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A ATUAÇÃO POLÍTICA E INTELECTUAL DE MARIA LACERDA DE

MOURA A PARTIR DO PERIÓDICO A LANTERNA

Léia Patek de Souza (UNIOESTE)1

Resumo: Os anos finais da Primeira República brasileira foram marcados pela agitação
dos movimentos de trabalhadores, tanto de seus membros voltados a produção intelectual
quanto aos ativos nas ações diretas de organização e combate. Postos frente à um cenário
de ascensão do fascismo na Itália e Alemanha, e à organização significativa do
movimento fascista no Brasil pela Ação Integralista Brasileira (AIB) os ânimos dos
militantes e intelectuais se voltavam para combater o fortalecimento do fascismo. À luz
do exposto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir quem foi Maria
Lacerda de Moura, em especial sua atuação e produção política na década de 1930 no
movimento anarquista, antifascista e anticlerical. Professora, escritora e conferencista,
Maria Lacerda de Moura publicava com frequência matérias nos periódicos anarquistas e
anticlericais da época, sendo um deles A Lanterna. Afim investigar sua atuação política
no período, analisaremos alguns de seus textos sobre fascismo e anticlericalismo
presentes no periódico paulistano A Lanterna entre 1933 e 1935.
Palavras-chave: Maria Lacerda de Moura; Antifascismo; Anticlericalismo.

Maria Lacerda de Moura, Igreja e Anticlericalismo

O periódico anticlerical A Lanterna, produzido na cidade de São Paulo, possui


duas fases de publicação, 1901-1904 e 1933-1935, sendo objeto de nossa pesquisa a
segunda fase. Nesse periódico realizavam-se publicações quinzenais, sob a edição do
anarquista e anticlericalista Edgard Leuenroth. O material produzido era financiado
apenas pelos assinantes espalhados no território nacional, muitas vezes membros de ligas
anticlericais formadas em outros estados ou municípios, ou por simpatizantes da causa e
das discussões principais veiculadas pelo periódico no momento, sendo essas: a
constituinte e a crescente influência da Igreja no Estado laico republicano, a “Revolução
Paulista” de 1930, os movimentos fascistas internacionais e nacionais em ascensão e
consolidação, e discussões políticas e teóricas sobre clericalismo e anticlericalismo.
Nas páginas de A Lanterna o nome Maria Lacerda de Moura era recorrente. Seus
textos publicados no periódico tratavam, principalmente, dos temas: clericalismo e
fascismo, emancipação da mulher, capitalismo e teoria libertária. Suas publicações
realizadas em outros periódicos como A Plebe – periódico libertário - eram por vezes

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Graduanda em História – Licenciatura na Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
UNIOESTE. E-mail: leiapatek2@hotmail.com.

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reproduzidas nas páginas de A Lanterna. Também eram frequentes as divulgações de
conferências realizadas, ou ainda a realizar-se, por Maria Lacerda tanto no Brasil quanto
no exterior. Em sua maioria, essas conferências 1
É notável o prestígio aferido à autora e à sua atuação como anticlericalista pelos
redatores de A Lanterna. Nesse sentido, em razão do alcance amplo do periódico, do seu
público e seus contribuintes, compreendo o mesmo como um espaço de forte expressão
do movimento anticlerical no Brasil. Logo, a marcante presença de referências,
publicações e reproduções de escritos de Maria Lacerda de Moura em suas páginas,
demonstra a densidade representativa que sua figura e suas produções detinham no meio
anticlerical no momento. Dessa forma, compreende-se as obras publicadas de Maria
Lacerda de Moura como discussões mais contundentes e expressivas das análises e
posicionamentos de Moura presentes nos curtos textos de sua autoria em A Lanterna.
Maria Lacerda de Moura se insere no cenário político e social do período como
uma atuante escritora e educadora anarquista, de perspectiva individualista,
anticlericalista e antifascista. Nascida em maio de 1887 em Minas Gerais, ainda no
período da juventude Maria Lacerda muda-se para São Paulo onde se aproxima de várias
associações de militantes anarquistas e feministas. Frente a alguns conflitos de
posicionamentos ao longo dos anos, acaba por se afastar do meio de associações, mas
continuar sua produção escrita e a atuação como palestrante no Brasil e no exterior
falando sobre capitalismo e Estado, Fascismo e Igreja, emancipação da mulher, moral
sexual, família e maternidade.
Em especial, no período de publicação de A Lanterna em sua segunda fase (1932
– 1935) Maria Lacerda exerce uma significativa atuação em palestras de organização da
classe trabalhadora sobre o tema Fascismo e Clericalismo, com vistas a instruir a classe
trabalhadora sobre os perigos e as possíveis origens do fascismo que assolava a Europa e
emergia no Brasil, publicações de obras e matérias em periódicos libertários como A
Plebe e O Combate.
É importante entendermos o contexto em que as obras e as discussões realizadas
por Maria Lacerda de Moura se inseriam para compreender os rumos que a pesquisa
tomará. De início vale pensarmos que em 1930 no Brasil, a república havia sido
estabelecida há apenas 41 anos, o que em tempos históricos é ainda um espaço de tempo
pequeno dado aos vários processos políticos e sociais que recebem influência desse fato.

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Com a proclamação da república, uma das alterações fundamentais para pensarmos sobre
nosso tema é a situação da Igreja Católica. Ligada oficialmente ao Império do Brasil até
1889, a Igreja Católica era parte do Estado, sendo assim sua área de influência política e
prestígio ocupavam níveis altos na sociedade. Com a proclamação da república em 1889
o Estado passa a ser laico, e a Igreja Católica como instituição é excluída do espaço
político estatal. Esse processo altera o modus operandi da Igreja e aquece seus ânimos
afim de recuperar essa esfera de influência que ora ocupou no Império.
Além de requerer o espaço de influência política dentro do Estado, a Igreja passa
por um processo de busca de uma moral religiosa católica mais ativa no meio social que
defenda os interesses cristãos aos moldes católicos dentro do desenvolver da integralidade
da vida social, uma vez que sua predominância também era fragilizada pela inserção do
protestantismo no território nacional, ou seja, a Igreja se vê como fator indispensável pra
o bom desenvolvimento da sociedade política e socialmente e atua por variados meios
para defender esse ideal e disseminá-lo à seus fiéis em busca de apoio. Esse processo se
vincula ao cenário internacional da Igreja Católica Apostólica Romana vivenciado na
Itália, onde com a consolidação do Governo Fascista de Mussolini em 1922, após um
período de distanciamento, em 1929 a religiosidade católica passa a figurar como parte
essencial do discurso moralista de Mussolini após selarem um acordo entre as partes
conhecido como Tratado de Latrão, onde Mussolini concede a criação do estado do
Vaticano sob total domínio da Santa Sé e regulamento a posição da Igreja dentro do
Estado.
A relação que se estabelece entre fascismo e clero na Itália se desdobra numa
influência pela defesa de determinados interesses do clero no Brasil que irão aproxima-
lo dos ideais defendidos pela Aliança Integralista Brasileira (AIB) “Deus, Pátria e
Família”. Sob esse lema Plínio Salgado libera o movimento de identificação fascista
brasileiro conhecido como Integralismo. No ideário popular o Integralismo existe desde
1926 a partir da atuação política e intelectual de Plínio Salgado, posteriormente se
expandindo, atraindo outros representantes centrais e organizando oficialmente a AIB em
1932, o que denota expressividade do período no que tange a discussões acerca do
fascismo nacionalmente por Maria Lacerda de Moura, o movimento anticlerical,
anarquista e a própria consolidação de um movimento antifascista nacional mais
expressivo ao longo dos anos de 1930.

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Ao que tange o movimento anticlerical sua atuação pode ser vinculada à própria
consolidação da República. O Estado laico não necessariamente excluía o todo da
influência da Igreja Católica dos assuntos públicos, e a tentativa de reinserção era
percebida por sujeitos de iniciativa anticlerical que acabam por fomentar já em 1901 a
criação de Ligas Anticlericais e a abertura de periódicos afim de combater a expansão do
clericalismo no Estado brasileiro e informar e formar outras pessoas sobre os perigos que
viam nessa relação entre Igreja e Estado, e por vezes na própria religião como um todo.
Após um período de repressão estatal aos movimentos sociais, em 1930 essas ligas
anticlericais e movimentos libertários começam a se reorganizar e, devido a rápida
emergência dos movimentos e governos fascistas nacional e internacionalmente, um dos
focos principais de suas preocupações é o fascismo. Ao escreverem sobre o fascismo com
intenções de identificar suas raízes, efeitos e bases de apoio, o movimento anticlerical vai
dar destaque à atuação da Igreja Católica como parte crucial no auxilio e viabilização da
emergência do Fascismo, parte em razão da moral cristã presente na sociedade.
Trabalhar com a atuação de Maria Lacerda – suas obras escritas e suas palestras e
conferências - remete ao trabalho de analisar a construção intelectual de um sujeito que
parte de um todo social. Não apenas sendo fruto de seu meio e o compreendendo, o
intelectual o interpreta, descreve e busca explicações, a partir de sua posição social, seus
preceitos subjetivos, posicionamentos políticos e filosóficos, sobre a realidade social em
que se insere. Essa função detém uma relevância social significativa. Segundo Leandro
Konder (2009, p. 77):
Os artistas e intelectuais têm uma situação delicada e complexa em sua
relação com a sociedade capitalista, seu Estado e seu mercado. Eles
têm uma função social específica, que é a de elaborar representações
ou interpretações capazes de enriquecer a autoconsciência da
humanidade em casa época, em cada país, possibilitando aos homens
reconhecerem melhor, sensível e/ou intelectualmente, a sua própria
realidade.

Apesar de anticlerical ferrenha, Maria Lacerda de Moura tinha preceitos religiosos


nos quais se baseava. Na infância tendo sido por um curtíssimo período de tempo cristã,
em razão do colégio que frequentava, Maria teve país anticlericais e espíritas o que
contribuiu para seu rápido afastamento da influência cristã se dirigindo ao espiritismo no
qual permanece como adepta por mais tempo. Já em fase adulta e iniciando sua militância
anarquista e anticlerical Maria Lacerda de Moura, ao estabelecer contato com José
Oiticica que se torna uma grande influência em sua vida política, Lacerda passa a estudar

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a praticar o esoterismo. A trajetória de Maria Lacerda nos demonstra uma variedade
dentro do próprio movimento anticlerical, nem todos os membro das Ligas Anticlericais
espalhadas pelo país eram antirreligiosos ou ateus, mesmo que a predominância do
movimento anticlerical brasileiro, de forte caráter anarquista, seja de ateus que se
posicionam contra toda religião (RUDY, 2017).
O periódico A Lanterna e seu corpo editorial, ao republicarem, mencionarem,
elogiarem e publicarem textos e atuações de Maria Lacerda, no meio político auxiliavam
na construção e reafirmação de Maria Lacerda de Moura enquanto uma intelectual
política do meio anticlerical. Esse processo influenciava tanto para os militantes e
simpatizantes da causa que já a conheciam, reforçando sua influência na formação de
opiniões do meio anticlerical, quanto para publicizar o nome da militante anticlericalista
e anarquista para demais estratos da sociedade que obtinham acesso à essas discussões.
Isso se dá inclusive pelos adjetivos utilizados para se referir à mesma.

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Figuras: As imagens apresentam recortes de edições do periórico A Lantera onde é
tratado de Maria Lacerda de Moura para exemplificação (grifos nossos).

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Considerações Finais

A forma como o periódico A Lanterna elucida as produções escritas e conferências de


Maria Lacerda de Moura, somados aos modos de tratamento à autora que apresentam em
suas matérias, transparecem uma afirmação de Maria Lacerda como intelectual
prestigiada no meio anticlerical. Isso posto, percebe-se que para o corpo editorial a
relevância intelectual e política de Maria Lacerda de Moura já é solida, dessa forma, ao
passo que inserem frequentemente a autora nos textos publicados pelo periódico também
realizam o exercício simbólico de construção de um discurso sobre a mesma que, não só
transparece o prestigio que o meio anticlerical já detém por ela, mas promove sua imagem
de intelectual prestigiada para o restante de seu público.

Referências

A LANTERNA. São Paulo, 1933-1935. Centro de Documentação e Memória (CEDEM)


Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo.

KONDER, Leandro. Introdução ao Fascismo. 2. Ed. Sçao Paulo: Expressão popular,


2009.

LEITE, Miriam Moreira. Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura. São Paulo:
Ática, 1984.

PARGA, Francisca Rafaela. “Contra a Semente da Desordem”: Imprensa Católica e


Fascismo Fortaleza/CE (1922-1930), 2012. 131 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.

RUDY, Antonio Cleber. O Anticlericalismo sob o Manto da República: Tensões


Sociais e Cultura Libertária no Brasil (1901-1935), 2017. 310 f. Tese (Doutorado) –
Curso de História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

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