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The Politic and the Religious: the relation between integralism and Catholicism in the
1930s
Giselda Brito Silva*
Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-
0752-4590
Resumo Abstract
In this paper we deal with the relationship between
Neste trabalho tratamos da relação do Integralismo
Integralism and the Catholicism in the 1930s in the
com o Catolicismo na década de 1930 no trabalho
propaganda and expansion of Brazilian Integralist
de propaganda e expansão da Ação Integralista
Action in the state of Pernambuco, characterizing
Brasileira no estado de Pernambuco,
one of the specificities of the brazilian conservative
caracterizando uma das especificidades do
right movement in the first half of the 20th century.
movimento da direita conservadora brasileira na
primeira metade do século XX.
Palavras-chave Keywords
Integralismo, Catolicismo, Integralism, Catholicism, Anti-
Anticomunismo communism
1. Introdução
Naquele momento, os líderes católicos defendiam que sua Igreja não deveria
participar de atividades político-partidárias, nem seus sacerdotes, nem as organizações
eclesiais. Essa tarefa caberia aos leigos, que seriam até estimulados para a militância
política, evitando-se desta forma que a Igreja ficasse dependente de algum regime ou
partido político e colocasse em questionamento certas decisões e posições do Papa. Essas
contradições entre os interesses do Integralismo e da Igreja, contudo, são reformulados e
redefinidos na primeira metade do século XX, particularmente nos anos da década de
1930, quando o Estado e a Igreja se aproximam no campo da militância política,
particularmente pela relação da Ação Integralista Brasileira com a Ação Católica
Brasileira, definida por interesses comuns, especialmente na luta contra as ideias
comunistas e propagação da fé católica.
Na década de 1930, circulava em revistas católicas discursos da restauração
católica, anticomunista, antimaçonaria e antimaterialista, temas que se aproximavam
bastante dos discursos do Chefe nacional dos integralistas, ainda que se mostrassem
cautelosos num acordo mais formal com a política integralista. Já os jornais integralistas
faziam questão de defender a relação da AIB com a doutrina católica, destacando o
pensamento da “revolução espiritualista” de Plínio Salgado como o mais coerente com os
anseios de uma classe. 22
De modo geral, observa-se alguns membros da Igreja assumindo posição
integralista e outros mais discretos, usando a camisa-verde por baixo da batina. Os
intelectuais católicos, por outro lado, seria o grupo de intermediação e consolidação desta
relação em Pernambuco e em outros estados. Este grupo identificava os inimigos do
catolicismo em vários lugares e dissertavam sobre a crise dos valores morais e da família,
no avanço de novas ideias. No campo político, viam ameaça nos intelectuais defensores
das ideias marxistas e entre as esquerdas do Brasil; no campo religioso, entre os
protestantes, entre as religiões de descendência africana e no espiritismo, considerados
inimigos da fé católica. Mas, o inimigo central do Integralismo e do catolicismo, na
década de 1930, apontado como principal responsável pela aliança da Igreja com a Ação
Integralista, no estado de Pernambuco, Ceará e outros estados, foi a disseminação do
avanço da ideologia comunista, conforme veremos ao longo deste trabalho.
22 “Integralismo não é extremismo! O discurso do sr. Bispo de Campinas”. Jornal Offensiva, 15 de julho
de 1936.
Silva. O Político e o Religioso: a relação do integralismo com o catolicismo nos anos
1930 89
A onda espiritualista que deveria guiar e orientar as massas para o bem da nação
circulava entre os intelectuais da época. Pela revista A Ordem, alguns defendiam ser
“inútil tentarmos influir no governo do paiz, christianizando a nação e o Estado, sem
possuirmos uma elite realmente adextrada que esteja em condições de pôr em movimento
as grandes massas eleitoraes, em torno de nossas ideias constructoras”29. Tanto entre os
integralistas, quanto nos meios católicos, temos a imbricação dos discursos anticomunista
e antiliberal revelando a intertextualidade dos seus jornais de propaganda doutrinaria
anticomunista e antiliberal. Em 23 de maio de 1934, A Tribuna Religiosa, jornal que
posteriormente mudou seu nome para A Tribuna, expressava sua luta contra a “onda do
materialismo”, que atingia até a vida sexual das famílias:
A onda grosseira do materialismo invadindo os nossos meios, ora
manifestada no pansexualismo Freudiano de alguns literatos, ora na
franca propaganda marxista de certos intelectuaes fracassados que
tentam embair o proletariado nacional, ora ainda no ´Esplendido
Isolamento´ da nossa burguesia agnóstica e gosadôra, apareceu no
cenário político-social brasileiro o movimento integralista.
O Padre Helder Câmara, conforme já destacamos, foi outra figura religiosa de que
teve grande atuação no doutrinamento de católicos para ingresso nas fileiras integralistas.
Como Secretário do Departamento dos Estados da A.I.B., na Província do Ceará, em
1934, ele fez várias viagens para propagação da ideologia integralista. Algumas de suas
visitas ao Recife sempre resultava em novos adeptos para os núcleos do Estado, conforme
se divulgava no Jornal Pequeno, jornal que atuava como porta-voz dos integralistas no
estado com matérias que divulgavam a visita do padre Helder Câmara dias antes de sua
chegada à cidade do Recife. O mesmo jornal voltava ao tema, divulgando o número dos
novos adeptos do movimento, resultado do evento com sua participação:
Quando os integralistas anunciaram a passagem do Padre Helder
Câmara por esta cidade, esta noticia despertou geral satisfação pelo
desejo de todos de ouvirem a palavra do ilustre sacerdote camisa-verde.
O Padre Helder Câmara é uma das vozes mais autorizadas do
integralismo no Norte do Brasil, mercê da sua profunda cultura
phylosophica posta a serviço da causa que o empolgou. [...] as
conferências do Padre Helder Câmara atrahiram numerosas assistências
que foram ouvir sua palavra clara e enthusiastica sobre a doutrina do
Sigma. [...] elle sentiu como explodia enthusiasticamente o sentimento
de brasilidade dos pernambucanos em contacto com as idéas sadia do
nacionalismo que os ‘camisas verdes’ pregam. 32
Segundo Aina Sadek (1978, p.100), na década de 1930, momento de expansão das
ideias integralistas, a Igreja católica conseguiu uma separação do Estado que lhe deu certa
autoridade na atuação da doutrina social. Para a autora, a origem desse momento se dá
com a ‘reação espiritualista’ de Centro Dom Vital, em 1873, quando a Igreja declara sua
posiçao ‘antiliberal, antimaçônico, negador do ecletismo’, promotora de uma nova ação
pastoral. Também, em 1888, se destacou a figura de Júlio Maria, um advogado que se
converteu ao catolicismo e se transformou num defensor extremado do que Jackson de
Figueiredo chamou de ‘reação católica’.33
A partir destes eventos, os católicos assumem uma militância em defesa da fé
católica. No plano nacional, com ênfase no Rio de Janeiro e São Paulo, era um momento
de “verdadeira ‘militância católica’”, na qual se destacaram o pensamento de Farias de
Brito (1862-1917); Padre Leonel Franca (1893-1948), influente nos meios acadêmicos
católicos; Jackson de Figueiredo (1891-1928), considerado ‘o maior panfletário dos anos
20’, com ele se acentuam os ideários do humanismo cristão e canalizador de todas as
manifestações da ‘reação espiritualista’ no campo político, que ganhou corpo nos anos
30, através da doutrina integralista. Com a fundação da Revista A Ordem, em 1921, a
Ação Católica Brasileira, entidade do apostolado leigo e também do movimento católico
nas universidades católicas, cria-se o ambiente para o Instituto Católico de Estudos
Superiores, que também concentram intelectuais da reação católica.34
São estes intelectuais católicos, portanto, que encontraram no pensamento político
e ideológico de Plínio Salgado um caminho político para sedimentar a “reação católica”.
Em 7 de julho de 1937, o Jornal Pequeno publicou várias notas de bispos, que
expressavam publicamente suas críticas ao regime da liberal-democracia e ao
comunismo, apontando o movimento integralista como a solução dos problemas
nacionais. O momento da sucessão presidencial teve, portanto, um clima bastante
favorável à candidatura de Plínio Salgado, que não chegou à presidência por conta do
golpe do Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas. Na sequência Plínio Salgado é
enviado para o exílio em Portugal.
5. Integralismo e catolicismo
No ano de 1937, antes do exílio de Plínio Salgado, seus discursos e imagem eram
centrais no campo político e religioso. A aliança entre integralismo e catolicismo
circulava nos jornais de ambos os lados. Alguns bispos, que se pronunciam em defesa do
integralismo, chegaram a fazer pronunciamentos públicos em sua defesa e do movimento,
considerado uma força espiritual de grande relevância na defesa dos valores tradicionais
da Igreja: "No momento gravíssimo que atravessamos, o Integralismo é uma força viva
em defesa dos fundamentos morais da Pátria brasileir”35. Vários deles se pronunciam
publicamente em defesa do pensamento espiritual de Plínio Salgado e do integralismo por
ocasião da sua candidatura à Presidência da República:
Plínio Salgado, espírito inteligente e culto, orientado por sólidos
princípios catholicos, e em cujas actividades transparece a profunda e
segura visão de sábio sociólogo e sincero patriota, desejoso de bem
servir á causa de Deus, da pátria e da família, trilogia base insubstituível
de todo systema que não se nutre de utopias, nem transige com as
ambições de interesse pessoal.”36
34 Idem.
35 “Episcopado Brasileiro e o Integralismo”. Francisco, Bispo de Campinas. (D´A UNIÃO. Rio de Janeiro,
edição de 27 do mês passado). Jornal Pequeno. Recife, 07 de julho de 1937. p.1.
36 Luiz, Bispo de Bragança. Jornal Pequeno. Recife, 07 de julho de 1937.
Plínio Salgado teve, portanto, amplo apoio nos meios católicos. Seus discursos
circulavam entre a intelectualidade católica como formulas de solução dos problemas da
fé e da nação:
O medo das ideias de esquerda era fortemente estimulado pelos discursos, que
alertavam contra os perigos da ideologia comunista que avançava devido os “erros do
liberalismo: “Assim creio que só a democracia integral será capaz de redimir o Brasil dos
erros do liberalismo e de subtrail-o ao perigo do communismo, que, na verdade, tem
naquelle o seu melhor caldo de cultura. O communismo é o liberalismo na desenvoltura
dos seus postulados internos”. 44 Para Padre Leopoldo Ayres, o liberalismo era a causa de
todos os males, inclusive responsável pelo avanço do comunismo e outros projetos
estrangeiros no país. Em sua interpretação da realidade política daquele momento, a
proposta integralista representava uma “verdadeira fórmula de salvação”. Entre os
católicos não havia uma associação do integralismo com o fascismo e o nazismo. Dizia-
se que era um movimento diferente daqueles que circulavam na Europa, que era nacional
e a “salvação do Brasil”:
Organizado o Estado na base da representação corporativa, respeitando
a hierarchia natural dos valores. Consagrando o primado espiritual,
humanizando a economia, cancelando o partidarismo nefasto,
orientando a educação para um sentido integral, sem as mutilações do
covarde agnosticismo liberal, subordinando afinal todos os interesses
individuaes e grupaes á suprema finalidade do bem comum é,
realmente, o bem da pessoa humana, a democracia integral, que repousa
na trilogia – Deus- Pátria- Família- é a única formula de salvação para
o Brasil. 45
Outros depoentes diziam que a proposta integralista teve força na família porque
defendia os valores tradicionais, que eram percebidos como ameaçados pelo avanço das
ideias novas de modernidade e das esquerdas. Mas, entre eles, os discursos antiliberais e
anticomunistas estavam sendo retornando como a problemática central. A liberal
democracia era considerada fraca e a causa dos problemas:
Imagine leitor, um funcionário de repartição publica, muito bom
cumpridor dos deveres do oficio, que, entretanto, no seio de sua própria
família não exerce o necessário controle, nem dispensa aos seus filhos
a assistência paterna de que eles necessitam [...] Ora, o retrato desse
funcionário publico, preocupado com sua burocracia e indiferente
àqueles que estão naturalmente sob sua guarda – é o próprio retrato do
Estado-Liberal Democrático [...] porque, na realidade, si nos
encontramos no sistema liberal-democrático a mesma indiferença, o
mesmo descaso, a mesma incompreensão de funções, a mesma falta de
autoridade, a mesma incompetência na direção dos destinos sociais da
Nação [...] o que temos visto no Brasil? Um regimen onde todas as
deshonestidades encontram campo aberto. Onde o comunismo avança
como um mau. Ancoradouro propicio a todas as irresponsabilidades
políticas e administrativas. Hipocrisia política encobrindo manejos e
expedientes inconfessáveis. Completa adaptabilidade ao jugo do ouro
judeu, extrangeiro (sic) ou internacional. 47
um choque, mas se dissesse que ela tinha sido deflorada o choque era
maior ainda. Havia essa mística da virgindade. As famílias tinham
muito cuidado com as moças, havia muita vergonha de um escândalo.
A religião com um poder fantástico [...] vivia-se em função dela, ela
que orientava as moças a se resguardar. Teve um padre em Bezerros
que acabou com toda a vida social que não fosse dentro da Igreja [...].
Depois eu compreendi que era a Igreja querendo combater o
comunismo. Apoiamos. O comunismo era aquela coisa degenerada, do
ponto de vista sexual. A família estava em perigo com tudo aquilo. Eu
não lembro bem como o integralismo chegou, só sei que todo mundo
foi aceitando porque era bom, porque vinha na defesa da família. 49
7. Referências
CHAUI, Marilena. “Notas sobre o pensamento de conservador nos anos 30: Plínio
Salgado”. In: MORAES, Reginaldo et al. (Orgs.). Inteligência brasileira. São Paulo:
Brasiliense, 1986.