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RELIGIÕES E POLÍTICA: EXPRESSÕES CULTURAIS, OPRESSÕES E

RESISTÊNCIAS (1930 – 1940)

- Andressa Rayane Maria Almeida da Mota 1


- Éber Felipe2
- G Soares3
- José Natal Souto Maior Neto4

1. Introdução

O presente artigo visa abordar a aliança da Igreja Católica com o Estado


durante meados do século XX, atrelado ao discurso de estabelecimento de uma
ordem social e combate ao comunismo, que resultou em perseguições as práticas
religiosas e culturais afro-brasileiras. O recorte temporal desta pesquisa se baseia
nas décadas de 1930 a 1940, na qual corresponde ao governo de Getúlio
Vargas.Acredita-se que nesse momento o modelo de uma neocristandade atingiu o
seu apogeu, período em que Vargas tornou-se presidente do país (MAINWARING,
2004).

Com a implementação da laicização do Estado no início da República


brasileira e a perda de parte de seus privilégios como religião oficial do país, a
instituição religiosa empreende táticas para a retomada da sua atuação na
conjuntura política e social. Dessa forma, membros do clero se uniram ao poder
político com o intuito de reorganizar o discurso de moral da sociedade em meio aos
possíveis “ataques” da esquerda, considerada de caráter “ateísta”, bem como,
reestruturar o clero com o propósito de retomar a sua atuação na sociedade (AZZI,
1944).

Nesse sentido, com o discurso de combate a desordem e o controle moral da


sociedade, a Igreja Católica juntamente com o governo de Vargas cria mecanismo
de combate a estas “ameaças”, sendo seu principal alvo qualquer tipo de religião,

1
Discente do curso de Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco (UPE), campus
Mata Norte.
2
Idem
3
Idem
4
Idem
como também se impediu qualquer manifestação cultural que demonstrassem
subversão a ordem vigente, controlando assim os locais de sociabilidade e
divertimentos populares, principalmente, os avanços das religiões afro-brasileiras,
consideradas como seitas que “provocavam” as agitações nas cidades, como
carnaval (SANTOS, 2010, p.188-189).

Sendo assim, a proposta do nosso estudo se constitui a partir da história


cultural, que compreende as religiões como produtos socioculturais inseridas em um
contexto histórico, se distanciando das abordagens realizadas pelas ciências das
religiões e fenomenologias. Assim, entendemos as religiões como plurais, sem
qualquer tipo de hierarquização, reconhecendo suas especificidades e
representações (SILVA, 2010, p. 11- 12).

Essas representações são entendidas aqui como “instrumento de um


conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por
uma imagem capaz de reconstituí-lo em memória e de figura-lo como ele é”
(CHARTIER, 1990, p. 20). Assim, seguindo a colocação de Chartier, entendemos
essas religiões como representações e produtos culturais, construídas em diferentes
tempos e espaços, definidas também pelo local que está inserida. (SILVA, 2010, p.
13-14).

2. Secularização e o caráter político-ideológico do Estado Novo

O período moderno se caracterizou por uma herança histórica pautada em


Estados cristãos, ou seja, a instituição eclesiástica ligada diretamente ao poder
político. Pode-se identificar essa unificação, indubitavelmente, no inicio da nossa
Era, onde, a partir do governo de Constantino se efetiva a religião Católica como
oficial no império romano (ROSENWEIN, 2014), iniciando-se a ideia da Cristandade,
constituída como fundamento de determinados princípios que norteia a ordem social
de um povo (AZZI, 1994, p.7).
Nesse dinamismo, o chefe do Estado era visto como um representante
sagrado, alguém escolhido por Deus para assumir o cargo. Entretanto, com o fim do
período imperial no Brasil, devido à crise da cristandade, o poder da Igreja passou a
se limitar e as elites letradas passaram a desejar o fim desta união.
Com o início da República no Brasil, a burguesia ascendente estruturou a
implantação da laicização do Estado, uma vez que desejava romper com esta
ligação eclesiástica. Esse processo se efetivou com Decreto 119-A, publicado em
janeiro de 1890, em que instituía a separação entre Estado e a Igreja.
No entanto, com a ascensão dos movimentos de esquerda, começou o
incentivo da participação eclesiástica na política para moldar a consciência moral da
sociedade, estruturando assim a unificação desses dois poderes, (AZZI, 1994).
Dessa forma, Mainwaring (2004) discorre:
A nova missão da Igreja era cristianizar a sociedade conquistando
maiores espaços dentro das principais instituições e imbuindo todas as
organizações sociais e práticas pessoais de um espírito católico. [...] Se a
Igreja não cumprisse sua missão, essas instituições iriam marchar rumo a
perdição. A forma de influenciar a sociedade da Igreja da neocristandade
era triunfalista. A Igreja queria “conquistar” o mundo. A missão da Ação
Católica era de “restituir a Nosso Senhor Jesus Cristo o mundo moderno”,
“Ganhar católicos” e competir com outras religiões eram desafios que
assumiam importância considerável.

A primeira metade do século XX foi caracterizada pelo processo de


industrialização, que teve grande contribuição para um maior crescimento da classe
média e o fortalecimento da classe operária. Em 1921 D. Sebastião Leme assumiu a
liderança da hierarquia católica brasileira, momento em que se fortaleceu o
movimento de Recatolização, com o objetivo dos membros da Igreja Católica moldar
a sociedade com os princípios cristãos, promovendo a contenção das ideias de
esquerda e contribuindo para a manutenção da ordem social, Riolando Azzi (1994,
p.9) afirma que:
Esse esforço de recriação de um Estado Cristão concretizou-se a
partir da década de 20, num projeto bem concreto de restauração da
influência do catolicismo dentro da sociedade brasileira, contando, para
isso, com o apoio expressivo do próprio poder político.

FALAR SOBRE A RECATOLIZACAO

Durante este período, outra pauta levantada pelos eclesiásticos foi o caráter
denominado “ateísta” dessas correntes, considerado um grande inimigo da Igreja,
pois se configuravam contrários aos dogmas cristãos, causando a desordem na
sociedade. Dom Sebastião Leme, mesmo após a implementação da laicização do
Estado, argumentava que o Brasil era uma nação Católica, afirmando que a Igreja
tivesse como dever ser mais ativa no meio social devido a este fator, assim “A Igreja
precisava cristianizar as principais instituições sociais, desenvolver um quadro de
intelectuais católicos e alinhar as práticas religiosas populares aos procedimentos
ortodoxos (MAINWARING, 2004, p.42) ”.
Posto isto, o clero reputava esse período como essencial para o seu objetivo
de reestruturar a sociedade, unindo-se ao Estado parar empreender táticas de
combate a estas “ameaças” (AZZI, 1994). “Essas ameaças” Deve-se destacar que
tais movimentos são considerados pontos determinantes para a Recatolização,
possibilitando que a Igreja tornasse colaboradora da instituição política, sobretudo
durante o Governo de Getúlio Vargas. Mário Santos (2010, p.159) afirma que:
Como instituição forte do Estado Novo, a Igreja Católica propaga a ideia do
controle dos comportamentos coletivos, de um corpo travado, obsequioso.
Limita a cultura do prazer e foca o interessa na culpa e no pecado, na moral,
no evangelho e na família.

Sendo assim, o governo de Getúlio Dornelles Vargas foi extremamente


marcante para a história do Brasil. Este, que se iniciou sob um contexto de embates
e conflitos insidiosos que resultaram na deposição de Washington Luís em 1930,
momento que, segundo Marina Bandeira (2000) a hierarquia Católica teve bastante
influência, na qual, Dom Sebastião Leme, um dos maiores representantes da Igreja
Católica no período, vai até onde Washington Luís estava para convidá-lo a ir para
outro país e deixar a presidência. Deste feito, em 24 de novembro, ele foi deposto e
posteriormente partiu para o exílio na Europa (SCHWARCZ & STARLING, 2015,
p.361).

Por conseguinte, na ascensão de Vargas ao poder, deve-se destacar


também que em 1931, o líder Católico D. Sebastião Leme foi ao Palácio da
Guanabara saudá-lo como representante da Igreja Católica no Brasil (AZZI, 1994,
p.19), mostrando de que lado estava. Nesse ensejo, salienta-se também a
inauguração do monumento do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, encarando como
o reflexo do país que já se demonstrava cristão, negando a pluralidade religiosa e a
laicização do Estado. Deste feito, surge um novo governo, uma nova liderança e,
sobretudo, uma “nova” ideologia, Conforme trabalha a historiadora Susan Lewis,

Nas décadas de 1920 e 1930, as democracias liberais foram questionadas


por governos autoritários e totalitários contrário ao que seria o fracasso do
capitalismo liberal e ao perigo comunista.(2012. p. 195)

Com esta significativa mudança, governos que outrora bebiam do modelo


liberal-conservador, passaram a adotar o modelo desenvolvimentista. Isto devido a
conjuntura mundial que estava sob forte influência do nazifascismo, representado
por Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália e Salazar em Portugal. Esses
movimentos tinham como seu principal alvo de combate o comunismo,
empreendendo uma “guerra santa” onde, segundo Riolando Azzi (1994, p.9) “[...] o
general passou a emergir como um novo chefe cristão glorificado pela hierarquia
católica de todo mundo.” Esta época foi marcada por forte sentimento nacionalista e
pela centralização do poder estatal.

Os ventos fascistas se faziam sentir no Brasil, através da Ação Integralista


Brasileira (AIB), organização fascista liderada por Plínio Salgado, que também
despertava simpatia dos religiosos católicos (AZZI, 1994). Sob este contexto, uma
mudança de paradigma no que se refere ao contexto político e econômico do país
acontecia. Com efeito, o golpe de 1937 conhecido como Estado Novo é
estabelecido, o qual, bem como norteia-nos Lewis,

Constituiu-se como única opção de projeto a ser abraçado sem


questionamentos pelos diversos grupos sociais. Contrapunha-se
veementemente aos ideais liberais e ressaltava o "novo" de forma constante
(2012. P. 194).

Neste sentido, o Estado Novo germina substantivamente com um caráter


ditador onde o questionar só podia existir quando direcionado ao comunismo ou as
ideias liberais. Riolando Azzi (1994) acrescenta ainda que neste instante, os
membros da Igreja Católica apoiaram o governo vigente prestigiando a ordem social,
reforçando a união com o poder político, pela qual aplicaria a estratégia para retomar
a sua atuação na sociedade. Nesse contexto, os membros da Igreja acreditaram que
a solução para conter os avanços das ideias socialistas era a retomada do ensino
religioso no sistema educacional, destacando como algo indispensável para a
reestruturação da moralidade da sociedade (MOURA, 2016).

Esse modelo de neocristantade é caracterizado como “[...] uma forma de se


lidar com a fragilidade da instituição sem modificar de maneira significativa a
natureza conservadora da mesma (MAINWARING, 2004, p.43)” Assim, Mainwaring
compreende que este período da era Vargas (1930 – 1945) é um marco desse novo
modelo de reestruturação do clero, onde a Igreja assumia uma postura
conservadora, contra a secularização e qualquer outra religião, atrelada ao discurso
da moral e ordem.
3. “O primordial colaborador”: a Interventoria de Magalhães em
Pernambuco

Conforme escreve Susan Lewis (2012. p. 196), a Interventoria de Magalhães


no estado de Pernambuco seguia fielmente os valores e ideias do regime ditatorial:
utilizando-se de um discurso conservador baseado na moral cristã, bem como na
tradição. Outrossim, preceituava através de um discurso sedutor de ordem,
comportamentos a serem seguidos pela sociedade. Este discurso se fazia ouvir mais
efetivamente no Estado de Pernambuco, porque, bem como norteia-nos Susan
Lewis, o Estado Novo ganha com Agamenon Magalhaes, o “colaborador primordial”,
bem como — em meus grifos— a essência manifestada do ideal estadonovista. No
entanto, este eloquente discurso advindo desta união entre o Estado e a Igreja,
preenchia-se de um ideário excludente, que buscava veementemente emudecer
grupos sociais. Afinal, bem como destaca Mário Santos:

“Essa coligação entre Religião Católica e o Estado no Governo Vargas


estabelece e assegura a reprodução de um pensamento que mantém a
mentalidade da maioria das massas submissa e fiel à obediência das
autoridades eclesiásticas. “ (2010. p. 155)

Neste contexto, o ideário do Estado Novo, bem como sua forte manifestação
em Pernambuco, estava preenchido sob um ideário autoritário, onde os pobres eram
figuras extremamente subalternas para o plano de modernização do governo.
Enquanto a elite pernambucana lograva os frutos da modernização: um condomínio
com elevador, bem com todo um estilo cotidiano que se firmava no Rio de Janeiro
(ALMEIDA, 2001. p. 130),boa parcelada população perdia sua residência, caiam na
miséria e no desespero de não ter mais seu lugar, sobretudo reflitamos que vidas
foram perdidas em nome daquilo que foi chamado de modernidade.

Sobretudo, para efetivamente aplicar seu projeto de mordernização,


Magalhães possuía um braço forte trabalhando incessantemente ao seu lado, o
diário Folha da Manhã. Esse veículo midiático, por sua vez, possuía um importante
papel, afinal, como destaca Lewis em sua tese de doutorado, ao citar Foucault:
“Não há exercicio de poder sem uma certa economia dos discursos de
verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. Somos
submetidos pelo poder à produção de verdade e só podemos exercer o
poder mediante a produção da verdade” (FOUCAULT. 1999. p. 28-29 apud
LEWIS. 2005. p. 62)

Diante disto, podemos apontar que a produção deste diário corroborava para
a criação de uma verdade, isso porque, bem como escreve Almeida,
Nos primeiros dois anos da Interventoria — novembro de 1937 a dezembro
de 1939 — uma série de manchetes dominava diariamente as primeiras
páginas do jornal, colaborando para a construção deum ideário moldado no
conceito de uma nova cidade. (ALMEIDA, 2001. p.126)

Deve-se destacar ainda que para além de propagar a necessidadedas


vindouras transformações físicas do Recife, de uma nova cidade, o diário Folha da
Manhã, indubitavelmente também trouxe diversos discursos acerca da nova,
sedutora e deslumbrante “fase política”, com a qual uma série de mudanças no
modo de vida da população deveria ser estabelecida (ALMEIDA, 2001. p. 127). Com
este pensamento, todo um plano de higienização da cidade do Recife é
estabelecido, sob a qual os mocambos da cidade deveriam ser derrubados, pois
eles representavam não só a feiura do Recife como também o velho, o sujo. Assim
sendo, estas construções deveriam dar lugar ao novo, o limpo, o progresso.
Todo este contexto onde a ideia de modernização do espaço física da cidade
do Recife era propagado, além de mudanças no modus vivendi da população, a
Igreja Católica e os veículos midiáticos são maciçamente utilizados para combater
tudo aquilo que, de certo modo, representasse o mundano, o carnal. À vista disto, as
festas carnavalescas que efetivamente atraiam um grande público preocupavam a
igreja e o Estado, tão imbuídos em propagar “os bons costumes” e “o modo de vida
ser seguido”. Com efeito, uma estratégia é articulada de maneira que, por meio de
manchetes de jornais,
(...) a Igreja, preocupada com os dias de loucura em que a carne domina o
espírito, convida a população jovem católica, que em nome dos brasões
nobres de suas famílias, da Pátria Brasileira e da glória da Santa Igreja,
recolha-se aos templos e retiros fechados para ouvir a palavra de Cristo.
(SANTOS, 2010. P. 158)

Diante do grande número de carnavalescos ligados aos terreiros de


Candomblé, Umbanda e Jurema, inicia-se uma perseguição disfarçada as religiões
de matriz africana. No entanto, longe de apenas se firmar por meio dos veículos
midiáticos, esta perseguição era realizada por meio de órgãos do Estado. Lê-se
Santos (2010. P. 164)

Para tal fim, sob a máscara de protetora dos cidadãos brasilieros e com o
propósito de zelar pela ordem e segurança da população, a Secretaria de
Segurança Pública inicia uma imensa campanha de perseguição aos cultos
afro-brasileiros, legitimando suas ações por meio do Código Penal de 1890,
sobretudo nos artigos 156, que trata de práticas ilegais de medicina; 157,
dos crimes por prática de magia, da cartomancia, do uso de talismã e
credulidade pública; e 158, da proibição da prática do curandeirismo.

(faltam as referências usadas por MOTA, Andressa)

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, M. A construção da verdade autoritária. São Paulo: Humanitas/


FFLCH/ USP, 2001.

LEWIS, Susan. INDESEJÁVEIS E PERIGOSOS NA ARENA POLÍTICA:


Pernambuco, o anti-semitismo e a questão alemã durante o Estado Novo
(1937-1945). Recife: O autor, 2005. 241 p.

LEWIS, S. PODER POLÍTICO E PRODUÇÃO IDEOLÓGICA EM PERNAMBUCO


DURANTE O ESTADO NOVO. In ______ SILVA, K; NASCIMENTO, R; MELO, M.
FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS DO NORDESTE: Visões Socioculturais do
Mundo Açucareiro do Sertão. Recife: EDUPE, 2012. PP. 193-207.

SANTOS, M. R..TROMBONES, TAMBORES, REPIQUES E GANZÁS: a festa das


agremiações carnavalescas nas ruas do Recife (1930-1945). Recife: O autor,
2010. 270 p.

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