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Estudos Avançados

Print version ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.18 no.52 São Paulo Sept./Dec. 2004

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000300009 

DOSSIÊ RELIGIÕES NO BRASIL

A Igreja Católica e seu papel político no Brasil

Dermi Azevedo

RESUMO

ESTE texto analisa o papel político da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, por meio
da CNBB, em seu relacionamento com o Estado e com a sociedade civil. Suas bases teóricas
inspiram-se na corrente renovadora da Igreja, legitimada pelo Concílio Vaticano II (1962-
1965).

ABSTRACT

THIS TEXT examines the political activity of the brazilian Roman Catholic Church, in front of
the social, economic and political reality, represented by the staff of the Brazilian National
Bishop's Conference (CNBB). These positions reflects the historical process of changing in
the Church.

 
 

Introdução

ESTE TEXTO analisa alguns dos componentes políticos da atuação da Igreja Católica
Apostólica Romana no Brasil, doravante aqui chamada de Igreja, diante do Estado e da
realidade social, econômica, política e cultural do país.

O estudo do papel da Igreja diante da política e das relações Igreja/Estado na América


Latina tem sido uma constante nas Ciências Sociais, de modo particular nas áreas de
História, Sociologia e Ciência Política. Em um ensaio escrito em 1970, -"Igreja - Estado: o
Catolicismo brasileiro em época de transição", Bruneau destaca a influência de fatores
políticos na transformação institucional da Igreja no Brasil. Os intercâmbios entre o
Catolicismo e a sociedade, no Brasil, no pós-Segunda Guerra, é analisado por Della Cava,
que prioriza a interação da Igreja com a sociedade civil durante o regime de 1964 e o
processo de abertura. Dedica especial atenção ao papel das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) como sendo o alicerce do processo de mudanças no papel sociopolítico da Igreja. O
conflito com o poder político, sobretudo a partir dos anos de 1950, com auge durante a
ditadura, em 1964-1985, teria provocado uma progressiva desintegração institucional da
Igreja, que, desde então, tem procurado ampliar a sua influência no país. Löwy, por sua
vez, parte da premissa de que, após ter sido, durante séculos, a guardiã mais fiel dos
princípios de autoridade, de ordem e de hierarquia, a Igreja - ou uma parte dela - tornou-
se, quase sem transição, uma força social crítica, um pólo de oposição aos regimes
autoritários e um poder contestador da ordem estabelecida. Esse papel ganhou destaque
nas décadas de 1970 e 1980 no confronto entre a instituição católica e alguns Estados
governados por ditaduras militares, favorecendo a crise de legitimidade desses regimes.
Klaiber, ao analisar a relação entre a Igreja, as ditaduras e a democracia, na América
Latina, enfatiza o papel mediador e pacificador da Igreja diante dos conflitos políticos,
sobrepondo-se ao papel mais "subversivo" dos religiosos e dos leigos empenhados nas lutas
sociais; aponta também as contradições, no interior da Igreja, entre tradicionalistas e
progressistas, no contexto da administração de João Paulo II. Apresenta a hipótese de que
o papel de vanguarda assumido pela Igreja no Brasil, representado pela CNBB, deve-se à
ausência de um grande partido democrático cristão, papel esse que teria sido assumido
pelos movimentos católicos leigos.

A continuidade da atuação da Igreja na cena política, depois da queda dos regimes


autoritários e na etapa de transição para a democracia é o tema de Smith e Prokopy e
outros autores; essa presença é marcada pela intervenção no debate político em torno de
três temas: a defesa da justiça social, com a conseqüente crítica às políticas consideradas
neoliberais, de desregulamentação dos mercados e de redução dos gastos sociais,
aumentando o processo de empobrecimento da maioria dos latino-americanos; a defesa da
moral sexual tradicional e a legitimação política e institucional do Catolicismo, diante do
Estado, à luz da concorrência das igrejas evangélicas, sobretudo as pentecostais. Para esses
autores, a influência da Igreja sobre as elites e os governos é menos eficaz no primeiro
ponto e mais eficaz nos dois últimos; diante da população mais pobre, o tema da justiça
social é mais bem aceito que os temas de caráter moral e ético. Os paradigmas teóricos no
estudo da religião e da política são aprofundados por Cleary ao analisar os processos de
mudanças na Igreja latino-americana. Estes paradigmas são a teoria da
modernização/secularização, a teoria do sistema-mundo e a teoria crítica. A primeira delas
teria predominado sobre as demais, nos estudos a respeito desse tema. A religião torna-se,
cada vez mais, um espaço separado da política e centrado em sua própria esfera de
atuação. Nessa mesma linha, Bidegaín afirma que, desde os anos de 1950, as análises das
Ciências Sociais foram dominadas, primeiro, pelos paradigmas da modernização, do
desenvolvimento, do subdesenvolvimento e da dependência e pelas teorias marxistas e
neomarxistas e que, em geral, a religião e outros fenômenos culturais foram negados como
epifenômenos; foram vistos como vestígios remanescentes de tradições que, inevitável e
invariavelmente, declinariam, em seu significado, no processo de modernização. Destaca
que a presença da religião no cenário político tornou-se ainda mais importante durante a
guerra fria, despertando o interesse de scholars diante dos fenômenos religiosos e,
particularmente, diante do Catolicismo progressista e da emergente Teologia da Libertação;
passaram também a se interessar pelo tema da religiosidade popular. Para essa autora, a
Igreja desempenha um papel destacado diante das crises econômicas e políticas da América
Latina e o processo de globalização vem transformando a religião, facilitando uma
recomposição do Catolicismo, já que um Estado enfraquecido necessita da presença
crescente das organizações religiosas nas políticas públicas. Diversos outros autores têm se
dedicado a pesquisas sobre as relações Igreja/ Estado, durante os regimes ditatoriais. É o
caso, por exemplo, de Serbin, que, em seu "Secret Dialogues", detalha o funcionamento da
diplomacia silenciosa implementada pela Igreja junto aos militares brasileiros, com vistas ao
reforço do processo de transição para a democracia. Uma outra hipótese sua é a de que a
Igreja no Brasil adquiriu prestígio e poder ao ajudar o país a voltar à democracia, em 1985,
e que, agora, ela enfrenta um desafio mais difícil e complexo, ao tentar manter sua
influência numa sociedade cada vez mais pluralista, também caracterizada pela competição
religiosa, dentro de um cenário democrático.

Quanto ao papel político da hierarquia católica, Rémy preocupa-se em explicar o que chama
de lógicas de ação, ou seja, os comportamentos recorrentes, cuja coerência é verificável
ex-post, sem que resulte de estratégias conscientes, por meio das quais o ator teria
elaborado seus comportamentos a priori. Seu estudo tenta compreender como a hierarquia,
a começar pelo Papa, busca tornar-se um ator pertinente no cenário político e social; sua
hipótese é a de que a hierarquia da Igreja apóia-se, nesse sentido, mais sobre sua
autoridade simbólica e menos sobre sua autoridade disciplinar. Nesta perspectiva, é levada
a considerar três elementos do contexto histórico: a crescente importância da sociedade
civil diante da esfera política; a secularização e a crise das utopias nacionais. Levine,
Mainwaring e Wilde, por sua vez, afirmam que a Igreja latino-americana não é monolítica e
que a hierarquia católica toma suas decisões, internas e externas, de acordo com seu
contexto nacional específico. Esse contexto inclui realidades diversificadas, tais como os
sistemas políticos, a natureza dos problemas sociais, econômicos e políticos e a viabilidade
dos recursos humanos e materiais da Igreja. De certo modo, essas diversas abordagens
encontram eco e respaldo nas análises da CNBB. A relação entre religião e política, afirma
essa a Conferência, sempre foi difícil para a Igreja. Essa relação torna-se hoje mais
complicada, devido ao deslocamento da experiência religiosa para o indivíduo, sem a
mediação das instituições, dentro da lógica da valorização da subjetividade. As religiões que
tiveram a capacidade de reger a vida social, hoje são apenas uma das possíveis fontes de
sentido para o mundo e a pessoa. A modernidade obriga, pois, as Igrejas a renunciarem a
qualquer pretensão de impor à sociedade seus princípios e normas. Além do notável
crescimento, no Brasil, do número de pessoas que declaram não ter religião, o Censo de
2000 mostra o crescimento da população evangélica, que chega hoje a 15,4% do total. Na
condição de religião majoritária, a Igreja Católica tem tido dificuldade em acertar o passo,
diante desse novo quadro religioso, cultural e político.

Um papel historicamente construído


As análises de conjuntura refletem, também, a autoconsciência histórica da Igreja no Brasil.
A legitimidade religiosa e política da Igreja no Brasil é o resultado de um longo processo,
que acompanha a própria história do Brasil, desde 1500. O poder estabelecido, no período
colonial, promoveu um modelo de Catolicismo, conhecido como Cristandade. Nele, a Igreja
era uma instituição subordinada ao Estado e a religião oficial funcionava como instrumento
de dominação social, política e cultural. A crise desse modelo é iniciada, simbolicamente, em
1759, com a expulsão dos jesuítas e com a progressiva hegemonia da nova mentalidade
racionalista e iluminista. No segundo reinado, em 1840, começa um novo período na
história da Igreja no Brasil, conhecido como romanização do Catolicismo, voltado à
colocação da Igreja sob as ordens diretas do Papa e não mais como uma instituição
vinculada à Coroa luso-brasileira. Esse novo período inclui três fases: a da reforma católica,
a da reorganização eclesiástica e a da restauração católica. Na primeira, os bispos
reformadores preocupam-se em imprimir ao Catolicismo brasileiro a disciplina do
Catolicismo romano, investindo principalmente na formação do clero; a segunda é marcada,
na Igreja, pela nova experiência institucional, resultante da sua separação do Estado com a
proclamação da República; a terceira, também conhecida como NeoCristandade, inicia-se
em 1922, no centenário da Independência e nela, a Igreja opta por atuar, com toda
visibilidade possível, na arena política Essa opção implica a colaboração com o Estado, em
termos de parceria e de garantia do status quo. Nesse sentido, a Igreja mobiliza seus
intelectuais, por meio, entre outras organizações, do Centro D. Vital e o cardeal D.
Sebastião Leme funda, no Rio de Janeiro, a Liga Eleitoral Católica. A Constituição de 1934
registra alguns resultados dessa ofensiva, tal como a instituição do ensino religioso nas
escolas públicas, a presença de capelães militares nas Forças Armadas e a subvenção
estatal para as atividades assistenciais ligadas à Igreja. O processo de mudança de
paradigmas na Igreja ganha força a partir dos anos de 1960, sob a influência do Concílio
Vaticano II. Nas décadas de 1950 a 1960, a Igreja no Brasil prioriza a questão do
desenvolvimento. Ao contrário da posição adotada diante do regime do Estado Novo, de
Getúlio Vargas, em que a Igreja assumiu uma posição conciliatória diante do regime de
exceção, a CNBB desempenha um papel chave na articulação da sociedade civil, em defesa
dos direitos humanos, das liberdades democráticas, da reforma agrária, dos direitos dos
trabalhadores e da redemocratização. Durante o Vaticano II, em 1964, a Assembléia Geral
da CNBB, realizada em Roma, decide assumir o Planejamento Pastoral como seu
instrumento metodológico de renovação (denominado, na época, aggiornamento). Esse
processo concretiza-se, no país, por meio do Plano de Pastoral de Conjunto (PPC),
fundamentado, por sua vez, na atuação da Ação Católica e na experiência da CNBB,
fundada, em 1952, por iniciativa de D. Hélder Câmara. Em todo esse processo, a Igreja
tenta integrar-se, cada vez mais, à sociedade civil e aos movimentos sociais. O principal
reforço institucional, nessa direção, provém das Conferências Episcopais Latino-Americanas,
realizadas em Medellín, Colômbia, em 1968; em Puebla, México em 1979 e em Santo
Domingo, República Dominicana, em 1982. A prática gerada por esse processo leva a Igreja
a direcionar a sua atuação, na sociedade brasileira, a partir da situação dos pobres e dos
excluídos. No início dos anos de 1970, nesta perspectiva, a Igreja concentra sua atuação
nas áreas econômica e política, em dois focos: no modelo econômico vigente, que considera
elitista e concentrador de rendas e no regime de exceção, diante do qual compromete-se a
lutar para o restabelecimento da ordem democrática. Um marco simbólico, nesse sentido, é
a publicação, em 1973, de três documentos episcopais: "Ouvi os clamores de meu povo",
"Documento do Centro-Oeste", e "Y-Juca-Pirama" - o índio, aquele que deve morrer. A
eleição de João Paulo II, em 1978, muda o cenário político da Igreja em todo o mundo,
particularmente na América Latina, berço da Teologia da Libertação, a partir do final dos
anos de 1960. No entanto, no Brasil, a CNBB mantém sua linha de trabalho e intervém,
como ator sociopolítico, diante dos problemas nacionais. Um exemplo disso é a publicação
de mais três documentos: "Exigências cristãs de uma ordem política", "Igreja e problemas
da terra" e "Solo urbano e ação pastoral". Participa, também, intensamente, sobretudo no
fim dos anos de 1970, do processo de transição para a democracia. Neste contexto, a Igreja
atua, simultaneamente, como um ator da sociedade civil e da sociedade política, no
processo de pressão e de negociação com a arena estatal com vistas ao restabelecimento
da plenitude democrática (Stepan, 1987). Um dos principais campos do engajamento social
e político da Igreja é o da defesa e promoção dos direitos humanos, e, nessa área, a Igreja,
pouco a pouco, vai cedendo parte do seu protagonismo para as entidades da sociedade civil
organizada. Dentro da mesma dinâmica, a Igreja participa do processo constituinte, entre
1986 e 1988, e se mobiliza em favor de emendas populares à Constituição, com ênfase para
a ética na política e para a implementação de políticas sociais, como condição sine qua non
para a estabilidade democrática.

Mudanças no cenário religioso

A Igreja continua sendo a instituição mais confiável para a maioria dos latino-americanos
(72%), seguida da televisão (49%) e das Forças Armadas (38%), enquanto somente 24%
confiam no Congresso e 21% nos partidos políticos, de acordo com pesquisa, por
amostragem, realizada, no segundo semestre de 2001, pela Ong chilena Corporación
Latinobarometro, especializada em pesquisas sociais de âmbito continental. No universo
pesquisado, de 18.135 pessoas, em dezessete países, apenas 48% dos entrevistados
disseram-se satisfeitos com os resultados da democracia, enquanto 51% afirmaram
considerar o desenvolvimento econômico como o mais importante que o regime
democrático; uma pesquisa semelhante, realizada na Europa Ocidental, revelou que 78%
dos cidadãos apóiam a democracia e 53% estão satisfeitos com seus resultados. Na
pesquisa referente a 2002, a Latinobarometro registrou um crescimento, para 56%, no
apoio dos cidadãos à democracia. Paralelamente, outro fenômeno tem levado a Igreja a
rever suas estratégias de atuação religiosa, com conseqüências políticas. Trata-se da
mudança do perfil religioso da sociedade brasileira, sobretudo nos últimos trinta anos,
dentro de um processo denominado de "pentecostalização brasileira" (Carranza, 2002). De
acordo com o IBGE, em 1950, 93,5% da população brasileira declararam-se católicos
apostólicos romanos, 3,4%, evangélicos; 1,6% mediúnicos/espiritualistas e 0,8%, de outras
religiões, com o mesmo percentual para os sem religião e sem declaração. Vinte anos
depois, em 1970, 91,8% disseram-se católicos; 5,2% evangélicos; 1,6%
mediúnicos/espiritualistas; 1,0% de outras religiões e 0,8% sem religião e sem declaração.
Em 1980, o percentual de católicos caiu para 88,9%; o de evangélicos cresceu para 6,7%; e
o de mediúnicos/espiritualistas diminuiu para 1,3%; de outras religiões passou para 1,2% e
o dos sem religião para 1,9%. Em 1991, a população católica caiu para 83,0%; a evangélica
subiu para 10,0%; e a mediúnica/espiritualistas 1,5%; as outras religiões, diminuíram para
0,4%; e os sem religião para 4,7% e os sem declaração, para 0,4%. Em 2000, declararam-
se católicos 73%; evangélicos, 15,4%; mediúnicos/espiritualistas 1,7%; de outras religiões,
1,6%; sem religião, 7,3% e sem declaração, 0,4%. Esses dados do Censo Demográfico
definem a identidade religiosa dos declarantes, mas não a sua prática e nem mesmo a sua
pertença a uma determinada igreja ou tradição religiosa. Com a modernização da
sociedade, sobretudo nas cidades, onde vive a grande maioria da população, a identidade
nacional foi separada da identidade católica; desse modo, muitas pessoas, embora
batizadas na Igreja, podem declarar-se não católicas, sem se sentirem discriminadas. A
relativa queda do percentual de mediúnicos/espiritualistas seria, por sua vez, causada pelo
seu sincretismo com o catolicismo. O Estado com a maior perda de católicos e com maior
aumento da população autodeclarada sem religião é o Rio de Janeiro; enquanto o Estado
com maiores índices de identificação com o Catolicismo são o Piauí, o Ceará, a Paraíba,
Alagoas e o Maranhão. Nesse contexto, de acordo com a análise de maio de 2002, os dados
mostram que o Brasil continua sendo majoritariamente cristão (católico e evangélico). A
novidade é que cresceu em 1,9% para 7,3%, nos últimos vinte anos, o número de
brasileiros que se declaram sem religião. Quais os reflexos dessas mudanças na atuação
sociopolítica da Igreja? Em primeiro lugar, consolida-se o caráter pluralista e heterogêneo
da sociedade brasileira, em que coexistem e convivem pelo menos, 1.200 religiões, de
acordo com o IBGE, conforme o Censo de 2000; em segundo lugar; o segmento evangélico,
sobretudo o pentecostal, ganha espaço, principalmente no Poder Legislativo, às vezes
somando-se e às vezes se separando dos parlamentares da bancada católica. As bancadas
evangélica e católica costumam votar juntas em projetos que envolvem questões morais
(aborto e casamento de homossexuais, entre outros) e em algumas matérias sociais
(saúde, educação, trabalho, moradia, assistência social e em outras que não envolvam
interesses específicos de cada igreja).

A CNBB e alguns temas da realidade brasileira

A essência da democracia, de acordo com a CNBB, baseia-se em dois pressupostos: em


uma certa homogeneidade social, caracterizada pela inexistência de abismos muito grandes
entre as classes sociais; e em um sistema econômico capaz de dar respostas positivas às
reivindicações das várias classes, ainda que tais respostas sejam graduais. Para que a
democracia funcione, é indispensável que todas as classes sociais disponham de algum
recurso de poder, uma vez que "só o poder controla o poder". Deste modo, será possível
atenuar os choques entre os vários segmentos da sociedade, permitindo que grupos sociais,
com interesses conflitantes, convivam pacificamente, em um mesmo espaço territorial. Uma
autêntica democracia só é possível no Estado de Direito, com base no conceito de pessoa
humana. Numa democracia real, os cidadãos são sempre os principais controladores das
ações governamentais. É difícil e penosa a construção da democracia real.

Todos são atores importantes e não podem estar à margem. A Igreja considera que, para
consolidar a democracia representativa, garantindo a governabilidade, é preciso verificar
também a composição do Congresso Nacional e as alianças que permitam concretizar os
projetos governamentais. O pensamento político da Igreja é refletido, também, no texto-
base da Campanha da Fraternidade de 1996 da CNBB, sobre o tema "Fraternidade e
Política". Nesse documento, é reafirmada e aplicada ao contexto contemporâneo do Brasil a
Doutrina Social da Igreja sobre a política. Essa atividade é definida como "uma mediação
social necessária para promover o bem comum". Partindo da concepção aristotélica de que
a pessoa humana é, por natureza, um ser político, a CNBB afirma que toda ação ou omissão
é uma atitude política e que dela depende a vida dos cidadãos. Apresenta, depois, seu
conceito de Política, definida como

o conjunto de ações pelos quais os homens e mulheres buscam uma forma de convivência
entre os indivíduos, grupos e nações, que ofereça condições para a realização do bem
comum. Do ponto de vista dos meios ou da organização, a política é o exercício do poder e
a luta para conquistá-lo.

O texto distingue os conceitos de ação política ("que é o conjunto de atos humanos que
possui dimensão pública e que se relaciona com as estruturas de poder de uma sociedade")
e de política partidária ("um tipo de ação política específica mediante a qual pessoas e
grupos sociais, organizadas em partidos políticos, constroem e defendem projetos para a
gestão do Estado e para a organização da sociedade, propondo-se, também, a representar o
interesse de diversos grupos e classes, candidatando-se a ser eleitos, pelo voto, para
funções legislativas e executivas"). A dimensão político-partidária da ação política é
considerada imprescindível, embora tenha limitações e deva ser complementada por outras
dimensões sociais, sobretudo as relativas à sociedade civil. Embora as atuais democracias
baseiem-se na ação política partidária (sua supressão levaria ao autoritarismo ou
totalitarismo), o aperfeiçoamento dos processos democráticos pode levar a que seja
modificada, tal como é conhecida hoje, por meio de uma reforma partidária. A Igreja
conceitua também cultura política como o "conjunto de convicções e atitudes, normas éticas
e opções referentes ao fenômeno político, compartilhadas pelos membros de uma
determinada sociedade". A cultura política brasileira é caracterizada pelo desconhecimento
do dever cívico de participar da política; pela falta de informação adequada sobre o objeto
da política e sobre os aspectos básicos do processo político; distingue, também, entre a
cultura política das elites econômicas e políticas, da classe média e das classes
empobrecidas. A primeira'é definida como cínico-realista; a segunda é marcada pelo não
comprometimento pessoal, pela ânsia de copiar padrões de consumo das elites e pelo temor
obsessivo do empobrecimento, assim como pelo voto majoritário nos partidos da ordem. A
terceira inclui três subconjuntos: setores politicamente engajados, setores populares de
tradição religiosa e setores desorganizados. A política brasileira caracteriza-se, também,
pelo clientelismo, fisiologismo, paternalismo e nepotismo, que expressam as relações entre
a elite e a massa. Fundamental é a distinção entre a Política como organização da sociedade
e a política partidária. É essencial submeter a política e a economia à ética e essa ética deve
ser a da solidariedade. A dissociação entre ética e política causa um forte impacto na
consciência da população e pode abalar os fundamentos da sociedade. Alegando que a
"ética de resultados" é incompatível com a "ética de princípios" a racionalidade meios-fins
tem sido tomada como norma de exercício do poder em nome da governabilidade. Outra
questão bastante sensível para a opinião pública é a da impunidade, particularmente aquela
que salvaguarda os de "colarinho branco". Constata-se uma "grave perda" na "densidade
ética" do governo. A análise observa, porém, que, apesar dessa perda de "densidade ética"
nos diversos setores da sociedade e da cultura brasileira, particularmente na cultura
política, verifica-se, também, o ressurgimento da ética na política, a partir da sociedade
civil. O sistema partidário brasileiro é precário e falta coerência entre a atuação dos partidos
em nível local e nacional; sob esse'ângulo de análise, os partidos brasileiros classificam-se
em dois grandes grupos: os partidos da ordem estabelecida e os da transformação
estrutural. Os primeiros não educam, não mobilizam, nem consultam seus eleitores e
atuam, quase somente, nos períodos eleitorais; os segundos dependiam, até recentemente,
de dogmatismos de uma vertente autoritária do socialismo e ainda não produziram métodos
adequados de educação política e de organização das massas populares. A globalização da
economia é o fenômeno mais importante no cenário internacional e leva a crescentes
desequilíbrios. Esse processo é marcado por contradições. Um trunfo da política econômica
do governo é a estabilidade da moeda, mas a Igreja identifica três situações que considera
preocupantes: o desequilíbrio fiscal, o déficit da conta corrente e da balança de pagamentos
e o desemprego em função do desequilíbrio macro-econômico. Destaca que a falta de um
projeto nacional (com o qual a estabilidade econômica não pode ser confundida) agrava
essa situação. A desigualdade social e sua cristalização representam o problema mais grave
do país. Nenhum dos planos de estabilização da economia foi suficientemente forte para,
desde a sua concepção, tomar medidas políticas para a efetiva e prioritária redistribuição da
renda. O público e o social ainda carecem de decisões mais firmes e corajosas.

A Igreja e o governo Lula


Num primeiro momento, a vitória de Lula e os demais resultados das eleições das últimas
eleições gerais são vistos como uma "virada na história política e social do Brasil",
destacando-se a opção à esquerda e o papel dos movimentos sociais nesse processo.
Contudo, seria incorreto, conforme a análise, interpretar a votação dos partidos de oposição
como uma "explícita adesão" aos projetos que eles representam, embora eles manifestem o
"desejo de mudança". O papel da Igreja, nesta dinâmica sociopolítica, tem sido o de
parceira e, também, de "parteira" de vários movimentos sociais. Essa mensagem foi
transmitida diretamente ao presidente Lula nas visitas que fez à sede da CNBB em Brasília,
ainda antes de sua posse, e à Assembléia Geral dessa entidade no dia 1º de maio no
Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba (SP). Nos cinqüenta anos da CNBB, essa foi a primeira vez
em que um Presidente da República encontrou-se com a absoluta maioria do episcopado
(305 cardeais, arcebispos e bispos de todo o país, além do Núncio Apostólico, embaixador
do Papa no Brasil, D. Lorenzo Baldessari). No encontro reservado com os bispos, Lula ouviu,
primeiro, discurso do então presidente da CNBB, D. Jaime Chemello, que destacou a
"legítima autonomia da autoridade civil" e a decisão da Igreja de colaborar com o governo
"de forma crítica e livre, em defesa da vida, da família e da justiça social". Depois, o
Presidente fez o seu discurso, durante uma hora e meia, em que relembrou sua história de
vida e em que pediu a colaboração da Igreja para seu mandato. Citou como preocupante a
desagregação da juventude e da família. Logo depois, Lula passou a palavra a seus
ministros, que resumiram as prioridades de suas pastas. Durante os debates, dez bispos
pediram a atenção governamental prioritária para as questões da reforma agrária, da
violência urbana, do narcotráfico, da integração nacional, das comunidades indígenas, da
Amazônia e do Nordeste e dos direitos humanos. Lula ouviu dos bispos a opinião de que o
rumo do seu governo depende da adesão da grande massa popular à sua proposta, ou seja,
daquela massa que nunca foi organizada nem politizada, que é desprezada e se despreza a
si mesma, que só tem uma consciência política imediata. A eleição foi um passo importante
no processo, mas sem a efetiva participação popular não se constitui um povo, no sentido
de conjunto de cidadãos e cidadãs. O encaminhamento político das reformas pode indicar os
rumos governamentais no atendimento das necessidades dos setores excluídos: a reforma
agrária tem, do governo Lula, uma "sinalização positiva", mas ainda não apresentou
resultados palpáveis, talvez porque a complexidade dos problemas exija mais tempo.
Retomar o crescimento econômico e sair da estagnação é condição necessária (embora não
suficiente) para uma efetiva mudança social. Mas, diante da ameaça da inflação que
desarticularia a economia e traria a ingovernabilidade, o governo dá prioridade à
neutralização daquela ameaça e à conquista da confiança do mercado. Terá o atual governo
- pergunta a Igreja - força para operar verdadeira mudança social, ou mais uma vez, o
clamor popular por reformas estruturais será abafado por políticas compensatórias? O
governo Lula tem-se orientado, questiona a CNBB, mais pela bússola dos indicadores
financeiros (que vão bem), do que pelos indicadores sociais (que vão mal).

Conclusões

A análise do papel político da Igreja e da CNBB aponta, em primeiro lugar, para a


complexidade da Igreja como instituição dotada de poder tradicional e, ao mesmo tempo,
carismático, no sentido weberiano desses tipos ideais. Embora se constitua em fator de
poder, a Igreja, diferentemente do passado, não busca exercê-lo de forma direta. E, mesmo
que o buscasse, possivelmente não conseguiria, diante da consolidação do processo
democrático e do pluralismo religioso, no conjunto da sociedade. Age, porém, de modo a
influir na política e nas políticas, com base em sua mensagem religiosa e sociopolítica. Em
segundo lugar, esse papel é resultante de todo um processo ideológico e histórico de
construção de uma identidade específica e própria da Igreja, no Brasil e na América Latina.
É oportuno destacar que a América Latina foi o primeiro continente a se mobilizar para a
implementação das reformas eclesiais aprovadas pelo Concílio Vaticano II e que, neste início
de século XXI, o continente latino-americano abriga o maior número de católicos no mundo.
Embora a direção central do Catolicismo continue na Europa, a Igreja, já há muito tempo,
deixou de ser eurocêntrica, pelo menos no ponto de vista sociológico e político. Por outra
parte, registra-se o compromisso da Igreja no Brasil com a democracia e com o Estado de
Direito e sua opção de apoiar um modelo democrático, politicamente soberano e
participativo, economicamente inclusivo e socialmente justo.

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Texto recebido e aceito para publicação em 22 de setembro de 2004.

Dermi Azevedo é mestre e doutorando em Ciência Política pela USP, além de jornalista.
Defendeu a dissertação de mestrado As relações entre Igreja e Estado durante a ditadura
1964/1985 e é um dos fundadores do Movimento Nacional de Direitos Humanos/ MNDH.

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Tel: (55 11) 3091-1675/3091-1676
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Nacional
Teologia da Libertação e
sua influência no País

A Teologia da Libertação constitui uma teologia anticristã, que busca usar os pobres como
pretexto para criar nova utopia igualitária. Cultuada pela esquerda católica, exerce ela
ascendência no Poder público

Frederico R. de Abranches Viotti *

"Valeu muito a ajuda de Frei Betto, o dominicano que divulga e coordena trabalhos das
comunidades eclesiais de base em São Paulo, hoje uma espécie de assessor e escudeiro de Lula".
(1) Este trecho, extraído de um semanário de tendência socialista de São Paulo, bem poderia ser
do presente ano... mas é de 1980.
Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como frei Betto, exerceu grande influência em
vários membros do atual governo federal. Este, como também o PT, em certo sentido encontra
suas raízes na Teologia da Libertação.
O ex-frade franciscano Leonardo Boff, que já há alguns anos abandonou a Igreja, é considerado,
ao lado do sacerdote peruano Gustavo Guriérrez, um dos pais da Teologia da Libertação. Em
entrevista recente à Radiobrás, Boff afirma: "Nós nos sentimos, pela primeira vez, como pessoas
da casa. Até hoje o Governo era nosso contraditório, era alvo da nossa crítica. [...] De repente, os
nossos companheiros estão lá".(2)
O título da entrevista é sintomático: "A Igreja da libertação chegou ao Poder".
A Teologia da Libertação, já analisada em outras edições desta revista, pode ser resumida como
uma tentativa de inserir o comunismo dentro da Revelação cristã. Cabe bem aqui recordar o que
disse certa vez Frei Betto: "O que propomos não é teologia dentro do marxismo, mas marxismo
(materialismo histórico) dentro da teologia".(3)

"Movimentos sociais" que facilitam a ação esquerdista


Foi através dessa teologia, oposta à doutrina tradicional da Santa Igreja, que se formaram
diversos núcleos dos que hoje se denominam, eufemisticamente, movimentos sociais ou
populares, como o MST, os sem-teto, as CEBs, o movimento dos negros, a CUT, o movimento
indigenista, etc. Todos eles, propugnadores da concepção comunista da luta de classes, por vezes
travestida de luta de raças.
Dessa maneira, o progressismo católico conseguiu algo inédito no Brasil: está no governo e, ao
mesmo tempo, exerce aparente oposição a ele, através dos movimentos ditos populares. Ou, em
outras palavras, numa situação muito cômoda, ele cede às pressões sociais criadas por ele
mesmo...

Movimentos populares, mas sem apoio popular


Tais pressões por reformas não correspondem ao desejo do brasileiro comum, ordeiro e pacato
em sua grande maioria.
Essa falta de apoio popular aos tais movimentos sociais não é de hoje. Já na década de 60,
quando a Teologia da Libertação estava em fase embrionária, também fracassaram as tentativas
de implantação de um regime igualitário no Brasil.
A esse respeito, e refletindo sobre o fracasso das guerrilhas comunistas no País, Frei Betto
confessou: "[...] Eu participei da luta armada durante a Ditadura e naquela época nós tínhamos
coragem, [...] nós tínhamos armas, nós tínhamos dinheiro, nós tínhamos ideologia, nós só não
tínhamos um detalhe: apoio popular".(4)

Discurso religioso para encobrir o marxismo


Em outra ocasião, comentara ainda o mesmo frei Betto sobre a dificuldade de angariar apoio
popular: "Não é fácil convencer um operário ou camponês a lutar pelo socialismo, mas é muito
fácil dizer a ele: "Ei! Meu amigo, nós cremos em um só Deus, que é pai. [...] Mas a sociedade na
qual nós vivemos, aquela fraternidade que Deus quer, ela não existe".(5)
Dessa forma, encobrindo o discurso materialista com capa religiosa - o velho lobo com pele de
ovelha -, a esquerda católica procura reverter o fracasso colhido pelos socialistas passados. Não
lhe interessa converter pessoas ao catolicismo, mas sim transformá-las em instrumentos de um
conceito subjetivo de justiça social.
Foi o que disse Leonardo Boff na já citada entrevista à Radiobrás: "É uma teologia que faz
sentido, que ajuda a criar uma visão das coisas, não necessariamente cristã, porque nós não
estamos interessados em que haja mais cristãos, estamos interessados em que haja mais cidadãos
participativos, sensíveis, justos, lutadores pela libertação dos seres humanos, e o cristianismo
como uma fonte geradora de pessoas assim".(6)

Inspiração na Nova Era e no panteísmo


Não é apenas mais cristãos que os adeptos da Teologia da Libertação não querem criar. O
igualitarismo de suas concepções levou-os mais longe. Já não é raro encontrar textos de Frei
Betto e Leonardo Boff semelhantes à doutrina da Nova Era e do panteísmo.(7)
Na referida entrevista à Radiobrás, assevera Boff: "Que o cristianismo renuncie à arrogância de
ser a única [religião] que carrega a verdade revelada. Deus não cabe na cabeça cristã. Ele é muito
maior, está em todas as pessoas. [...] Jesus não fundou uma Igreja, ele criou o sonho de um reino
de Deus, uma humanidade mais integrada na fraternidade, na igualdade, no amor, na capacidade
de convivência com os diferentes".(8)

O "amor aos homens" que esconde o ódio a Deus


Essa concepção panteísta, de uma "divindade" espalhada em todos os seres, produz uma visão
igualitária que acaba tentando destronar o próprio Deus, em sua infinita superioridade de Ser
transcendente.
Deus já não seria o "Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis", mas seria o próprio
homem, que se imaginaria um "deus", exatamente igual a todos os outros seres.
Cidade de Deus e Cidade dos homens
Uma das grandes obras doutrinárias de Santo Agostinho foi o livro Civitas Dei, onde este grande
Doutor da Igreja comenta as duas cidades que existem, fruto de dois "amores".
A Cidade de Deus, como sendo a região onde "todos os homens amam a Deus mais do que a si".
Nessa cidade não há roubos, adultérios, mentiras, pornografia etc.
A cidade do demônio, apesar do que indica o nome, não é a cidade onde "todos os homens amam
ao demônio mais do que a si", mas a cidade onde "todos os homens amam a si mais do que a
Deus".
Essa segunda cidade é a cidade do igualitarismo, onde os homens não aceitam superiores e cada
um é o Senhor de si mesmo.

O maior dos Mandamentos - o amor de Deus


"Mestre, qual é o grande mandamento da Lei? - Ele respondeu: 'Amarás ao Senhor teu Deus de
todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento. Esse é o grande e o primeiro
mandamento'" (Mt 22, 34).
Mas, para amar a Deus sobre todas as coisas, é preciso ter humildade. O que pressupõe a
capacidade de amar aquilo que cada um é na sua pequenez. Ao invés da inveja, fruto do orgulho,
o amor de Deus ensina a admiração daquele que é maior. Dessa admiração desinteressada nasce
a verdadeira felicidade.

Orgulho simulando caridade


Em oposição à admiração, encontra-se a inveja igualitária, mediante a qual toda a hierarquia
(seja econômica, política, religiosa, etc) é destruída pela insatisfação em ser aquilo que cada um,
de fato, é. Todavia, esse orgulho de não aceitar superiores se disfarça muitas vezes em um
aparente amor aos pobres.
A doutrina católica sempre ensinou a caridade (palavra latina que significa "amor a Deus" e,
como conseqüência, o verdadeiro "amor ao próximo") para com os mais necessitados.
A Teologia da Libertação, por sua vez, considera a caridade um erro, já que esta pressupõe uma
desigualdade econômica. Segundo a visão deturpada por eles defendida, fruto do marxismo, o
pobre foi "explorado" pelos ricos e tem direito, como decorrência dessa suposta exploração, a um
ressarcimento. Não se deve aplicar a caridade, mas só a chamada "justiça social".
Disso tem resultado um aumento da luta de classes, com a conseqüente perda da harmonia social
que tanto bem trouxe ao Brasil. Como resultado, temos pobres cada vez mais desamparados,
sobretudo espiritualmente, quanto mais são utilizados nesse jogo ideológico do igualitarismo.

Anticonsumismo miserabilista
Ao contrário do que possa parecer, a Teologia da Libertação não pretende erradicar a pobreza.
Nas palavras do Bispo de São Félix do Araguaia, D. Casaldáliga, conhecido promotor da
Teologia da Libertação, é preciso "assumir explicitamente a civilização da sobriedade
compartilhada, frente ao consumismo egoísta".(9)
Essa "sobriedade compartilhada" nada mais é do que a escassez do que for considerado
supérfluo. Uma escassez, ou miséria, igualmente distribuída pela sociedade que, dessa forma e
segundo seus adeptos, estaria mais próxima da igreja primitiva.
Sobre esse tema, afirma Frei Betto: "Viver em Cuba exige altruísmo, como viver em comunidade
ou, por exemplo, num convento. O 'nosso' deixa pouco espaço para o 'meu'".(10) Entretanto,
consumir não significa apenas comer, mas engloba um conceito muito mais amplo. Inclui tudo
aquilo que é conveniente ao homem possuir; no conveniente, inclui até o supérfluo, que torna a
vida agradável e favorece um constante engrandecimento de todo o corpo social. Desde o sabor
até a estética, tudo tem no consumo um de seus impulsos. Há valores culturais, espirituais e
morais a serem obtidos pelos indivíduos e pela sociedade.

"Anticonsumismo, Glorificação do Ócio e da Indigência"


Qual seria o resultado de uma sociedade anticonsumista? Responde o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira pelas páginas de Catolicismo, em seu artigo intitulado "Anticonsumismo, Glorificação
do Ócio e da Indigência": "Todo esse fardo de esforços e apreensões pesa sobre o homem, e não
compensa - segundo esses apologistas da preguiça - o esforço que exige. Mais vale a pena
trabalhar o menos possível, comer igualmente o menos possível, descansar muito, embriagar-se
muito... do que trabalhar muito, consumir com fartura e melhorar constantemente o próprio nível
de vida. [...] Resultado: numa sociedade na qual ninguém tem vantagem em trabalhar mais do
que os outros... ninguém trabalha mais do que os outros! É uma sociedade organizada em
vantagem dos preguiçosos, com prejuízo dos trabalhadores autênticos, dos diversos níveis
sociais.
Nessa sociedade, praticamente desaparece a abundância. [...] Para que haja estímulo a que se
trabalhe, é preciso dar a quem trabalha a devida compensação. A fim de aproveitar em benefício
da sociedade os mais capazes, os mais eficientes, os mais produtivos - numa palavra, os melhores
-- é preciso que ganhem mais. Se tal não ocorrer, a sociedade amolece e cai no não-consumismo.
E daí resvala para um estado de pobreza crônica, preguiçosa, mofada, que tende, em última
análise, para a barbárie".(11)

Combate à propriedade: violação de dois Mandamentos


Para que haja progresso econômico em um país, é preciso favorecer e respeitar certos princípios
básicos, como o direito de propriedade, garantido por dois mandamentos da Lei de Deus.
O direito de propriedade é uma decorrência da natureza humana, criada livre por Deus. Sem o
direito ao fruto de seu trabalho, o homem seria um escravo do Estado, como ocorre nos regimes
comunistas onde quer que eles tenham se implantado.
Não há um único país no mundo que tenha progredido - e diminuído a pobreza - sem defender o
direito natural à propriedade particular.
Em oposição a isso, a Teologia da Libertação considera a propriedade privada um roubo ou
quase tanto - sobretudo as grandes propriedades - uma usurpação de um bem que deveria ser
coletivamente usufruído.
A esse respeito, afirmou João Paulo II: "Nem a Justiça nem o bem comum consentem em
danificar alguém nem invadir sua propriedade sob nenhum pretexto. Ao Estado cabe o dever
principalíssimo de assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias".(12)

Descabido ódio aos ricos e à riqueza


A partir de uma interpretação falseada da Sagrada Escritura, os adeptos da Teologia da
Libertação combatem os ricos. Sua suposta dedicação aos pobres esconde uma exclusão dos mais
abastados, transformados em criminosos que se apropriaram de bens que não lhes pertencem.
Convém lembrar que uma das criaturas humanas que Nosso Senhor Jesus Cristo mais estimava
era Lázaro (por Ele ressuscitado). Lázaro, como consta nos Evangelhos, era um homem rico que
jamais foi censurado por sua riqueza. Esta pode ser um bem e dar glória a Deus, se usada com
sabedoria; ou um mal, se utilizada com apego desproporcional aos bens terrenos. Apego esse que
também os pobres podem ter.
O convite à pobreza, como existe em ordens religiosas - ou como existiu no início da era cristã -,
sempre foi voluntário e facultativo. Não se pode obrigar a ela por lei. O comum dos homens deve
trabalhar honestamente e economizar para as incertezas do futuro, inclusive para sua família,
criando e administrando, dentro da moral católica, sua propriedade. O que vale tanto para os
mais ricos como para os mais pobres.

Redentor dos homens e não revolucionário


Essa espécie de ódio aos ricos, camuflado no que se poderia chamar de redenção pela pobreza e
não pela graça de Deus, traz em seu bojo algo muito mais grave. Para a Teologia da Libertação,
Nosso Senhor era uma espécie de comunista revolucionário.
Dificilmente poder-se-ia formular uma visão tão diametralmente oposta do que foi Nosso
Senhor, Rei dos reis, excelso exemplo de humildade em oposição ao orgulho igualitário.
Igualitarismo este que teve em Lúcifer seu principal propugnador, quando se negou a servir a
Deus. Contra seu brado de revolta - "Não servirei!" - levantou-se São Miguel, conclamando:
"Quem como Deus!".
Em nenhum momento Nosso Senhor pregou a revolta contra o Império de Roma, invocando
temas como injustiça social, exploração dos pobres, desigualdades, distribuição de renda,
invasão de terra, etc. Ele pregou contra a idolatria, os vícios, os costumes corruptos, a decadência
moral, questões de caráter religioso que estão na origem de todos os problemas - inclusive
econômicos - de um povo.
E, sobretudo, Ele operou a Redenção do gênero humano, que consistiu no resgate da dívida da
humanidade para com a Justiça divina ofendida. Resgate que só Ele poderia operar, uma vez que
a ofensa feita ao Deus infinito, pelo pecado original, só poderia ser resgatada pelo próprio Deus.
Ele ainda nos legou sua maravilhosa doutrina e fundou sua Igreja, que mudou os rumos da
História, convertendo povos e fundando nações. É claro que isso tem reflexos políticos, mas
como conseqüência da ação sobre as almas - ou sobre os "amores" de que nos fala Santo
Agostinho. O Reino de Nosso Senhor sobre a Terra começa quando Ele reina nos corações dos
homens. E daí conquista o resto do mundo: "Procurai primeiro o Reino dos Céus e a sua justiça.
E tudo o mais vos será dado por acréscimo" (Mt 6, 33).
Tanto essa verdade evangélica quanto muitas outras, a Teologia da Libertação não as quer
entender, pois, entre a Cidade de Deus e a Cidade dos homens, ela optou pela segunda,
esquecendo-se do principal mandamento: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o coração, de
toda a alma, e de todo o entendimento" (Mt 22, 34).

E-mail do autor: frederico.viotti@apis.com.br

(*) Cientista Político pela Universidade de Brasília (UnB)


__________
Notas:
1. Apud. Plinio Corrêa de Oliveira, Gustavo Antonio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo, As
CEBs, das quais muitos se fala, pouco se conhece - a TFP as descreve como são, Ed. Vera
Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1983, p. 226.
2. Igreja da Libertação chegou ao Poder, diz Boff, "Radiobrás", 1-12-03.
3. Marxismo na Teologia, in "Jornal do Brasil", 6-4-80, apud Plinio Corrêa de Oliveira, op.
cit., p. 147
4. Palestra de Frei Betto na Concha Acústica, UFC, 7-4-03.
5. Fidel Castro: Entretiens sur la réligion avec Frei Betto, CERF, Paris, 1986, p. 195.
6. Igreja da Libertação chegou ao Poder, diz Boff, "Radiobrás", 1-12-03.
7. Panteísmo é uma heresia que nega a existência de um Deus pessoal e prega um "deus"
disseminado por todos os seres e objetos, sendo o próprio homem também "deus". Sobre essa
heresia, Catolicismo publicou um artigo na edição de fevereiro/2003.
8. Igreja da Libertação chegou ao Poder, ibidem.
9. ADITAL, Reportagem Igreja da Libertação na América Central, 6-3-04.
10. ADITAL, Frei Betto: Cuba resiste, solidariamente, 5-1-04.
11. Plinio Corrêa de Oliveira, Anticonsumismo, Glorificação do Ócio e da Indigência, in
Catolicismo, nº 536, agosto/1995, p. 13.
12. João Paulo II durante sua visita ao Brasil, em 1991, "Folha de S. Paulo", 15-10-91.

A Teologia da Libertação no poder?

Com a vitória de Lula, a chamada esquerda católica alcança importantes cargos no Governo
Federal e projeta sua nefasta influência para além das sacristias

Plinio Vidigal Xavier da Silveira

Frederico R. de Abranches Viotti*

Disse o Bem-aventurado Papa Pio IX, em 1873: “Um grande número [dentre os católicos]
parecem querer caminhar de acordo com nossos inimigos, e se esforçam por estabelecer uma
aliança entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiça e a iniqüidade. [...] São eles muito
mais perigosos certamente e mais funestos do que os inimigos declarados”.1

            Como ninguém ignora, a Igreja atravessa em nossos dias a maior crise de sua venerável
existência vinte vezes secular. (vide quadro à p. 17).

            Impulsionando essa crise está uma corrente de teologia, dita da libertação, que procura
perverter a doutrina imutável da Santa Igreja, transformando-a em uma cartilha de luta de classes
marxista.

            Um dos principais expoentes brasileiros dessa teologia, o religioso dominicano Frei
Betto, chegou a declarar: “O que propomos não é teologia dentro do marxismo, mas marxismo
(materialismo histórico) dentro da teologia”.2
            Conhecido por suas posições teológicas contrárias à doutrina social católica tradicional,
Frei Betto tornou-se um dos principais assessores de Lula da Silva, e foi designado como
consultor especial do Presidente, chegando a ser apresentado como seu orientador espiritual .3

            Com ele, subiram ao poder diversos nomes da ala progressista da Igreja, conforme
afirma, em significativo artigo intitulado Planalto abre vagas para radicais da Igreja, o
articulista Roldão Arruda: “O prestígio da Igreja Católica no atual governo está em alta. Mais
precisamente, o prestígio da ala progressista, seguidora da Teologia da Libertação [...]. O
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva já teria dito a amigos e assessores que considera positiva a
influência dos progressistas em seu governo”.4

        Na mesma linha, o jornal “Valor” publicou um longo estudo sobre o fim do ostracismo a
que estava relegada essa ala progressista, demonstrando a íntima ligação do novo Governo com
a chamada Teologia da Libertação,5 que propõe “uma interpretação inovadora do conteúdo da
fé e da existência cristã, interpretação que se afasta gravemente da fé da Igreja, mais ainda,
constitui uma negação prática dessa fé” (Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da
Libertação”, de 6-8-1984, da Congregação para a Doutrina da Fé, VI, 9).

A Teologia da Libertação no Governo

            A doutrina da Teologia da Libertação foi condenada por João Paulo II em sua Alocução
de Puebla, em 1979.(6) Apesar dessa condenação, ela continuou a ser amplamente difundida
através da esquerda católica em seminários e sacristias.7

            Com o advento do Governo do Partido dos Trabalhadores — que nasceu nas sacristias
progressistas ao lado do MST (Movimento dos Sem-Terra) — ela alcança postos de grande
influência no Governo Federal.

            Em artigo recente, publicado no jornal “Correio Braziliense”, Frei Betto faz afirmações
reveladoras nesse sentido.

“[...] Contemplo a Esplanada dos Ministérios. Ali está a ministra Marina Silva, seringueira,
analfabeta até os 14 anos, militante das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) do Acre. [...]
Ao lado, Benedita da Silva, ministra da Assistência e Promoção Social, líder comunitária no
morro Chapéu Mangueira, atrás do nosso convento dominicano do Leme, no Rio. Conhecia-a
casada com Bola, participante do Movimento Fé e Política. José Fritsch, ministro da Pesca,
integrante das CEBs de Chapecó, é discípulo de dom José Gomes.

No monolito preto do Banco Central, reencontro Henrique Meirelles, militante da JEC


(Juventude Estudantil Católica) de Anápolis, movimento do qual fui dirigente nacional nos anos
60. [...] No ministério de Minas e Energia está Dilma Roussef, minha vizinha de rua na infância,
companheira de cárcere no Presídio Tiradentes, em São Paulo, nos anos 70.  José Graziano, à
frente do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, também foi
meu companheiro de JEC, responsável pela coordenação estadual em São Paulo [...].
"Olívio Dutra, ministro das Cidades, militante da Pastoral Operária. [...] Dentro do Palácio do
Planalto, a viagem ao passado me traz de volta José Dirceu, líder estudantil que se escondeu em
nosso convento de São Paulo, nos anos 60 [...].

"O gabinete pessoal do presidente da República é comandado por meu parceiro de Pastoral
Operária, Gilberto Carvalho, que foi dirigente nacional do movimento Místico. [...] À frente da
Secretaria de Imprensa está Ricardo Kotscho, com quem fundei Grupos de Oração, ativos há 23
anos. Ao lado de minha sala está o gabinete presidencial [...] agora, na Esplanada dos
Ministérios, somos uma comunidade responsável pelo governo do Brasil”.8

Pouco depois, Lula ainda nomeou outros nomes ligados à esquerda católica, como o ex-membro
da CPT (Comissão Pastoral da Terra) para Presidente do INCRA, Marcelo Resende, que chega
a usar “na mão esquerda um anel escuro feito de tucum, palmeira típica da região Norte do
País. É um ornamento que [...] é usado por padres, freiras e leigos vinculados à ala
progressista da Igreja Católica. Destina-se sobretudo a mostrar o compromisso radical com as
causas populares”.9

                É preocupante ver que uma corrente teológica, condenada pela Santa Sé por alterar a
doutrina católica e pregar a revolução social, possa ter uma influência tão grande na vida
pública do País e na elaboração das políticas governamentais.

                Não foi por acaso que outro dos expoentes da Teologia da Libertação, o ex-frei
Leonardo Boff, declarou ao “Jornal do Brasil”, pouco antes das eleições: “O palco para esta
revolução necessária, a revolução brasileira, está montado nestas eleições presidenciais”.10

Nacional

CEBs: sovietes para o programa Fome Zero?

            Como braço organizado da Teologia da Libertação, surgiram as CEBs (Comunidades


Eclesiais de Base), que são pequenos grupos formados por iniciativa do clero e de agentes
pastorais, em torno das paróquias e capelas.

            Sobre elas, a TFP publicou um esclarecedor estudo intitulado As CEBs... das quais muito
se fala, pouco se conhece – A TFP as descreve como são.

            O termo Comunidade de Base, segundo D. Miguel Balaguer, Bispo de Tacuarembó


(Uruguai) na década de 80, tem uma curiosa explicação: “[...] Agora elas foram batizadas com o
nome de ‘comunidades de base’; expressão inspirada na terminologia marxista, equivalente a
soviete”.11

            Recentemente foi noticiado que Frei Betto está articulando a ajuda dessas CEBs ao
Programa Fome Zero. Não se sabe ainda como será esse auxílio, mas há algumas informações
preocupantes a respeito.
            Em entrevista à imprensa, o ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e de
Combate à Fome, José Graziano, afirmou: “Na nossa concepção, não importa a fiscalização de
como foi feito o gasto. O que importa é a organização popular que uma ação como a do Cartão-
Alimentação promove. [...] Cria um embrião de organização local: os comitês gestores”.12

            Esses objetivos do Governo valeram um editorial da “Folha de S. Paulo”, que apontou o
caráter autoritário do projeto Fome Zero: “Seria mais simples e digno reconhecer como
desastrosa a idéia de que os pobres que fazem jus ao benefício têm de ser tutelados por
conselhos gestores (de inspiração cubana?) ou por quem quer que seja”.13

*      *          *

O Brasil encontra-se diante de um novo e apreensivo panorama: a presença ostensiva de alguns


dos mais exacerbados próceres da Teologia da Libertação em posições importantes do novo
governo.

O eleitorado brasileiro, cujo conservadorismo foi reconhecido até por políticos e jornalistas dos
mais variados matizes, vê agora a mais esquerdista tendência do progressismo católico assumir
uma posição de grande destaque na direção do País. Não era isso que ele esperava.

Que Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, proteja nossa Pátria, preservando-a dos erros
da Teologia da Libertação.

A Crise na Igreja: O que disseram os Papas

            O Papa São Pio X, na encíclica em que condenou o modernismo (precursor do


progressismo), advertiu que “os fautores do erro [...] se ocultam no próprio seio da Igreja, [...]
por assim dizer nas próprias veias e entranhas dela”(*).

            Nesse mesmo sentido, advertiu Paulo VI: “A Igreja atravessa hoje um momento de
inquietude. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a auto-demolição. [...] A Igreja é
golpeada também pelos que dela fazem parte”(**). O  mesmo pontífice afirmou ter a sensação
de que “por alguma fissura tenha entrado a fumaça de satanás no templo de Deus”(***).

            Também João Paulo II, em diversas ocasiões, tem-se referido aos problemas do mundo
moderno e à sua relação com a tempestade que se abate sobre a Santa Igreja. Em alocução aos
Religiosos e Sacerdotes participantes do I Congresso Nacional Italiano sobre o tema “Missões
ao Povo para os Anos 80”, em 6-2-81, ele traçou um panorama sombrio da situação da Igreja,
afirmando que muitos destes problemas incluem a difusão de “verdadeiras e próprias heresias,
no campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se até a
Liturgia”.

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(*) Encíclica Pascendi Dominici Gregis, de 8/9/1907, Ed. Vozes, Petrópolis, 1959, p. 4.
(**) Alocução aos alunos do Seminário Lombardo — Insegnamenti di Paolo VI, Tip. Pol.
Vaticana, vol. VI, p. 1188, apud Plinio Corrêa de Oliveira, G. A. Solimeo, L. S. Solimeo, “As
Cebs...”, p. 71.

(***) Alocução de 29-6-72 — Insegnamenti...”, vol. X, p. 707, apud. op. cit., p. 71.

Notas:

1. Carta ao Círculo Santo Ambrósio, de Milão, de 6-3-1873, apud Plinio Corrêa de Oliveira,
Revolução e Contra-Revolução, Diário das Leis Ltda., S. Paulo, 1982, 2ª. ed. p. 27.

2. Marxismo na Teologia, in  “Jornal do Brasil”, 6-4-80.

3. Frei Betto passou quatro anos na prisão, condenado pela justiça por envolvimento com a
guerrilha urbana de Carlos Marighela, e é, juntamente com o ex-frei Leonardo Boff, um dos
expoentes da Teologia da Libertação.

4. “O Estado de S. Paulo”, 23-2-03.

5. O frade e o Presidente, Vivas ao irmão Lula, “Valor”, S. Paulo, 27, 28 e 29/12-02.

6. Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Libreria Editrice Vaticana, vol. II, 1979, pp. 192-193,
apud. Plinio Corrêa de Oliveira, G. A. Solimeo, L. S. Solimeo, As CEBs... das quais muito se
fala, pouco se conhece – A TFP as descreve como são, Ed. Vera Cruz, 4ª ed., 1983, p. 75.

7. A esquerda católica poderia ser definida como uma seita progressista encastoada no seio da
Igreja, inspirada na Teologia da Libertação.

8. “Correio Braziliense”, 23-1-03.

9. “O Estado de S. Paulo”, 8-3-03.

10. Quem faz a revolução?, “Jornal do Brasil”, 23-8-02.

11. As CEBs..., op. cit., p. 122.

12. Marta Salomon, Graziano indica que Vale-Gás e Bolsa-Renda podem acabar, “Folha de S.
Paulo”, 2-2-03.

13. Pai dos pobres, “Folha de S. Paulo”, 2-2-03.

*Cientista político pela Universidade de Brasília.

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