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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

SUMÁRIO
MÓDULO 04

UNIDADE DE APRENSIZAGEM 3....................................150

3. A Nova República e a Bancada Evangélica...........150

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FATIPI EAD

MÓDULO
04
UNIDADE DE APRENSIZAGEM 3

3. A Nova República e a Bancada Evangélica

OBJETIVOS

1 Analisar a presença evangélica na política com o advento da


Nova República

2 Refletir criticamente sobre as estratégias discursivas utilizadas


pela bancada evangélica para justificar sua existência e atuação

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Estamos percebendo como a história das igrejas evangélicas e a política brasileira fo-
ram se encontrando em meio aos acontecimentos que marcaram a República. Entramos
nesta unidade de aprendizagem na fase atual da história brasileira, por isso, examinaremos
assuntos que talvez estejam muito próximos da nossa experiência. É importante salientar
que a análise crítica não tem por objetivo a mera desqualificação dos atores envolvidos
na história, mas criação de novas perspectivas sobre e a realidade e a abertura de novos
caminhos para a ação.

Bons estudos.

O advento da Nova República

A Nova República fez nascer um novo capítulo na relação entre as igrejas evangélicas
e o poder político no Brasil. A Nova República é o período histórico que teve início em 1985,
marcando o fim da Ditadura Militar e o retorno da democracia no Brasil. Este período co-
meçou com a saída do general Figueiredo da presidência do Brasil e a entrada de um civil
no cargo, José Sarney. O Brasil continuou sendo uma República, mas desde a proclamação
desta, o país alternou períodos autoritários, ditaduras e democracia.

A redemocratização do Brasil foi um processo de reestabelecimento da democracia


que ocorreu após períodos ditatoriais de governo. O processo de redemocratização de 1985
ocorreu no contexto da ditadura militar. Teve início no governo Geisel, em 1974, e contou
com momentos de avanços e recuos.

As principais características da Nova República são:

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• Redemocratização do Brasil.

• Retorno das liberdades sociais: imprensa, manifestação política, expressões artísti-


cas e culturais, opinião etc.

• Eleições diretas para presidente da República, a partir de 1990.

• Promulgação de uma nova constituição em 1988, que valorizou a democracia e o


respeito aos direitos do cidadão.

A Nova República representa um novo período democrático, em oposição ao antigo


governo que representava a censura, falta de democracia e repressão aos movimentos so-
ciais. Portanto, a Nova República é um marco importante na história do Brasil, simbolizando
o retorno à democracia e o fim de um período de repressão e censura.

De repente o Brasil descobriu os evangélicos

Vimos que a presença de caráter permanente de cristãos não católicos em solo brasi-
leiro remonta a primeira metade do século XIX. Na segunda metade missionários começa-
ram a chegar no território brasileiro e as primeiras igrejas resultantes do protestantismo de
missão foram estabelecidas. O século XX viu a chegada dos pentecostais. É possível afir-
mar que até o advento da Nova República os evangélicos, embora firmemente consolida-
das, não eram quase percebidos na paisagem tropical do país. Todavia, eis que de repente
eles parecem estar por toda parte.

Alguns fatos da histórica política recente do Brasil mostram essa sensação de que os
evangélicos estão por toda parte do cenário nacional, inclusive no lugar em que sempre es-
tiveram ausentes: a política. Vejamos: Adélio Bispo, homem que esfaqueou o então candi-
dato Jair Bolsonaro, frequentava igrejas evangélicas. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que se
declara católico romano, foi batizado no rio Jordão, em Israel, pelo pastor da Assembleia de
Deus Everaldo Pereira. A presença de políticos em eventos promovidos por igrejas evangé-
licas, principalmente pentecostais e neopentecostais passou a ser vista como estratégica.
Voltando ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a esposa dele e os seus filhos, do primeiro ma-
trimônio, são ligados à Igreja Batista. Permanecendo ainda no primeiro escalão da política
nacional Marina Silva, candidata por três vezes à presidência, é assumidamente evangélica.
Cabo Daciolo, candidato à presidência no ano de 2018, se destacou por levar uma Bíblia
aos debates entre os candidatos e inserir em suas respostas bordões pentecostais. Dei-
xando as eleições de 2018 e a figura do presidente, porém mantendo o foco nas relações
entre evangélicos e a política recente do Brasil, recordo que o ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, preso pela operação Lava Jato, declara-se evangélico. O ex-
-promotor e ex-deputado Deltan Dallagnol, que fez fama na esteira da Operação Lava Jato,

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é membro da Igreja Batista. A associação entre evangélicos e política não é exclusividade


da esfera nacional, mas realidade igualmente presente em milhares de municípios brasilei-
ros e em todas os estados da federação. Nos períodos de propaganda eleitoral tornou-se
parte do cenário candidatos que se apresentam utilizando seus títulos religiosos: missio-
nário, pastor, bispo e apóstolo. A presença de evangélicos por todos os lados – dos vilões
aos mocinhos – cristalizou a sensação de que eles estão por toda parte e que do dia para
a noite parece que as igrejas se multiplicaram pelo solo nacional. Aqueles que não estão
familiarizados com o universo religioso evangélico inevitavelmente se perguntam: o que
pretendem ao ocupar espaço em partidos políticos e cargos no executivo e no legislativo?

A bancada evangélica: gênese e fatores de unificação

A enorme diversidade e as disputas internas entre as milhares de igrejas desaparecem,


pelo menos na superfície, quando surge o tema evangélicos e política. A percepção de que
os evangélicos, em matéria de política, agem de modo unificado emergiu na Constituinte
de 1988 com a formação da Frente Parlamentar Evangélica, conhecida desde então, como
Bancada Evangélica. Da Constituinte até a última eleição, a Bancada Evangélica seguiu
crescendo. O número de integrantes sempre oscila, mas está sempre na casa de uma cen-
tena e representa uma das mais poderosas no Congresso Nacional. Os Parlamentares lista-
dos como integrantes da Bancada Evangélica estão espalhados por praticamente todos os
partidos políticos, inclusive no Partido dos Trabalhadores (PT), escolhido nos últimos anos
como antagonista principal das bandeiras defendidas pela Bancada Evangélica. Mais raros
na Bancada Evangélica são deputados filiados ao PSOL e ao PC do B.

VOCÊ SABIA COMO NASCEU A BANCADA EVANGÉLICA?


VOCÊ SABIA?

A instrumentalização da fé com finalidade eleitoral se dá a


partir do argumento de que a igreja e o plano evangelizador de
Deus correm perigo. Ricardo Mariano, sociólogo da USP, expli-
ca que o “argumento de a liberdade religiosa está em xeque é
um trunfo decisivo para defender candidaturas evangélicas nos
próprios cultos”. Mariano aponta o momento em que a presença de evangélicos no
Congresso mudou para a postura atual. Segundo conta, nas eleições gerais de 1986,
as primeiras após a redemocratização, correu um boato durante os trabalhos da Cons-
tituinte de que a Igreja Católica estaria exercendo sua influência para ter uma posição
privilegiada na redação da nova Constituição, o que colocaria em risco a liberdade
religiosa. Segundo o sociólogo, por causa desse boato, “rapidamente foi organizada a
bancada na Câmara, marcando a emergência pública do ativismo evangélico em um

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momento crucial da democracia. O lema dos evangélicos, que até então tinha sido
“crente não se mete em política”, passou a ser “irmão vota em irmão”. Porém, diferen-
temente do panorama atual, até aquele momento, os candidatos evangélicos eram
eleitos sem instrumentalizar a identidade religiosa, ou seja, sem colocar a religião a
serviço de interesses políticos. Isso passou a acontecer a partir das eleições de 1989
e adquiriu força nos últimos anos. (SPYER, 2020, p. 196)

A dinâmica de aglutinação da Bancada Evangélica funciona numa lógica que gira em


torno de temas mobilizadores difusos e temas de interesse eclesiástico/político institucio-
nal. Os temas mobilizadores difusos são compostos por palavras-chave que despertam
a sensibilidade da população evangélica, tais como: família, aborto, criacionismo, Bíblia,
gênero, homossexualidade, drogas. São esses temas que mais despertam paixões e provi-
denciam um tipo de justificativa para a presença religiosa mais ostensiva na política. Sob
o ponto de vista da estrutura laica do Estado brasileiro, instituído a partir do modelo ilumi-
nista de separação entre religião e política, as chances de fazer a roda da história girar para
trás e aprovar leis que impeçam o exercício das liberdades comportamentais adquiridas
nas últimas décadas são nulas. Mas será que é isso que pretende a Bancada Evangélica?
Certamente não. Os enfrentamentos são mais simbólicos e transmitem a ideia que os par-
lamentares evangélicos estão atuando como barreira de contenção frente à propagação
dos novos arranjos familiares bem como das novas expressões na esfera do afeto e da
sexualidade que ganharam visibilidade nos últimos anos. Para quem falam os políticos
evangélicos? Eles falam para os setores da população brasileira que se sentem confusos e
incomodados com as transformações nas relações de gênero, com a união civil de pessoas
do mesmo sexo, com possibilidade jurídica da adoção de crianças por casais homosse-
xuais, com discussões em torno da ampliação da legislação sobre o aborto etc.

Apontar o modo como os temas comportamentais difusos mobilizam eleitores e po-


líticos evangélicos não significa um juízo de valor sobre as motivações para o uso dessa
estratégia. A cultura cristã possui um longo histórico de dualismo (Deus e o Diabo, bem e
o mal, Igreja e o mundo) e não é diferente com o mundo cristão evangélico. Aliás, a mente
humana funciona em torno da estruturação de opostos, como bem demonstrou o antropó-
logo Claude Lévi-Strauss em sua vasta análise cultural sobre a estrutura dos mitos. No caso
específico do dualismo cristão evangélico há vasta tradição em torno da batalha final entre
o bem e o mal, o Armagedon, que seria precedido pelo surgimento do Anticristo. O comu-
nismo, no período da Guerra Fria, por conta do ateísmo que o acompanhava foi identificado
como o grande inimigo. Da década de 50 até a década de 80 eram comuns nas igrejas

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evangélicas conferências proféticas que se dedicavam a análise da conjuntura política in-


ternacional tentando encaixá-la na linguagem das profecias bíblicas sobre o aparecimento
do anti-Cristo. A derrocada da ameaça comunista, consumada com a Queda do Muro de
Berlim em 1989, deixou vago o posto do “grande inimigo” do cristianismo. A ameaça islâmi-
ca muitas vezes é invocada, mas a distância geográfica e cultural, além do fato de se lidar
com uma religião com raízes no monoteísmo abraâmico, torna mais difícil encaixar mu-
çulmanos em posição semelhante à ameaça do ateísmo comunista de outrora. O quadro
explicativo se fecha quando observamos que os partidos de esquerda, diante da derroca-
da do comunismo no plano internacional, assumiram a defesa das pautas identitárias em
seus programas de governo, todas elas com desdobramentos na agenda comportamental
já mencionada. O caldo cultural de identificação do grande inimigo a ser combatido pelos
cristãos, de longa data cultivado entre os evangélicos, recebeu a adição das causas identi-
tárias com (feminista, LGBT etc.) geralmente encampadas pelos partidos de esquerda. Isso
é um dos fatores que explica o alinhamento que ocorreu na eleição de Jair Bolsonaro, em
2018, entre diferentes tipos de conservadorismo – apoiadores da Lava Jato, extrema-direita
olavista/bolsonarista e evangélicos. A retórica política nas últimas eleições tem mirado os
partidos de esquerda identificando-os como inimigos da civilização cristã, embora risível e
anacrônica, a alegada ameaça comunista, citada com frequência nesse tipo de argumenta-
ção, tem dado resultados no estabelecimento de uma espécie de ponte entre os inimigos
do passado e do presente.

Uma avaliação da bancada evangélica

O que pensa a bancada evangélica? É difícil responder essa pergunta uma vez que no
interior do grupo há uma diversidade de igrejas e partidos políticos. Assim, como vimos
acima, o grupo se articula em torno de interesses muito pontuais. Um dos raros documen-
tos tentando articular uma visão abrangente de propostas da bancada evangélica para o
Brasil foi apresentada em outubro de 2018. Trata-se do “Manifesto à Nação” que no prefácio
anunciava ser um esforço para transcender a pauta tradicionalmente defendida por eles em
torno “da preservação dos valores cristãos e defesa da família”. O documento é basicamen-
te uma adesão ao programa liberal de reformas econômicas. O manifesto é composto de
quatro eixos temáticos, sendo que os três primeiros estão ligados às reformas do Estado
e da Economia em atendimento às conhecidas críticas de inchaço e ineficiência da má-
quina pública. O quarto e eixo é dedicado a educação e embora tenham sido mencionado
o desejo de ir além das pautas tradicionais defendidas pela bancada evangélica, a maior
parte desse tópico é dedicado à crítica aos governos petistas por terem supostamente
adotado em todos os níveis do ensino a doutrinação ideológica, a ideologia de gênero, o
fim da meritocracia e o ataque à moralidade judaico cristã. A conexão, que já apresentamos
anteriormente, entre o comunismo e as pautas identitárias é mencionada literalmente no

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“Manifesto à Nação”.

De algum modo, a atitude da Bancada Evangélica de lançar o “Manifesto à Nação”, na


iminência da vitória do então candidato Jair Bolsonaro é um reconhecimento da necessida-
de de justificar sua existência avançando em outras áreas além dos temas mobilizadores
difusos. Alguns dos parlamentares que compõem a Bancada Evangélica já estão na câma-
ra há vários mandatos e têm consciência dos limites que o ordenamento jurídico brasileiro
impõe para implementação de temas comportamentais conservadores. Nesse sentido, sob
o ponto de vista eleitoral, a situação da Bancada Evangélica é mais confortável quando o
Executivo Federal é ocupado por um presidente eleito por um partido de esquerda, como no
caso do PT, uma vez que a retórica da batalha para impedir a destruição dos valores cristãos
e da defesa da família ganha maior plausibilidade no papel de oposição do que de governo.
Resta ainda à Bancada Evangélica a aglutinação pela operação de temas de interesse ecle-
siástico/político institucional. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) é a segunda no
número de integrantes da Bancada e vem ocupando, nada menos que a vice-presidência da
Câmara Federal com o deputado Marcos Pereira (PRB) e já teve o bispo Marcelo Crivella na
prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (2017-2020). O Partido Republicano Brasileiro (PRB)
é o braço político da IURD e defende os interesses do bispo Edir Macedo na manutenção da
concessão do canal de televisão pela IURD além de muitos outros, como o acesso às ver-
bas publicitárias do Executivo Federal. Membros da Bancada Evangélica oriundos de outras
igrejas que não possuem a centralização administrativa da IURD acabam operando temas
de interesse eclesiástico/institucional mais regionalizados seguindo o modelo vigente na
dinâmica dos partidos políticos dos quais fazem parte, assumindo áreas na estrutura admi-
nistrativa para construção e perpetuação de redes de apoio eleitoral.

O sociólogo Paul Freston observou que à medida que o Brasil fica mais evangélico, os
evangélicos também ficam mais brasileiros. No caso da Bancada Evangélica o raciocínio se
encaixa muito bem. No já citado “Manifesto à Nação” a Bancada Evangélica menciona, no
prefácio, a disfuncionalidade dos partidos na representação dos interesses dos cidadãos
e se refere à formação de oligarquias partidárias como impeditivas para renovação da vida
política. Era de se esperar, depois de reconhecer o problema, que o “Manifesto à Nação”
contemplasse alguma proposta de reforma política e eleitoral na direção da transparência
e da aproximação entre a classe política e os cidadãos, todavia, o documento silencia com-
pletamente sobre o tema. A julgar por isso, continuaremos assistindo os políticos evangé-
licos combatendo comportamentos da esfera privada que julgam imorais e fazendo vista
grossa para a imoralidade institucionalizada na vida política brasileira. Além disso, está
completamente ausente do documento da Bancada qualquer referência à justiça social e
à compaixão, temas tão caros à ética cristã. Difícil não recordar as palavras de Jesus re-
gistradas pelo evangelista Mateus: Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o

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dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais impor-


tantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir
aquelas! Guias cegos, que coais o mosquito e engolis o camelo!

Obviamente isso não é um veredito de que a bancada evangélica será sempre assim.
Vimos por quantas mudanças a política brasileira passou desde a Proclamação da Repú-
blica, em 1889. O que apresentamos acima é um retrato do comportamento da bancada
evangélica nas últimas décadas. A vida é dinâmica e a política e os políticos, para sobrevi-
veram, precisam se adaptar às mudanças que a vida impõe. Se isto estiver correto, é de se
esperar que a bancada evangélica passe por mudanças nas próximas décadas, a torcida é
para que nesse processo ela possa ir deixando de lado o fisiologismo tão característico da
política brasileira e se tornando mais alinhada à defesa da justiça e da cidadania para todos
os brasileiros.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA

No seu estado ou município, existe algo parecido com a bancada evangélica do Con-
gresso Nacional? Quais são as pautas defendidas pelos políticos que conquistam
um mandato usando na campanha eleitoral sua filiação a uma igreja evangélica ou
mesmo utilizando seus títulos religiosos (pastor, missionário, apóstolo etc.)? Você já
votou ou vota nesses candidatos? Se sim, tente explicitar as razões da sua escolha.
Se não, faça a mesma coisa.

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