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RESENHA CRÍTICA

SILVA, Luis Gustavo Teixeira da. Religião e Política no Brasil. Latinoamérica,


México, n. 64, p. 223-256, 2017.
Vanesa Lima Braga

O artigo Religião e Política no Brasil de Luis Gustavo Teixeira da Silva foi


publicado em 2017 pela revista Latinoamérica e contém 35 páginas. Nele o autor
procura analisar a construção da relação entre religião e política no Brasil ao longo
das décadas, tendo em vista que esse fenômeno não é novo em nosso país, mas
veio ganhando destaque nos últimos anos. Dessa forma, ao autor divide seu texto
em algumas seções: introdução; a intervenção política da igreja católica; um novo
modelo de relação entre religião e política após a redemocratização e as
considerações finais. No início do artigo é ressaltada a importância da produção de
pesquisas que discutam a relação entre religião e política no Brasil. Já que é um
tema que vem suscitando dentro das ciências sociais novos trabalhos devido à
crescente participação de grupos religiosos cristãos, em destaque católicos e
evangélicos na política. Pode-se depreender a partir daí o destaque que o autor dá a
análise histórica e conceitual da participação, intervenção da igreja católica e das
igrejas pentecostais e neopentecostais na política brasileira. Ao pensar nas formas
de participação política desses grupos o autor tem uma preocupação que é a de
explicar quais desdobramentos podem resultar dessa participação de grupos
religiosos na política brasileira. A participação desses dois grupos tem suas
particularidades, ou seja, existem semelhanças, mas também algumas diferenças,
sendo assim Luis Gustavo Teixeira da Silva faz uma análise comparativa dos dois
fenômenos no presente artigo.
Acredito pois, que é realmente importante a elaboração cada vez mais
frequente de pesquisas que estudem a relação entre religião e política. Por mais que
esse tema não seja tão novo, ele veio ganhando relevância devido à presença cada
vez mais numerosa de candidaturas religiosas nas últimas campanhas eleitorais. Até
poucos anos atrás a eleição de candidatos religiosos parecia não dizer muito sobre
as eleições, porém atualmente são alvo constante do interesse dos cientistas
sociais, pois interferiram diretamente nas dinâmicas eleitorais das últimas eleições
sejam municipais, estaduais e até na nacional. Cabe ressaltar que para entender
como se dá essa relação entre religião e política na atualidade, temos que estudar o
processo ao longo das décadas, como começou, qual grupo religioso foi o precursor.
Muitos podem pensar que a intervenção dos grupos religiosos cristãos na política
brasileira emergiu apenas com a eleição à presidência da república de Jair Messias
Bolsonaro, um político católico que se elegeu com grande apoio de diversos grupos
e denominações religiosas evangélicas principalmente as pentecostais e
neopentecostais. Porém no tópico a intervenção política da igreja católica, fica
explicitado que foi a igreja católica que esteva na vanguarda da intervenção dos
grupos religiosos cristãos na política brasileira. Nesse tópico o autor discute como se
deu essa intervenção da igreja católica na política. Cabe ressaltar que devido a
separação formal entre estado e religião e o surgimento do liberalismo, racionalismo,
etc, tendências essas seculares, a igreja católica teve receio de perder sua
influência e privilégios na sociedade brasileira, dessa forma começou a promover
transformações internas. O seu discurso passou a se pautar por uma dualidade
entre bem/mal no qual acreditavam que o mundo moderno se voltava contra os
valores morais da família e de Deus, ou seja, valores esses defendidos pela igreja
católica, o que o tornava para ela um mal para toda a sociedade brasileira.
Um grupo que teve bastante destaque nessa época foi Liga Eleitoral Católica
(LEC), que tinha como objetivo intervir através de suas concepções religiosas na
política brasileira. O grupo teve grande intervenção na assembleia nacional
constituinte de 1933, por meio do apoio a candidaturas que estavam de acordo com
os interesses da igreja católica como a defesa dos valores morais, que se
opusessem ao aborto, etc. A Liga Eleitoral Católica obteve sucesso, conseguindo
com que grande parte de seus candidatos fossem eleitos. Dessa forma, o principal
desdobramento da intervenção da igreja católica na política nessa época foi a
incorporação de suas demandas no texto da constituição de 1934. Podemos então
perceber através do artigo aqui analisado um importante elemento que nos leva a
compreender que a participação da igreja católica na política constitucional, teve
como desdobramento o fortalecimento e a busca da legitimação da interferência de
valores religiosos nas instituições públicas do estado. A igreja católica viu na
elaboração da nova constituição uma oportunidade para se fortalecer, sendo a forma
mais eficaz o apoio a candidaturas alinhadas com seus posicionamentos.
Pode-se depreender com o que foi apresentado por Luis Gustavo Teixeira da
Silva que o apoio de grupos religiosos a candidaturas que defendem uma agenda
moral conservadora começou com a igreja católica e atualmente é mais comum
associarmos a grupos evangélicos principalmente pentecostais e neopentecostais.
Cabe destacar outro fato histórico importante para se compreender a construção da
relação entre religião e política no Brasil, o apoio da igreja católica ao golpe militar
de 1964. Esse apoio se deu como forma de afastar os “perigos” da implantação do
comunismo no país e com intuito de enfraquecer a ala de esquerda da igreja
católica, que teve parte de seus membros presos. Os militares e a igreja católica
produziram um arranjo político que procurou legitimar a intervenção militar e fazer
com a ala conservadora da igreja continuasse tendo um maior domínio sobre a
igreja católica no Brasil. Ao abordar esse fato o autor nos traz elementos factuais da
construção desses arranjos políticos entre grupos religiosos e estado. Podemos
compreender portanto que a igreja católica não admitia perder o poder, prestígio e
capacidade de intervenção nos diversos setores da sociedade brasileira.
Já a partir de 1970, com o aumento da repressão do regime militar no país, a
igreja católica muda seu posicionamento. De apoiadora ela passou a ser opositora,
procurando questionar e criticar os problemas existentes na sociedade, como as
desigualdades sociais. O regime militar começou então a reprimir a igreja que
passou a ser vista como inimiga do estado. As Comunidades Eclesiais de
Base(CEBS), desempenharam um papel importante no novo relacionamento que se
estabeleceu entre a igreja e os seus fiéis. Esse relacionamento passou a se basear
em laços comunitários e pela preocupação para que seus fiéis atuassem de forma
mais crítica na sociedade, seja em questões sociais ou políticas. A igreja visava não
perder o seu espaço para outras religiões e também para o protestantismo, que
vinha crescendo. Porém não obteve êxito nessa empreitada, mas tiveram uma
importante função no que diz respeito a organização da luta contra o regime militar.
Pode-se concluir com o que foi apresentado no texto, que a construção do
relacionamento entre igreja católica e política se deu de acordo com os interesses
que estavam em jogo para ambos os atores sociais.
Cabe agora destacar o que foi discutido no tópico um novo modelo de relação
entre religião e política após a redemocratização. Tendo em vista que existem
semelhanças e também diferenças na construção do relacionamento entre religião e
política de grupos católicos e evangélicos, devemos então compreender também
como se deu a construção da relação entre religião e política tendo como foco os
grupos evangélicos. Com a abertura democrática e a elaboração da constituição de
1988 emerge no cenário brasileiro a participação política dos pentecostais e
neopentecostais, a igreja que tinha grande destaque era a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD). A maior participação dos grupos evangélicos na política pode ser
visualizada, com o aumento do número de representantes da “bancada evangélica”
na câmara dos deputados entre os anos de 1982 e 1986, como nos informa Luis
Gustavo Teixeira da Silva. Essa maior participação de grupos evangélicos na política
teve como principal preocupação impedir, que a carta elaborada pela constituição
trouxesse em seu texto temas contrários aos valores morais e religiosos desses
grupos. Assim, como o temor de que a igreja católica procurasse intervir na
presença dos grupos pentecostais e neopentecostais na política. “A mobilização
política dos (neo)pentecostais pode ser vista como reação em face da disputa
religiosa, social e política com outros setores (por exemplo, veículos de mídia,
partidos políticos de esquerda e a igreja católica), mas também como forma de
respaldo político de seus interesses” (TEIXEIRA, 2017, p. 239). Ainda hoje grupos
evangélicos utilizam a narrativa de que estão sendo perseguidos por outros grupos
religiosos e setores da sociedade. Essa retórica emergiu com ainda mais força na
pandemia do Covid-19, no qual grupos evangélicos queriam tornar o funcionamento
de suas igrejas um serviço essencial. Afirmavam que proibir a abertura de igrejas e
templos religiosos era uma ação que ia contra a liberdade religiosa, ou seja, era uma
perseguição contra os grupos cristãos.
A ideia base que procurou dar legitimidade a participação desses grupos
pentecostais e neopentecostais na política foi a de liberdade religiosa, através dela
eles procuraram impedir que se avançasse na legislação com temas ligados aos
direitos das minorias religiosas, de gênero, descriminalização do aborto, das drogas,
etc. O que importa para esses grupos é sua liberdade religiosa em detrimento da
liberdade de outros grupos, sendo portanto algo problemático para um sistema
democrático como o nosso. Cabe ressaltar novamente que existem algumas
diferenças na construção da relação entre religião e política no Brasil, por parte de
grupos católicos e evangélicos. Os grupos evangélicos pentecostais e
neopentecostais foram proeminentes em sua inserção na política, no qual
começaram a lançar candidaturas próprias, ou seja, dentro dos quadros das próprias
igrejas e houve também a formação de frentes parlamentares de caráter
confessional como a frente parlamentar evangélica mais comumente chamada de
“bancada evangélica” que defende pautas caras a esses grupos evangélicos, uma
agenda moral e conservadora. Ao mesmo tempo em que os pentecostais e
neopentecostais iam se consolidando na esfera política, a Renovação Carismática
Católica (RCC) começou a ganhar espaço dentro da igreja católica, com o apoio da
hierarquia nacional da igreja e do Vaticano. Esse grupo faz uso das mídias como a
TV e o rádio e vem ganhando notoriedade no cenário brasileiro. A RCC geralmente
tem posicionamentos conservadores, fazendo em alguns casos coalizões com
grupos políticos pentecostais e neopentecostais almejando a defesa da agenda
moral conservadora, que é um ponto que une parte dos grupos católicos e
evangélicos.
Como podemos observar os grupos religiosos cristãos vem ao longo dos anos
montando estratégias de participação política, tendo como justificativa a defesa de
sua liberdade religiosa, que afirmam estar constantemente ameaçada e a defesa de
uma agenda moral conservadora. Dessa forma, buscam representação no estado,
seja no congresso, nas câmaras municipais e estaduais. Cabe ainda destacar a
participação expressiva da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na década de
80 com seu modelo intitulado por Ari Pedro Oro e Paul Freston de institucional ou
corporativo, no qual procurava uma maior representatividade nas câmaras
legislativas. Esse modelo institucional ou corporativo era um estratégia mais
sofisticada de procurarem intervir na política. Dessa forma, passaram a consultar
suas igrejas tendo em vista conhecer o perfil dos seus fiéis, lançando com base
nisso suas candidaturas, de acordo com o que os fiéis buscavam em um candidato.
Sendo assim, a adesão as candidaturas oficiais da igreja obteve grande êxito. Não
podemos esquecer que os mandatos desses políticos são elaborados visando o
atendimento dos interesses das denominações religiosas do qual fazem parte.
Compreendemos a partir daí parte do sucesso que a IURD vem obtendo nos últimos
anos no Brasil, como uma das igrejas que mais elegem candidatos no país.
Segundo o autor do texto essa estratégia levou ao crescimento desde a década de
80 da “bancada evangélica”.
Compreende-se portanto que ao longo dos anos os grupos cristãos vieram a
expandir sua representatividade na política brasileira, vindo a lançar candidaturas
oficiais, procurando intervir com seus dogmas, concepções religiosas na elaboração
de leis que estejam de acordo com sua agenda moral conservadora. Defendendo a
ideia de família tradicional, se opondo a legalização do aborto e contra o que
chamam de “ideologia de gênero”. Cabe ressaltar que não podemos generalizar
afirmando que todos os grupos católicos e evangélicos se pautam por essa agenda,
porém é notório que grande parte dos que estão representados na política brasileira
compartilham sim dessa agenda moral conservadora e podem ser identificados
como de direita ou centro-direita. As eleições de 2018 foram portanto mais um
capítulo importante na construção da relação entre religião e política no Brasil.
Acredito pois que ela não para por aí e ainda vai trazer repercussões e
desdobramentos nas próximas eleições. Dessa forma, O texto contribui portanto,
com nossa compreensão desse processo de construção da relação entre religião e
política ao longo dos anos.
Para compreender como se deu a eleição de diversas candidaturas
evangélicas no ano de 2018 é preciso conhecer um pouco sobre o relacionamento
entre religião e política desde muitos anos atrás. Muitos interesses estiveram e ainda
estão em jogo nesse relacionamento, e para compreender a ampliação da
representação de candidatos católicos e evangélicos na política, devemos partir da
compreensão de quais são esses interesses. Dessa forma, pode-se dizer que o
artigo de Luis Gustavo Teixeira da Silva explora essa questão de forma clara e
concisa. Por meio da análise comparativa da intervenção na política de católicos e
evangélicos, o autor mostrou as semelhanças e diferenças dos dois casos, o que
contribui para o entendimento mais profundo do fenômeno estudado. Os grupos
católicos estão interessados em não perder sua influência e prestigio na sociedade
brasileira, assim como os grupos evangélicos que pretendem expandir seus espaços
de participação nela. Ao procurar descobrir os desdobramentos que podem resultar
da relação entre religião e política, o autor nos ajuda a refletir e problematizar de que
forma nossa democracia pode ser afetada por esse processo, tendo em vista que a
defesa de uma agenda moral conservadora por meio da atuação legislativa pode
afetar a liberdade e os direitos de outros grupos. Sendo assim, cabe destacar que o
autor não acha razoável utilizar a ideia de legitimidade para justificar a interferência
da religião na política, pois isso poderia abrir precedentes e para ele a construção
social que torna uma agenda legitima ou ilegítima está em constante disputa (SILVA,
2017). Como podemos observar, o artigo traz pontos importantes e atuais para
pensarmos e problematizarmos a participação de grupos religiosos na política.
Compreendo que o texto tem uma linguagem de fácil entendimento e o autor
conseguiu trazer fatos importantes dentro do processo de construção da relação
entre religião e política ao longo da história. Fatos esses indispensáveis para
compreendermos o fenômeno das candidaturas religiosas. Portanto o texto é
indispensável para aqueles que pretendem desenvolver uma pesquisa que abordem
esse tema.

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