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Sumário
Copyright © 2022 by herdeiros de Lélia Gonzalez
Copyright © 2022 by herdeiros de Carlos Hasenbalg

Grafia atualizada segundo 0 Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


que entrou eni vigor no Brasil em 2009.

Capa
Elisa von Randow
Apresentação, por Márcia Lima 9
Imagem de capa
Mayara Ferrão
O movimento negro na última década,
Revisão
Huendel Viana por Lélia Gonzalez 15
Nana Rodrigues
O golpe de 1964, o novo modelo econômico
e a população negra 17
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Movimento ou movimentos negros? 25
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Gonzalez, Lélia Experiências e tentativas 29
--- / Lélia Gonzalez, Carlos Hasenbalg. — i* ed. — Rio
Lugar de negro
de Janeiro: Zahar, 2022.
A retomada político-ideológica 39
ísbn 978-65-5979-O59-3

1. Negros - Brasil 2. Brasil-Relações raciais 3. Negros-Brasil-Con­ O Movimento Negro Unificado Contra


dições sociais 1. Hasenbalg, Carlos, n. Título.
a Discriminação Racial (mnu) 55
22-99992
índice para catálogo sistemático: cdd: 305.896081
1. Brasil: Negros: Sociologia 305.896081
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - crb-8/ 9427
Raça, classe e mobilidade, por Carlos Hasenbalg 85
O estudo das relações raciais nos Estados Unidos 89

[2022] Relações entre negros e brancos no Brasil 105


Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA SCHWARCZ S.A. Racismo e desigualdades raciais no Brasil III
Praça Floriano, 19, sala 3001 — Cinelândia
20031-050 — Rio de Janeiro — rj Conclusão 121
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Notas 137
Apresentação

É uma enorme alegria apresentar aos leitores e leitoras


brasileiros esta nova edição de Lugar de negro, no mesmo
ano em que se completam quarenta anos de sua publicação
original. O livro reúne três textos de duas grandes refe­
rências dos estudos sobre relações raciais e desigualdades
raciais no Brasil.
A produção intelectual e a liderança de Lélia Gonzalez,
uma das mais importantes pensadoras brasileiras do século
xx, sempre foram marcantes na história do movimento ne­
gro e na construção do feminismo negro. Sua obra manteve-
-se viva e influenciando novas gerações graças aos inúmeros
esforços do ativismo negro em garantir a circulação de suas
idéias. Mais recentemente, com a publicação da coletânea Por
um feminismo afro-latino-americano — concentrando em um
só volume grande parte de sua produção escrita —, o alcance
do pensamento da autora mudou de patamar. Carlos Hasen-
balg, sociólogo argentino, viveu no Brasil por quase quarenta

9
Lugar de negro II
Apresentação

anos, e seu livro Discriminação e desigualdades raciais no Brasil,


atenção para as desigualdades e hierarquias sociais, mas tam­
de 1979, é um divisor de águas na interpretação das relações bém para as formas de luta e resistência. A importância de um
entre classe e raça nos estudos sociológicos sobre o tema. pensamento feminista afro-latino-americano que evidencia
Lugar de negro, este pequeno e potente livro, sintetiza uma reflexão de e sobre mulheres negras dá sentido à ideia de
questões muito centrais ao debate racial brasileiro. E po­ lugar enquanto uma posição da qual se fala. Em um de seus
demos começar pelo título. O termo lugar nos remete textos mais fundamentais, “Racismo e sexismo na cultura
a uma dimensão muito crucial das desigualdades raciais. brasileira”,* Gonzalez nos diz que "o lugar em que nos situa­
Lélia Gonzalez, em diversos de seus textos, relembra uma mos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno

frase de Millôr Fernandes sobre a peculiaridade do racismo do racismo e do sexismo”. A essa perspectiva, alinha-se a ideia

brasileiro ao dizer que "no Brasil não existe racismo por­ do lugar emancipatório que a mulher negra ocupa trazendo,
em suas palavras, "a marca da libertação de todos e de todas”.
que o negro conhece o seu lugar”. “Saber o seu lugar é
O sentido natural do lugar social dá espaço ao sentido político
uma expressão de naturalização das posições sociais, uma
hierarquia presumida que aloca indivíduos segundo os mar­ presente na construção do feminismo negro.
cadores sociais de raça, classe, gênero e território. Naquele Carlos Hasenbalg, assim como Gonzalez, trabalha a
ideia de lugar como resultante de práticas discriminatórias
momento, refletir sobre os processos discriminatórios de
impostas à população negra que atuam com o intuito de
construção dessas posições sociais havia se tornado uma
tarefa primordial da agenda intelectual e política de pes- regular suas aspirações através da construção dos "lugares

quisadores e militantes. É digno de nota que, na época do apropriados”. Ao analisar o negro na publicidade, no ar­
lançamento deste livro, foram publicados também O lugar tigo que fecha a presente obra, o autor destaca como esse
da mulher, organizado por Madel Luz, e O lugar do negro na segmento reproduz estereótipos, contribuindo para a cons­
força de trabalho, escrito por Lucia E. G. de Oliveira, Rosa trução desses lugares que em geral confinam o negro em
M. Porcaro e Tereza C. N. Araújo. posições subordinadas ou de entretenimento.
Mas há outros sentidos importantes atribuídos à ideia de
lugar, presentes em especial na obra de Lélia Gonzalez, cujo
* Ver Lélia Gonzalez, Por umfeminismo afro-latino-americano. Rio de
pensamento é marcado por duas chaves analíticas: chamar
Janeiro: Zahar, 2021.
Lu^ar^ negn
Apresentação 13
Assim, o lugar de negro é construído a partir das di­
mensões socioeconômicas, mas também de protagonismo Carlos Hasenbalg, por sua vez, traça um panorama da
político. Os autores sintetizam aqui importantes reflexões discussão racial no Brasil debatendo os principais aspectos
sobre a questão racial brasileira, alinhando-se ao modelo analíticos sobre a configuração do racismo e das desigual­
interpretativo que aborda a discriminação racial como um dades raciais. O autor analisa a produção estadunidense
mecanismo central de produção e reprodução das desi­ acerca da temática racial e tece uma crítica importante às
gualdades. Escrito durante o período de redemocratização teses assimilacionistas e à abordagem marxista da época.
do país, este livro contribuiu para uma grande tarefa que Ele argumenta que relegar o preconceito racial e o racismo

o movimento negro brasileiro enfrentava: desconstruir a ao reflexo das relações de classe subestima o papel especí­

narrativa da democracia racial que tinha sido fortalecida fico da opressão racial na sociedade brasileira.
na ditadura. Trazendo o debate para o caso brasileiro, Hasenbalg

Lélia Gonzalez dedica-se aqui a apresentar o processo examina as principais vertentes interpretativas das relações
de consolidação do movimento negro, abordando questões raciais, destacando que, embora distintas, todas mantêm a
significativas sobre sua formação e consolidação e desta­ perspectiva assimilacionista, imputando às características

cando a existência de uma tradição de mobilização negra do grupo subordinado a responsabilidade por sua situação

no país desde o pós-abolição. Seu ensaio narra as condições desigual. Essas perspectivas, segundo ele, não consideram
históricas, econômicas e políticas nas quais o movimento a possibilidade de racismo, industrialização e desenvolvi­
negro constrói seu caminho, culminando na mento capitalista coexistirem. Sua tese é que preconceito e
Movimento Negro Unificado, em 1978. A criação do discriminação raciais são ressignificados na nova estrutura
sua própria trajetória política, depoim. autora mobiliza social, e que as práticas racistas geram benefícios materiais
e diversos fatos históricos marcantes, tentos de militantes e simbólicos ao grupo dominante ao desqualificar compe­
do percurso, as múltiplas formas de e recupera, ao longo titivamente a população negra.
atuação política do
movimento negro, os desafios imposto: Passadas quatro décadas, os temas abordados em Lugar
organizações negras e a importância d: >s internamente às de negro seguem atuais. Compreender as configurações de
na construção das suas pautas, dem. as mulheres negras raça e classe no Brasil, assim como o lugar da discriminação
andas e ações.
racial no entendimento das desigualdades, é uma agenda
negro

intelectual cara aos estudos sociológicos. Da mesma forma


o lugar e o protagonismo do movimento negro brasileiro
na construção da democracia no país são temas centrais no
debate político contemporâneo. Revisitar essas interpreta­
ções é sempre muito enriquecedor e estimulante.

Márcia Lima

O movimento negro
na última década

LÉLIA Gonzalez

Márcia Lima é professora do Departamento de Sociologia da


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo (pflch/usp) e pesquisadora sênior associada ao Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde coordena o
Afro — Núcleo de Pesquisa sobre Raça, Gênero e Justiça Racial. Tem
pesquisado e publicado nas áreas de desigualdades raciais, gênero, raça
e ações afirmativas.
O golpe de 1964, o novo modelo econômico
e a população negra

O golpe militar de 1964 procurou estabelecer uma "nova


ordem” na sociedade brasileira, já que, de acordo com aque­
les que o desencadearam, "o caos, a corrupção e o comu­
nismo” ameaçavam o país. Tratou-se, então, do estabele­
cimento de mudanças na economia mediante a criação do
que foi chamado de um novo modelo econômico em subs­
tituição ao anterior. Mas para que isso se desse, os militares
determinaram que seria necessário impor a "pacificação" da
sociedade civil. E a gente sabe o que significa esse termo,
"pacificação”, sobretudo na história de povos como o nosso:
o silenciamento, a ferro e fogo, dos setores populares e de
sua representação política. Ou seja, quando se lê pacificação,
entenda-se repressão.
E muitas foram as medidas tomadas no sentido de ga­
rantir a nova ordem das coisas. A supressão dos antigos
partidos políticos (ficando Arena e mdb em seu lugar); a cas­
sação do mandato de numerosos representantes políticos e

17
18 Lugar de negro
O golpe de 1964, o novo modelo econômico e a população negra 19

O consequente enfraquecimento do Congresso. Alem disso,


faz parte e que, desde as décadas de 1950 e 1960, vinha num
a dispersão das ligas camponesas, a supressão das guerrilhas
processo de crescimento.
urbanas, as prisões, as torturas, os desaparecimentos e os
A entrada agressiva do capital estrangeiro no país am­
banimentos constituíram o pano de fundo necessário para
pliou o seu parque industrial. E, à primeira vista, até que
o estabelecimento da paz social. Os Atos Institucionais,
poderia parecer um grande avanço para a totalidade da
que tiveram no malfadado Ai-5 a expressão mais acabada
população brasileira. Mas acontece que tal agressividade
da ditadura, foram o instrumental privilegiado para que ela determinou, por sua vez, a desnacionalização ou o desa­
impusesse suas decisões. E foi dentro desse quadro que se parecimento das pequenas empresas. E era justamente por
partiu para a concretização do que ficou conhecido como elas que o trabalhador negro participava do mercado de
o “milagre econômico” brasileiro.
trabalho industrial. Enquanto isso, no campo, desaparecia
E o que foi que caracterizou esse tal “milagre”? De a pequena propriedade rural para dar lugar à criação de
acordo com analistas econômicos e políticos, sua caracte­
latifúndios, por parte das poderosas corporações multina­
rização consistiu naquilo que eles chamaram de Tríplice cionais, amparadas pelo governo militar. Era o capitalismo
Aliança, ou seja, no casamento entre estado militar, as mul­
invadindo todos os setores da economia brasileira.
tinacionais e o grande empresariado nacional. E foi graças
Essa ofensiva ocasionou grandes índices de desemprego
a essas núpcias que se deu o processo de crescimento desse
no campo. E se a isto se acrescenta a política de diferencia­
barato que a gente tanto discute nos dias de hoje, mas que
ção do salário mínimo por regiões (beneficiando sobretudo
está saindo muito caro para o trabalhador brasileiro- a dí
o Sudeste), a gente pode imaginar qual o tipo de saída en­
vida externa. Desnecessário dizer que as massas para va
contrado pelo trabalhador rural para fugir da miséria: o
riar, ficaram completamente excluídas da partilha do bolo
deslocamento para a periferia dos grandes centros urbanos.
do “milagre”. Muito ao contrário, os "benefícios” qUe re
Começava, desse modo, a inversão da relação populacio­
ceberam tiveram como resultado o seu empobrecimento
nal entre campo e cidade (de acordo com o censo de 1980,
determinado pela política do arrocho salarial. E quando
a população urbana passou a constituir 67,57% do total).
gente fala em massas, a gente está se referindo também Oü
Graças a esse êxodo rural, as cidades não cresceram, mas
principalmente, ao grande contingente de negros qUe
“incharam”, com o aumento do número de favelas e o sur-
Lugar de negro
20 O golpe de 1964, o novo modelo econômico e a população negra 21

gimento desse novo personagem, 0 "boia-fria”, no cenário para o Sudeste, e se concentrando num mercado de trabalho
da história dos despossuídos deste país. que não exige qualificação profissional, o trabalhador negro
Com tal afluxo de mão de obra, não foi difícil para os tec- desconheceu os benefícios do “milagre”.
nocratas do poder realizarem seu projeto de crescimento Como já foi dito, o arrocho salarial, imposto como uma
econômico. A industria automobilística, assim como a de das condições para o desenvolvimento do país, resultou
construção civil, serviram de pontas de lança do processo que na queda do nível de vida da grande massa trabalhadora
afogou os demais setores da economia brasileira na voragem (basta lembrar que em 1976 cerca de 80% da força de trabalho
do imperialismo multinacional. A construção civil foi sobre­ era constituída por trabalhadores manuais, rurais e urbanos).
tudo um grande escoadouro da mão de obra barata (majori- Se em 1960 a população pobre participava da renda nacional
tariamente negra), porque não qualificada. E toma de abrir numa faixa de 18%, em 1976 essa percentagem havia caído
rodovias, de desativar ferrovias etc. e tal. Eram as grandes para 11%. Por outro lado, se em 1960 a participação do negro
obras do milagre ; e 0 seu exemplo mais grandiloquente está na força de trabalho não era das mais significativas, em 1976
aí, na ponte Rio-Niterói, que também poderia ser considerada ela atingia a faixa dos 40%. Por aí se vê que esse aumento de
como o túmulo do trabalhador desconhecido, tal o número participação no mercado de trabalho não significou uma me­
de vidas anônimas ceifadas durante a sua construção lhoria do nível de vida para o conjunto da população negra.
Outro grande escoadouro de mão de obrabarata foi a pres­ As condições de existência material dessa população
tação de serviço. Também ali encontramos 0 trabalhador negra remetem a condicionamentos psicológicos que de­
negro fortemente representado, sobretudo em atividades vem ser atacados e desmascarados. Os diferentes modos
menos qualificadas, tais como limpeza urban de dominação das diferentes fases de produção econômica
mésticos, correios, segurança, transportes urban no Brasil parecem coincidir num mesmo ponto: a reinter-
presença era pequena, por exemplo, num tip0
pretação da teoria do lugar natural, de Aristóteles. Desde a
trial como o do abc paulista, uma vez que 0 nível
época colonial aos dias de hoje, a gente saca a existência de
das indústrias ali concentradas exigia um tip0 de
uma evidente separação quanto ao espaço físico ocupado
ção que a maioria dos trabalhadores negros não ia^za-
Possuía p-_ por dominadores e dominados. O lugar natural do grupo
suma, deslocando-se do campo para a cidade, ou d v.
0 Ardeste branco dominante são moradias amplas, espaçosas, situa-
LuSar de negro
0 golpe de 1964, 0 novo modelo econômico e a população negra 23

das nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devi­


justifica a atuação desse aparelho repressivo falando em
damente protegidas por diferentes tipos de policiamento-
ordem e segurança sociais.
desde os antigos feitores, capitães do mato, capangas etc.
A partir daí, o sistema se beneficia com a manutenção de
até a polícia formalmente constituída. Desde a casa-grande
tais condições, na medida em que, desse modo, conserva à
e do sobrado, até os belos edifícios e residências atuais, o sua disposição a mão de obra mais barata possível. Isso por­
critério tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do que a comunidade negra nada mais é do que mão de obra
negro é o oposto, evidentemente. Da senzala às favelas, cor­ de reserva, utilizável segundo as necessidades do sistema.
tiços, porões, invasões, alagados e conjuntos “habitacionais” Ou seja, além dos aspectos acima assinalados, a estraté­
(cujos modelos são os guetos dos países desenvolvidos) dos gia também se exerce de maneira a favorecer os patrões,
dias de hoje, o critério também tem sido simetricamente o mediante a repressão policial (que exige dos negros, como

mesmo: a divisão racial do espaço. documento, a apresentação da carteira profissional). Pres­


sionado pela polícia, de um lado, e pelas péssimas condições
No caso do grupo dominado, o que se constata são famí­
de vida, do outro, o negro oferece a sua força de trabalho
lias inteiras amontoadas em cubículos, cujas condições de
higiene e saúde são as mais precárias. Além disso, aqui tam­ por qualquer preço no mercado de trabalho.
A Baixada Fluminense, nesse sentido, apresentai-se co-
bém se tem a presença policial, só que não é para proteger,
mo exemplo privilegiado. Seu crescimento populacional
mas para reprimir, violentar e amedrontar. É por aí que se
(a “inchação” de que falamos) gerou suas cidades-dormi-
entende que o outro lugar natural do negro sejam as prisões
tórios e, em pouco tempo, levou-a a ocupar as manchetes
e os hospícios. A sistemática repressão policial, dado o seu
do noticiário policial; foi transformada em área preferen­
caráter racista (segundo a polícia, todo crioulo é marginal
cial da ação dos esquadrões da morte e congêneres. Seus
até que se prove o contrário), tem por objetivo próximo a
habitantes logo se acostumaram a um novo componente
imposição de uma submissão psicológica através do medo.
da paisagem: os “presuntos” (cadáveres) “desovados” pelos
A longo prazo, o que se pretende é o impedimento de qual­
“justiceiros” da nova ordem. Vale notar que 70% desses
quer forma de unidade e organização do grupo dominado,
“justiçados” eram negros. Discriminação racial? Era proi­
mediante a utilização de todos os meios que perpetuem
bido falar dessas coisas naqueles anos de “milagre , uma
sua divisão interna. Enquanto isso o discurso dominante
^ar^0
vez que se estaria ferincb
-L^eSegurançaNaclMa|pw
crime de subversão.
Enquanto isso, os novos setores da classe média funcio­

navam como suporte ideológico do ‘milagre”. Era a grande


Movimento ou movimentos negros?
euforia do “Ninguém segura este país”: eletrodomésticos,

carro do ano, tv em cores, Copa de 70, Irmãos Coragem, com­


pra de apartamento, de casa na praia, na montanha, disso,
daquilo e muito mais. E a turma “tava que tava”, muito

orgulhosa de si e de seu país. Portanto, nada mais natural


do que a gente ver, nos plásticos dos automóveis, expres­ Na verdade, falar do movimento negro implica tratar de

sões tais como “Brasil: Ame-o ou deixe-o”. Propaganda e um tema cuja complexidade, dada a multiplicidade de suas
variantes, não permite uma visão unitária. Afinal, nós, ne­
publicidade firmes em cima, fazendo a cabeça; muito riso,
gros, não constituímos um bloco monolítico, de caracte­
muito brilho, muita assepsia, muito perfume. Muita festa,
rísticas rígidas e imutáveis. Os diferentes valores culturais
grandes carnavais... Enquanto isso, dos subterrâneos do
trazidos pelos povos africanos que para cá vieram — ioru-
regime emanavam odores pestilenciais, acompanhados de
bás ou nagôs, daomeanos, malês ou muçulmanos, angola­
choro e ranger de dentes. Curioso que provenientes de jo­
nos, congoleses, ganenses, moçambicanos etc. —, apesar
vens dessa mesma classe média.
da redução à "igualdade”, imposta pela escravidão, já nos
Sabemos que as contradições internas do modelo vi­
levam a pensar em diversidade. Além disso, os quilombos,
gente, aliadas à crise do petróleo, acabaram por desmas­
enquanto formações sociais alternativas, o movimento
carar o milagre . Não foi por acaso que o governo Geisel
revolucionário dos malês, as irmandades (tipo Nossa Se­
iniciou-se sob o signo da distensão. E também não foi por
nhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos), as
acaso que diferentes setores da sociedade civil começaram a
sociedades de ajuda (como a Sociedade dos Desvalidos de
desencadear seu processo de contestação ao regime durante
Salvador), o candomblé, a participação em movimentos po­
aquele governo. Foram os estudantes que deram o alerta
pulares etc. constituíram-se em diferentes tipos de resposta
geral em termos de movimentos e conquistas populares...
ao regime escravista. Por outro lado, que se pense nos ciclos
26
Lu8ar de negro
Movimento ou movimentos negros? 27

da economia e seus deslocamentos (não só da população es­


nesta sociedade? Ou pela transformação da mesma? Etc.
crava, mas dos centros de decisão política), assim como nas
etc. e tal... Os diferentes tipos de resposta a essas questões,
diferenças regionais que daí resultaram. Que se pense no e a muitas outras, acabam por levar a gente a falar de mo­
advento da sociedade burguesa e das relações capitalistas, vimentos negros... no movimento negro. Pois é.
com seus abolicionismos e republicanismos. E que não se O que fica claro, a partir dessas considerações, é que este
deixe de pensar, sobretudo, no caráter autoritário e racista texto reflete uma escolha, que é aquela que estou fazendo.
da sociedade brasileira em geral, assim como nos diferentes Consequentemente, ele apenas designará alguns traços que
meios que ela tem utilizado para concretizá-lo. Agora, se considero importantes para a compreensão do movimento
a gente junta tudo isso (e muito mais), uma pergunta se negro. E o enfoque adotado não deixa de explicitar a pers­
coloca: será que dá para falar do movimento negro? pectiva de um movimento negro: o Movimento Negro
É claro qúe, se a gente adota a perspectiva acima deli­ Unificado, o mnu. O que se segue é resultante de leituras,

neada, não dá. Como não daria pra falar do movimento papos, algumas escritazinhas próprias, alguma prática, as­

de mulheres, por exemplo. No entanto, a gente fala. Exa­ sim como da entrevista que fiz com três companheiros: Ha­
milton (mnu/sp), Astro (mnu/rj) e Paulo Roberto (Instituto
tamente porque está apontando para aquilo que os dife­
de Pesquisa das Culturas Negras, ipcn, do Rio).*
rencia de todos os outros movimentos; ou seja, a sua espe­
cificidade. Só que nesse movimento, cuja especificidade é
o significante negro, existem divergências, mais ou menos
fundas, quanto ao modo de articulação dessa especificidade.
Deve o negro assimilar e reproduzir tudo o que é euro-
branco? Ou só transar o que é afronegro? Ou somar os dois?
Ou ter uma visão crítica de ambos? Deve o negro lutar pra
encer na vida através do seu esforço pessoal para, desse
odo, provar que é tão capaz quanto o branco? Ou lutar
* Lélia Gonzalez se refere a Hamilton Cardoso, Astrogildo Esteves
com e pelo conjunto da população negra? Juntamente Filho e Paulo Roberto dos Santos. Salvo indicação em contrário, todas
com as notas de rodapé são da presente edição.
nao negros também oprimidos? Ou não? Por um espaço
Experiências e tentativas

No período que se seguiu à abolição, o negro buscou


organizar-se em associações que nós, de um modo geral,
nos habituamos a chamar de entidades. Hamilton Cardoso
assim as caracteriza:

Elas são consequências diretas de uma confluência entre o


movimento abolicionista, as sociedades de ajuda e a alforria e
os agrupamentos culturais negros. Seu papel é o de legitimar a
existência do negro dentro da sociedade, diante da legislação.
Elas reúnem os negros oficialmente, de forma independente,
para praticar o lazer e suas culturas específicas. Escondem
no seu interior pequenas organizações familiares de ajuda e
solidariedade, para o desenvolvimento social. Reproduzem,
em muitas de suas atividades sociais, os sistemas dominantes
de organização social. [...] Um dos exemplos é o Clube Flo­
resta Aurora, do Rio Grande do Sul, estado de baixo índice
de negros, mas de tradição militante no movimento negro.

29
30

Lugard^egro
Experiências e tentativas 3i
Dependendo do tlp„ de atividade des
Oe™»Se0„sidelá4a!cornoen dMo-
Em suma, esses dois tipos de entidades negras remetem-nos

*->~e^.sideológi-x^: para dois tipos de escolha: o assimilacionismo e a prática cul­


tural. O primeiro grande movimento ideológico pós-abolição,

zx::rrés,cordõe!'mar’“,us'™ch“'
masiuIt S"S“laS
a Frente Negra Brasileira (1931-8), buscou sintetizar ambas as
práticas, na medida em que atraiu os dois tipos de entidade
para o seu seio. Por aí, dá para entender também o sucesso de
-«dade^Qn'"0^ 8r“d' »— *
sua mobilização. Afinal, ela conseguiu trazer milhares de ne­

dos abre.alas 37a s,8nífcaçto d° >■“' gros para os seus quadros. Precedida pelo trabalho de uma im­

elas se„pre prensa negra cada vez mais militante, a fnb surgiu exatamente
mpostas por tais " • Submeter às regras no grande centro econômico do país, que era e é São Paulo.
ração de negros ldades • Afinal, qualquer aglome-
Mais exatamente, na cidade de São Paulo, estendendo-se para
(um exemplo bem pr' • encarada
a**3 a corno caso de polícia outros municípios do interior. Com isso estamos querendo
bl°C0 negro de Salvad^ 0 de HÓS
lIÍ10 nós refere 'se a um famoso
refere-s,
ressaltar o seu caráter eminentemente urbano, uma vez que
lOr’ 0 Raches;
nais daqueia cidade n uues, que se consultem os é o negro da cidade que, mais exposto às pressões do sistema
a eP ?ara se ter
a Perseguiçã0 poupai a Uma da violência dominante, aprofunda sua consciência racial.
Policial de
ter s'do compie^^ ' 1Ue foi objeto, a pomo Por outro lado, a industrialização e a modernização, que
mente d,
4ue os tei Nã„ esqueçamos, se dão a partir de São Paulo para o resto do país, farão com

3°"^ lí.u„:a3^esat„.bM,elra,
;andomblé, que a organização política do negro encontre ali suas forças

3
aS entldades culturais de m iente-D
regist:
' Deequal
"> Pd-. de expressão mais avançadas. É em São Paulo que se inicia
o processo de integração do negro na sociedade capitalista,
na medida em ;itlsidode
de
sobretudo nos anos 1930, quando a imigração europeia é
sihilitaram ao mesmo tempo ansarein 0 'Ult ' ^P^
interrompida pelo governo Vargas. É por aí, também, que
Polírica, preparadora do advento^
exercíci,
:nt0 d°s m<°vitnept se compreende por que a fnb constituiu-se num dos setores
de caráter ideológico ’Ca
°snegros mais atrasados do operariado paulista (embora, a partir de
um racha interno, a Frente Negra Socialista lhe fizesse opo-
3* Lugar de negro
Experiências e tentativas 33

siçãó). Após 0 seu fechamento enquanto partido político, em


cesso de organização da comunidade. O ten inaugurou um
1937, os rachas internos acentuam-se e ela não ultrapassará
importante processo que se estendería pelos anos 1970 até os
o ano de 1938. 0 Estado Novo, com o seu “Trabalhadores
dias atuais (apesar do autoexílio do seu fundador Abdias do
do Brasil", não deixará de sensibilizar a comunidade negra,
Nascimento, nos Estados Unidos, a partir de 1968). Estamos
grandemente beneficiada por sua legislação trabalhista. De
falando do teatro negro que, nos anos 1970, por exemplo,
qualquer modo, a fnb é um marco dos mais importantes no teve no Grupo Evolução de Campinas uma das suas expres­
projeto de organização política do negro brasileiro. sões mais qualificadas, no sentido de efetuar um trabalho
As entidades culturais, organizadas no mesmo estilo cultural numa perspectiva política.
das recreativas, mas que se propõem a um melhor conhe­ Vale notar que é também a partir do período 1945-8 em
cimento ou a uma prática cultural mais politizada, encon­ diante que vamos encontrar a presença de representantes
trarão sua melhor expressão no período pós-Estado Novo. dos setores progressistas brancos junto às entidades negras,
Nesse sentido, o grupo que trabalhava no mais importante efetivando um tipo de aliança que se prolongaria, de ma­
órgão da imprensa negra, 0 Clarim da Alvorada, e criador neira mais ou menos constante, até os dias atuais. E nesse
da Frente Negra Socialista há pouco citada, reestruturou
ponto a gente se pergunta sobre a importância do papel de­
suas atividades através do Clube Negro de Cultura Social.
sempenhado pelo ten para além dos limites da comunidade
O período que se estendeu de 1945 a I948 caracterizou-
negra. Estamos nos referindo ao movimento de renovação
-se, portanto, pela intensificação das agitações intelectuais
do teatro brasileiro, a partir dos anos 1950. Além disso, não
e políticas dessas entidades que, agota, tratavam
se pode deixar de recordar que não foi por acaso que um
finição e da implantação definttwa das reivindicações da
Florestan Fernandes, por exemplo, iniciou suas pesquisas
comunidade negra. O Teatro E:
■xP«^ntald0Negr0(TEN)j sobre o negro nesse período.
no Rio de Janeiro, foi a mais alta
eXptes^ desse tipo de Ao lado do teatro negro, a poesia também foi uma das
entidade. Sua posição crítica em face
rac'sm0 e de suas mais vigorosas expressões das elites negras daquela fase, que,
práticas, seu trabalho concreto de alfab.
'etÍ2aç'ao-informa- sem perda de continuidade, marcou as novas gerações. So-
ção, formação de atores e criação de
lano Trindade de certo modo sintetiza esses dois aspectos,
para a questão racial, significou um grande Contam
aVan1°no tanto pela criação do seu Teatro Popular, quanto por sua ex-
pro-
34 Lug^denesn
Experiências e tentativas 35

traordinária produção poética. Afirmação de identidade cul­


confundem, nos enfraquecem e nos sufocam. As diferenças
tural e denúncia da exploração dos oprimidos constituíram a
de estilo, concepções de literatura, forma, nada disso pode
temática da poesia revolucionária de Solano. O movimento
mais ser um muro erguido entre aqueles que encontraram na
poético negro dos dias de hoje não perde de vista a pers­
poesia um meio de expressão negra. Aqui se trata de legítima
pectiva de que racismo e exploração socioeconômica estão
defesa dos valores do povo negro. A poesia como verdade,
muito bem articulados quando se trata de limitar e reprimir
testemunha do nosso tempo.
a comunidade negra. Vejamos o que nos diz esse verdadeiro Neste 1978, noventa anos pós-abolição — esse conto do vi-
manifesto que éa apresentação dos Cadernos Negros* em sua gário que nos prepararam —, brotaram novas iniciativas de
edição de lançamento, datada de 25 de novembro de 1978: conscientização, e Cadernos Negros surge como mais um sinal
desse tempo de África-consciência e ação para uma vida me­
A África está se libertando! Já dizia Bélsiva, um dos nossos velhos lhor; e, neste sentido, fazemos da negritude, aqui posta em

poetas. E nós, brasileiros de origem africana, como estamos? poesia, parte da luta contra a exploração social em todos os

Estamos no limiar de um novo tempo. Tempo de Àfrica- níveis, na qual somos os mais atingidos.
-vida nova, mais justa e mais livre, e, inspirados por ela, renas­ Cadernos Negros é a viva imagem da África em nosso con-

cemos arrancando as máscaras brancas, pondo fim à imitação. tinente. É a Diáspora Negra dizendo que sobreviveu e sobre­

Descobrimos a lavagem cerebral que nos poluía e estamos as­ viverá, superando as cicatrizes que assinalam sua dramática

sumindo nossa negrurabela e forte. Estamos limpando nosso trajetória, trazendo em suas mãos o livro.
espirito das idéias que nos enfraquecem e que só servem aos Essa coletânea reúne oito poetas, a maioria deles da geração

que nos querem dominar e explorar. que durante os anos 1960 descobriu suas raízes negras. Mas
Cadernos Negros marca passos decisivos para nossa valori- o trabalho para a consciência negra vem de muito antes; por
açao e resulta de nossa vigilância contra as idéias que nos isso, Cadernos Negros 1 reúne também irmãos que estão na
luta há muito tempo. Hoje nos juntamos como companheiros
Criada por — nesse trabalho de levar adiante as sementes da consciência
>r um grupo de jovens negros e negras dedicado à literatura,
“Publicação de
* Cultura"'■e’rnos
Centro de NeZros teve início em 1978, em São Paulo, no
Arte Negra (Cecan). Tornou-se uma importante para a verdadeira democracia racial.
referenciada lit<
- -teratura afro-brasileira. OS AUTORES
36
LuZar de negro
Experiências e tentativas 37

Ecoam nesse texto sonoridades que nos remetem às


sistas brancos. Daí para os anos 1960, começaria uma série
vozes de um Frantz Fanon, de um Agostinho Neto, de
de mudanças nas condições materiais de vida da popula­
um Amílcar Cabral, de um Malcolm X, de um Solano, de um
ção negra, como já vimos (deslocamento do campo para
Abdias e de tudo o que eles representam. Vivia-se, naquele
a cidade etc.).
tempo, a recente criação do Movimento Negro Unificado O golpe de 1964 implicaria a desarticulação das elites in­
Contra a Discriminação Racial. telectuais negras, de um lado, e o processo de integração
Além da contribuição das entidades culturais, vale res­ das entidades de massa numa perspectiva capitalista, de
saltar que as entidades negras de massa, apesar de todas outro. As escolas de samba, por exemplo, cada vez mais,

as tentativas de manipulação por parte do Estado Novo, vão se transformando em empresas da indústria turística.

continuaram seu projeto de resistência cultural. E se nos Os antigos mestres de um artesanato negro, que antes diri­
giam as atividades nos barracões das escolas, foram sendo
remetemos às escolas de samba, por exemplo, constata­
substituídos por artistas plásticos, cenógrafos, figurinistas
mos que sua produção não deixava de expressar a resposta
crítica da comunidade negra em face dos dominadores. A etc. e tal. O cargo de presidente de ala transformou-se numa
profissão lucrativa com a venda de fantasias. Os sambas
guisa de exemplo, vale recordar o que Candeia e Isnard
foram simplificados em sua estrutura, objetivando não só
nos contam a respeito do desfile de 1940 da Portela, cujo
o fato de serem facilmente aprendidos como o de poderem
enredo era Homenagem à Justiça”; como o samba de
ser gravados num mesmo disco. Os “nêgo véio” da Comis­
Paulo da Portela não foi bem ensaiado, “os componentes
são de Frente foram substituídos por mulatas rebolativas e
mudaram o sentido das palavras trocando ‘Salve a Justiça
tesudas. Os desfiles transformaram-se em espetáculos tipo
por Pau na Justiça ? Esse ato falho diz-nos muito mais
teatro de revista, sob a direção de uma nova figura: o car­
re o que sentia e pensava a comunidade do que todos
navalesco. Levantaram-se arquibancadas para ricos, pobres
s de enredo que pintaram durante e depois do
Estado Novo. Segundo os mesmos autores, foi a partir e remediados, autoridades e povo, nacionais e estrangei­
de t955 que elementos da elasse média branca passaram a ros, com a venda de ingressos nos respectivos preços. Tudo
requentar as escolas de samba. Como já vimos anterior- isso com a presença de jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas
ente-tratar-se-ia de representantes dos setores progres- e câmeras de tv durante os desfiles. Estes, por sua vez, pas-
38

saram a se dar segundo novas regras e horários rigorosos.


Afinal, tempo é dinheiro...
O regime militar não deixou de se beneficiar por aí,
A retomada político-ideológica
também. Retomando o populismo inaugurado por Var­
gas, iria aplicá-lo ao seu estilo proporcionando estímulo
a novas escolas (quanto ao primeiro grupo) ou reforçando
as mais antigas. Na verdade, ele sacou a importância das
formas organizativas encontradas pela comunidade negra
enquanto entregue à própria sorte (o texto de Candeia e Is- Dissemos que as elites intelectuais negras foram de­
nardnos dá um bom exemplo disso),2 e mandou ver. Quem sarticuladas pelo golpe de 1964. De fato. O autoexílio de
não se lembra do primeiro desfile da Beija-Flor no primeiro Abdias do Nascimento, enquanto figura das mais repre­
grupo? Seu samba-enredo era uma exaltação aos efeitos da sentativas, se não a mais, de todo um trabalho desenvol­
revolução” de 1964: "Tem o pis, o Pasep e também Fun- vido na fase anterior, confirma o que dissemos. Sem nunca
rural/ Levando ao homem do campo a segurança total . abandonar sua militância, ele iria enriquecê-la no exterior,
Não haveria muita diferença entre esse enredo e aquele da continuando sua denúncia do racismo brasileiro (nesse
Portela em 1941 ( Dez anos de glória”, em homenagem à
sentido, vale não esquecer que suas acaloradas discussões
Revolução de 1930), ou ainda aquele outro da mesma Por-
com exilados brasileiros muito contribuíram para que
,95’" ,01“ d" t«g0-, em homenagem estes, além de outras experiências vividas lá fora, retor­
” d' V"S“ “ ™ um. diferença,
nassem ao Brasil com um novo entendimento da questão
d. população nege,. negra). Enquanto isso, por aqui, a repressão desmobilizou
as lideranças negras, lançando-as numa espécie de semi-
todos os níveis, a indústria cultural/c 1
. mas também, uitura de massas, o clandestinidade isolada das organizações propriamen­
maior controle, uma nova
1
a» exploração a
economica... c°nsciência quanto
n te clandestinas (sabemos hoje que foi pequeno o número
de negros participantes dessas organizações; principal­
mente no que se refere aos que militavam no movimento

39
40
Lu^ar de negro
A retomada politico-ideológica 41

negro). A turma só se encontrava socialmente para biritar


mas ele também não tinha com quem falar; então, era incrível
e falar de generalidades. Mas a negadinha jovem começou
quando a gente se encontrava.
a atentar para certos acontecimentos de caráter interna­
cional: a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e as
E é no início dos anos 1970 que vamos ter a retomada do
guerras de libertação dos povos negro-africanos de língua
teatro negro pela turma do Centro de Cultura e Arte Negra
portuguesa. Vejamos o que nos diz um dos nossos irmãos,
(Cecan), em São Paulo, o alerta geral do Grupo Palmares,
companheiro de luta:
do Rio Grande do Sul, para o deslocamento das comemo­
rações do Treze de Maio para o Vinte de Novembro etc. No
Eu lia no jornal [sobre as guerras] de libertação dos países afri­ Rio de Janeiro, enquanto isso, ocorria um fenômeno novo,
canos, e muita coisa que acompanhei também do movimento efetuado pela massa de negros anônimos. Era a comuni­
dos negros nos Estados Unidos. Uma coisa que me chamou dade negra jovem, dando sua resposta aos mecanismos de
muito a atenção, no início dos anos 1970, fim de 1968, foi 0 exclusão que o sistema lhe impunha. Estamos falando do
livro do Cleaver, Alma no exílio. A primeira vez que ouvi falar movimento soul, depois batizado de Black Rio. Vejamos o
desse livro foi em 1968; eu o li naquela época e andava sempre depoimento de alguém que dele participou:
com esse livro; e esse livro, para mim, era o meu cartão de
isitas nos lugares em que chegava. Então, eu uma vez, eu me Embora já chegasse alguma coisa no Brasil, através dos meios
endi que eu começava a falar nisso com alguns negros, de comunicação de massa, só foi entendido como coisa negra
s pessoas que... elas não tinham as mínimas preocupa- a partir de 1971, por aí. Nessa época, eu andava muito pelo
Ções. Então
minha experiência pessoal começa por aí, quer subúrbio e já havia esse tipo de baile. Ainda não era exata­
dizer,
a Partir daí, pelo meu próprio interesse mente como ele apareceu para o grande público, mas já era
eu começava
a-em alguns lugareSiConheciado.
is ou três, a gente acabou o embrião. Eram bailes que tocavam muito James Brown,
juntando e num certo
momento, uma certa comunidade por exemplo. Um negócio que o pessoal curtia muito e tinha
de Pessoas que est;
avam interessadas na questão racial do ne- mais ou menos a mesma estrutura. Parece que surgiu a par­
Sro Aí,
me surpreendí porque fui conhecendo pessoas tir dos discotecários Big Boy e Ademir, que promoviam, nos
Que eu nui
hnagínava que o cara tivesse aquilo na cabeça,
subúrbios, bailes e concursos de dança. E o pessoal conseguia
42 Lll^r de negro A retomada politico-ideológica

dançar bem. Isto, aliás, é um dado importante: quem dança face do soul foi de surpresa e temor (mas a polícia sempre
em
bem o soul, dança bem o samba De repente, o pessoal esteve lá para garantir a “ordem”); enquanto isso, a intelec­

percebeu: “Bom, se o Big Boy pode fazer a equipe dele, eu tualidade progressista acusava-o de alienação, dizendo que

também posso me especializar nisso, ganhar dinheiro etc.”. crioulo tinha mais é que dançar samba...

Começam, então, a surgir equipes de negros. [...] Realmente Ainda segundo Carlos Alberto Medeiros, o Renascença
Clube inaugurou seus bailes-soul com as famosas Noites do
há um dado de alienação, há esse aspecto de fantasia, que faz
Shaft, ponto de encontro da turma que articulou o movi­
parte da coisa toda. Mas, ao mesmo tempo que existe esse
mento negro no Rio. Nesse mesmo ano, 1974» o Centro de
dado, existe também um fator importante, que é o da agluti­
Estudos Afro-Asiáticos e a Sociedade de Estudos da Cultura
nação. [...] No momento em que se pode perceber que “já que
Negra no Brasil (secneb, de Salvador), com a colaboração
eu posso me unir para fazer isso, eu posso me unir para fazer
do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, realizaram
uma coisa mais positiva”, isso se torna importante. É claro
as Semanas Afro-Brasileiras, no período que se estendeu de
que nem todo mundo faz essa passagem.3
30 de maio a 23 de junho, com exposição de arte afro-brasi­
leira, experiências de danças rituais nagô, de música sacra,
Interessante notar que o soul foi um dos berços do movi­
popular e erudita afro-brasileira. Tudo isso acompanhado
mento negro do Rio, uma vez que a moçada que ia aos bailes
de seminários e palestras, com a presença de 6 mil pessoas,
não era apenas constituída de trabalhadores, mas de estu­
dantes secundários e universitários também. O fato é que a vindas de diferentes bairros e camadas sociais do Rio.5 A

negrada jovem da Zona Norte e da Zona Sul começou a se exposição de arte sacra (objetos litúrgicos segundo modelos

ruzar nesses bailes, que reuniam milhares de pessoas, todas tradicionais nagô-iorubá), recriação de símbolos e arte po­

negras. O fenomeno também se estendería para São Paulo; e pular, foi organizada por Juana Elbein dos Santos e Mestre
se a gente pega um dos números doJorntgro4 e lê a entrevista Didi (o assogbá Deoscóredes Maximiliano dos Santos, do
gadinha (dezoito a vinte anos), a gente vê uma coisa, e Axé Opô Afonjá, de Salvador). Antes de chegar ao Brasil, ela
Tviv eSSenClak nã° é aUenada; t0d0S afirmam’ P°rílue fora apresentada em Lagos, Acra e Dacar, na África, assim
como em Paris, Londres e Buenos Aires. As Semanas foram

que a reação do "grande público” decisivas para o movimento negro carioca.


44 A retomada politico-ideológica

Vale aqui um pequeno comentário. Interessante qUe tários, falavam de mal-amadas


brilhantes; em seus comen
o movimento negro do Rio teve duas fontes de origem: Desnecessário dizer que
coisas que tais, baixaria mesmo.
e
participaram de tais
de um lado, a comunidade negra, dando ciência de como suas esposas ou companheiras nunca
recebeu os efeitos do movimento negro norte-americano; reuniões, na medida em que ficavam em casa cuidando

do outro, uma iniciativa oficial, acadêmica, transada não das crianças, da casa etc., o que é sintomático. De um
modo geral, esses machões eram de uma geração mais
em termos de “Oropa, França e Bahia”, mas, ao contrário,
velha, porque os mais jovens cresceram junto com suas ir­
via “Bahia, África e Oropa”, e com muito axé em cima.
mãs de luta. Aliás, vale notar que não existe coisa mais ho­
Pois é...
mossexual, e no pior sentido, porque não conscientizado e
A partir das Semanas, a “tiurma” entrou em contato com
assumido, do que o ressentimento sectário dos machistas.
0 Afro-Asiático, e passou a se reunir em suas dependencias.
De qualquer modo, o avanço das mulheres negras, dentro
Durante o decorrer da semana, encontravam-se duas vezes
do movimento negro carioca, marcaria sua diferença com
para preparar dois tipos de texto: um com o noticiário
relação a outras regiões (onde, hoje, o quadro é diferente,
peito de atos de discriminação e outro relativo ao perío
apesar dos pesares). No ano seguinte, em 2 de julho de
pré-colonial na África. Aos sábados, reunião geral para
cutir os textos, na base da dinâmica de grupo. No domingo, 1975, num encontro de mulheres realizado na Associa­

estava todo mundo na Noite do Shaft no Renascença. A ção Brasileira de Imprensa,* lá estavam aquelas jovens e
cada reunião o grupo crescia. valentes negras, marcando sua posição num importante
Chegou um ponto documento, em que diziam:
em que as mulheres passaram a se
reunir separadam,
ente para, depois, todos se reunirem
numa sala maior, onde se di* O destino da mulher negra no continente americano, assim
È claro que pintou macbism.
^sentiam os problemas comuns.
como o de todas as suas irmãs da mesma raça, tem sido, desde
bem solidariedade e entendi:to e paternalismo, mas tam-

mamfestou-se num tipo de mento. O atraso de alguns


chista, que caracterizava o moralismo calvinista e ma- Trata-se do evento “O papel e o comportamento da mulher na reali­
dade brasileira”, patrocinado pelo Centro de Informação da onu, rea­
Rtiantod; se sentiam ameaçados
pela capacidade e sensibilidade lizado entre 30 de junho e 2 de julho de 1975, na sede da abi, no Rio
de Janeiro.
•as companheiras mais
X retomada politico-ideológica 47
a sua chegada, ser uma
c°tsa, um objeto d
reprodução sexual. eproduÇãooude
A“im.amulhe,„egrabr,.|effi para conferir. (É por aí também que dá pra sacar uma das
uma herança cruel: 'a recebeu
ser não apenas o objeto de razões pelas quais os negros que "subiram na vida” prefe­
sim como o home: Pr°dução(as.
m negro também rem se casar com mulheres brancas; são mais submissas,
oera>. mas, mais ainda,
ser um objeto de também por razões historicamente analisáveis. Mas isso
prazer para os colonizadores. O fruto dessa
covarde procriação é é papo pra outros escritos.) Se a gente junta a essa prática
o que agora é aclamado como 0 único
Produto nacional uma consciência política, dá para entender por que não só
que não pode ser exportado: a mulher ntu-
lata brasileira, nossos irmãos mas determinados setores do movimento
Mas, se a qualidade desse "produto” é tida
como alta, de mulheres ficaram chocados com a nossa autonomia e
atamento que ela recebe é extremamente de-
§radant< a agressividade de mulheres negras. Aliás, é importante
sujo e desrespeitoso.
ressaltar que agressividade aqui significa "chamar a si”, ou
Fo1 a Partir da seja, "chamar às falas”. Pois é... Mas, voltemos às reuniões
convivência
V1mento Ne. com essas irmãs, já no Mo- do Afro-Asiático.
lgro Unificado^,
e trabalh; lUe passei a me preocupar com Dizíamos que o grupo crescia. Sobretudo no aprofun­
sobre
trabalh, Própria especificidade. E nesse damento do nível político das discussões. Nesse momento,
denãoser r» por exemplo, que, pelo fato setembro de 1974, o grupo transformou-se em entidade, a
tado“,maspar:
aSar com Urn príncipe encan- Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba). Meses de­
aotrabalh(
COnô^as concr| P r razões históricas e socioe- pois, surgiu um racha em função de divergências quanto
etaS)}
Submissa. Sua. mulher negra não faz
PrátiC; o gênero ao método e a onde desenvolver um trabalho concreto. O
consciènciade Udiana faz a .
^lh<'e cabe bataih dííguém que tem grupo dissidente, que saiu, preferia desenvolver um traba­
ças” (como ouvi,
d(Le ar Pelo "leite das crian- lho na Zona Sul, enquanto o pessoal da Sinba defendia a
c°ntar muii
lto c°m o <• tese de que se deveria partir para a Zona Norte. Vejamos o
policial :argentelir), sem
e outros
^Prego, violência que nos diz Paulo Roberto a esse respeito:
De fato, as últimas
Pesquisas ef tatUbé]
em matéria de mulher 1X1 do sexismo).
lustram que, Esse pessoal que ficou pro lado da Zona Sul acabou se en­
contrando com outro grupo, meio elitizado, de Zona Sul
negra taí
49
A retomada politico-ideológica

que eram os famosos atores da tv Globo; não eram todt manipular seus talões de cheques, impôs algumas tarefas de
Los
atores mas havia um grande número de atores que se reu­ caráter extremamente culturalista, que nos atrapalharam

nia — negros, todos negros — que se reunia na Zona Sul para cacete no Rio de Janeiro. E essas tarefas foram o quê?

Por exemplo, promover shows, showzinho do artista Fulano


(acrescentando que alguns elementos eram profissionais li­
de Tal aqui, teatrinho ali; sabe? Esse tipo de coisa foi muito
berais, também da Zona Sul), no apartamento de algumas
negativo para a entidade. Num certo aspecto, a gente teve
pessoas. E nós acabamos encontrando esse grupo no Teatro
um desgaste político; não um desgaste a nível da comunidade
Opinião. Exatamente por causa de um problema que tinha
porque, até pelo contrário, a gente andou muito pela Zona
pintado na Rede Globo, por ocasião daquela novela, Gabriela,
Norte naquela época. Lembro que nós fomos a vários bairros,
onde a Vera Manhães, mulher do Antônio Pitanga [...], que
àqueles conjuntos habitacionais; e, a partir da nossa presença
seria escolhida para o papel, foi preterida em função da Sô­
nesses lugares, muitos grupos foram criados na periferia. E
nia Braga. Então, o pessoal ficou pê da vida e [...] o grupo
esses grupos, na sua grande maioria, tornaram-se grupos de
todo se encontrou e houve uma série de reuniões lá no Teatro
teatro ou de dança. Mas houve um desgaste político muito
Opinião. E acabou surgindo daí o ipcn, Instituto de Pesquisa
grande nessa época, por conta desse grupo que o segurou [ao
das Culturas Negras, que, eu particularmente acho, foi um
ipcn] ideologicamente por muitos anos.
eufemismo que encontramos [...] para criar uma entidade

que procurasse não só trabalhar a nível cultural, mas que


De qualquer modo, o trabalho desenvolvido pelos ele­
pudesse ser uma entidade de mobilização política do negro.
mentos mais coerentes do ipcn em seus "circuitos itine­
s acabou tendo, no seu início, não uma ação política, mas
rantes”, resultaria, em 1976, na criação de uma outra enti­
Um trabalho Púncipalmente culturalista. Acho que um grupo
dade: o Centro de Estudos Brasil-África (Ceba), localizado
ha poder econômico dentro da entidade e que, de certa
maneira era rm, em São Gonçalo. Ainda em 1975, em novembro, a questão
lOria na diretoria, esse grupo, consequente-
negra passava a ser formalmente discutida na universidade:
dirigir objetivamente a entidade porque, como
depende ’ ^maS Prov*dências a nível organizacional o Grupo de Trabalho André Rebouças (gtar) realizava sua

primeira Semana de Estudos Sobre o Negro na Formação


tâo esse r ^nanceira Para poder funcionar. En-
P ’ Pel° SlTnPles fato de ter dinheiro, de poder Social Brasileira, na Universidade Federal Fluminense, reu-
^UíCle^T0
A retomãdã político-ídeológica 5i
nindo professores e pesquisadores nas mais diferentes áreas
especialistas na questão negra. A 8 de dezembro desse virar academia. Tampouco palácio. Nâo atribua a meu nome
mesmo ano, um grupo de compositores, sambistas, pessoas o desgastado sufixo "ão”. Nada de forjadas e malfeitas especu­
ligadas ao samba e sob a liderança de Antônio Candeia Fi­ lações literárias. Deixo os complexos temas à observação dos
lho, fundavam o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola verdadeiros intelectuais. Eu sou povo. Basta de complicações.
de Samba Quilombo. Oito de dezembro, dia de Oxum, a Extraio o belo das coisas simples que me seduzem.
deusa das águas doces... Reproduzamos aqui as diretrizes Quero sair pelas ruas dos subúrbios com minhas baianas

básicas dessa agremiação, que não se pretende apenas uma rendadas, sambando sem parar. Com minha comissão de frente

escola de samba, mas um centro de cultura negra: digna de respeito. Intimamente ligado às minhas origens.
Artistas plásticos, figurinistas, coreógrafos, departamentos

Estou cht culturais, profissionais, não me incomodem, por favor.


iegando...
Venhi Sintetizo um mundo mágico.
°C^fé.ReSpeitOmit,
negro. Busco os e tradições. Trago um canto Estou chegando...
herdade.
Não admito moldes. As forças con-
trarias são
Itluitas.Nãofa;
2 mal... Em 1976, eu mesma iniciava o primeiro curso de Cul­
Meus pés estãt
l° n°ch^ Tenho
portas estão ab< certeza da vitória. Minhas tura Negra no Brasil, na Escola de Artes Visuais (eav), do
,ertas- Entre
colaborar. Nin- com cuidado. Aqui todos podem Parque Lage, justamente no momento em que, graças à
lgUém Pode i,
Dou vazão à ri Operar. Teorias, deixo de lado, sua nova e jovem direção, aquela instituição se renovava.
ÍqUezadeUm
sustentáculo. O tt^ndo ideal. A sabedoria é meu Reunindo artistas e intelectuais progressistas, cuja produ­
amorémeu
bandeira. PrincípÍQ A imaginação é minha ção implicava uma visão crítica da realidade brasileira, a
Não sou radical. Pretendo eav tornou-se o maior espaço cultural do Rio de Janeiro
de uma cultura. Gritareib< ap^.Mv;
’aSuard;‘ar o que resta naquele período (tanto que sua desativação foi determi­
que cala vozes importantes e
e^nd0 nada a partir de Brasília no início de 1979, com o afasta­
alheias, falem quando bem :per
< mite unn sistema
mento de sua direção).
Não almejo títulos. Não al en*ndai ls» totalmente
"'ejo glóri Além do curso teórico (que em seguida se articulou
atlCo-atirador.
com outros dois: um de danças afro-brasileiras e outro de
de não
c- «en(
A retomada politico-ideológica
capoeira), que visava a analisar as instituições e oSval0

res culturais negros, assim como sua presença na foj


foi um sucesso, dada a qualidade dos textos e das músicas.
ção cultural brasileira, o espaço da Escola também foi abert0
Reportamo-nos a esse fato justamente porque nos parece
para a expressão viva de artistas e intelectuais negros. Du­
importante uma reflexão sobre um certo tipo de negro
rante três anos (1976, 1977, 1978), no mês de novembro, que a gente, hoje, chama de jaboticaba (preta por fora,
realizamos exposições de artistas plásticos, apresentações branca por dentro; doce... mas com caroço que não dá pra
de grupos de dança e de poesia, exibição de filmes, semi­ engolir). Falaremos do jaboticaba mais adiante.
nários, lançamentos de livros, espetáculos de música etc. Foi também em 1976 que se iniciaram os contatos en­
O mais significativo de tudo isso foi o espírito de solida­ tre o Rio e São Paulo, em termos de movimento negro.

riedade e colaboração não só dos amigos e colegas de eav A turma de São Paulo tomou conhecimento do que se

(que, juntamente com seus alunos, ajudaram na realização passava por aqui, através do Boletim do ipcn, e, então,

dos eventos), mas dos irmãos e companheiros do Olorum pintou por aqui para levar um papo. Esse foi o primeiro

Baba Min, do ipcn, do Ceba, da Sinba, da Zona Norte, da encontro de uma série que se realizaria em São Paulo,

Zona Sul, dos subúrbios, das favelas e até mesmo da África Rio Claro, São Carlos etc. As discussões se dariam em

(o cineasta torno de uma questão fundamental: a criação de um mo­


nigeriano Olá Balogum e o cantor angolano Sá
Moraes). Em vimento negro de caráter nacional. E foi assim que come­
1978, um dos eventos do que então chaniá çaram a ser lançadas as bases do Movimento Negro Uni­
vamos Ciclo
do Negro — Homenagem a Zumbi foi um
espetáculo d* ficado Contra a Discriminação Racial, o mnu. Sua criação
e música e poesia para o qual convidamos
numerosos ca efetiva, que se daria em junho de 1978 em São Paulo, como
ntores, músicos e atores negros. Interessante
notar que, d veremos em seguida, resultou de todo um trabalho dos
os atores e atrizes convidados para participar»
apenas dois setores mais consequentes das entidades cariocas e pau­
atores compareceram e deram sua colabora-
ção; os de listas, empenhados numa luta política comum. Vale dizer
ficaram com medo da "repressão” e nos
acusaram d< que a fundação do mnu não contou com a participação de
eram os m» ais. Exatamente porque, a essas alturas,
nenhuma grande personalidade, mas resultou do esforço
gamzação d<^ros do mnu/rj que estavam à frente da or-
de uma negrada anônima, dessas novas lideranças forjadas

1 qualquer forma, o espetáculo sob o regime ditatorial militar.


O Movimento Negro Unificado Contra
a Discriminação Racial (mnu)

Vejamos, através de seu primeiro documento, como se deu


a criação do então denominado Movimento Unificado Con­
tra a Discriminação Racial. Trata-se da carta convocatória
para o ato público contra o racismo:

Nós, entidades negras, reunidas no Centro de Cultura e Arte


Negra no dia 18 de junho, resolvemos criar um movimento
no sentido de defender a comunidade afro-brasileira contra
a secular exploração racial e desrespeito humano a que a co­
munidade é submetida.
Não podemos mais calar. A discriminação racial é um
fato marcante na sociedade brasileira, que barra o desen­
volvimento da comunidade afro-brasileira, destrói a alma
do homem negro e sua capacidade de realização como ser
humano.
O Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial foi
criado para que os direitos dos homens negros sejam respeita-

55
o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 57
d“c„m„pnmeiraaav.
realiz’táuni

áproKJJ"
dCOntec'mentos discriminatórios contra
‘°’àsi8h3o,no

'ntra°s últimos
gras devem desempenhar o seu papel histórico em defesa
da comunidade afro-brasileira; e, lembramos, quem silencia

consente.
d, v“lê»d°s pela imprensa. negr^.ampiamente
Não podemos mais aceitar as condições em que vive o
homem negro, sendo discriminado da vida social do país,
1X1“',abriI’ **»* de vivendo no desemprego, subemprego e nas favelas. Não po­
demos mais consentir que o negro sofra as perseguições cons­
tantes da polícia sem dar uma resposta.
ba„ilfcl d ga'“ Tiert' f»»". TODOS AO ATO PÚBLICO CONTRA O RACISMO

e. o.o TODOS CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL


atitudes ractattal a co«
CONTRA A OPRESSÃO POLICIAL

por Seu ato 3 COn^anÇa de que não será punido PELO FORTALECIMENTO E UNIÃO DAS ENTIDADES

AFRO-BRASILEIRAS
Nós também sabemos
d"“Como toa. Que os processos desses casos não
°S os outros casos de discriminação Assinavam o documento os seguintes grupos e asso­
raClal’Serãoapenas
is processos abafados e arquivados ciações: Câmara de Comércio Afro-Brasileira, Centro de
PelaSautoridadesd(
este País Arte e Cultura Negra, Associação Recreativa Brasil Jovem,
a^ntedatortura ora um dos casos tenha a
MaSOAtOPúblicoCoOnS&quente morte de um cidadão. Afrolatino América, Associação Casa de Arte e Cultu­

tepúdio. e convidam °’ Racismo marcará fundo nosso ra Afro-Brasileira, Associação Cristã Beneficente do Brasil,
Jornegro, Jornal Abertura, Jornal Capoeira, Company Soul,
tQres democráticos que lu-
8rossaremfileira easinjusr. Zimbabwe Soul. Nas reuniões seguintes, a primeira se
ac stlças aos direitos humanos
atOCOnt—ismo 'lr,,dade afto-hrasí(eira nesse retirou e o segundo começou a se atemorizar com a re­
Fazemosumconv.ti pressão. De qualquer modo, um grupo de membros do
d°Paisparaainpliari :e esPecial Cecan organizou-se com o Centro de Luta Decisão e levou
atodasas
ern ^osso eritidades negras
adiante a ideia de realização do Ato Público. Formou-se,
As entidades ne-
o Movimento Unificad° Contra a Discriminação Racial 59

então um. comissão que orga„i2aria a man,,


OS livros dos "cobras”. E foi aí, então, que me incumbiu de
chegar a ocasião do Ato Público ,
tidades e grupos: Afrolatino América, DeXí'’"''' representar a Quilombo no Ato Público: "Não importa o
que você diga, eu assino embaixo”. Pela primeira vez, para
Br^sileiro de Estudos Africanistas, Brasil Jovem, mim, alguém me fazia refletir sobre a responsabilidade que
Atletas Negros e acbb. se tem quando se começa um trabalho "por aí”,.. A 16 de
Contatos foram estabelecidos com o Rio de Janeiro. Um novembro daquele ano, Candeia trocou a sua situação de

dos atletas negros do Tietê veio ao nosso encontro para companheiro de lutas pela de ancestral (ou seja, faleceu,
segundo a expressão tradicional). E os já então companhei­
informar sobre os acontecimentos; cabia-nos, agora, mobi­
ros da Quilombo me indicaram para resumir e discutir
lizar as entidades negras cariocas. Abdias do Nascimento,
com os membros da ala dos compositores o enredo que ele
que chegara ao Rio alguns dias antes, proveniente dos Es­
escrevera. Nei Lopes e Wilson Moreira (essas duas “feras”)
tados Unidos, topou logo participar do processo, E não dá tiveram o seu samba-enredo escolhido como o melhor,
para esquecer aquela tarde ensolarada em que a gente se dentre outros muito bons. E, num trecho do samba, eles
mandou para Coelho Neto, para levar um papo com Can­ dizem: “E os quilombolas de hoje em dia/ São candeia que
deia sobre a participação da Quilombo no Ato Público. Papo
nos alumia”...
vai, papo vem, ele nos presenteou com o folheto do enredo Além da Quilombo, o Renascença Clube, o Núcleo Negro
para o próximo carnaval: "Noventa anos de Abolição . Fora Socialista, o Ceba e o ipcn foram as associações cariocas que
escrito por ele, Candeia, "baseado nas publicações de Ed­ apoiaram o novo movimento e assinaram uma nota conjunta
son Carneiro, Lélia Gonzalez, Nina Rodrigues, ArthurRa de solidariedade que foi remetida para São Paulo. Enquanto
isso, naquela cidade, como vimos, ocorriam as primeiras de­
mos Alípio Goulart”...
Surpresa e emocionada, disse-lhe que ainda não tinha fecções, determinadas pelo velho temor da repressão e pelo

um trabalho publicado digno de ter meu nome ao lado da não menos velho temor do comprometimento. Argumenta­
queles cobras” (afinal, um artiguinho aqui, outro acolá, va-se que um ato público era algo de muito sério e, no caso,
até mesmo temerário. Felizmente a lucidez e a firmeza dos
de tempos em tempos, não significava nada). Ele retruco
dizendo que sabia muito bem do trabalho que eu vinh mais decididos não se abateu diante de tais receios.

realizando por aí” e que isso era tão importante quant


6o
Lli^r de negro 0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 61

Cabe aqui uma referência quanto a uma constatação


Por aí a gente constata que o Sete de Julho é um marco
de caráter pessoal: a oportunidade de poder ter partici­
histórico muito importante para nós, na medida em que se
pado de um evento muito importante, a nosso ver, para constituiu em ponto de convergência para a manifestação,
a consolidação daquele movimento que viria a surgir em praça pública, de todo um clima de contestação às prá­
em São Paulo. A convite do Departamento Cultural da ticas racistas, assim como da determinação de levar adiante

Prefeitura de Salvador, dirigi-me para aquela cidade, na a organização política dos negros. Ora, esse clima e essa

primeira semana de maio, para dar um curso cujo título determinação já haviam pintado em diferentes pontos do

era: “Noventa anos de abolição: uma reflexão crítica”. 0 país, como já dissemos. Faltava esse Sete de Julho, garantia

entusiasmo dos debates com aquele público eminente­ simbólica de um movimento negro de caráter nacional.

mente negro e jovem deu-me a dimensão do que estava ...E estávamos todos lá, nas escadarias do Theatro Mu­

ocorrendo com a moçada negra em diferentes pontos do nicipal de São Paulo. Muita atividade (distribuição da carta

pais. Representantes do Grupo Malê, do Centro de Estu­ aberta à população, colocação de cartazes, faixas etc.), muita

dos Afro-Brasileiros, assim como de blocos e afoxés de alegria, muita emoção. As moções de apoio chegavam e

Salvador, lá estavam, discutindo e reivindicando, denun­ eram lidas com voz forte e segura. A multidão aplaudia.

ciando e se posicionando Como aplaudia os discursos que se sucediam. Graças às


contra o racismo. Chegamos a
um ponto em que tive ( mensagens de solidariedade de grupos, organizações, enti­
que adiar a viagem de retorno ao
Rio para que pudésser dades negras e brancas, de São Paulo e do Brasil; graças às
•mos melhor aprofundar as discus-
SÔes-° resultado desse falações que iam fundo em suas denúncias; graças àquela
2 encontro foi a criação de um novo
grupo, constituído multidão ali presente (cerca de 2 mil pessoas), negra na
Por membros dos [grupos] anterior-
rnente citados, assimr_ maioria (mas muitos brancos também); graças a todo um
como pelos que a eles não perten-
ciam. Mas porqueumno espírito de luta plurissecular de um povo, a emoção tomava
A novidade dele estava JV0 Srupo, se já existiam outros? conta da gente, causando uma espécie de vertigem. E um
no fato de articular de maneira
exphcitamentepoUti( sentimento fundo tomou conta de cada um quando ouvi­
lca a questão
viria a ser a base a racial. O Grupo Nego mos a leitura, a 2 mil vozes, da Carta Aberta à População,
deria a Salvador. Partir<Mual 0 futuro mnu se esten-
que assim dizia:
62

0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial


63
CONTRA O RACISMO
Pais de família desempregados, filhos desamparados, sem
Hoje estamos na rua numa campanha de denúncia! assistência medica, sem condições de proteção familiar, sem
Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão escolas e sem futuro. E é esse racismo coletivo, esse racismo
policial, contra o desemprego, o subemprego e a marginaliza- institucionalizado que dá origem a todo tipo de violência

ção. Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições contra um povo inteiro. É esse racismo institucionalizado

de vida da comunidade negra. que dá segurança para a prática de atos racistas como os que

Hoje é um dia histórico. Um novo dia começa a surgir para ocorreram no Clube Tietê, como o ato de violência policial

o negro! que se abateu sobre Robson Silveira da Luz, no 44o Distrito


Policial de Guaianazes, onde esse negro, trabalhador, pai de
Estamos saindo das salas de reuniões, das salas de confe-
* família, foi torturado até a morte. No dia iQ de julho, Nikon
rencias, e estamos indo para as ruas. Um novo passo foi dado
Lourenço, mais um negro operário, foi assassinado por um
na luta contra o racismo.
Os racistas do Clube de Regatas Tietê que se cubram, pois policial no bairro da Lapa, revoltando toda a comunidade e

giremos justiça. Os assassinos de negros que se cuidem, o povo em geral.

P°lS a eleS também exigiremos justiça! Casos como esses são rotina em nosso país que se diz de-

ENTO UNIFICADO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL


mocrático.
foi criado para sp E tais acontecimentos deixam mais evidente e reforçam a
r um instrumento de luta da comunidade
negra'Estemov'^ntodevete: justiça de nossa luta, nossa necessidade de mobilização.
balhode^nciapermanentl t como princípio básico o tra
É necessário buscar formas de organização. É preciso ga­
;e de todo ato de discriminação
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rantir que este movimento seja um forte instrumento de luta
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te racismo. permanente da comunidade, onde todos participem de ver­
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Quando s°cial que causa o racismo. dade, definindo os caminhos do movimento. Por isso chama­

quando toda umasociedadi Urri negro é lamentável, mas mos todos a engrossarem o movimento unificado contra a
um povo inteiro, ou se ssuni.«uudes,ad f ea discriminação RACIAL.
é trágico para nós nei Portanto, propomos a criação de centros de luta do moví-
0 resultado
62

0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial


63

CONTRA O RACISMO
Pais de família desempregados, filhos desamparados, sem
Hoje estamos na rua numa campanha de denú assistência médica, sem condições de proteção familiar, sem
ncia!
Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão escolas e sem futuro. E é esse racismo coletivo, esse racismo

policial, contra o desemprego, o subemprego e a marginaliza- institucionalizado que dá origem a todo tipo de violência
contra um povo inteiro. É esse racismo institucionalizado
ção. Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições
de vida da comunidade negra. que dá segurança para a prática de atos racistas como os que
ocorreram no Clube Tietê, como o ato de violência policial
Hoje é um dia histórico. LJm novo dia começa a surgir para
que se abateu sobre Robson Silveira da Luz, no 44“ Distrito
o negro!
Policial de Guaianazes, onde esse negro, trabalhador, pai dc
Estamos saindo das salas de reuniões, das salas de confe­
família, foi torturado até a morte. No dia iu de julho, Nikon
rências, e estamos indo para as ruas. Um novo passo foi dado
Lourenço, mais um negro operário, foi assassinado por um
na luta contra o racismo.
policial no bairro da Lapa, revoltando toda a comunidade c
Os racistas do Clube de Regatas Tietê que se cubram, pois
igiremos justiça. Os assassinos de negros que se cuidem, o povo em geral.
Casos como esses são rotina cm nosso país que se diz dc-
pois a eles também exigiremos justiça!
mocrático.
MENTO UNIFICADO contra a discriminação racial
E tais acontecimentos deixam mais evidente e reforçam a
P ser um instrumento de luta da comunidade
^gra.Este movimentn a justiça de nossa luta, nossa necessidade de mobilização.
balho de denúncia n ° É necessário buscar formas de organização. E preciso ga­
raciai a manente de todo ato de discriminação
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tarmos todo e QUai da COmunidade Para enfren'
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dade, definindo os caminhos do movimento. Por isso chama-


Quando uma pessoanâogostade social que causa o racisnao-
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ime atitudes racistas frente a
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é trágico para nós negros; entar, ai então Portanto, propomos a criação de centros de luta do mov
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mento unificado contra a discriminação racial, nos bair
62
LWnejr0
o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
63

CONTRA O RACISMO
Pais de família desempregados, fiihos desamparados, sem
Hoje estamos na rua numa campanha de denúncia! assistência médica, sem condições de proteção familiar s
I
Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão escolas e sem futuro. E é esse racismo coletivo, esse racismo

policial, contra o desemprego, o subemprego e a marginaliza- institucionalizado que dá origem a todo tipo de violência
contra um povo inteiro. É esse racismo institucionalizado
ção. Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições
que dá segurança para a prática de atos racistas como os que
de vida da comunidade negra.
ocorreram no Clube Tietê, como o ato de violência policial
Hoje é um dia histórico. Um novo dia começa a surgir para
que se abateu sobre Robson Silveira da Luz, no 44° Distrito
o negro!
Policial de Guaianazes, onde esse negro, trabalhador, pai de
Estamos saindo das salas de reuniões, das salas de confe­
família, foi torturado até a morte. No dia iQ de julho, Nikon
rências, e estamos indo para as ruas. Um novo passo foi dado
Lourenço, mais um negro operário, foi assassinado por um
na luta contra o racismo.
policial no bairro da Lapa, revoltando toda a comunidade e
Os racistas do Clube de Regatas Tietê que se cubram, pois
o povo em geral.
exigiremos justiça. Os assassinos de negros que se cuidem,
Casos como esses são rotina em nosso país que se diz de-
pois a eles também exigiremos justiça!
OVIMENTO UNIFICADO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL
mocrático.
E tais acontecimentos deixam mais evidente e reforçam a
P ser um instrumento de luta da comunidade
negra. Este movimento justiça de nossa luta, nossa necessidade de mobilização.
, deve ter como princípio básico o tra­
balho de denúncia É necessário buscar formas de organização. É preciso ga­
. * anente de todo ato de discriminação
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rantir que este movimento seja um forte instrumento de luta
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te assume atitudes racistas frente A discriminação racial.
um povo inteiro, ou se
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é trágico para nós n<tegros: Portanto, propomos a criação de centros de luta do moví

mento unificado contra a discriminação racial, nos bair


^gard^t0 0i/l0Vimento Negro Unificado Contra a Discriminação Kactal 63
C0Ntra o Racismo

Hoje estamos na Pais de família desempregados, filhos desamparados, sem


rua numa campanha de denúncia!
Campanha assistência médica, sem condições de proteção familiar, sem
contra a discriminação racial, contra a opressão
policial, escolas e sem futuro. E é esse racismo coletivo, esse racismo
contra o desemprego, o subemprego e a marginaliza-
ção. Ei
stamos nas ruas para denunciar as péssimas condições institucionalizado que dá origem a todo tipo de violência
de vida da
comunidade negra. contra um povo inteiro. E esse racismo institucionalizado
Hoje é u. que dá segurança para a prática de atos racistas como os que
m dia histórico. Um novo dia começa a surgir para
o negro!
ocorreram no Clube Tietê, como o ato de violência policial
Estamos saind»
'o das salas d» que se abateu sobre Robson Silveira da Luz, no 44a Distrito
rências, e esta, e reuniões, das salas de confe-
mos indo para Policial de Guaianazes, onde esse negro, trabalhador, pai de
na luta contra as ruas. Um novo passo foi dado
o racismo. família, foi torturado até a morte. No dia i2 de julho, Nikon
Os racistas d»
\o Clube Lourenço, mais um negro operário, foi assassinado por um
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■mos justiça. Os se cubram, pois policial no bairro da Lapa, revoltando toda a comunidade e
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a eles também exigi.assassinos de negros que se cuídemj
0 povo em geral.
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foi criado para ser u '.ADO CONTR. Casos como esses são rotina em nosso país que se diz de­
.A A DISC
■«'Mínação racial mocrático.
negra. Este movim» m instrume.
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balho de denúnci; ento deve tei ta da comunidade E tais acontecimentos deixam mais evidente e reforçam a
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va perm; '°prÍncíPiobásicootra.
racial, a constante anente de justiça de nossa luta, nossa necessidade de mobilização.
organiz. tOdOat°dediscrl-
tarmos todo e qual» •ação da minação É necessário buscar formas de organização. É precis g
'quer ti} CortlUnidadi
Todos nós sabei ípo de racisi le
para enfren- rantir que este movimento seja um forte instrumento d
•mos ■Dlo.
Quando uma o prejuízo
pesso. S°CiaIque permanente da comunidade, onde todos participem
quando tod.\a uma »a não gosta de 1 Causa o racismo. ■ Pnr isso chama
sociedade assu dade, definindo os caminhos do movimen
um povo in\teiro, » meatitUdes Rentável, mas
ou se nega a enfn mos todos a engrossarem o movimento unif
é trágico 'entar.ai
racistaSfr<
para nós; negros: ente a
ent5oo discriminação racial.
res“ltado luta do movi-
Portanto, propomos a criação de centr
ios bair-
mento unificado contra a discrim
”’s «la», „M PrÍsõeS, nos te o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 65
terreirOs de ‘rreiros de
Urr|banda, no,, candonlblé,nos
Samba, 'e trabalh, tas que levaríamos para a assembléia que se realizaria no
"“íêrejasp '°’nas e5colas de
J S’em todo iugarn
De lut, 'e o ne; dia 23 de julho na capital paulista. Dentre as propostas que
tização ’ate« a info levamos, destaco uma: a que sugeria o acréscimo do sig-
e Organi2açâo d ’rmaÇão’aconScien.
a c°munídade
nificante "negro” ao nome do movimento. Daquela data
fon, negra’ t0rnando-nos
e’ ativ° e comb,
em diante, passamos a ser o Movimento Negro Unificado
'Os os setores da „ontgt0I
Convida Socieclade brasiJeira Contra a Discriminação Racial. Nessa mesma assembléia
11105 os setores d,
nos aPoiem, 'emOC^osdasociedadi interestadual (São Paulo e Rio de Janeiro), reunida nas de­
criando [asj !e para que
Verdadeirad, condiçõesnecessáril pendências da acbb, continuaram a pintar as divergências;
!ernocracia as Para criar uma
racial. os setores mais conservadores não deixavam de demonstrar
COhJTR
■AadiscrIM1n
'AÇÃo Racial seus receios em face das propostas mais avançadas dos se­
c°NTr
AA OPRESSÃO
POUCIAL tores progressistas do movimento. Desnecessário dizer que
pSLAa
ampliação
pOR u
D° Movi^ent0 eles começaram a se afastar do projeto com que nos havía­
'MAAUTáNTl,
■CA DEMOCRAcra
CU Racial mos comprometido. Após calorosas discussões, foi eleita
Pess°alm, uma comissão provisória que se encarregaria de elaborar
ente>não Poderei
^botnem o anteprojeto dos documentos básicos do mnucdr: carta de
esquecer a ima,
negro> lgem daquele
Podia ]e princípios, estatuto e programa de ação.
4°- ^rcou,arePr°duzidlo ,
-Aslá
ern yoz ajta o docu_
Dias depois, seguíamos para Salvador, Abdias e eu, a fim
1116 fhndo
do Paletó, °seu
passando de colocarmos os irmãos daquela cidade a par dos acon­
Dia r °deenxugáaJaSnaman
0 braço 1105 olhos .lasn ga
Seguinte, tecimentos (também eles haviam enviado sua moção de
Primeira °S jornais
4 E n°tÍCÍ-a-em apoio ao ato de 7 de julho). Sua adesão foi imediata, assim
Charnada aboli, estávaitlo:
ÍÇão d ’StlOnonagési Manchetes de I como seu compromisso de comparecimento à Assembléia
Retorna a Cscravat 1110 ano após a
mos ■Ura. ! Nacional a ser realizada no Rio de Janeiro. Lá pelos fins de
AtOPúbUco.R,
3 '^^bleia d agosto, um grupo de intelectuais negros do Rio e de São
então Da d' aVabação do
’ Para di; Paulo seguiu para Belo Horizonte, a fim de participar da n
SCL>tir as „
as Propor Semana de Estudos Afro-Brasileiros, organizada pelo Insti
tuto Estadual d 0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 67
° Patrimônio Histórico
Gerais. Tbd,
°S> à e^eção de um pert de Mi,
dentre toas dos ânimos. Mesmo assim, as discussões continuaram no
eSteS’doiserammemb
MNUCDRe
Ao regressarmos já tfnb maior entusiasmo. Lá pelas tantas, eram evidentes os sinais
C°missâl
«»>-gro.que;ee haD,os“^u.do pPtovisóna.
de cansaço, resultantes de tanta empolgação, de tanta en­
a adesão de
um trega. Era bonito de ver aquela negada tão cheia de vida, tão
Vin*nto naquela cid e
Organizar
orno- ardorosa, mesmo que discordante, empenhando-se inteira
^iaacomu Gera“
Aparecer àassemblei tarnbém
Se compro-
a no Rio. naquela assembléia. E o lance mais incrível se deu quando o
n E;aÚltÍ-^irealI2ad.
!a nos dias o Io P TT . sono começou a ameaçar o andamento dos trabalhos. Já era
nas ^pendências d,
O IPCN Prp Setembr°’
Pau10’ Bahia, Mini■asGer ■ alta madrugada de segunda-feira; estávamos todos exaus­
aS deJegações de São
tos, exauridos, mas com uma determinação que teimava
Casefluminen,
em transcender tudo isso. E era um tal de nego cochilando
emaspesoasqüeali
Para não
do Cimento, 11138 ^mbém^leger^C0611111611^05 ^^S*C°S aqui, outro acolá, outro mais adiante, todos insistindo em

Macionaj e permanecer no plenário (ainda hoje, quando a gente pa-


CaracteriZar a . Emissão Executiva
eleiÇõesde peando se recorda da cena, a gente se acaba de rir).
15 de novembr Mnucdr em face das
De qualquer modo, o importante foi que se conseguiu
As di;
‘SCUssões fOram
°ram proI| fechar a pauta. Os documentos básicos foram votados, a
’°ep"‘«>esdlfe °ngadas e cansativas, uma vez
:rentesinsistia; Comissão Executiva Nacional foi eleita (os Centros de Luta
'V1,K
ern defender seus pontos
a 23 de julho atn aSas f°rças. o dos respectivos estados escolheram seus representantes, à

rp-<
Passai*ostodo
Çara se afa;

^°doniingo,foi° Sábado dil ‘scutí


J grupo fluminenSe, que já
lstar tan

S.
e
r°u-se praticamente
lniciavam os trabalhos.
exceção dos companheiros do Espírito Santo, que deixaram
para fazê-lo mais tarde) e se decidiu o posicionamento que
teríamos diante das eleições, mediante a noção de voto ra­
a Vez da ndOe votando o estatuto.
de ação, o cial. Isto significava o estabelecimento de uma plataforma
^^-edo
quebrou. thn jOs 1 de programa das exigências da comunidade negra, primeiramente apre­
deri■rotadasreti 8rUpOs r . Ordem
Çue sentada aos candidatos negros e, caso não a encampassem
tlrOu-sesob Ujas pr°Post Quase o pau
protes^o: :as *inh; (o que acabou ocorrendo), aos candidatos progressistas da
arn sendo
° e*qu. oposição, em seguida, para que a divulgassem durante a
lentamento
Lugar^negro
0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
69
campanha e buscassem efetivá-la durante o mandato. Estes
últimos cumpriram ou tentaram cumprir a primeira parte, questão racial, diluindo-a mecanicamente na luta de cias-
nada fizeram com relação à segunda, exceto alguns belos ses (por aí se vê como certas posições de esquerda nada
discursos (o que a gente já previa). mais fazem do que reproduzir o mito da democracia racial,
Vale recordar aqui um fato muito interessante, que nos criado pelo liberalismo paternalista que elas dizem com­

remete à ideologia do branqueamento. Como se sabe, ela con­ bater). De acordo com nossa companheira de mnu Neusa
siste no fato de os aparelhos ideológicos (família, escola, Santos Souza, em seu importante trabalho sobre o drama

igreja, meios de comunicação etc.) veicularem valores que, de ser negro no Brasil, tais mecanismos de ocultamento e

juntamente com o mito da democracia racial, apontam para negação são devidos ao fato de, em termos psicanalíticos, o

uma suposta superioridade racial e cultural branca. Vale branco ser vivenciado como ideal do ego. De nossa parte, de

notar que é justamente por aí, por essa articulação entre o acordo com as pesquisas de Cheikh Anta Diop, e também

mito e a ideologia, que se deve entender o caráter disfarçado numa perspectiva psicanalítica, a universal “fobia de negro”
do racismo à brasileira. Daí se segue que pessoas negras remetería justamente para o contrário. Mas isso é assunto
(pretas ou mulatas, porque dá no mesmo) internalizam para um outro papo, posto que a reprodução da ideologia
tais valores e passam a se negar enquanto tais, de maneira do branqueamento é um fato concreto que só confirma o
mais ou menos consciente (o mesmo acontecendo com as que a Neusa diz. Isto feito, aqui vai o nosso relato.
(° mesmo
pessoas brancas", isto é, aquelas cujos traços revelam uma Fui designada pelos companheiros de movimento para
aquelas
ascendência negra, mas que são vistas como brancas; Ab- levar nossa plataforma política a um famoso e respeitado
<lue são
dias do Nascimento as chama de "brancoides"). Em suma, candidato da oposição, que é negro. Na sala de espera de
chama de
elas sentem vergonha de sua condição racial e passam a
sua seu escritório, fui abordada por uma jovem recepcionista,
desenvolver mecanismos de ocultamento de sua -‘inferio­
morena queimadinha”, que foi logo me dizendo: “Escuta
ridade”. Esses mecanismos recobrem um amplo quadro de
aqui, minha filha, se você veio aqui para pedir emprego ao
racionalização que vai desde um efetivo ra •
dr------ - nem adianta, porque ele não vai te receber . Por aí
sas (negros ou “brancoides” que, por palavras e às
racismo aves- se vê que, de acordo com sua bela cabecinha, uma crioula
gostam de preto”) até a atitude “democrática”
atOs> ‘não querendo falar com o candidato só podia ser para pedir
^nega a
emPrego... Depois de uma verdadeira odisséia, consegui
Lu&rde
ser levada à presença do dr.___ , que leu atentamenten<%r0 0 0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 7t

documento que lhe entreguei. Após isso, me disse solida­


Assembléia, enquanto a Polícia Federal se encarregava de tentar
riamente: “Mas é claro que eu apoio todas essas reivindica­
impedira reunião. E a proibição da reunião por esse organismo
ções, porque, afinal de contas, o problema de vocês é muito
foi 0 argumento utilizado pela responsável pelo teatro Vila Ve­
sério”. Ao que eu lhe retruquei: “De fato, dr.___ , muito
lha, o local alternativo, determinado pela Coordenação Nacional,
mais sério do que a gente pensava até aqui e agora”. Pois é...
organismo dirigente do Movimento Negro Unificado Contra a
Desnecessário dizer que nem durante sua campanha foi
Discriminação Racial. [...]
levantada a questão do negro. (Neusa, você tem carradas
de razão, podes crer.)
Ao chegarmos ao teatro Vila Velha fomos informados de
Uma nova Assembléia Nacional foi
que a Polícia Federal proibira a Assembléia, pois considerava
de novembro, em Salvador. Vejam» marcada para o dia 4
que sua realização feria a Lei Afonso Arinos. Nós, negros,
companheiro: os o depoimento de um
sempre desconfiamos dessa lei, pois temos certeza de que,

apesar de ser uma lei que deveria garantir o direito do negro


reunião do Movime
nto Negro Unificado C< de lutar contra o racismo, nunca funcionou contra os racistas.
^inação
Racial fe. :ontra a Discri-
•re a Lei Afonso Arin» Deveria ser usada contra nós. Foram colocados vários policiais
apresei•.ntada ios.”* Esta é a desculpa
pelo presidente da A:
blic<:os da Bahi; nesse teatro e muitas viaturas circulavam ostensivamente nas
ia ao desistir de ssociação dos Funcionários Pú-
a realização d. ceder a sede de “sua” suas imediações.
ia n Assembléia N<
entidade para
Unificado, na 'acionai do Movi Voltamos para o icba, Instituto Cultural Brasil Alemanha,
cidade de Salvado; mento Negro
dia 4 de e realizamos nossa Assembléia, indiferentes às pressões do
novembro, vários telefoi»r, na Bahia. Di
às entidades de estudo das rei; Urante a manhã do
‘nemas de Brasília d. aparato repressivo, que se fez presente, inclusive, com provo­
^terminavam
la<;ões raciais que nâ< cações e agressões às pessoas que orientavam os transeuntes
ío apoiassem a a participarem da Assembléia. Foi um passo importante para
:*lei 1390/195/7-

s„a-
mento de multa.
■onaheecida^zv
esu]tantes de r- —1 entre
de^ lr>os,
o nosso movimento, pois definimos pontos programáticos,
data para a reunião preparatória do Congresso de Culturas
pCriais a ^«onada em
°U de cor.
•sHieitaa Negras das Américas e tiramos um documento nacional do
e Paga-
Dia da Consciência Negra.6
Na verdade, fiCo 0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
>U 73
estabelecido o Vinte de
c°mo o Dia Nr .
. lacional da Consciência Negra. Nos Novembro
A ZUMBI
tes, tería:mos os atos públicos, as passeat;
anos seguin­
20 DE novembro: dia nacional da consciência negra
manifestação, ocorrendo em nível te outras formas de
sões de um assentimento: o da nacional enquanto expres- Nós, negros brasileiros, orgulhosos por descendermos de

ao empenho do mnu, ampliand* comunidade negra. Graças zumbi, líder da República Negra de Palmares, que existiu
do Grupo Palmares, o Vinte d»lo e aprofundando a proposta no estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o domínio

num ato políticoO de aíirm e Novembro transformou-se português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos,

justamente naquilo em ação da história do povo negro, para declarar a todo o povo brasileiro nossa verdadeira e

de organização e de que ele demonstrou sua capacidade efetiva data: 20 de novembro, dia nacional da consciência
proposta de uma sociedade alternativa; negra!
na verdade, Palm,
ares foi o autêntico berço da nacionalidade
brasileira, ao se Dia da morte do grande líder negro nacional, zumbi, res­
constituir como efetiva democracia racial, ponsável pela primeira e única tentativa brasileira de esta­
e Zumbi, o simbob
lo vivo da luta contra todas as formas de
exploração. E hi belecer uma sociedade democrática, ou seja, livre, e em que
pje tamos aí”, constatando a importância da
iniciativa do m. todos — negros, índios, brancos — realizaram um grande
Nu, uma vez que grupos e entidades negras de
todo o pais se avanço político e social. Tentativa esta que sempre esteve pre­
mobilizam em torno dessa data magna. E 0
Treze de M-. sente em todos os quilombos.
ada vez mais, caracteriza-se como data ofi-
ciai de órgã Hoje estamos unidos numa luta de reconstrução da socie­
(o que é g emamentais, ou seja, como papo de branco
até coerente, pois a chamada abolição resolveu os dade brasileira, apontando para uma nova ordem, onde haja a
proble.■mas das classes dominante k
participação real e justa do negro, uma vez que somos os mais
Mas antes brancas e não
v.™!aOt.x.ode.de„OTCmbrodew8 oprimidos dos oprimidos', não só aqui, mas em todos os lugares
o nosso).
onde vivemos. Por isto, negamos o Treze de Maio de 1888, dia
AO POVO BRASILEIRO

da abolição da escravatura, como um dia de libertação. Por


MANIFESTO NACIONAL DO

CONTRA A DISCRIMINAÇÃO MOV-MEnt,


o
NeGro
i quê? Porque nesse dia foi assinada uma lei que apenas ficou
RACiAl ÜNif*cado no papel, encobrindo uma situação de dominação sob a qual

até hoje o negro se encontra:


Lugar^negro
JOGADO NAS FAVELAS, 1ÇOS, ALAGADOS o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
75
CORTIÇOS,
PURRADO PARA A MARGINALIDADE, A E INVASÕE,
MARG1NALID. '.s, EM-
CÂNCIA, OS PRESÍm^c - DESEMPREGO PROSTITUIÇÃO,
Em setembro de 1979, realizar-se-ia um encontro na­
PRESÍDIOS, O A MENDI-
E O SUBEMP1 cional em Belo Horizonte visando a um balanço crítico
sobre si, ainda, o peso desumano da •rego, tendo
VIOLÊNCIA de nossas atividades, assim como à preparação do 1 Con­
policial. Por isto, mantendo o e repressão
espírito de luta d- gresso do mnucdr, marcado para os dias 14,15 e 16 de
gritamos contra a situação de los quilombos,
exploração a dezembro, no Rio de Janeiro.
metidos, lutando contra que estamos sub-
O racismo e toda As atividades do mnu em seu primeiro ano de existên­
de opressão existent» e qualquer forma
e na sociedade brasileira, e pela mobili- cia se deram nos mais diferentes níveis. Desde a denúncia
ZAÇÃO E ORGANIZ.
ação da comunidade, visando a uma real dos casos de violência policial (que nos levou a defender
emancipação
política, econômica, social e cultural. Desde 0 a tese, junto ao Comitê Brasileiro pela Anistia, em seus
dia 18 de junho
somos O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO CONTR dois congressos de 1978 e 1979, de que o negro brasileiro
a discrimi.
nação racial, movimento que se propõe a ser um
também é prisioneiro político, na medida em que é colo­
canal das
reivindicações do negro brasileiro
bast•es nos centros de luta, formados cado sob suspeita e preso pelo simples fato de ser negro),
e que tem suas
passando pelas manifestações em praça pública (enterro
se faça presente. onde quer que o negro
É preciso que o da Lei Afonso Arinos, em São Paulo; realização de atos
movim:
DISCRIMINAÇÃO R. ENTo negro públicos e passeatas, por ocasião do Vinte de Novembro,
unificado contra a
acial se
para isso é tQrne fO] em diferentes capitais do país etc.), ao trabalho iniciado
•rte, ativo e combatente; mas,
necessária
Vinte de apart ^ipa çãodl junto à comunidade negra. Seu trabalho de denúncia do
N°vembro e todos, afirmando o
NEGRA. COlno o Dia
nacional da racismo e da violência policial acabou por sensibilizar
CONSCIÊNCIA
PELO dia Nacion determinados setores da sociedade, tanto num sentido
,ALDAc°nscIÊNcia
PELa ampliação Negra
Do mnucdr positivo quanto num negativo.
POR UMA VERDADEI
Rade«ocRacia No primeiro caso, vale notar, por exemplo, a desco­
PELA LIBERTAÇÃO racial
DOPOVONEGRo berta divulgada pela grande imprensa: a de que o negro
comum também é torturado. De acordo com a reporta­
gem de um grande semanário, a opinião pública brasi-
Lugarde
n'&0 0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
leira só tomou conheci 77
mento da existênci
partir do momento c •a da tortura a
em que a repressão Quanto aos aspectos negativos, deixando de lado o já
nos jovens de classe passou a praticá-la
3 média que se tradicional “racismo às avessas” de que somos acusados
Um belo dia, o opuseram ao regime,
cardeal do Rio de Janei sempre que nós, negros, partimos para a denúncia do
visita anual ro foi fazer sua racismo e da discriminação, pintaram outras acusações
ao presídio, quando
sua maioria, os presos (negros em como as de divisionistas, revanchistas etc. e tal, provenien­
vale lembrar) lhe
dade. (Se revelaram a grande novi-
a gente se intere, tes de certos setores de esquerda, além daquela de subver­
efetiv;'amente no cotidian» ssasse mais pelo que se passa são, tão cara ao regime. Mas a gente continuou a nossa
a escravidão, a o da grande massa negra, desde
luta. E hoje, 1981, é interessante observar que, apesar dos
gente saberia que tortura sempre existiu
em nosso belo 1 pesares, engrossaram as fileiras dos que estão interessados
país tropical.) Outros exemplos de sensibi-
lização referer na "questão negra”. O que não deixa de ser um avanço...
m-se à divulgação dos assassinatos do ado-
lescente Ailton, da Com esse tipo de perspectiva com relação ao racismo,
, menina Márcia, de Aézio, todos eles
negros anônimc' nosso trabalho de denúncia da situação do negro brasi­
ios e pobres, vítimas, como tantos outros,
da violência policial. E, c leiro também tem se dado em nível internacional, secun­
mente famoso “caso Marli quando
”,* eclodiu o internacional- dando aquele iniciado por Abdias do Nascimento a partir
pelo movimento de mulhe o apoio recebido sobretudo de 1968. Assim é que participamos de:
núncias efetuadas pelo m res foi um dos efeitos das de- • Congressos — como o 11 Congresso de Cultura Negra
Tietê.. desde 1978.
Luz e os atletas-mirins donuncdr (Robson da das Américas, realizado no Panamá, 1980;
•)
• Seminários — “Democracia para o Brasil”, Nova York,
’ Marli Pereira Soares, ou Marli Coragem, como viria a ser chamada,
1979; "A Mulher sob o Apartheid” (promovidos pela
virou símbolo da luta contra a violência ao testemunhar a morte de
seu irmão pela Polícia Militar do Rio deJaneiro, em abril de 1979, e não onu), Canadá e Finlândia, 1980 (dos quais fui vice-pre­
se calar. Era ditadura militar no Brasil, e ela> mulher e jovem,
encarou toda a tropa perfilada do Batalhão da pmerj para fazer o sidente); “Situação Política, Econômica e Social do Bra­
reconhecimento dos assassinos de seu irmão. Sofreu represálias, teve
sil”, Itália, 1981;
que se esconder, e encontrou apoio na ampla cobertura que a imprensa
deu ao caso. Em 1980 conseguiu que os assassinos fossem presos Anos Simpósios — A Economia Política do Mundo Negro”,
depois, seu filho também foi assassinado pela polícia
Los Angeles, 1979; “Raça e Classe no Brasil”, Los Ange­
les, 1980;
^ard^ro
O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
Encontros__ 79
Encontro da Associação do
vih
Latino-A
mericanos (Lasa), Pittsburgh, 1979; eEncontro
Estude espécie de deslocamento das atenções. A segurança social
Preparatório d; ’ x979; En.
a Conferência da Década da Mulher, Suíça, ocuparia o primeiro lugar das preocupações do governo,
J98o; ii Encontno da Associação de Estudos da Herança colocando num segundo plano, aparentemente, a segu­
Africana (ahsa), Pittsburgh, 1979; rança nacional. Os projetos de diminuição da idade para
Conferências — “Os Direitos Humanos e a Missão da responsabilidade criminal (de dezoito para dezesseis anos)

Mulher (promovida pelo Conselho Mundial das Igrejas), e para prisão cautelar indicavam a principal vítima do sis­

Veneza, 1979; Conferência Alternativa da Década da Mu­ tema: a população negra, para variar. Os linchamentos já

lher, Copenhague, 1980; “Sanções contra a África do Sul” se sucediam e a pena de morte já era vista como "natural”
pelos vários setores da classe média (duramente atingi­
(promovida pela onu), Paris, 1981;
da pelo "pacote de dezembro”, ponto de partida para o
Palestras (Estados Unidos, Europa e África: Senegal,
seu empobrecimento progressivo). Diante de tal quadro,
Alto Volta e Mali), entrevistas (imprensa falada, escrita
os congressistas votaram a execução das seguintes campa­
e televisada dos três continentes citados), manifestações
nhas articuladas: “Mais empregos para os negros” e "Con­
(Dia da Libertação Africana, 25 de abril; vale ressaltar
tra a violência policial”. O desdobramento desta última,
que o Dia Nacional da Consciência Negra, o nosso
no momento que as bombas estavam aí, explodindo pelo
nte de Novembro, foi comemorado em Londres em
1980) etc. país, levou nossos companheiros de Minas a marcarem
O 1 Congresso d» o fato de que a população negra é objeto de um terror
o mnu significou um grande passo em
termos de luta política do cotidiano.
do Rio de janeiro, São P, negro. Reunindo delegados Também nós, mulheres negras, além da denúncia do
Bahia,
'aulo,série
Grande do Sul, avançou uma de Minas Gerais e Rio branqueamento do homem negro, em termos de casa­
posteriormente confirmadas. AoanaIisa:
questões que seriam mento, discutimos os problemas relativos à educação de
cional, os congressistas avaliaram r a conjuntura na- nossas crianças, controle da natalidade, assim como nossa
da violência: na medida em que corretamente a questão
participação no processo de libertação do povo negro e na
com ela a aproximação da crise a abertura" se fazia, e
luta contra o racismo. Analisamos também a situação da
ec°nômica, haveria
uma mui egra enquanto empregada doméstica no quadro
1
darePr°dução do o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
8i
racismo (inclusive por parte de muitas
militantes bra
ncas do movimento de mulheres),
conquistou espaços políticos que exigiram esse avanço por
Quanto à
questão da cultura negra, sérias críticas foram parte delas. Hoje não da mais para sustentar posições cul-
dirigid.
as ao processo de comercialização e folclorizaçâo turalistas, intelectualistas, coisas que tais, e divorciadas da
que ela tem sofrido por parte das secretarias e agências de
realidade vivida pelas massas negras. Sendo contra ou a
turismo. Conscientes da impossibilidade de deter a invasão favor, não dá mais para ignorar essa questão concreta, co­
capitalista, reivindicamos a profissionalização dos produto­ locada pelo mnu: a articulação entre raça e classe. Por outro
res de cultura popular. Era a consciência de que sobretudo lado, o advento do mnu e a difusão de sua proposta polí­
as entidades negras de massa haviam se transformado em tica, objetivada em seu programa de ação e em sua carta
se de princípios, inspiraram a criação de diversas entidades
empresas; consequentemente, por que não pagar salários
para passistas, bateristas, compositores e outros membros e grupos negros em vários pontos do país. Finalizemos,

natos das escolas de samba? então, com o texto de nossa carta de princípios:

Com relação à estrutura do movimento, o programa de


ação foi devidamente ampliado e aprofundado. E, como a nós, membros da população negra brasileira — entendendo
luta prioritária do movimento é contra a discriminação racial, como negro todo aquele que possui na cor da pele, no rosto

seu nome foi simplificado para (o que já se fazia na prática) ou nos cabelos sinais característicos dessa raça —, reunidos
Movimento Negro Unificado (mnu). em assembléia nacional, convencidos da existência de:
À guisa de conclusão deste depoimento, não podemos - discriminação racial
deixar de ressaltar que deste d»
o advento do - marginalização racial, política, econômica, social e cul­
que o advento do
mais importante salto qualitativo nas mnu da comuni-
lutasconsistiu no tural do povo negro
salto qualitativc
dade negra brasileira na década de 1970. Vale notar que - péssimas condições de vida
na década d<
s entidades culturais que, de um modo ou de outro, se - desemprego
distanciaram do mnu (por que, de
discordarem de sua proposta ou
mnu (por discc - subemprego
por falta de clareza política), foram obrigadas a se posicio-
areza política), fora - discriminação na admissão de empregos e perseguição
narem de maneira maUiva; justamente porque o mnu
mais incisr racial no trabalho
- condições sub-humanas de vida para os presidiários
0 Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 83
de negro

lares da sociedade brasileira que vise à real conquista de seus


- permanente repressão, perseguição e violência policial
direitos políticos, econômicos e sociais;
- exploração sexual, econômica e social da mulher negra
a luta internacional contra o racismo.
- abandono e mau tratamento dos menores, negros em sua - com
POR UMA AUTÊNTICA DEMOCRACIA RACIALI

maioria
PELA LIBERTAÇÃO DO POVO NEGRO!

- colonização, descaracterização, esmagamento e comer­

cialização de nossa cultura


Axé...
- mito da democracia racial

resolvemos juntar nossas forças e lutar por:


- defesa do povo negro em todos os aspectos políticos, eco­
nômicos, sociais e culturais através da conquista de:

- maiores oportunidades de emprego


- melhor assistência à saúde, à educação e à habitação
- reavaliação do papel do negro na História do Brasil
- valorização da cultura negra e combate sistemático à sua

comercialização, folclorização e distorção I

- extinção de todas as formas de perseguição, exploração,


repressão e violência a que somos submetidos
- liberdade de organização e de expressão do povo negro
E CONSIDERANDO ENFIM QUE-.

- nossa luta de libertação deve ser somente dirigida por nós


- queremos uma nova sociedade onde todos realmente par-
ticipem
- não estamos isolados do
restante da sociedade brasileira
nos solidarizamos:

- com toda e qualquer luta reivindicativa dos


setores popu-
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