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RESUMO
O embate jurídico-filosófico travado entre Hart e Dworkin conduz as rédeas do presente artigo. A in-
tenção é suscitar o debate, indicando os pontos nevrálgicos da teoria hartiana de modo a confronta-los
com as objeções e inovações trazidas pela teoria dworkiniana. Pretende-se com isso descobrir se as
críticas de Dworkin levaram a uma superação do legado de Hart.
Palavras-chave: Hart. Dworkin. Regras. Princípios. Discricionariedade judicial.
ABSTRACT
The legal-philosophical clash established between Hart and Dworkin leads the reins of this article.
The intention is to evoke debate, indicating the hot spots of hartian theory to confront them with the
objections and innovations brought by dworkinian theory. The aim of this is find out if Dworkin’s
criticisms prompted an overcoming of Hart’s legacy.
Keywords: Hart. Dworkin. Rules. Principles. Judicial discretion.
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Mestre em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2016). Bacharel
em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Graduando em Filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou pesquisa (graduação-sanduíche) na Faculdade de Di-
reito da Universidade do Porto (Portugal-2011/2012). http://lattes.cnpq.br/9995443491267552
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1 INTRODUÇÃO
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Para fins didáticos, entender-se-á como positivismo jurídico todas aquelas vertentes teóricas respon-
sáveis por pregar a separação entre direito e moral. Para mais informações, ver: ALEXY, Robert. Con-
ceito e Validade do Direito. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011a.
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Sobre a relação entre a filosofia da linguagem e a teoria jurídico-analítica de Hart, assim se manifesta
Morrison (2012 p. 429): “A obra de maturidade do filósofo austríaco Wittgenstein exerceu forte in-
fluência sobre Hart [...] Wittgenstein passou a crer que, na verdade, a linguagem construía a realidade
social. Portanto, era importante examinar o significado-em-uso das palavras”.
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Para fins didáticos, entender-se-á como não positivistas todas aquelas teorias que defendam uma co-
nexão necessária entre direito e moral. Para mais informações, ver: ALEXY, Robert. Conceito e Vali-
dade do Direito. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011a.
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A definição dworkiniana de princípios pode ser extraída da seguinte passagem textual: “Denomino
‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não por que vá promover ou assegurar uma situação
econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equi-
dade ou alguma outra dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2002, p. 36).
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De acordo com Morrison, Dworkin entende que: “A hermenêutica exige uma profunda sensibilidade
diante das diferentes maneiras de arranjar-se no mundo vivido, invocando a análise histórica e a relati-
vidade cultural - motivo pelo qual o “direito” se converte num termo vago que só tem sentido em
situações concretas reconhecíveis pela análise histórica” (MORRISON, 2012, p. 525).
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Dworkin chama a atenção para a existência de dois tipos de poder discricionário, sendo um em sentido
fraco e outro em sentido forte. Em relação ao primeiro tipo (sentido fraco), o filósofo o desmembra em
dois subtipos, empregando-se o primeiro subtipo (sentido fraco-fraco) “apenas para dizer que, por al-
guma razão, os padrões que uma autoridade pública deve aplicar não podem ser aplicados mecanica-
mente, mas exigem o uso da capacidade de julgar” (DWORKIN, 2002, p. 51). Quanto ao segundo
subtipo (sentido fraco-forte), este seria usado “apenas para dizer que algum funcionário público tem a
autoridade para tomar uma decisão em última instância e que esta não pode ser revista e cancelada por
nenhum outro funcionário” (DWORKIN, 2002, p. 51). Entretanto, no que tange ao segundo tipo (sen-
tido forte), seria este empregado para dizer que, em certos assuntos, por não haver uma ordem dirigindo
a decisão a ser tomada, não haveria limitações advindas de qualquer padrão proveniente de uma auto-
ridade, possibilitando-se uma grande margem de escolha. Em suas críticas, Dworkin afirma que Hart
teria utilizado a discricionariedade em seu sentido forte, por defender a prerrogativa do magistrado em
emitir quaisquer juízos de valores para resolver o caso. Sob esse aspecto, os padrões de escolha de um
magistrado, jamais estariam limitados por um direito preexistente. Para mais informações ver: DWOR-
KIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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O direito como integridade é uma construção dworkiniana que se contrapõe ao convencionalismo. As
bases sobre as quais ela se funda tomam como pressuposto a necessidade de que os juízes justifiquem
suas decisões conforme as interpretações passadas já realizadas. O mais importante em uma teoria
desse tipo é que seja dada a devida atenção aos questionamentos, às perguntas sobre os reais motivos
que teriam levado outros aplicadores anteriormente a proferir decisões sobre casos semelhantes. Para
mais informações, ver: DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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A relevância dessa integridade no ordenamento jurídico deve ser considerada observando-se “o prin-
cípio da stare decisis [decisão de acordo com os casos julgados]” (DWORKIN, 2002, p. 122), que é
essencial para o sistema Common Law.
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A metáfora do juiz Hércules já se mostra presente na obra Levando os Direitos a Sério (DWORKIN,
2002). Todavia, a intensificação dessa alusão metafórica ocorre de fato na obra O Império do Direito
(DWORKIN, 2003). Salienta-se, inclusive, ser a ideia do direito como integridade uma derivação do
modo de agir de Hércules diante dos casos difíceis (hard cases).
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percurso que abrange a busca de uma solução racional aos litígios envol-
vendo interpretação; o direito como objeto independente se transforma, en-
fim, em consenso interpretativo (MORRISON, 2012, p. 531).
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Depois de realizar uma releitura do conceito de textura aberta da linguagem apresentado por Wais-
mann, Noel Struchiner assim o definirá: “Por textura aberta da linguagem, Waismann pretende dizer
que os nossos conceitos empíricos não estão delimitados, de forma a priori, em todas as direções pos-
síveis. Os conceitos empíricos não apresentam uma definição exaustiva, ou seja, nenhum conceito se
encontra delimitado de forma que não surjam espaços para dúvida sobre o seu significado” (STRU-
CHINER, 2001, p. 11).
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Esses princípios, se vislumbrados da forma como explicitados por Dworkin, equiparar-se-ão também
à ideia bobbiana de norma geral inclusiva. Sob a perspectiva do italiano Norberto Bobbio, todas as
vezes que não seja encontrada uma solução na lei para determinado caso, deverá o impasse ser soluci-
onado com o auxílio de outras fontes do direito (costumes, analogia, etc.), fontes estas indicadas justa-
mente pela norma geral inclusiva. Para mais informações, ver: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordena-
mento jurídico. 6 ed. Brasília: UnB, 1995, p. 135.
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O significado da palavra “regra” deve aqui ser entendido no sentido dworkiniano, ou seja, como
critério de aplicação do direito de modo “tudo ou nada”.
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No original: “I am quite sure, never intended that judges have a strong sense of discretion. Of course,
neither did he intend them to have only discretion in the weak sense either. In fact, I wonder if there is
any weak sense of discretion. If I say to you, file these memos. How? Use your discretion, am I only
saying, I nominate you to do it? I believe that Hart would grant a moderate sense of discretion to judges:
that judges cannot decide a hard case just any way (hence they do not have strong discretion), but
within the parameters of the rules principles relevant to the case there is a legally unconstrained choice”.
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O positivismo legalista tem seu apogeu a partir do início do século XIX. Naquele tempo, a ideia de
um ordenamento jurídico completo, desprovido de lacunas e antinomias, dava força ao surgimento de
importantes correntes jurídicas, como por exemplo, a Escola da Exegese. A virada para o século XX,
entretanto, já vem trazendo consigo a superação dessa forma de se pensar o direito, que paulatinamente
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vai dando lugar àquilo que hoje se denomina positivismo jurídico analítico. Dentro desta corrente,
destacam-se expoentes como Bentham, Austin, Kelsen e Hart. Para mais informações, ver: BOBBIO,
Norberto. O Positivismo Jurídico - lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliese. São
Paulo: Ícone, 1995.
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5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011a.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 3 ed. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense, 2011b.
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BAHIA, Charles Nunes. A discricionariedade judicial à luz das teorias de Hart e Dworkin.
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BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico - lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pu-
gliese. São Paulo: Ícone, 1995.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Brasília: UnB, 1995, p. 135.
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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STRUCHINER, Noel. Uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao direito.
2001. 102 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ),
Programa de Pós-graduação em filosofia, Rio de Janeiro, 2001.
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Hegeler Institute, 1985, p. 388-402.