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ISSN: 1981-9862

O Político e o Religioso: a relação do integralismo com o catolicismo nos anos 1930

The Politic and the Religious: the relation between integralism and Catholicism in the
1930s
Giselda Brito Silva*
Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-
0752-4590

Resumo Abstract
In this paper we deal with the relationship between
Neste trabalho tratamos da relação do Integralismo
Integralism and the Catholicism in the 1930s in the
com o Catolicismo na década de 1930 no trabalho
propaganda and expansion of Brazilian Integralist
de propaganda e expansão da Ação Integralista
Action in the state of Pernambuco, characterizing
Brasileira no estado de Pernambuco,
one of the specificities of the brazilian conservative
caracterizando uma das especificidades do
right movement in the first half of the 20th century.
movimento da direita conservadora brasileira na
primeira metade do século XX.
Palavras-chave Keywords
Integralismo, Catolicismo, Integralism, Catholicism, Anti-
Anticomunismo communism

* Doutora em História pela UFPE. Professora Associada do Departamento de História da Universidade


Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). E-mail: giselda.brito@gmail.com.
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1. Introdução

Na história do Integralismo brasileiro é conhecida sua relação com membros da


Igreja católica, particularmente intermediada pelos intelectuais católicos, em geral
membros das Faculdades de Direito da década de 1930 e representantes das famílias
tradicionais da sociedade brasileira. Em 1932, momento do lançamento da Ação
Integralista Brasileira (AIB) por Plinio Sagado, o “Manifesto de Outubro de 32” foi
recepcionado e divulgado por intelectuais, bacharéis e católicos em várias partes do
Brasil. Este grupo tomava para si o debate dos problemas brasileiros, e viam na ideologia
do integralismo uma resposta à crise do liberalismo e temor do avanço das ideias
comunistas.
A relação do integralismo com o catolicismo foi consolidada pelos discursos da
“revolução espiritualista” de Plínio Salgado nos primeiros anos da criação da AIB. Mas,
outros membros do integralismo também trabalharam nesta relação. Gustavo Barroso em
1937, lançou uma obra representativa, intitulada “Integralismo e Catolicismo”. A meta
de Barroso, um intelectual assumidamente católico e líder do Integralismo, foi consolidar
a proposta da doutrina social da Igreja dentro do movimento integralista, além de
disseminar entre os católicos sua ideia de nação e identidade no âmbito da Restauração
Católica. Com a obra, Gustavo Barroso buscava ainda conseguir mais apoio dos católicos
para a candidatura de Plínio Salgado à Presidência da República, que ocorreria naquele
ano, além de avançar no combate às esquerdas também considerados inimigos dos
católicos.
De acordo com Dantas (2015, pp.249-250):
Barroso estaria buscando, assim, pôr em paralelo o pensamento
integralista e o da Restauração Católica, fazendo-os caminhar
aparentemente juntos, pois sua leitura sobre o movimento católico, que
buscava sacralizar o político, obedece às suas próprias regras e
demandas.
[...]
A produção de Integralismo e Catolicismo está mergulhada numa ampla
tradição de textos canônicos nos quais Barroso não apenas se embasou,
mas que quis superar, de modo a legitimar a sua concepção particular
de projeto autoritário de nação, retomando ideais como anti-
individualismo, a defesa da propriedade privada, o culto da unidade, da
tradição e da desigualdade natural entre as classes.

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Naquele momento, os líderes católicos defendiam que sua Igreja não deveria
participar de atividades político-partidárias, nem seus sacerdotes, nem as organizações
eclesiais. Essa tarefa caberia aos leigos, que seriam até estimulados para a militância
política, evitando-se desta forma que a Igreja ficasse dependente de algum regime ou
partido político e colocasse em questionamento certas decisões e posições do Papa. Essas
contradições entre os interesses do Integralismo e da Igreja, contudo, são reformulados e
redefinidos na primeira metade do século XX, particularmente nos anos da década de
1930, quando o Estado e a Igreja se aproximam no campo da militância política,
particularmente pela relação da Ação Integralista Brasileira com a Ação Católica
Brasileira, definida por interesses comuns, especialmente na luta contra as ideias
comunistas e propagação da fé católica.
Na década de 1930, circulava em revistas católicas discursos da restauração
católica, anticomunista, antimaçonaria e antimaterialista, temas que se aproximavam
bastante dos discursos do Chefe nacional dos integralistas, ainda que se mostrassem
cautelosos num acordo mais formal com a política integralista. Já os jornais integralistas
faziam questão de defender a relação da AIB com a doutrina católica, destacando o
pensamento da “revolução espiritualista” de Plínio Salgado como o mais coerente com os
anseios de uma classe. 22
De modo geral, observa-se alguns membros da Igreja assumindo posição
integralista e outros mais discretos, usando a camisa-verde por baixo da batina. Os
intelectuais católicos, por outro lado, seria o grupo de intermediação e consolidação desta
relação em Pernambuco e em outros estados. Este grupo identificava os inimigos do
catolicismo em vários lugares e dissertavam sobre a crise dos valores morais e da família,
no avanço de novas ideias. No campo político, viam ameaça nos intelectuais defensores
das ideias marxistas e entre as esquerdas do Brasil; no campo religioso, entre os
protestantes, entre as religiões de descendência africana e no espiritismo, considerados
inimigos da fé católica. Mas, o inimigo central do Integralismo e do catolicismo, na
década de 1930, apontado como principal responsável pela aliança da Igreja com a Ação
Integralista, no estado de Pernambuco, Ceará e outros estados, foi a disseminação do
avanço da ideologia comunista, conforme veremos ao longo deste trabalho.

22 “Integralismo não é extremismo! O discurso do sr. Bispo de Campinas”. Jornal Offensiva, 15 de julho
de 1936.
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2. Intelectuais e católicos de Pernambuco: a recepção do “manifesto de outubro


de 32”

Em Pernambuco, os intelectuais católicos que lideraram as primeiras propagandas


eram bacharéis, professores e alunos da Faculdade de Direito do Recife e outros que
ocupavam cargos públicos e de prestígio no estado. Em geral, pertenciam a famílias
tradicionais e católicas, declaradamente anticomunistas, adeptos de um catolicismo
militante no campo da educação e da doutrina conservadora que combatia ideias de
esquerda comunista.23
A Igreja católica, na década de 1930, também temia o avanço das ideias
comunistas, posicionando-se em defesa do movimento integralista, cujo lema era “Deus,
Pátria e Família”. Desta forma, vamos perceber na documentação do movimento e jornas
da época um forte elo entre eles, unidos por ideais que os aproximavam. A Igreja,
contudo, agia e se posicionava com cautela em relação aos compromissos exigidos pelo
Integralismo, os líderes alertavam seus membros para evitar participação pública em
atividades político-partidárias extremistas. Entretanto, apesar das determinações da
doutrina da Igreja, padres e intelectuais católicos aceitaram o chamado do então arcebispo
de Olinda e Recife, Dom Sebastião Leme, contra a “inação dos católicos no Brasil”,
aceitando a convocação para uma ação militante, politicamente posicionada nos embates
entre a direita e a esquerda, declarando-se simpáticos ao integralismo (GUERRA, 1983.
p.12).
É, portanto, com apoio dos intelectuais e católicos militantes que o integralismo
avança na sociedade pernambucana, assumindo uma posição ofensiva contra as esquerdas
comunistas. Jackson de Figueiredo, militante católico, através da revista A Ordem,
circulava e propagava os discursos integralistas, particularmente destacando o lema do
movimento: “Deus, Pátria e Família”, e com isso, convocando as famílias tradicionais e
católicas e assumirem uma posição mais atuante na defesa dos valores integralistas.
Naquele momento, a sociedade convivia com discursos de avanço das ideias de esquerda,
em geral propagados por intelectuais católicos, enquanto grande ameaça aos valores da
família e da Igreja. Muitos deles reproduziam os discursos da “revolução espiritualista”

23 “A visita do escritor Plinio Salgado ao Recife – Conferência na Faculdade de Direito”. Diário de


Pernambuco. Recife, 01 de agosto de 1933.

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de Plínio Salgado, como única possibilidade de combate às esquerdas propagadas como


diabólicas no seu agir e pensar (SALGADO, 1982).
Segundo Otto Guerra, Jackson de Figueiredo foi considerado um dos precursores
do integralismo e fonte de inspiração de Plínio Salgado. Ele faleceu em 1928, mas,
deixara mensagens que relacionavam a nova reação católica militante com o integralismo.
Seu sucessor, o líder católico Alceu Amoroso Lima, assumiu a missão de continuar
“doutrinando os moços nos ideais da nação e da fé católica”, no campo da militância
católica. Em Pernambuco, da mesma forma em outros estados, o ponto de encontro desta
nova geração, doutrinados no catolicismo militante, era nas congregações marianas, nas
escolas e nas faculdades, educados por padres jesuítas (GUERRA, 1983, p.12).
Em Minas Gerais, Olbiano de Melo era um dos líderes da renovação católica no
estado, assumindo também a missão de militar em nome do catolicismo e no combate a
seus inimigos. Na época, ele idealizava um partido sindical nacionalista, com base numa
doutrina social católica. Assim como os demais intelectuais católicos, Olbiano de Melo
foi orientado pela Rerum Novarum e pelo Quadragéssimo Anno, difundida pelos jesuítas
e pela CMMA (Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica). Entre eles, o tema da
realidade e dos problemas do país começaram a fazer parte do debate nos encontros
organizados por vários movimentos e ações católicas (GUERRA, 1983). A proposta da
AIB passa a ser recepcionada por eles como um caminho para respostas a seus anseios,
ao seu projeto de nação católica.
No Recife, os acadêmicos da Ação Universitária Católica, educados pelos jesuítas,
também foram os responsáveis pela recepção do Manifesto Integralista. Em resposta,
criaram o “Manifesto do Recife”, circulando suas ideias para outros estudantes e
acadêmicos da cidade. Na Faculdade de Direito do Recife, a cópia e reprodução do
Manifesto de Outubro de 32 da AIB foi distribuída pela Corporação dos Acadêmicos da
Faculdade de Direito. Em 16 de maio de 1932, os estudantes e professores lançaram o
“Manifesto do Recife”, em apoio a Plínio, tendo como redator Álvaro Lins e subscrito
por Nilo Pereira, Otto Guerra, Jorge Oliveira e João Roma, com apoio de outros. Em
novembro de 32, este grupo se reuniu num dos apartamentos do Hotel Parque, na Rua do
Hospício, onde se encontrava um enviado de Plínio Salgado, de sobrenome Giudice e
outras pessoas para discutir os encaminhamentos para a propagação da ideologia
integralista. Segundo Otto Guerra, ele ficara encarregado de redigir um Manifesto para
dar apoio a Plínio e colher assinaturas de alguns colegas em curto prazo para dar base ao
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Manifesto, ficando a revisão do texto final do “Manifesto do Recife” para o Professor e


Jornalista católico Luiz Delgado (GUERRA, 1983).
Ainda pelas memórias de Otto Guerra, os primeiros que leram o Manifesto e
assinaram foram: Andrade Lima Filho, que viria a ser o Chefe Provincial de Pernambuco,
Américo de Oliveira Costa, leitor e debatedor das ideias e obras de Alceu Amoroso Lima,
e que viria a ser Professor da Faculdade de Direito do Rio Grande do Norte. João Roma,
também católico militante e acadêmico de Direito, que depois se tornaria Deputado
Federal por Pernambuco, quando a Ação Integralista Brasileira foi extinta. Álvaro Lins,
correspondente de Alceu Amoroso Lima, Embaixador do Brasil em Portugal e membro
da Academia Brasileira de Letras, e João Carlos Dias da Silva, que se dizia monarquista.
Todos assinaram o Manifesto Integralista, segundo muitos deles, pelas proximidades das
ideias e da relação entre Brasil e Portugal, entre o Integralismo brasileiro e o lusitano,
defendido por António Sardinha e Hipólito Raposo.

3. O “manifesto do recife” e a congregação mariana dos moços acadêmicos

O Manifesto integralista do Recife, foi publicado no Diário de Pernambuco em 24


de novembro de 1932, e teve como apoiadores os membros da Congregação Mariana dos
Moços Acadêmicos (CMMA). Em sua maioria, eram jovens doutrinados pelo Padre
jesuíta António Paulo Ciríaco Fernandes, declarado antiliberal e anticomunista. Outro
propagador do integralismo entre os católicos foi o Padre Helder Câmara. Sua passagem
pelos comícios integralistas do Recife, geralmente, resultava em novas adesões das
famílias católicas. 24
Pelos debates, podemos perceber que havia algumas contradições entre a
ideologia integralista e a doutrina cristã que orientava a propagação da fé católica na
sociedade dos anos 1930. Uma questão central entre eles era o fato de Plínio Salgado ter
declarado que não precisa ser católico para aderir ao movimento, abrindo espaço para
outras religiões, só não podia ser ateu, dizia ele. A posição de alguns jornais integralistas
contra Maritan também causou certo mal-estar entre católicos religiosos, seguidores de
Alceu Amoroso Lima. Plínio Salgado não participava da campanha antissemita, mas,

24 “A Marcha para a vitória do Sigma em Pernambuco: as conferências do Padre Helder Câmara em


Recife”. Jornal Pequeno, Recife, 12 de setembro de 1934.

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havia no movimento alguns seguimentos que incomodavam a Igreja, como a ala de


Gustavo Barroso, conhecido pela sua posição antissemita.
Entretanto, apesar destes pontos de confronto, considera-se que a Ação
Integralista teve grande recepção e apoio dos católicos em vários estados do país,
particularmente dos jovens e doutrinadores católicos pertencentes à Igreja Católica
militante. Para muitos intelectuais e católicos, Plínio Salgado oferecia as bases
fundamentais de um projeto político-doutrinário forte contra o comunismo, contra o
liberalismo e colocava a fé católica no centro dos debates políticos, dando rumo à
militância dos congregados marianos e outros. Os discursos de Plínio Salgado, em defesa
de uma “Revolução Espiritualista” era o que mais circulava como “uma mística, a
pregação de uma revolução interior”, atraindo com isso muitos católicos militantes.25 O
lema do movimento: “Deus, Pátria e Família”, eram bastante citado numa sociedade
conservadora e tradicional, que temia o avanço das ideias da esquerda comunista e
almejava a “Restauração Católica”, num momento político de crise das ideologias e
avanço de propostas de esquerda e direita, no clima pós grande guerra e na eminencia de
outra.
Por outro lado, segundo Maria das Graças Ataíde Andrade de Almeida (2001,
p.73), desde os anos 20, e particularmente nos anos 30, o país vivia uma “verdadeira
revitalização do catolicismo no Brasil, através da formação de um grupo de intelectuais
fiéis aos preceitos romanos, e que tornariam, nos anos 30 fiéis escudeiros na luta contra
o Estado laico”. O combate a outras religiões que avançavam na sociedade brasileira
também serviu de aproximação entre integralistas e católicos. Gustavo Barroso era um
dos combatentes da propagação da fé protestante no Brasil, além da fé judaica,
localizando nestas religiões desvios da doutrina social cristã católica. Segundo ele, o
protestantismo negava o livre arbítrio e aceitava a predestinação, contrariando não só a
doutrina da Igreja como a doutrina integralista que, segundo ele, admite e defende a
liberdade e dignidade humana:
A Igreja Católica possue um corpo de doutrina social estatuído
sobretudo nas duas grandes Encíclicas, ‘Rerum Novarum’ e
‘Quadragésimo Anno’ [...] vê-se, pois, que dos três ramos do
Cristianismo só o Catolicismo se pronuncia em matéria social e
econômica, expondo a verdade cristã sobre o assunto. Movimento
cristão, o Integralismo não poderá contrariar os princípios assentados

25 Exposição apresentada no Simpósio sobre “Integralismo e Catolicismo no Brasil”. CEPEHIB,


Cadernos de História da Igreja. Edições Loyola. Fortaleza-CE, julho de 1983 e publicado em outubro de
1938.
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pela Igreja e os Integralistas precisam conhecer a augusta palavra de


Roma sobre a grave matéria. (BARROSO, 1937, p.4)

Os discursos de Plínio Salgado indicavam que ele possuía um perfil bastante


voltado para as coisas do espírito, ele acreditava que servia a Cristo e que era um enviado
para doutrinar e guiar outros, conforme se verá posteriormente em sua obra “A Vida de
Jesus” (1944), publica em Portugal por ocasião do seu exílio político. Mas para Pe. Helder
Câmara, a adesão ou simpatia dos católicos ao integralismo, incluindo ele mesmo, deu-
se principalmente porque “o mundo parecia dividir-se entre comunismo e as forças da
Direita. Quando surgiu o Integralismo, anunciando Deus, Pátria e Família, eu achei
aqueles ideais bastante coincidentes com o que eu tinha aprendido no Cristianismo”. 26
Para Jarbas de Medeiros (1978, p.390), estudioso do pensamento autoritário
brasileiro dos anos 1930, o que diferenciava o integralismo dos movimentos fascistas era
justamente o discurso da dimensão espiritualista de Plinio Salgado, que procurava negar
relação com o fascismo europeu, apresentando-se como um novo movimento de
orientação espiritual. Segundo Salgado, o integralismo tinha raízes nacionais com um
suporte doutrinário espiritualista que marcava a diferença do movimento com a liberal-
democracia e, principalmente, com o comunismo ateísta. Dizia ele que: “à proporção que
o homem se entrega exclusivamente aos interesses materiais, o seu coração, vai-se
fazendo de pedra, a sua pobre alma vai-se fazendo pesada [...] testemunho de brasilidade,
de originalidade, de definição ideológica sem ligação com teorias políticas estrangeiras”.

4. A relação do político com o religioso em tempos de crise liberal

Em Pernambuco, a vinculação do movimento com valores morais e religiosos se


constituiu num fator importante para a adesão de muitos à Ação Integralista Brasileira e
para a expansão dos núcleos da AIB/PE. Os discursos de Plinio Salgado, centrados nos
valores de ordem espiritual e de combate às questões materiais, oferecia caminhos aos
militantes católicos para uma “revolução espiritualista” aliada a um projeto político, em
plena crise da democracia liberal:
Há na terra uma aflição continua, uma dor, um desejo secreto, uma
aspiração de felicidade. Essa felicidade perfeita, sabemos impossível
conseguil-a na terra, desde que o próprio homem cometeu a primeira
culpa. Mas a vida em comum precisa de expansão, os instintos

26 Coleção da Câmara. Gilberto Osório: um homem do renascimento. Recife: Assembleia Legislativa do


Estado de Pernambuco, 2001. (Coleção Perfil Parlamentar Século XX. v.9). p. 67.

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necessitam de freios. A liberdade não pode ser sinônimo de liberalismo,


palavra inventada para encobrir o excesso da própria liberdade. 27

Os críticos da democracia liberal afirmavam que as coisas mundanas, guiadas pelo


excesso de liberdade que, segundo o pensamento integralista, desvirtuava moralmente a
sociedade, eram as principais culpadas dos problemas brasileiros. Plínio Salgado dava
corpora ao pensamento conservador e também criticava fortemente a liberal democracia,
como ameaça material e espiritual à ordem social e política (CHAUI, 1986, p.42). Em
janeiro de 1936, o jornal A Marcha, sob a direção de Everardo A. Maciel, na cidade de
Pesqueira (PE), dedicava-se a publicar notas do pensamento religioso e da família que
compunham fragmentos dos discursos de Plínio Salgado em defesa de uma sociedade que
deveria ser conduzida pelos desígnios de Deus:
Si é verdade que a creatura humana se move, pelo seu livre-arbitrio,
porém Deus conduz a sociedade, os povos, nos seus livramentos geraes,
que importa tenha a nossa Patria por castigo sobre as mãos, de passar
atravez de desgraças imprevisiveis? Agora, como amanhã, temos
cumprido o nosso dever, somos a dignidade da Nação. [...] por toda
imensa carta geografia da Patria, anda hoje um balbucio de preces que
elevam a Deus, para que Ele vos guarde e vos inspire.28

A onda espiritualista que deveria guiar e orientar as massas para o bem da nação
circulava entre os intelectuais da época. Pela revista A Ordem, alguns defendiam ser
“inútil tentarmos influir no governo do paiz, christianizando a nação e o Estado, sem
possuirmos uma elite realmente adextrada que esteja em condições de pôr em movimento
as grandes massas eleitoraes, em torno de nossas ideias constructoras”29. Tanto entre os
integralistas, quanto nos meios católicos, temos a imbricação dos discursos anticomunista
e antiliberal revelando a intertextualidade dos seus jornais de propaganda doutrinaria
anticomunista e antiliberal. Em 23 de maio de 1934, A Tribuna Religiosa, jornal que
posteriormente mudou seu nome para A Tribuna, expressava sua luta contra a “onda do
materialismo”, que atingia até a vida sexual das famílias:
A onda grosseira do materialismo invadindo os nossos meios, ora
manifestada no pansexualismo Freudiano de alguns literatos, ora na
franca propaganda marxista de certos intelectuaes fracassados que
tentam embair o proletariado nacional, ora ainda no ´Esplendido
Isolamento´ da nossa burguesia agnóstica e gosadôra, apareceu no
cenário político-social brasileiro o movimento integralista.

27 “Patrícias”. Ação. (Quinzenário Integralista). Recife, 30 de setembro de 1934.


28 “Perante Deus e Perante a Patria”. In: A Marcha. (Jornal integralista de divulgação da AIB na cidade
de Pesqueira). Pesqueira, 22 de janeiro de 1936. p.3. Recife: APEJE.
29 “Dever Cultural”. A Ordem. Recife, abril de 1932. nº. 26. Recife: APEJE; Cúria Metropolitana da
Arquidiocese de Olinda e Recife.
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Do lado contrário, “impregnado de um nacionalismo sadio e de um profundo


sentimento espiritualista”, o movimento desencadeado pela Ação Integralista Brasileira
defendia os princípios “eternos de Deus” como governante supremo:
Deus, como governante supremo do destino dos povos, de Pátria,
realidade natural e imperecível, que as teorias internacionalistas do
judeu Marx e de seus sucessores não conseguiram nem conseguirão
destruir jamais, e finalmente da família, que em ultima analise é à base
da sociedade e que tem de ser defendida a todo transe contra os seus
inimigos descobertos e anonimos. 30

Noutra Revista católica, Fronteiras, produzida pela congregação mariana, também


circulavam discursos em tom de oração e apelo para que Deus livrasse a sociedade do
mal comunista, com uma orientação católica mais forte:
E a gente fica a pensar se isto é mesmo o nível mental que está caindo
por falta de uma educação católica mais intensa, mais ortodoxa [...] Eu
peço a Deus que seja antes uma dissolução por falta de hábito, por
adaptação, a ser uma concessão as doutrinas comunistas [...] o
liberalismo de si é uma coisa que fede a bode de longe, tem na essência
e na forma aquele mesmo jeitão do protestantismo (VASCONCELOS,
1932, p.7).

Com estes ideais circulando nos jornais da época, em Pernambuco alguns


membros da Igreja católica assumiram posição oficial dentro do Integralismo, passando
a doutrinar nas missas para os fiéis. Alguns padres eram conhecidos por rezarem missas
com a camisa verde por baixo da batina, sempre levantando o braço para que a camisa-
verde integralista fosse percebida pelos fiéis. Em 11 de julho de 1934, o Cônego Jerônimo
d’Assunção, diretor do Juvenato D. Vidal, conhecido como educandário dos pobres,
cedeu o salão desse educandário para uma reunião integralista a ser assistida também pelo
corpo docente e discente da escola, e outros convidados da comunidade, conforme
divulgação do evento no Jornal Pequeno do Recife:
O salão do ‘Juvenato D.Vidal’ acolherá hoje à noite não apenas
numeroso corpo discente do estabelecimento mas também uma selecta
assistencia composta de elementos das mais representativas da
sociedade pernambucana. [...] A oportunidade é optima para que
compareçam todos que se interessam pró ou contra o integralismo, a
ouvir a palavra clara e desassombrada dos ‘camisas verdes’ para assim
conhecendo-lhe a doutrina, puderam formar um juízo exato e honesto
acerca desse movimento que vem empolgando a juventude brasileira,
despertada do seu sono e conduzido no seu idealismo invejável pelo
gênio surprehendente do grande escritor de ‘O Esperado”. 31

30 “A Ação Integralista Brasileira”. A Tribuna Religiosa. Recife, 23 de maio de 1934. APEJE.


31 “O Integralismo em Pernambuco”. Jornal Pequeno. Recife, 11 de julho de 1934. p.1.

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O Padre Helder Câmara, conforme já destacamos, foi outra figura religiosa de que
teve grande atuação no doutrinamento de católicos para ingresso nas fileiras integralistas.
Como Secretário do Departamento dos Estados da A.I.B., na Província do Ceará, em
1934, ele fez várias viagens para propagação da ideologia integralista. Algumas de suas
visitas ao Recife sempre resultava em novos adeptos para os núcleos do Estado, conforme
se divulgava no Jornal Pequeno, jornal que atuava como porta-voz dos integralistas no
estado com matérias que divulgavam a visita do padre Helder Câmara dias antes de sua
chegada à cidade do Recife. O mesmo jornal voltava ao tema, divulgando o número dos
novos adeptos do movimento, resultado do evento com sua participação:
Quando os integralistas anunciaram a passagem do Padre Helder
Câmara por esta cidade, esta noticia despertou geral satisfação pelo
desejo de todos de ouvirem a palavra do ilustre sacerdote camisa-verde.
O Padre Helder Câmara é uma das vozes mais autorizadas do
integralismo no Norte do Brasil, mercê da sua profunda cultura
phylosophica posta a serviço da causa que o empolgou. [...] as
conferências do Padre Helder Câmara atrahiram numerosas assistências
que foram ouvir sua palavra clara e enthusiastica sobre a doutrina do
Sigma. [...] elle sentiu como explodia enthusiasticamente o sentimento
de brasilidade dos pernambucanos em contacto com as idéas sadia do
nacionalismo que os ‘camisas verdes’ pregam. 32

Segundo Aina Sadek (1978, p.100), na década de 1930, momento de expansão das
ideias integralistas, a Igreja católica conseguiu uma separação do Estado que lhe deu certa
autoridade na atuação da doutrina social. Para a autora, a origem desse momento se dá
com a ‘reação espiritualista’ de Centro Dom Vital, em 1873, quando a Igreja declara sua
posiçao ‘antiliberal, antimaçônico, negador do ecletismo’, promotora de uma nova ação
pastoral. Também, em 1888, se destacou a figura de Júlio Maria, um advogado que se
converteu ao catolicismo e se transformou num defensor extremado do que Jackson de
Figueiredo chamou de ‘reação católica’.33
A partir destes eventos, os católicos assumem uma militância em defesa da fé
católica. No plano nacional, com ênfase no Rio de Janeiro e São Paulo, era um momento
de “verdadeira ‘militância católica’”, na qual se destacaram o pensamento de Farias de
Brito (1862-1917); Padre Leonel Franca (1893-1948), influente nos meios acadêmicos
católicos; Jackson de Figueiredo (1891-1928), considerado ‘o maior panfletário dos anos
20’, com ele se acentuam os ideários do humanismo cristão e canalizador de todas as

32 “A Marcha vitoriosa do Sigma em Pernambuco: as conferências do Padre Helder Câmara em Recife.”


Jornal Pequeno. Recife, 12 de setembro de 1934. p.1.
33 Idem.
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manifestações da ‘reação espiritualista’ no campo político, que ganhou corpo nos anos
30, através da doutrina integralista. Com a fundação da Revista A Ordem, em 1921, a
Ação Católica Brasileira, entidade do apostolado leigo e também do movimento católico
nas universidades católicas, cria-se o ambiente para o Instituto Católico de Estudos
Superiores, que também concentram intelectuais da reação católica.34
São estes intelectuais católicos, portanto, que encontraram no pensamento político
e ideológico de Plínio Salgado um caminho político para sedimentar a “reação católica”.
Em 7 de julho de 1937, o Jornal Pequeno publicou várias notas de bispos, que
expressavam publicamente suas críticas ao regime da liberal-democracia e ao
comunismo, apontando o movimento integralista como a solução dos problemas
nacionais. O momento da sucessão presidencial teve, portanto, um clima bastante
favorável à candidatura de Plínio Salgado, que não chegou à presidência por conta do
golpe do Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas. Na sequência Plínio Salgado é
enviado para o exílio em Portugal.

5. Integralismo e catolicismo

No ano de 1937, antes do exílio de Plínio Salgado, seus discursos e imagem eram
centrais no campo político e religioso. A aliança entre integralismo e catolicismo
circulava nos jornais de ambos os lados. Alguns bispos, que se pronunciam em defesa do
integralismo, chegaram a fazer pronunciamentos públicos em sua defesa e do movimento,
considerado uma força espiritual de grande relevância na defesa dos valores tradicionais
da Igreja: "No momento gravíssimo que atravessamos, o Integralismo é uma força viva
em defesa dos fundamentos morais da Pátria brasileir”35. Vários deles se pronunciam
publicamente em defesa do pensamento espiritual de Plínio Salgado e do integralismo por
ocasião da sua candidatura à Presidência da República:
Plínio Salgado, espírito inteligente e culto, orientado por sólidos
princípios catholicos, e em cujas actividades transparece a profunda e
segura visão de sábio sociólogo e sincero patriota, desejoso de bem
servir á causa de Deus, da pátria e da família, trilogia base insubstituível
de todo systema que não se nutre de utopias, nem transige com as
ambições de interesse pessoal.”36

34 Idem.
35 “Episcopado Brasileiro e o Integralismo”. Francisco, Bispo de Campinas. (D´A UNIÃO. Rio de Janeiro,
edição de 27 do mês passado). Jornal Pequeno. Recife, 07 de julho de 1937. p.1.
36 Luiz, Bispo de Bragança. Jornal Pequeno. Recife, 07 de julho de 1937.

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Basta saber ler para verificar a superioridade de orientação do


Integralismo em face dos grandes problemas da vida, comparando com
os partidos da liberal democracia. Quem, chefiando um movimento nos
moldes do Integralismo fala e escreve com desassombro, a energia e a
franqueza com que fala e escreve o sr. Plínio Salgado, tem o direito de
ser acreditado com respeito. 37
Assim como o governo da republica permite a livre pregação do
Integralismo, a Igreja também recebe no seu seio, como filhos bem-
vindos os camisas-verdes que se recolhem em seu recesso para implorar
as bênçãos do senhor para a obra que estão realizando. 38
Deus, Pátria e Família, nobre divisa do Integralismo, como de todo o
homem que raciocina christamente, família formada nos grandes ideaes
christãos, fundada sobre o santo temor de Deus e compenetrada do seu
santo dever para com Deus, eis o novo porvir da pátria grandiosa,
sempre unida, prospera e feliz. 39
O ideal Integralista segundo penso, está de molde a captar todas as
symphatias das almas vibrantes da fé patriótica e á Igreja mereceu
portanto bênçãos do senhor e do Brasil catholico. Invocamos para elles
essas preciosas graças. 40
Aconselhamos aos bons catholicos e ao clero que prestigiem ao
Integralismo, único meio de acção actualmente, capaz de impedir a
derrocada tremenda que ameaça a religião e a pátria. Cada dia, nos
convencemos mais de que na capital federal se expande sem a menor
coação, é uma manifestação patente e indiscutível da providencia
divina,inspiradora desse meio poderoso e eficaz da salvação do paiz.
Se, pois, no Integralismo temos uma escola de patriotismo são e uma
ideologia muito aproximada da catholica, prestigia-lo será fazer nossa
parte para que Deus nos ajude, sobretudo na hora incerta e perigosa que
vivemos. 41

Plínio Salgado teve, portanto, amplo apoio nos meios católicos. Seus discursos
circulavam entre a intelectualidade católica como formulas de solução dos problemas da
fé e da nação:

Examinemos bem os candidatos apresentados, estudemos as suas


qualidades pessoaes, as suas convicções religiosas. E não nos limitemos
somente a considerar o modo como foram apresentados e por quem.
Isto só não basta. É por causa disto somente, os resultados funestos que
estamos vendo todos os dias, antes da amizade, do interesse pessoal, da
disciplina dos partidos, esta a nossa consciencia de catholicos,
consciência bem formada que não pode transigir com o erro e tem de
sobrepor as leis de Deus e da sua Igreja, os dogmas da sua religião, tudo
isto, enfim, que constitui, também, o fundamento de felicidade, da

37 José, Bispo de Bragança.


38 José. Bispo de Niterói.
39 Inocêncio, Bispo de Campanha.
40 Antonio, Arcebispo de Jaboticabal.
41 Manoel, Bispo de Jacarezinho.
Silva. O Político e o Religioso: a relação do integralismo com o catolicismo nos anos
1930 99

grandeza, da estabilidade da pátria. Há muita gente boa que merece o


nosso voto!42

Observem abaixo o depoimento do Pe. Leopoldo Ayres, declaradamente


integralista, nos momentos de eleição para a sucessão presidencial:
Minha inspiração na Acção Integralista Brasileira foi resultado de um
longo estudo e de madura reflexão sobre as doutrinas do Sigma. Tudo
que vi e a que presenciei, na vida da nação, vem consolidar em mim a
convicção de que um regime que consagra erros e acoroçoa falsidades
tem de ser renovado e têm de ser abolidas os seus processos urge fazel-
o por uma persistente educação da consciência popular, afim de que
cresçam as gerações novas detestando o liberalismo fascista, esse
arremedo hipócrita de democracia e um tal systema de representação
que é uma afronta cuspida a face do povo. 43

O medo das ideias de esquerda era fortemente estimulado pelos discursos, que
alertavam contra os perigos da ideologia comunista que avançava devido os “erros do
liberalismo: “Assim creio que só a democracia integral será capaz de redimir o Brasil dos
erros do liberalismo e de subtrail-o ao perigo do communismo, que, na verdade, tem
naquelle o seu melhor caldo de cultura. O communismo é o liberalismo na desenvoltura
dos seus postulados internos”. 44 Para Padre Leopoldo Ayres, o liberalismo era a causa de
todos os males, inclusive responsável pelo avanço do comunismo e outros projetos
estrangeiros no país. Em sua interpretação da realidade política daquele momento, a
proposta integralista representava uma “verdadeira fórmula de salvação”. Entre os
católicos não havia uma associação do integralismo com o fascismo e o nazismo. Dizia-
se que era um movimento diferente daqueles que circulavam na Europa, que era nacional
e a “salvação do Brasil”:
Organizado o Estado na base da representação corporativa, respeitando
a hierarchia natural dos valores. Consagrando o primado espiritual,
humanizando a economia, cancelando o partidarismo nefasto,
orientando a educação para um sentido integral, sem as mutilações do
covarde agnosticismo liberal, subordinando afinal todos os interesses
individuaes e grupaes á suprema finalidade do bem comum é,
realmente, o bem da pessoa humana, a democracia integral, que repousa
na trilogia – Deus- Pátria- Família- é a única formula de salvação para
o Brasil. 45

42 “Secção Religiosa. Igreja Catholica: POLITICA”. Jornal do Commercio. Recife, 18 de setembro de


1937. p.1.
43 AYRES, Padre Leopoldo. “Porque me fiz Integralista”. Jornal Pequeno. Recife, 21 de julho de 1937.
44 Idem.
45 Idem.

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Outras narrativas reforçam a percepção da aliança entre católicos e integralistas,


e a força do pensamento de Plínio Salgado entre os católicos. Observe-se, nos
depoimentos a seguir, o impacto dos discursos integralistas em resposta aos anseios e
temores do comunismo, considerado o mal mais visível para a nação e para os valores
tradicionais da família católica do período:
Corria naquele momento no Brasil todo, eu acho que no mundo todo, a
propaganda inglesa contra a Rússia, e todo mundo tava apavorado
contra o comunismo, principalmente papai que tinha fazenda e era
proprietário rural, ele e o irmão dele, o pai de Toinho, aquele que lhe
deu uma entrevista, todos religiosamente e pragmaticamente contra o
comunismo. O comunismo seria a tomada da terra deles. Isso da parte
de papai, acho que foi a causa maior do integralismo. Outra coisa foi
que, se você dissesse a papai que não havia Rio de Janeiro ele
acreditava, mas se você dissesse que não havia Jesus Cristo ele não
acreditava. Ele era um homem de uma fé fantástica. E como o
comunismo era a destruição da fé, você sabe que o comunismo é
intrinsecamente ateu, mau. De modo que contra o comunismo papai foi
até a favor da Alemanha, mamãe reclamava e ele dizia: Palmira, você
acha que eu vou ficar do lado do comunismo? 46

Outros depoentes diziam que a proposta integralista teve força na família porque
defendia os valores tradicionais, que eram percebidos como ameaçados pelo avanço das
ideias novas de modernidade e das esquerdas. Mas, entre eles, os discursos antiliberais e
anticomunistas estavam sendo retornando como a problemática central. A liberal
democracia era considerada fraca e a causa dos problemas:
Imagine leitor, um funcionário de repartição publica, muito bom
cumpridor dos deveres do oficio, que, entretanto, no seio de sua própria
família não exerce o necessário controle, nem dispensa aos seus filhos
a assistência paterna de que eles necessitam [...] Ora, o retrato desse
funcionário publico, preocupado com sua burocracia e indiferente
àqueles que estão naturalmente sob sua guarda – é o próprio retrato do
Estado-Liberal Democrático [...] porque, na realidade, si nos
encontramos no sistema liberal-democrático a mesma indiferença, o
mesmo descaso, a mesma incompreensão de funções, a mesma falta de
autoridade, a mesma incompetência na direção dos destinos sociais da
Nação [...] o que temos visto no Brasil? Um regimen onde todas as
deshonestidades encontram campo aberto. Onde o comunismo avança
como um mau. Ancoradouro propicio a todas as irresponsabilidades
políticas e administrativas. Hipocrisia política encobrindo manejos e
expedientes inconfessáveis. Completa adaptabilidade ao jugo do ouro
judeu, extrangeiro (sic) ou internacional. 47

46 MELO, F. S. A. Entrevista. Recife, 20 de agosto de 1997.


47 “Como deve ser o Estado?” Ação. 30 de setembro de 1934. p.1.
Silva. O Político e o Religioso: a relação do integralismo com o catolicismo nos anos
1930 101

6. Considerações finais: o sentido do integralismo para as famílias católicas dos


anos 1930

Outra característica marcante do integralismo no campo religioso e


familiar foi a propagação de suas ideias dentro das famílias. Ao se tornar adepto do
movimento, o homem levava para o interior da família o programa do movimento e o
defendia dentro dos valores ensinados na época de pai para filho, fazendo com que o
integralismo fosse ensinado às crianças que, na atualidade ainda devem guardar muitos
dos ensinamentos dos seus pais. Lembrando que era uma sociedade em que a figura do
pai era central e tinha muito impacto no seio das famílias:
eu tinha oito anos naquela época, quando meu pai começou a me dar
umas noções a respeito de pátria [...] a pátria era uma coisa que ele
amava, quer dizer meu pai começou a transferir pra mim o sentimento
de Pátria, e a Família era no dia-a-dia na união fraterna dos irmãos de
minha mãe dos meus tios, e Deus era exatamente o fundamento de toda
a vida dele porque ele não foi imposta a ele uma religião aos oito anos
fazer uma primeira comunhão, depois acompanhar um catecismo não
eles aos trinta e poucos anos e que através dos livros que foi lendo e
através inquirições que próprio fazia a ele próprio chegou a conclusão
que Deus deveria presidir tudo que se fazia na vida, a pátria era
exatamente aonde a gente morava e o amor que sentia ao torrão natal e
a família era um derivado das duas coisas foi essa a noção que o meu
pai transferiu pra mim através dos livros que lia de Plínio Salgado e o
cristianismo de Plínio Salgado, porque ‘A Vida de Jesus’, de Plínio
Salgado, era uma espécie de Bíblia, que ele lia pra todos nós. Isso tudo
ele encontrou no integralismo. 48

De modo mais geral, os pais que aceitavam as ideias integralistas, levavam a


famílias, os filhos para assistir aos desfiles, comícios e reuniões, fortalecendo a ideia de
um movimento “da família”. Reafirmando que a cultura da década de 1930 era centrada
na composição familiar. Mesmo as famílias mais comuns e pobres reproduziam as normas
da moral cristã da época e do respeito entre pais e filhos. Era uma sociedade em que os
mais jovens “pediam a benção” aos mais velhos. Diz-se que havia vergonha de um
escândalo de qualquer membro da família, porque repercutia nos demais, repercutia no
nome da família. As narrativas do período, em entrevistas orais no tempo presente, ainda
recordam os valores que guiaram muitos para simpatia e adesão ao integralismo, e sua
relação com os valores da religião predominante na época: o catolicismo:
O que eu me lembro muito é das moças se reservando muito com esse
negócio de namoro, muito cuidadosas [...]. Quando eu era novinho se
alguém chegasse e dissesse que uma amiga nossa foi assassinada era

48 RODRIGUES, Ivaldo. Entrevista. Recife, 03 de setembro de 2001.

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um choque, mas se dissesse que ela tinha sido deflorada o choque era
maior ainda. Havia essa mística da virgindade. As famílias tinham
muito cuidado com as moças, havia muita vergonha de um escândalo.
A religião com um poder fantástico [...] vivia-se em função dela, ela
que orientava as moças a se resguardar. Teve um padre em Bezerros
que acabou com toda a vida social que não fosse dentro da Igreja [...].
Depois eu compreendi que era a Igreja querendo combater o
comunismo. Apoiamos. O comunismo era aquela coisa degenerada, do
ponto de vista sexual. A família estava em perigo com tudo aquilo. Eu
não lembro bem como o integralismo chegou, só sei que todo mundo
foi aceitando porque era bom, porque vinha na defesa da família. 49

A relação do Integralismo com o Catolicismo, portanto, favoreceu-se da crise do


liberalismo e dos discursos da ameaça comunista à tradição católica de base familiar dos
anos 1930, que os líderes do Integralismo canalizaram para um inimigo em comum: o
pensamento das esquerdas comunistas, apontado como responsável pelos males sociais,
culturais, econômicos e religiosos. Naquele momento, a figura de Plínio Salgado se
destacou como salvador da pátria, conduzindo militantes (homens, mulheres e crianças)
fardados em defesa dos valores mais em destaque da sociedade: “Deus, Pátria e Família”.
A Igreja católica viu na AIB, portanto, seu maior aliado na luta contra o inimigo em
comum: “o ateísmo comunista”.
Desta forma, o político e o religioso estabeleceram alianças e acordos para
combater os inimigos da Igreja e das tradições católicas. A evocação de Deus, como guia
dos destinos da nação e da sociedade, fundamentou a base dos discursos políticos da Ação
Integralista Brasileira que, ao longo da década de 1930, buscou no catolicismo sua base
de apoio e de legitimidade política e social, enquanto propagadores da doutrina e da fé
cristã pelo campo político. Na cultura católica dos anos 1930, podemos dizer que seus
discursos produziram sentido no interior de muitas famílias, que mantém a ideologia
integralista viva de geração a geração, até nossos dias.

7. Referências

ALMEIDA, Maria das Graças Ataíde. A Construção da verdade autoritária. São


Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2001.

BARROSO, Gustavo. Integralismo e catolicismo. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC


Limitada, 1937.

49 MELO, Fernando S. A. Entrevista. Recife, 10 de outubro de 1999.


Silva. O Político e o Religioso: a relação do integralismo com o catolicismo nos anos
1930 103

CHAUI, Marilena. “Notas sobre o pensamento de conservador nos anos 30: Plínio
Salgado”. In: MORAES, Reginaldo et al. (Orgs.). Inteligência brasileira. São Paulo:
Brasiliense, 1986.

DANTAS, Elynaldo Gonçalves. Gustavo Barroso e a busca pela sacralidade do


integralismo e pela integralização do catolicismo no livro "Integralismo e
Catolicismo”. MÉTIS: história & cultura. V. 14, n. 28. jul./dez. 2015. p. 245-269.

GUERRA, Otto. “A Igreja e a Ação Integralista Brasileira”. Boletim do CEPEHIB


(Centro de Pesquisa e Estudos da Igreja no Brasil). Ano V. número 4 (19). Outubro de
1983.

MEDEIROS, Jarbas. Ideologia Autoritária no Brasil (1930/1945). Rio de Janeiro: FGV,


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MORAES, Reginaldo et al. (Orgs.). Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense,


1986.

SADEK, Maria Tereza Aina. Machiavel, Machiavés: a tragédia octaviana, 1878.

SALGADO, Plínio. Manifesto de Outubro de 1932. Edição do Cinquentenário. São


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VASCONCELOS, João. “A influencia dos costumes: o que o povo lê e vê”. Revista


Fronteiras. Recife, agosto de 1932. nº. 3. Ano I. p.7. Recife: Cúria Metropolitana da
Arquidiocese de Recife e Olinda.

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