador leigo das
estratégias de ação social da Igreja. Considerado ainda como testa de ferro de Dom
Sebastião Leme, seus escritos públicos e suas articulações privadas nos meios intelectuais
e políticos levaram a pauta cristã, àquela altura de viés fortemente marcado pelo
direitismo e autoritarismo, às esferas de decisão e mobilização de opinião pública.
A militância de Amoroso Lima, eficiente e eficaz, indica que a empreitada de
Sebastião Leme efetivamente pode ser considerada bem sucedida. Ajudada pela co
beligerância contra o comunismo, a causa católica era bem vista aos olhos da sociedade
em geral, predominantemente católica, e pelo governo federal. O periódico O Jornal, em
25 de maio de 1935, informa sobre uma conferência pronunciada por Amoroso Lima
abrindo uma série de palestras do Ministério da Educação, prestigiada com a presença do
próprio ministro Gustavo Capanema. O título: A educação e o comunismo. Essa é uma
amostra da reaproximação entre o poder político do estado e o poder ideológico da Igreja,
costurado progressivamente desde o início do XX e alcançando seu auge sob os auspícios
da liderança clerical de Leme, e laica de Amoroso Lima. Outras evidências nesse sentido
podem ser mencionadas, como a sagração do país à santa católica Nossa Senhora de
Aparecida, e construção do monumento ao Cristo Redentor em lugar de destaque na então
capital federal, a cidade do Rio de Janeiro. Todos esses elementos indicam uma relação
estratégica entre poderes, onde o governo se beneficia da legitimação conferida pela
Igreja (que exerce influência em seus fiés) e a Igreja readquire certos privilégios e
influência frente ao Estado. Isso tudo ocorreu, no entanto, diante do discurso apregoado
entre a intelectualidade católica de que os católicos, na política, não se submetem a
nenhuma afinidade partidária e facciosa. Deveriam, antes, submeter suas consciências à
religião e não creditar a nenhuma estrutura política-partidária a transposição exata do
catolicismo à política.
Se em 1932 foi fundada uma Liga Eleitoral Católica, esta antes de ser um partido,
tratava-se de um eixo de mobilização de apoio a candidatos à Assembléia Constituinte
que se comprometiam a apoiar determinadas pautas católicas. Indiscriminado partidos. É
pela pena do próprio Amoroso Lima que saem na revista A Ordem textos que indicam o
caráter supra e apartidário da Igreja na arena política nacional. Notáveis são os textos O
espírito do nosso voto, e Os católicos e a política (LIMA, 1934). Ali o autor responde às
críticas recebidas pela Igreja quanto a sua não partidarização e não envolvimento mais
direto com as lutas políticas. Os esforços intelectuais e estratégicos que vinham sendo
empreendidos não se mostravam suficientes para setores mais radicalizados que desejam
uma intervenção de ruptura e não de conciliação, e Lima vinha sendo cobrado a se
posicionar mais claramente. Nos textos referidos, após indicar que os católicos não devem
de forma alguma se manter indiferentes à política, mas que também não deveriam colocá-
la como fim último da vida em sociedade, o autor ressalta mais uma vez o caráter
apartidário da Igreja que, nessa condição, não iria se posicionar favoravelmente a
nenhuma das agremiações políticas seculares:
Pode haver, porém, (e há tendência crescente em toda parte para que o haja),
partidos políticos que aceitem integralmente os princípios catholicos, sem que
tenham o rótulo religioso ou se prevaleçam dos seus princípios para forçar os
catholicos a ingressarem em suas fileiras. Mesmo nesse caso, porém, que já se
delineou no Brasil e possivelmente se apresentará de novo, no futuro, não se
confundem a Ação Católica ou a LEC, com esse gênero de partido, que terá
sua plena autonomia em sua atuação em terrenos políticos de livre opinião
entre catholicos, ao contrário da LEC. Não tem, pois, um partido nessas
condições direito de exigir preferências da LEC (...) essa preferência virá
naturalmente, sem dúvida, dos próprios católicos. Mas não por autoridade.
(LIMA, 1934, p. 162).
A discussão e reivindicação por um partido católico tem um precedente que a torna
inadmissível para a hierarquia eclesiástica brasileira. Trata-se da Action Française,
movimento de caráter contra revolucionário que se propõe na França em 1899 como
posição da Igreja na esfera partidária, mas que em pouco tempo superlativiza as
tendências autoritárias, se tornando insubmisso à hierarquia da Igreja. Em vista dessa
experiência, o desejo de criar um partido católico no Brasil, presente nas intenções de
Jackson de Figueiredo quando da fundação do Centro Dom Vital em 1922 foi vetado por
Sebastião Leme, e tal veto prevaleceu. Assim, em termos de discurso oficial, o
empreendimento religioso em direção a política, durante toda a década de 1930, sob a
liderança de Sebastião Leme e Amoroso Lima, é pautado na submissão à hierarquia
eclesiástica, equidistância dos partidos, e referenciação institucional em torno da Ação
Católica.
3 - O Problema do integralismo
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Embora os discursos oficiais da AIB levantassem a bandeira do multi etnicismo na formação do povo
brasileiro, o elemento racista era presente nas suas frequentes acusações de que os judeus estariam
envolvidos em uma conspiração global, se aliando tanto a comunistas como também a capitalistas liberais.
A esse respeito, Gustavo Barroso, um dos líderes do integralismo, traduziu e divulgou no Brasil a obra
conspiratória “Os protocolos do Sábio de Sião” que descreve as articulações do suposto plano de dominação
judeu, baseando-se em infomações insustentadas, e fazendo coro à doutrina antisemita Nazista alemã.
Diante do exposto, complexifica-se a discussão a respeito das relações entre
catolicismo e integralismo. Em tempo, não se pode perder de vista que o fenômeno
católico no Brasil, tanto na década de 1930 como ainda hoje, se apresenta como um todo
composto por recortes variados, ênfases e recepções distintas. Apesar da noção oficial de
centralidade em Roma e da rigidez hierárquica. Da mesma forma, o integralismo de Plínio
Salgado, em sua amplitude de alcance nacional, não teve uma recepção homogênea em
todos os lugares onde estabeleceu raízes. Se seu aspecto conservador e espiritualista é
instrumento político para mobilização de católicos, não obstante por esse mesmo aspecto
também foi recebido e adaptado em determinadas localidades por espíritas e protestantes
(GONÇALVES e PIMENTA, 2019). A impossibilidade de se compreender em totalidade
e homogeneidade as relações entre catolicismo e integralismo não implica, porém, no
desinteresse pelos recortes. Especialmente no caso que aqui é objeto, situado no centro
das diretrizes do catolicismo brasileiro à época.
4 - Conclusão
O problema não é ético, mas histórico, mesmo que - e isso complica ainda mais
a tarefa do pesquisador - frequentemente tenha sido colocado em termos éticos
pelo próprio intelectual. Nem complacente, nem membro, a contrario, de
qualquer pelotão de fuzilamento da história, o historiador dos intelectuais não
tem como tarefa nem construir um Panteão, nem cavar uma fossa comum.
(SIRINELLI, 2003, p. 261)
A partir da década de 1940 e até o final de sua trajetória, Amoroso Lima se
encaminhou para a vertente progressista do pensamento político. Defensor da liberdade,
opositor do autoritarismo e da repressão da Ditadura Militar, seu passado de simpatia ao
integralismo é auto revisto e repudiado em escritos públicos e em correspondência
privada. Retomar esse recorte específico de sua trajetória, longe de indicar um interesse
de mácula biográfica, expressa na verdade a importância de se compreender o papel e
relevância das relações entre intelectualidade, religião, ideologia e autoritarismo. Tais
desenvolvimentos, ora empreendidos, podem lançar luz histórica a questões correlatas no
tempo presente.
Referências
Bibliografia: