Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
GT 34 – Religião e Sociedade
Gramsci e as tendências orgânicas do catolicismo brasileiro
Introdução
Este texto busca discutir como a noção de “tendências” que Gramsci
criou para explicar a realidade do catolicismo italiano pode ser aplicada, com as
atualizações de Löwy, ao contexto brasileiro. Partindo da perspectiva de que há
uma relação entre os agrupamentos católicos e as disputas políticas presentes
na sociedade brasileira, a Igreja Católica (IC) é classificada em quatro setores:
Tradicionalistas, Reformistas, Modernizadores conservadores e Radicais.
Dessa forma, o objetivo é apresentar alternativas para o entendimento
da maneira pela qual os católicos estão situados no cenário religioso nacional.
Com a perda de fiéis para outras religiões, observa-se um processo de disputa
interna no catolicismo brasileiro para definir qual a melhor maneira de superar a
queda na porcentagem de adeptos. Assim, busca-se entender como se dá estas
disputas e qual os atores e setores religiosos e sociais que dela participam.
Afirma-se que grande parte dos setores ligados à Teologia da
Libertação (TL), tendência radical católica, passou a assumir uma postura
reformista no interior da Igreja e, conseqüentemente, na sociedade. Em contra
partida, há um crescimento e fortalecimento do movimento carismático,
tendência modernizadora conservadora, que passa a controlar grande parte da
atuação do catolicismo no Brasil.
Nesse sentido, o texto é articulado da seguinte maneira: parte-se de
uma discussão acerca das principais contribuições de Antonio Gramsci para o
entendimento do catolicismo contemporâneo; em seguida, é feito uma análise
das tendências católicas no Brasil; depois, apresenta-se uma breve discussão
acerca da reconfiguração da Teologia da Libertação a partir dos escritos de
Leonardo Boff para, no final, fazer algumas considerações acerca da
reconfiguração das tendências no catolicismo brasileiro.
1
Acerca desse assunto ver Löwy 2000.
2
Ortiz (1980, p. 164) afirma que Gramsci copiou essa definição de um manual de história da
religião, sendo Turchi o autor da mesma. Todavia, Löwy afirma que Gramsci incorpora e assume
essa definição.
6
O público ‘crê’ que o mundo exterior seja objetivamente real, mas precisamente
neste ponto surge o problema: qual é a origem desta ‘crença’ e que valor crítico ela
tem ‘objetivamente’? De fato, esta crença é de origem religiosa, mesmo se quem
participa dela é religiosamente indiferente. Dado que todas as religiões ensinaram e
ensinam que o mundo, a natureza, o universo, foi criado por Deus antes da criação
do homem e, portanto, que o homem já encontrou o mundo pronto, catalogado e
definido de uma vez por todas, esta crença tornou-se um dado férreo do ‘senso
comum’, vivendo com a mesma solidez, ainda quando o sentimento religioso está
apagado e adormecido. Daí que, portanto, fundar-se na experiência do senso
comum para destruir com a ‘comicidade’ a concepção subjetiva é algo que tem uma
significação sobretudo ‘reacionária’, de retorno implícito ao sentimento religioso; de
fato, os escritores e os oradores católicos recorrem ao mesmo meio para obter o
mesmo efeito de ridículo corrosivo. (GRAMSCI, 2001b, p. 130).
[...] a religião é a mais gigantesca utopia, isto é, a mais gigantesca ‘metafísica’ que
apareceu na história, já que ela é a mais grandiosa tentativa de conciliar, em uma
forma mitológica, as contradições reais da vida histórica: ela afirma, na verdade, que
o homem tem a mesma ‘natureza’, que existe o homem em geral, enquanto criado
por Deus, filho de Deus, sendo por isso irmão dos outros homens, igual aos outros
homens, livre entre os outros e da mesma maneira que os outros; e ele pode se
conceber desta forma espelhando-se em Deus, ‘autoconsciência’ da humanidade;
mas afirma também que nada disto pertence a este mundo e ocorrerá neste mundo,
mas em um outro (utópico). Desta maneira, as idéias de igualdade, liberdade e
fraternidade fermentam entre os homens, entre os homens que não se vêem nem
iguais, nem irmãos de outros homens, nem livres em face deles. Ocorreu assim que,
em toda sublevação radical das multidões, de um modo ou de outro, sob formas e
ideologias determinadas, foram colocadas estas reivindicações (GRAMSCI, 2001b,
p. 205).
8
3
Este cenário surge no Brasil com a experiência da Ação Católica Especializada na década de
1950.
12
4
O termo inculturação é utilizado pela Igreja Católica para definir um tipo de evangelização que
respeita a cultura do evangelizado, fazendo com que esse introduza na religião cristã suas
características específicas no sentido de interpretá-la a partir de sua realidade histórica.
13
5
A discussão acerca do novo significado da “opção preferencial pelos pobres” na Teologia da
Libertação é feito de forma detalhada em comunicação apresentada no 36º Encontro de Estudos
Rurais e Urbanos CERU/NAP/USP, realizado em abril de 2009 na Universidade de São Paulo.
17
6
Uma dessas ocasiões foi em uma conferência proferida na Universidade de São Paulo em 23/06/09 em
que afirma que enviou alguns escritos de ecologia para Boff opinar, sendo que a avaliação do teólogo era
que faltava o elemento espiritual nos escritos ecológicos de Löwy.
19
Algumas considerações
O referencial analítico exposto acima tem como proposta a
apresentação de alternativas para o entendimento da maneira pela qual a IC
vem se colocando no cenário religioso atual. Na medida em que perde fiéis para
outras denominações religiosas, observa-se um processo de disputa interna no
catolicismo brasileiro no sentido de definir qual a melhor maneira de superar a
queda na porcentagem de adeptos já comprovadas pelas pesquisas do IBGE.
Nesse sentido, busca-se entender como se dá estas disputas e qual os atores e
setores religiosos e sociais que dela participam.
A formulação dessas diferenciações é necessária para compreender o
local no qual estão inseridas, em relação ao contexto eclesiástico e social, as
duas principais forças do catolicismo brasileiro: o Cristianismo da Libertação e a
Renovação Carismática Católica.
Com relação aos setores ligados à Teologia da Libertação e
chamados aqui de cristãos da libertação, nossa tese é que esse setor, em
virtude das características presentes em seu processo de formação identificados
na análise do contexto histórico da Igreja brasileira, nos anos 1980, compunha a
tendência radical católica, mas, nos anos 1990, passa a se caracterizar cada
vez mais como uma tendência reformista.
Considera-se apenas uma parte dos cristãos da libertação para fazer
a análise, além de alguns escritos do teólogo Leonardo Boff. Entretanto,
acredita-se que a parte escolhida para construção da argumentação é de
significativa importância para a Teologia da Libertação no Brasil no contexto
atual de dificuldades enfrentadas por esse segmento no interior a Igreja e na
20
Bibliografia
BERGER, Peter L. Um rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta
do sobrenatural. Petrópolis-RJ: Vozes, 1973.
____. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São
Paulo: Paulus 1985.
BOFF, Leonardo. Caixa Leonardo Boff. Petrópolis, Vozes, 2009.
____. Ecologia, Mundializacao, Espiritualidade. Record, 2008.
____. Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes,
2004.
____. Civilização Planetária: desafios à sociedade e ao cristianismo. Rio de
Janeiro: Sextante, 2003.
____. Igreja: carisma e poder – Ensaios de eclesiologia militante. São Paulo:
Ática, 1994.
____. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis: Vozes, 1986.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
Vol 4, 2001.
____ Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vol. 1, 2001b.
LIBANIO, João B. Cenários da Igreja. São Paulo: Loyola, 1999.
LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina.
Petrópolis: Vozes, 2000.
____ Marx e Engels como sociólogos da religião. In Revista Idéias. Unicamp,
1996.
Marx, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
22