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Uma Introdução à Gordon

Clark

por John W. Robbins

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto


Cuiabá-MT, 19 de julho de 2005.

Quem é Gordon Clark?

Carl Henry pensa que Clark é “um dos mais


profundos filósofos protestantes evangélicos de
nosso tempo”. Ronald Nash tem elogiado-o como
“um dos maiores pensadores cristãos de nosso
século”. Ele foi um autor prolífico, tendo escrito
mais de 40 livros durante sua longa carreira
acadêmica. Sua filosofia é a mais consistente
filosofia cristã já publicada, todavia, poucos
seminaristas ouvem seu nome sequer mencionado
em suas salas de aula, muito menos são obrigados a
lerem os seus livros.

Se eu pudesse traçar uma comparação, seria como


se os estudantes de teologia de meados do século
XVI nunca ouvissem seus professores mencionar
Martinho Lutero ou João Calvino. Teria sido um
grande blecaute educacional e eclesiástico. Tanto as
igrejas como os educadores saíram do seu caminho
para evitar Clark. Eles têm enganado uma geração
de estudantes e membros de igreja. Como estudante
de teologia do final do século XX, você não deve se
considerar bem instruído até que você seja familiar
com a filosofia de Gordon Haddon Clark.

Uma Breve Biografia

A vida de Clark foi uma de controvérsia —


teológica e filosófica. Ele foi uma mente brilhante,
e sua filosofia continua a ser um desafio às noções
prevalecentes dos nossos dias. É sua filosofia que
faz de sua biografia tanto interessante como
importante, pois suas batalhas eram batalhas
intelectuais.

Clark foi um ministro Presbiteriano, e seu pai tinha


sido um ministro Presbiteriano antes dele. Nascido
na Filadélfia urbana no verão de 1902, ele morreu
no Colorado rural na primavera de 1985. Clark foi
educado na Universidade de Pensilvânia e de
Sorbonne (Paris). Sua graduação foi na França; seu
trabalho de graduação foi sobre filosofia primitiva.
Ele escreveu sua dissertação de doutorado sobre
Aristóteles. Ele rapidamente adquiriu o respeito de
filósofos profissionais publicando uma série de
artigos nos jornais acadêmicos, traduzindo e
editando textos filosóficos do grego, e editando
dois textos padrões, Readings in Ethics [Leituras
em Éticas] e Selections from Hellenistic
Philosophy [Seleções da Filosofia Helenística]. Ele
ensinou na Universidade da Pensilvânia, no
Seminário Reformado Episcopal, na Faculdade
Wheaton, na Universidade Butler, na Faculdade
Covenant e no Seminário Sangre de Cristo. No
decorrer de seus 60 anos de carreira de ensino, ele
escreveu mais de 40 livros, incluindo uma história
da filosofia, Thales to Dewey [Thales to Dewey],
que permanece sendo o melhor volume sobre
história da filosofia em inglês. Ele também
palestrou amplamente, pastoreou uma igreja,
constituiu uma família e jogava xadrez. Nos
últimos 15 anos eu tenho sido o editor de seus
livros e ensaios. Há mais livros seus impressos hoje
do que em qualquer época durante a sua vida sobre
a Terra, todavia, poucos seminaristas conhecem
algo sobre ele.

Durante toda a sua vida Clark esteve envolvido em


controvérsias: primeiro, como um jovem na velha
Igreja Presbiteriana de Warfield e Machen, onde,
como um presbítero regente de 27 anos de idade,
pela primeira vez ele encontrou os modernistas e
então, ajudou J. Gresham Machen a organizar a
Igreja Presbiteriana da América [Presbyterian
Church of América], mais tarde conhecida como
Igreja Presbiteriana Ortodoxa [Orthodox
Presbyterian Church]. Aquelas atividades
eclesiásticas lhe custaram a presidência do
Departamento de Filosofia na Universidade de
Filadélfia.
A segunda maior controvérsia de Clark foi na
Faculdade Wheaton em Illinois, onde ele ensinou
de 1936 a 1943, após deixar a Universidade da
Pensilvânia. Ali seu Calvinismo deixou-lhe em
conflito com o Arminianismo de alguns membros
da faculdade e da administração, e ele foi forçado a
se demitir em 1943. A Faculdade de Wheaton
nunca foi a mesma desde então, declinando numa
espécie de neo-evangelicalismo turvo, indiferente e
moderno.

De 1945 a 1973 Clark foi Presidente do


Departamento de Filosofia na Universidade de
Butler, em Indianápolis, onde ele desfrutou uma
relativa paz e liberdade acadêmica. Mas dentro da
sua denominação, a Igreja Presbiteriana Ortodoxa,
uma terceira maior controvérsia se levantou, e não
houve paz.

Em 1944, aos 43 anos de idade, Clark foi ordenado


um presbítero docente pelo Presbítero da Filadélfia.
Uma facção conduzida por Cornelius Van Til e
composta largamente do corpo docente do
Seminário de Westminster desafiaram prontamente
sua ordenação. A batalha sobre a ordenação de
Clark, que se tornou conhecida como a controvérsia
Clark-Van Til, travou-se por anos. Em 1948, a
Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana Ortodoxa
finalmente vindicou Clark. Sua ordenação
permaneceu de pé; o esforço para removê-lo
fracassou. Todavia, esse fracasso dos Van Tilianos
para remover Clark tem sido falsificado por pelo
menos um biógrafo de Van Til, o falecido William
White, e essa falsificação da história se tornou a
especialidade de alguns proponentes de Van Til e
do Seminário de Westminster.

Desafortunadamente, a derrota da facção Van


Til/Seminário de Westminster não encerrou o
assunto. Aqueles que tinham sem sucesso mirado a
remoção de Clark, após isso levantaram acusações
similares contra um dos defensores de Clark. Nesse
ponto, ao invés de gastar outros três anos lutando
uma facção que tinha sido derrotada uma vez, os
defensores de Clark deixaram a Igreja Presbiteriana
Ortodoxa, e Clark relutantemente foi com eles.
Anos mais tarde ele me disse que teria gostado de
permanecer na Igreja Presbiteriana Ortodoxa, mas
sentiu um senso de lealdade àqueles que o tinham
defendido.

Após ele sair, os Van Tilianos não tiveram


nenhuma oposição intelectual séria dentro da Igreja
Presbiteriana Ortodoxa.

Clark ingressou na Igreja Presbiteriana Unida


[United Presbyterian Church] — não a grande
denominação, que não era chamada de Igreja
Presbiteriana Unida nessa época — mas uma
denominação pequena, muito conservadora. Ali ele
travou outra batalha tanto sobre doutrina como
sobre bens da igreja. Quando a denominação
Presbiteriana Unida se uniu à igreja principal na
década de 1950, Clark deixou essa igreja e se uniu
à Igreja Presbiteriana Reformada [Reformed
Presbyterian Church], que mais tarde se fundiu com
o Sínodo Evangélico para formar a Igreja
Presbiteriana Reformada, Sínodo Evangélico. Ele
permaneceu ao lado dessa Igreja até ela se fundir
com a Igreja Presbiteriana na América
[Presbyterian Church in America] em 1983. Clark
recusou se unir à Igreja Presbiteriana na América
por questões doutrinárias, e por aproximadamente
um ano ele foi um RPCES [Reformed Presbyterian
Church Evangelical Synod Denomination — Igreja
Presbiteriana Reformada Denominação Sínodo
Evangélico]. Alguns meses antes de sua morte, em
Abril de 1985, ele se afiliou ao Presbitério
Covenant.

Durante seus anos de vida Clark nunca arranjou um


nome para sua filosofia. Às vezes ele a chamava de
pressuposicionalismo; outras vezes de dogmatismo;
em ainda outros tempos de racionalismo cristão ou
intelectualismo cristão. Nenhum desses nomes,
temo, capta o significado correto. Deixe-me
explicar o porquê: toda filosofia, como explicarei
num momento, tem pressuposições; alguns
filósofos apenas não querem admitir. Todos os
filósofos, pela mesma razão, são dogmáticos,
embora alguns pretendam ter mentes-abertas. E a
frase “racionalismo cristão” é uma forma estranha e
enganadora de descrever as visões de Clark, visto
que Clark gastou muito tempo refutando o
racionalismo em seus livros. Todavia, alguém pode
ver o porquê Clark usou os termos:
pressuposicionalismo foi o termo que ele usou para
distinguir suas visões do evidencialismo;
dogmatismo foi o termo que ele usou para
distinguir suas visões tanto do evidencialismo
como do racionalismo; e o racionalismo e o
intelectualismo foram os termos que ele usou para
distinguir suas visões do iracionalismo intelectual e
do anti-intelectualismo. Clark, certamente,
mantinha que sua filosofia era o Cristianismo
entendido corretamente. Mas, visto que há tantas
visões reivindicando ser Cristianismo, é útil nomear
a filosofia de Clark e, assim, facilmente distingui-la
das restantes.

Portanto, eu gostaria de começar minhas palestras


esta noite nomeando sua filosofia — e antes do que
chamá-la de Racionalismo Dogmático
Pressuposicional, ou Pressuposicionalismo
Dogmático Racional, ou Dogmatismo Racional
Pressuposicional — e antes do que deixar seu título
ser determinado por sua oposição teológica — eu
lhe darei um nome que revela o que ela significa:
Escrituralismo. Ele evita todos os defeitos dos
outros nomes, e nomeia o que fez da filosofia de
Clark uma filosofia única: uma devoção inflexível à
Escritura somente. Clark não tentou combinar
noções seculares e cristãs, mas derivou todas as
suas idéias da Bíblia somente. Ele era intransigente
em sua devoção à Escritura: todos os seus
pensamentos — não havia exceções — eram
trazidos em conformidade com a Escritura, pois
todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento
estão contidos na Escritura. O Escrituralismo é a
aplicação logicamente consistente das idéias cristãs
— isto é, escriturísticas — a todos os campos de
pensamento. Um dia, se Deus quiser, não será mais
necessário chamar essa filosofia de Escrituralismo,
pois ela prevalecerá sob o seu nome original e mais
apropriado, Cristianismo.

A Filosofia do Escrituralismo

Se eu fosse sumarizar a filosofia do Escruturalismo


de Clark, eu diria que ela era algo como isto:
1. Epistemologia: Revelação Proposicional

2. Soteriologia: Fé Somente

3. Metafísica: Teísmo

4. Ética: Lei Divina

5. Política: República Constitucional

Traduzindo essas idéias para uma linguagem mais


familiar, poderíamos dizer:

1. Epistemologia: A Bíblia me diz assim.

2. Soteriologia: Crê no Senhor Jesus Cristo e


serás salvo.

3. Metafísica: Nele vivemos, e nos movemos, e


existimos.

4. Ética: Antes, importa obedecer a Deus do que


aos homens.
5. Política: Proclamar liberdade por todo o país.

Clark desenvolveu essa filosofia em mais de 40


livros, muitos dos quais foram publicados durante
seus dias de vida, a maioria dos quais estão agora
disponíveis na forma impressa, e uns poucos dos
quais ainda não foram publicados. Consideremos
primeiramente o ramo fundamental da filosofia, ou
seja, a epistemologia, a teoria do conhecimento.

Epistemologia

O Escrituralismo sustenta que Deus revela a


verdade. O Cristianismo é a verdade proposicional
revelada por Deus, proposições que foram escritas
nos 66 livros que chamamos de Bíblia. A revelação
é o ponto de partida do Cristianismo, o seu axioma.
O axioma, o primeiro princípio, é este: “Somente a
Bíblia é a Palavra de Deus”.

Eu devo interpor umas poucas palavras aqui sobre


axiomas, pois algumas pessoas, como eu mencionei
há uns poucos parágrafos atrás, insistem que elas
não têm nenhum. Isso é como dizer que alguém não
fala prosa. Qualquer sistema de pensamento, quer
ele seja chamado de filosofia, teologia ou
geometria, deve começar em algum lugar. Até
mesmo o empirismo ou evidencialismo começam
com axiomas. Esse princípio, por definição, é
apenas isso, um princípio. Nada vem antes dele. Ele
é um axioma, um primeiro princípio. Isso significa
que aqueles que começam com uma sensação antes
do que com uma revelação, num esforço extraviado
para evitar axiomas, não têm evitado axiomas de
forma alguma: eles têm meramente trocado o
axioma cristão por um axioma secular. Eles têm
trocado a revelação proposicional infalível, seu
direito de primogenitura como cristãos, por
experiências sentimentais falíveis. Todos
empiristas, deixe-me enfatizar, mesmo que soe
paradoxal para aqueles acostumados a pensar de
outra forma, são pressuposicionalistas: eles
pressupõem a confiança da sensação. Eles não
pressupõem a confiança da revelação. Isso é algo
que eles tentam provar. Tal tentativa está
condenada.

Tomás de Aquino, o grande teólogo católico


romano do século XIII, tentou combinar dois
axiomas em seu sistema: o axioma secular das
sensações, o qual ele obteve de Aristóteles, e o
axioma cristão da revelação, o qual ele obteve da
Bíblia. Sua síntese não teve sucesso. A carreira
subseqüente da filosofia ocidental é a historia do
colapso do instável condomínio Aristotélico-
Cristão de Tomás. Hoje, a forma dominante de
epistemologia nos círculos presumidamente
cristãos, tanto católico romano como protestante, é
o empirismo. Aparentemente, os teólogos de hoje
aprenderam pouco do fracasso de Tomás. Se
Tomás de Aquino falhou, alguém duvida que
Norman Geisler possa ter sucesso.

A lição do fracasso do Tomismo não foi


desperdiçada por Clark. Clark não aceitou a
sensação como seu axioma. Ele negou que as
experiências sentimentais nos forneçam
conhecimento de alguma forma. Clark entendeu a
necessidade de refutar todos os axiomas
concorrentes, incluindo o axioma da sensação. Seu
método era o de eliminar toda oposição intelectual
ao Cristianismo em sua raiz. Em seus livros — tais
como A Christian View of Men and Things, Thales
to Dewey, Religion, Reason, and Revelation, and
Three Types of Religious Philosophy — ele
apontou os problemas, falhas, enganos e falácias
lógicas envolvidas em se crer que as experiências
sentimentais nos fornecem conhecimento.

A consistente rejeição cristã de Clark da sensação


como o caminho para o conhecimento tem muitas
conseqüências, uma das quais é que as provas
tradicionais para a existência de Deus são todas
elas falácias lógicas. David Hume e Immanuel Kant
estavam corretos: a sensação não pode provar
Deus, não meramente porque Deus não pode ser
sentido ou validamente inferido a partir da
sensação, mas porque nenhum conhecimento de
forma alguma pode ser validamente inferido a
partir da sensação. O argumento para a existência
de Deus falha porque tanto o axioma como o
método são errôneos — o axioma da sensação e o
método da intuição — não porque Deus seja um
conto de fadas. O axioma cristão correto não é a
sensação, mas a revelação. O método cristão
correto é a dedução, não a indução.

Outra implicação do axioma da revelação é que


aqueles historiadores de pensamento que dividem a
epistemologia em dois tipos de filosofia, empirista
e racionalista, como se fossem as duas únicas
escolhas possíveis — sensação e lógica — são
ignorantes da filosofia cristã, o Escrituralismo. Não
há somente duas visões gerais na epistemologia; há
pelo menos três, e devemos ser cuidadosos para não
omitir o Cristianismo de consideração
simplesmente pelo esquema que escolhemos para
estudar filosofia.

Outra implicação do axioma da revelação é este:


antes do que aceitar a visão secular de que o
homem descobre a verdade e o conhecimento por
seu próprio poder, usando os seus próprios
recursos, Clark asseverou que a verdade é um dom
de Deus, que Ele graciosamente releva aos homens.
A epistemologia de Clark é consistente com a sua
soteriologia: assim como os homens não obtém a
salvação por si mesmos, por seu próprio poder, mas
são salvos pela graça divina, assim os homens não
adquirem conhecimento por seu próprio poder, mas
recebem o conhecimento como um dom de Deus. O
conhecimento da verdade é um dom de Deus. O
homem não pode fazer nada aparte da vontade de
Deus, e o homem não pode conhecer nada aparte da
revelação de Deus. Não obtemos salvação pelo
exercício do nosso livre-arbítrio; não obtemos
conhecimento pelo exercício do nosso livre-
intelecto. A epistemologia de Clark é uma
epistemologia reformada. Todas as outras
epistemologias são inconsistentes e ultimamente
derivadas de premissas não-cristãs. Nenhum ponto
de partida, nenhuma proposição, nenhuma
experiência, nenhuma observação, pode ser mais
verdadeira do que a palavra de Deus: “Visto que
não tinha ninguém superior por quem jurar, Ele
jurou por si mesmo”, diz o autor de Hebreus. Se
haveremos de ser salvos, devemos ser salvos pelas
palavras que saem da boca de Deus, palavras cuja
verdade e autoridade são derivadas de Deus
somente.
O Escrituralismo não significa, como alguns têm
objetado, que podemos conhecer somente as
proposições da Bíblia. Nós podemos conhecer suas
implicações lógicas também. A Confissão de Fé de
Westminter, que é um documento que segue o
Escrituralismo, diz que: “A autoridade da Escritura
Sagrada, razão pela qual deve ser crida e
obedecida, não depende do testemunho de qualquer
homem ou igreja, mas depende somente de Deus
(que é a própria Verdade) que é o seu autor; tem,
portanto, deve ser recebida, porque é a palavra de
Deus” (ênfase adicionada). Por essas palavras, e
pelo fato da Confissão começar com a doutrina da
Escritura, não com a doutrina de Deus, e
certamente não com provas para a existência de
Deus, a Confissão mostra ser um documento que
segue o Escrituralismo.

Continuando a idéia da dedução lógica, a Confissão


diz: “Todo o conselho de Deus concernente a todas
as coisas necessárias para a glória dele e para a
salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente
declarado na Escritura ou pode ser lógica e
claramente deduzido dela. À Escritura nada se
acrescentará em tempo algum, nem por novas
revelações do Espírito, nem por tradições dos
homens”.

Note a reivindicação da Confissão: “Todo o


conselho de Deus” é ou expressamente declarado
na Escritura ou pode ser deduzido dela. Todas as
coisas necessárias para a fé e vida são encontradas
nas proposições da Bíblia, quer explicitamente,
quer implicitamente. Nada deve ser acrescentado à
revelação em tempo algum. Somente a dedução
lógica das proposições da Escritura é permitida.
Nenhuma síntese, nenhuma combinação com idéias
anti-escriturísticas é necessária ou permissível.

A lógica — raciocínio por conseqüência boa e


necessária — não é um princípio secular não
encontrado na Escritura e adicional ao axioma
Escruturístico; ela está contada no próprio axioma.
O primeiro versículo do Evangelho de João pode
ser traduzido, “No princípio era a Lógica, e a
Lógica estava com Deus e a Lógica era Deus”.
Toda palavra da Bíblia, de Bereshith em Gênesis 1
a Amém em Apocalipse 22, exemplifica a lei da
contradição. “No princípio” significa no princípio,
não cem anos ou nem mesmo um segundo após o
princípio. “Amém” expressa uma concordância,
não discórdia. As leis da lógica estão embutidas em
cada palavra da Escritura. Somente a inferência
dedutiva é válida, e a inferência dedutiva — usando
as leis da lógica — é a principal ferramenta da
hermenêutica. Exegese sadia da Escritura é fazer
deduções válidas a partir das declarações da
Escritura. Se o seu pastor não está fazendo
deduções válidas a partir da Escritura em seus
sermões, então, ele não está pregando a Palavra de
Deus. É nas conclusões de tais argumentos, bem
como nas próprias declarações bíblicas, que
consiste o nosso conhecimento.

Alguns objetarão: “Mas nós não sabemos que


estamos nesta sala, ou que 2 mais 2 é igual a
quatro, ou que a grama é verde?”. Para responder
essa objeção, devemos definir as palavras “saber” e
“conhecimento”.

Há três tipos de estados cognitivos: conhecimento,


opinião e ignorância. Ignorância é simplesmente a
falta de idéias. A completa ignorância é o estado de
mente com o qual os empiristas dizem que
nascemos: todos nós nascemos com mentes
brancas, tabula rasa, para usar a frase de John
Locke. (Incidentalmente, uma mente tabula rasa —
uma mente branca — é uma impossibilidade. Uma
consciência consciente de nada é uma contradição
de termos. O Empirismo descansa numa
contradição). No outro extremo da ignorância está
o conhecimento. Conhecimento não é
simplesmente possuir pensamentos ou idéias, como
alguns pensam. Conhecimento é possuir idéias
verdadeiras e saber que elas são verdadeiras.
Conhecimento é, por definição, conhecimento da
verdade. Não dizemos que uma pessoa “sabe” que
2 mais 2 são 5. Dissemos que ela pensa isso, mas
não que ela sabe. Seria melhor dizer que ela opina
isso.

Agora, a maioria do que coloquialmente chamamos


conhecimento é realmente opinião: nós “sabemos”
que estamos na Pensilvânia; nós “sabemos” que
Clinton — seja Bill ou Hillary — é o Presidente
dos Estados Unidos, e assim por diante. As
opiniões podem ser verdadeiras ou falsas; nós
apenas não sabemos as quais. A história, exceto a
história revelada, é opinião. Ciência é opinião. A
arqueologia é opinião. João Calvino disse: “Eu
chamo isso de conhecimento, não o que é inato no
homem, nem o que é por diligência adquirido, mas
o que nos é revelado na Lei e nos Profetas”. O
conhecimento é a opinião verdadeira por causa da
sua verdade.

Pode muito bem ser que William Clinton seja o


Presidente dos Estados Unidos, mas eu não sei
como provar isso, nem, eu suspeito, você. Na
verdade, eu não sei que ele é o Presidente, eu opino
isso. Eu posso, contudo, provar que Jesus Cristo
ressuscitou dos mortos. Essa informação foi me
revelada, não por um jornal diário dúbio ou pelas
noticias noturnas, mas pela infalível Palavra de
Deus. A ressurreição de Cristo é deduzida da boa e
necessária conseqüência do axioma da revelação.

Qualquer visão de conhecimento que não faz


distinção entre a posição cognitiva das proposições
bíblicas e as declarações encontradas nos jornais
diários fazem três coisas: primeiro, equivoca-se ao
aplicar uma palavra, “conhecimento”, a dois tipos
de declarações totalmente diferentes: declarações
infalivelmente reveladas pelo Deus que não pode
mentir ou cometer engano, e declarações feitas por
homens que tanto mentem como comentem
enganos; segundo, por seu empirismo, ela
realmente faz as declarações bíblicas menos
confiáveis do que aquelas no jornal diário, pois
pelo menos algumas declarações no jornal são
sujeitas à investigação empírica e as declarações
bíblicas não o são; e terceiro, ela, através disso,
mina o Cristianismo.

A revelação é nossa única fonte de verdade e


conhecimento. Nem a ciência, nem a história, nem
a arqueologia, nem a filosofia podem nos fornecer a
verdade e o conhecimento. O Escrituralismo toma
seriamente a advertência de Paulo aos Colossenses:
“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com
sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição
dos homens, conforme os rudimentos do mundo e
não segundo Cristo. Porque nele habita
corporalmente toda a plenitude da Divindade. E
estais perfeitos perfeitos nele...”.

Uma objeção ingênua ao axioma da revelação


surge-nos repetidamente: Eu não tenho que ler a
Bíblia? Eu não tenho que saber que eu tenho um
livro em minhas mãos e que esse livro é a Bíblia?
Eu não tenho que confiar nos sentidos para obter a
revelação?

Primeiro, essa objeção esquece a questão


epistemológica, como alguém conhece, assumindo
que alguém conhece por meio dos sentidos. Mas
essa é a conclusão que deve ser provada. A resposta
adequada a essas questões é outra série de
perguntas: Como você sabe que tem um livro em
suas mãos? Como você sabe que está lendo-o? O
que é sensação? O que são percepções? O que é
abstração? Diga-nos como algumas coisas
chamadas sensações se tornam a idéia de Deus. A
questão ingênua — não temos que ler a Bíblia? —
assume que o empirismo é verdadeiro. Ela ignora
todos os argumentos demonstrando a falha
cognitiva do empirismo. Uma consideração
aceitável de epistemologia, contudo, deve começar
no princípio, não no meio. Poucos teólogos, e até
mesmo poucos filósofos, contudo, querem começar
no princípio.

Mas há outra confusão nessa questão: ela assume


que a revelação não é um meio distinto de ganhar
conhecimento, mas que até mesmo a informação
revelada tem que ser canalizada através ou derivada
dos sentidos. Uma conversa entre Pedro e Cristo
indicará quão longe essa suposição está da visão
escriturística de epistemologia:

Disse-lhes Ele: “Mas vós, quem dizeis que eu sou?”


E Simão Pedro respondendo, disse-lhe: Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo.
E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado
és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a
carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus.
(Mateus 16:15-17)

Presumidamente Pedro tinha “ouvido” com seus


ouvidos e “visto” com seus olhos, mas Cristo diz
que o seu conhecimento não veio pela carne e
sangue — ele não veio pelos sentidos; ele veio pela
revelação do Pai. Esse é o porquê Cristo proíbe os
cristãos de serem chamados mestres, “porque um
só é o vosso Mestre, o Cristo” (Mateus 23:10). Não
importa, é em Deus que vivemos e nos movemos, e
temos nossa existência.

Soteriologia

Soteriologia, a doutrina da salvação, é um ramo da


epistemologia, a teoria do conhecimento.
Soteriologia é um ramo da metafísica, pois os
homens não cessaram de ser quando eles caíram,
nem são eles deificados quando são salvos; homens
salvos, mesmo no céu, continuam sendo criaturas
temporais e limitadas. Somente Deus é eterno;
somente Deus é onisciente; somente Deus é
onipresente.

A soteriologia não é um ramo da ética, pois os


homens não são salvos pelas obras. Somos salvos a
despeito das nossas obras, não por causa delas.
Nem é a soteriologia um ramo da política, pois a
noção de que a salvação, seja temporal ou eterna,
pode ser alcançada por meios políticos é uma
ilusão. Tentativas de imanentizar o eschaton tem
trazido nada senão sangue e morte à Terra.

A salvação é pela fé somente. Fé é a crença na


verdade. Deus revela a verdade. Fé, o ato de crer, é
um dom de Deus. “Com o seu conhecimento o meu
servo, o justo, justificará a muitos” (Isaías 53:11).

A visão de Clark da salvação, refletida no capítulo


da Confissão de Fé de Westminster sobre
justificação, está em divergência com o que se
passa no Cristianismo de hoje. O Cristianismo
popular menospreza o conhecimento. Clark aponta
que Pedro diz que temos recebido tudo que
precisamos para a vida e a piedade através do
conhecimento. Tiago diz que a Palavra da Verdade
nos regenera. Paulo diz que somos justificados por
crer na verdade. Cristo diz que somos santificados
pela verdade.
Há três visões populares de santificação hoje:
santificação pelas obras, santificação pelas
emoções e santificação pelos sacramentos. A
primeira, santificação pelas obras, é algumas vezes
expressa por aqueles que reivindicam ser
reformados ou calvinistas: eles ensinam que somos
justificados pela fé, mas que somos santificados
pelas obras. Calvino não tinha tal visão, e a
Confissão de Westminster a refuta. A segunda
visão, santificação pelas emoções, é a visão dos
pentecostais, carismáticos e grupos de santidade. O
Catolicismo Romano e outras igrejas que crêem no
poder magistral dos sacramentos para regenerar ou
santificar, sustentam a terceira visão, a santificação
pelos sacramentos. Mas assim como somos
regenerados pela verdade somente, e justificados
por crer na verdade somente, somos santificados
pela verdade somente também.
Metafísica

Voltemo-nos brevemente para a metafísica. Clark


escreveu relativamente pouco sobre o assunto da
metafísica num sentido estreitamente filosófico.
Clark era, obviamente, um teísta. Deus, revelado na
Bíblia, é espírito e verdade. Visto que a verdade
sempre vem em proposições, a mente de Deus, isto
é, o próprio Deus, é proposicional. Clark escreveu
um livro chamado The Johannine Logos [O Logos
Joanino], no qual ele explicou como Cristo pôde se
identificar com Suas palavras: “Eu sou a Verdade”.
“Eu sou a Vida”. “As palavras que vos tenho dito
são verdade e vida”. Clark, como Agostinho, foi
acusado de “reduzir” Deus a uma proposição.
Antes do que fugir de tal acusação, Clark
impressionou alguns de seus leitores insistindo que
pessoas são realmente proposições. Alguns têm
sido tão confundidos com sua declaração que eles
pensam que ele disse que proposições são pessoas,
e assim, eles se maravilham que uma sentença
declarativa, tal como “O gato é preto”, seja
realmente uma pessoa.

Conhecimento é conhecimento da verdade, e a


verdade é imutável. A verdade é eterna. Nós
sabemos que Davi foi Rei de Israel e que Jesus
ressuscitou dentre os mortos, não porque vimos
isso, mas porque Deus nos revelou essas verdades.
Elas são conhecimento porque elas são reveladas
como verdades. Porque todos vivemos e nos
movemos e temos nossa existência em Deus, tanto
o pensamento como a comunicação são possíveis.
A comunicação não é baseada em se ter as mesmas
sensações, como os empiristas pensam, mas em se
ter as mesmas idéias. Nunca poderemos ter as
mesmas sensações que outras pessoas têm — você
não pode ter minha dor de dente, e eu não pode ver
a sua cor azul — mas ambos podemos pensar que a
justificação é pela fé somente. O empirismo, que
nos promete uma realidade objetiva — ele chama o
assunto de realidade — comunica somente o
solipsismo1. No mundo material os empiristas
descrevem cada um de nós — se deveras eu sou
mais uma das suas dores de cabeça ou pesadelos —
como dentro de nossas próprias sensações, e não há
escapatória. A ciência, contudo, é uma tentativa de
escapar do solipsismo da sensação.

Aqueles cristãos que colocam sua confiança na


ciência como a chave para entender o universo
material devem ser embaraçados pelo fato de que a
ciência nunca descobre a verdade. Um dos
problemas insuperáveis da ciência é a falácia da
indução; realmente, a indução é um problema
insuperável de todas as formas de empirismo. O
problema é simplesmente este: indução, argumentar
a partir do particular para o geral, é sempre uma
falácia. Não importa quantos cisnes brancos alguém
observe, ele nunca terá razão suficiente para dizer
que todos os cisnes são brancos. Há outra falácia
fatal no método científico também: afirmar o
conseqüente. Bertrand Russell coloca a questão
desta forma:

Todos os argumentos indutivos em última instância


se reduzem a seguinte forma: “Se isto é verdadeiro,
então é verdadeiro: agora que isso é verdadeiro,
portanto, isso é verdadeiro”. Esse argumento é,
certamente, formalmente falacioso. [É a falácia de
afirmar o conseqüente.] Suponha que eu dissesse:
“Se pão é uma pedra e pedras são alimentos, então
esta pedra me alimentará; agora, este pão não me
alimenta; portanto, ele é uma pedra e pedras não
alimentam”. Se eu fosse avançar tal argumento,
certamente seria tolo, todavia, não seria
fundamentalmente diferente do argumento sobre o
qual todas as leis científicas são baseadas (ênfase
adicionada).

Reconhecendo que o problema da indução é


insolúvel, e que afirmar o conseqüente é uma
falácia lógica, os filósofos da ciência no século XX,
num esforço para justificar a ciência,
desenvolveram a noção de que a ciência não se
apóia na indução de forma alguma. Em vez disso,
ela consiste de conjecturas e refutações. Esse é o
título de um livro de Karl Popper, um dos
principais filósofos da ciência nesse século. Mas
em sua tentativa de salvar a ciência da desgraça
epistemológica, os filósofos da ciência tiveram que
abandonar qualquer reivindicação de
conhecimento: a ciência não é nada senão
conjecturas e refutações de conjeturas. Popper
escreveu:

Primeiro, embora na ciência façamos nosso melhor


para encontrarmos a verdade, estamos conscientes
do fato de que nunca podemos estar certos se a
alcançamos ou não...Nós sabemos que nossas
teorias científicas sempre permanecem como
hipóteses... Na ciência não há “conhecimento” no
sentido no qual Platão e Aristóteles entendiam o
mundo, no sentido que implica finalidade; na
ciência, nós nunca temos razão suficiente para a
crença de que alcançamos a verdade... Einstein
declarou que sua teoria era falsa: ele disse que ela
poderia ser uma melhor aproximação da verdade do
que a de Newton, mas ele deu razões pelas quais
ele não a considerava uma teoria verdadeira,
mesmo que todas as predicações se revelassem
corretas... Nossas tentativas de ver e encontrar a
verdade não são finais, mas uma abertura para o
aprimoramento;... nosso conhecimento, nossa
doutrina é conjetural;.... ela consiste de suposições,
de hipóteses, antes do que verdades certas e finais.
Aqueles teólogos que aceitam a observação e a
ciência como a base para argüir a verdade do
Cristianismo estão tentando o impossível. A ciência
não pode nos fornecer verdade sobre o universo
material que ela propõe descrever, muito menos
verdade sobre Deus. O mundo empírico, que
começa com uma metafísica da matéria,
conhecimento da qual obtemos a partir da sensação,
não pode nos fornecer conhecimento de forma
alguma. Nele — não na matéria — vivemos, nos
movemos e temos nossa existência.

Ética

A filosofia ética de Clark também era derivada do


axioma da revelação. A distinção entre o certo e o
errado depende inteiramente dos mandamentos de
Deus. Não há lei natural que faça algumas ações
corretas e outras erradas. Nas palavras do Breve
Catecismo, pecado é qualquer falta de
conformidade com a lei de Deus. Não houvesse lei
de Deus, não haveria nada certo ou errado.

Isso pode ser visto claramente no mandamento de


Deus para Adão não comer o fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Somente o
mandamento de Deus fez o comer o fruto ser
pecado. Ele pode ser visto também no mandamento
de Deus para sacrificar Isaque. Somente o
mandamento de Deus fez o sacrifício ser correto, e
Abraão apressou-se em obedecer. Estranho como
possa soar para os ouvidos modernos, acostumados
a ouvir tanto sobre o direito de vida, ou o direito de
habitação decente, ou o direito de escolher, a Bíblia
diz que os certos e errados naturais não existem:
somente os mandamentos de Deus fazem com que
algumas coisas sejam corretas e outras coisas sejam
erradas.

No Antigo Testamento, era um pecado para os


judeus comer carne de porco. Hoje, todos nós
podemos desfrutar bacon e ovos no café da manhã,
embora teonomistas, reconstruticionistas,
adventistas do sétimo dia e judaizantes possam
impedir. E isso pode incomodar alguns que não são
teonomistas a aprenderem que Deus pode ter feito o
assassinato de um ser humano ou a conquista de
uma propriedade uma virtude, não um pecado. Essa
é uma das lições da história de Abraão. Mas, de
fato, Deus fez o assassinato de um homem inocente
ser um pecado. Nesse mundo Deus ordena: “Não
matarás”. O que faz o assassinato ser errado não é
algum presumido ou pré-existente direito a vida,
mas o próprio mandamento divino.

Se possuíssemos direitos porque somos homens —


se nossos direitos fossem naturais e inalienáveis —
então, o próprio Deus teria que respeitá-los. Mas
Deus é soberano. Ele é livre para fazer com Suas
criaturas o que Lhe parecer apropriado. Alguém
precisar apenas ler Isaías 40. Assim, não temos
direitos naturais. Isso é bom, pois os direitos
naturais e inalienáveis são logicamente
incompatíveis com qualquer tipo de punição. A
multa, por exemplo, viola o direito inalienável de
propriedade. A prisão viola o direito inalienável de
liberdade. A execução viola o direito inalienável de
vida. A teoria do direito natural é logicamente
incoerente em seu fundamento. Os direitos naturais
são logicamente incompatíveis com a justiça. A
idéia bíblica não é de direitos naturais, mas de
direitos imputados. Somente os direitos imputados,
não direitos intrínsecos — direitos naturais e
inalienáveis — são compatíveis com a liberdade e a
justiça. E aqueles direitos são imputados por Deus.

Além do mais, Clark demonstra, todas as tentativas


de basear a ética em algum outro fundamento, que
não a revelação, fracassam. A lei natural é um
fracasso, como David Hume tão gentilmente
aponta, pois “deveres” não podem ser derivados de
“coisas que são”. Numa linguagem mais formal, a
conclusão de um argumento não pode conter
nenhum termo que não seja encontrado em suas
premissas. Os legistas naturais, que começam seus
argumentos com declarações sobre o homem e o
universo, declarações no modo indicativo, não
podem terminar seus argumentos com declarações
no modo imperativo.

A principal teoria ética competindo com a teoria da


lei natural hoje é o utilitarismo. O utilitarismo nos
diz que a ação moral resulta no maior bem para o
maior número de pessoas. Ele fornece um método
elaborado para calcular os efeitos das escolhas.
Desafortunadamente, o utilitarismo é também um
fracasso, pois não somente comete a falácia
naturalística dos legistas naturais, mas também
requer um cálculo que não pode ser executado. Não
podemos saber qual é o maior bem para o maior
número de pessoas.
A única base lógica para a ética são os
mandamentos revelados de Deus. Eles nos
fornecem não somente a distinção básica entre
certo e errado, mas também instruções detalhadas e
exemplos práticos de certo e errado. Eles realmente
nos assistem no viver de nossas vidas diárias.
Tentativas seculares de providenciar um sistema
ético fracassam em ambos os lados.

Política

Clark não escreveu muito sobre política, mas é


claro a partir do que ele escreveu que ele
fundamentava sua teoria política na revelação, não
na lei natural, nem no consentimento do governado,
nem no exercício da mera força.

Num longo capítulo no livro A Christian View of


Men and Things [Uma Visão Cristã dos Homens e
das Coisas], ele argumenta que tentativas de basear
uma teoria de política em axiomas seculares
resultam na anarquia ou no totalitarismo. Ele
argumenta que somente o Cristianismo, que
fundamenta os poderes legítimos do governo não
no consentimento do governado, mas na delegação
de poder por Deus, evita os males gêmeos da
anarquia e do totalitarismo.

O governo tem uma função legítima na sociedade:


a punição dos malfeitores e o louvor dos
benfeitores, como Paulo colocou em Romanos 13.
Educação, bem-estar, habitação, parques, pensão,
cuidado médico, exploração do espaço, e milhares
de outros programas nos quais o governo está
envolvido hoje são ilegítimos. O fato de que o
governo está envolvido em todas essas atividades é
uma razão primária do porquê o governo não está
fazendo seu legítimo trabalho também: o crime está
aumentando, e o sistema de justiça criminal é uma
crescente ameaça para a liberdade. As pessoas são
julgadas duas vezes pelo mesmo crime, sua
propriedade é tomada sem o devido processo da lei
ou a justa compensação, pessoas inocentes são
punidas e pessoas culpadas são libertas.
Clark cria que a Bíblia ensina uma função
distintamente limitada para o governo. As
atividades correntes de muitos cristãos na política
têm sido estranhas ao seu pensamento. O objetivo
bíblico não é uma larga burocracia composta por
cristãos, mas virtualmente nenhuma burocracia.
Não deveria haver nenhum Departamento Cristão
de Educação, nenhum Departamento Cristão de
Habitação, nenhum Departamento Cristão de
Agricultura, simplesmente porque não deveria
haver nenhum Departamento de Educação, de
Habitação, de Agricultura, ponto. Não precisamos e
não devemos nos opor a um Christian Bureau of
Alcohol, Tobacco, and Firearms [Departamento do
Tesouro americano que controla o comércio e a
produção de álcool tabaco e armas de fogo] ou a
um Christian Internal Revenue Service [Serviço
Cristão da Receita Federal]. Os assim chamados
cristãos evangélicos estão engajados numa busca de
poder político que faz suas atividades quase
indistinguíveis das atividades dos pregadores do
“evangelho social” do início e de meados do século
XX. Esse tipo de ação política não tem nada a ver
com a Escritura.

O Sistema

Cada uma das partes desse sistema filosófico —


epistemologia, soteriologia, metafísica, ética e
política — é importante, e as idéias ganham força
quando são arranjadas num sistema lógico. Em tal
sistema, onde proposições são logicamente
dependentes ou logicamente implicadas por outras
proposições, cada parte reforça mutuamente as
outras. Historicamente — embora não nesse século
decadente — os calvinistas têm sido criticados por
serem muito lógicos. Mas se estivermos sendo
transformados pela renovação das nossas mentes,
se estivermos trazendo todos os nossos
pensamentos em conformidade com Cristo,
devemos aprender a pensar como Ele pensou,
logicamente e sistematicamente.

Gordon Clark elaborou um sistema filosófico


completo que procede de rigorosa dedução a partir
de um axioma para milhares de teoremas. Cada um
dos teoremas se ajusta ao sistema como um todo.
Se você aceita um dos teoremas, você deve, sob a
pena de contradição, aceitar o todo. Mas muitos
líderes na igreja professante não sentem nenhuma
pena, e alguns até mesmo se gloriam na
contradição. Eles estão completamente confusos e
estão frustrando o avanço do reino de Deus.

O Escrituralismo — Cristianismo — é uma visão


completa de todas as coisas consideradas
juntamente. Ele engaja filosofias não-cristãs em
todo campo do sforço intelectual. Ele forneceu uma
teoria coerente do conhecimento, uma salvação
infalível, uma refutação da ciência, uma teoria do
mundo, um sistema coerente e prático de ética, e os
princípios requeridos para a liberdade e a justiça
política. Nenhuma outra filosofia faz isso. Todas as
partes do sistema podem ser mais desenvolvidas;
algumas partes raramente têm sido consideradas. É
minha esperança e oração que a filosofia do
Escrituralismo conquistará o mundo cristão no
próximo século. Se ela não o fizer, se a igreja
continuar a declinar em confusão e incredulidade,
pelo menos uns poucos cristão se refugiarão na
fortaleza intelectual impregnável que Deus nos deu
em Sua Palavra. Que você possa estar entre esses
poucos.

Uma versão menor desta palestra foi entregue no


Seminário Teológico Bíblico, Hatfield, Pensilvânia,
em 27 de Abril de 1993.

Agosto de 1993

Notas

1 Nota do tradutor: Solipsismo é a doutrina


filosófica segundo a qual a única realidade que
existe é o eu; corrente filosófica que diz que
somente o eu pode ser ciente de si mesmo.
O Agostinho da América:
Gordon Haddon Clark
por John W. Robbins

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto


Cuiabá-MT, 22 de Julho de 2005.

No início da manhã de 9 de Abril, Gordon Clark


entrou no Paraíso. Sua partida deste mundo foi
quieta — ele morreu em casa, em seu sono, após
uma enfermidade e hospitalização por diversas
semanas. Não houve nenhum funeral elaborado;
nada teria sido mais característico para esse
despretensioso professor. Seu corpo foi enterrado
perto de Westcliffe, Colorado, na montanha Sangre
de Cristo, das Montanhas Rochosas1. Um lugar
mais apropriado seria difícil de imaginar, pois foi
no sangue de Cristo que Clark confiou para a sua
salvação.
Sua morte veio na culminação de uma longa e
distinta carreira de ensino e escrita. Nascido na
Filadélfia, em 1902, Clark foi o autor de mais de 30
livros publicados no tempo de sua morte, e diversos
manuscritos ainda permanecem não publicados.
Seu compêndio sobre Lógica, para escolas e
faculdades cristãs, será lançado em Maio, e um
comentário sobre Efésios está agendado para
lançamento no próximo verão. Ele gastou alguns
dos seus últimos dias no hospital corrigindo as
provas de Efésios com a ajuda de uma das suas
duas filhas.

Durante sua carreira, Clark ensinou na


Universidade da Pensilvânia, da qual ele recebeu
seu doutorado em filosofia em 1929; no Wheaton
College; no Seminário Reformado Episcopal; na
Universidade Butler, onde ele foi Presidente do
Departamento de Filosofia por 28 anos; no
Covenant College; e finalmente no Seminário
Sangre de Cristo, no Colorado. Sua carreira de
ensino transpôs quase 60 anos, de 1927 a 1984, e a
marca que ele deixou na teologia cristã nunca será
apagada.
Alguns podem pensar ser um exagero se referir a
Clark como o Agostinho da América, mas aqueles
que estudaram as suas obras não pensarão. Não
somente ele considerou a si mesmo um Agostiniano
(ele repetida e modestamente enfatizava que ele
estava simplesmente reafirmando, refinando e
desenvolvendo os insights que Agostinho tinha
originado), mas ele foi igual ao doutor africano em
profundidade de conhecimento, e suas
contribuições para a teologia e filosofia são tanto
originais como brilhantes. Não muitas histórias da
filosofia foram escritas por cristãos neste século.
Thales to Dewey de Clark está disponível em
versão impressa desde 1957 e é um texto de
faculdade padrão. Ele é um modelo de clareza e
estilo literário filosófico. Um dos seus textos mais
antigos sobre filosofia helenística está disponível
em versão impressa por quarenta e cinco anos -
ninguém jamais publicou algo digno para substituí-
lo. A Christian View of Men and Things [Uma
Visão Cristã dos Homens e das Coisas] — um
esboço de Clark da sua filosofia — tornou-se um
clássico contemporâneo. Nenhum cristão desde
Agostinho, exceto Clark, tentou o que Clark
realizou com destreza em Historiography, Secular
and Religious [Historiografia, Secular e Religiosa].
No tempo de sua morte, Clark tinha acabado de
completar um manuscrito sobre a Encarnação, parte
de sua principal série de livros sobre teologia
sistemática, o primeiro a ser escritor por um
calvinista americano nesse século. À medida que
suas obras restantes forem publicadas e uma nova
geração de cristãos se tornar familiar com o seu
pensamento, eles também concordarão que ele foi
deveras o Agostinho da América.

Tal reconhecimento não veio em seu tempo de


vida. Ele não ocupou uma presidência numa
universidade prestigiosa, todavia, nenhum cristão
no século vinte teria sido mais qualificado para tal.
Mas a ausência de reconhecimento acadêmico
apropriado foi somente parte da história; a presença
da hostilidade eclesiástica foi outra. Algumas das
mais fortes oposições a Clark se levantarem em
instituições presumidamente cristãs. Em 1943 ele
deixou a faculdade do Wheaton College por causa
da antipatia da Faculdade para com o Cristianismo
Reformado. Em 1944, uma facção dentro da Igreja
Presbiteriana Ortodoxa, centralizada na faculdade
do Seminário Teológico de Westminster, tentou
remover Clark numa campanha que durou anos e
que finalmente fracassou, mas não antes de fazer
um dano irreparável à igreja. Ironicamente, Clark
ajudou J. Gresham Machen a organizar a Igreja
Presbiteriana Ortodoxa em meados de 1930.

Foi a desgraça de Clark viver num século no qual o


conhecimento cristão estava em declínio, a despeito
— ou talvez por causa de — dos inúmeros livros
sendo publicados por editoras religiosas. Enquanto
ele viveu, Clark foi difamado como um
racionalista, um panteísta, e um idealista absoluto
por homens que tanto entenderam equivocadamente
o que Clark escreveu como foram ofendidos por
sua defesa intransigente da verdade. Um filósofo
por educação e profissão, e um teólogo por
preferência, Clark foi rodeado por críticos
ignorantes de filosofia e heréticos em teologia. Ele
defendeu a revelação da possibilidade do homem
conhecer a Deus, somente para ser atacado como
um racionalista. Ele refutou as filosofias seculares
expondo as suas contradições internas, somente
para ser criticado por uma confiança anti-bíblica na
mera razão humana. Por todas as suas obras ele
enfatizou a importância da epistemologia, a teoria
do conhecimento, mantendo que a primeira questão
da filosofia — a primeira questão a ser respondida
por alguém que faça qualquer afirmação — é,
“Como conhecemos?”. Tal preocupação sobre a
justificação do conhecimento não foi apreciada por
aqueles que não se importavam em dar razões para
as suas afirmações metafísicas, e Clark foi
chamado de um idealista absoluto. Clark defendeu
a soberania de Deus em Biblical Predestination
[Predestinação Bíblica]; Religion, Reason and
Revelation [Religião, Razão e Revelação]; e What
Do Presbyterians Believe? [O que os Presbiterianos
Crêem?] somente para ser demitido como um
determinista fatalista que negava a responsabilidade
do homem e fazia de Deus o autor do mal. Na
realidade, em 1932, aos 29 anos, Clark publicou um
ensaio no The Evangelical Quarterly sobre
“Determinismo e Responsabilidade” que clarificou
a relação entre a soberania divina e a
responsabilidade humana, uma relação que
teólogos têm procurado entender por séculos. Esse
ensaio é uma das suas produtivas contribuições
para a teologia cristã.

As controvérsias que envolveram Clark em sua


vida, embora desagradáveis como elas tenham sido
para ele e para sua família, foram, na providência
de Deus, designadas para o benefício tanto de Clark
como da igreja; pois elas estimularam sua mente
brilhante a considerar e escrever sobre os erros que
tinham atormentado a igreja por todas as eras.
Clark debateu e derrotou aqueles que negavam a
inerrância da Escritura, a imagem de Deus no
homem, a soberania de Deus, a Trindade, a
justificação através da fé somente, a adequação da
linguagem humana para expressar a verdade divina,
a existência da alma e a necessidade da teologia
sistemática. Paulo nos diz que as heresias devem
aparecer para que aqueles aprovados por Deus
possam ser revelados. Nada pode ser mais óbvio do
que o fato de que Clark foi aprovado por Deus.

Ronald Nash tem chamado Clark de “um dos


maiores pensadores cristãos de nosso século”. Carl
Henry tem se referido a Clark com “um dos
filósofos protestantes evangélicos mais profundos
do nosso tempo”. Ambas as avaliações são
verdadeiras, mas inadequadas. Clark é, e
permanecerá sendo, um dos maiores pensadores
cristãos de todos os tempos.

Deus foi especialmente gracioso para conosco em


nos dar Gordon Clark por um pouco de tempo;
sejamos especialmente gratos a Deus, e tão zelosos
pela verdade de Deus como Clark o foi enquanto
estava entre nós. Foi o meu privilégio conhecer
Clark por 13 anos: nós primeiro nos
correspondemos quando ele estava em Butler e eu
era um estudante de pós-graduação em Hopkins.
Sua obra tem sido enormemente útil para mim, e
será indispensável para uma nova geração de
cristãos sérios que queira trazer todo o pensamento
cativo a Cristo. O objetivo de Clark deve ser o
nosso também:

Tem havido tempos na história do povo de Deus,


por exemplo, nos dias de Jeremias, quando a graça
refrescante e o reavivamento difundido não eram
para ser esperados: o tempo era de castigo severo.
Se este século vinte é de uma natureza similar,
indivíduos cristãos aqui e ali podem encontrar
conforto e força num estudo da Palavra de Deus.
Mas se Deus tem decretado dias mais felizes para
nós e se podemos esperar uma sacudidela mundial
e um despertamento espiritual genuíno, então, é a
crença do autor de que um zelo pelas almas,
embora necessário, não é a condição suficiente.
Não tem havido santos devotos em todas as eras,
numerosos o suficiente para levar adiante um
reavivamento? Doze de tais pessoas seria
abundância. O que distingue as eras áridas do
período da Reforma, quando as nações foram
estremecidas como elas nunca tinham sido desde o
tempo quando Paulo pregou em Éfeso, Corinto e
Roma, é a plenitude do conhecimento da Palavra de
Deus no tempo da Reforma. Para ecoar um
pensamento antigo da Reforma, quando o agricultor
e o ferreiro conhecem a Bíblia tão bem quanto os
teólogos, e conhecem melhor do que alguns
teólogos contemporâneos, então, o desejado
despertamento já terá ocorrido.

O único monumento apropriado a Clark, e o que ele


mais desejaria, não é um feito de pedra e madeira,
mas a disseminação da verdade que ele amou e
defendeu em toda a sua vida. “Aquele que guarda a
minha doutrina”, Cristo disse, “jamais verá a
morte”. Gordon Clark não viu a morte; quando os
primeiros raios do sol da manhã brilharam nos
declives orientais das Montanhas na Terça-feira
passada, Clark viu a Cristo.

Edição especial de Abril de 1985

Alguns dos livros de Clark já disponíveis


[http://www.trinitylectures.org]:

Ephesians God and Evil

God's Hammer: The Bible and Its Critics

Historiography: Secular and Religious

Holy Spirit, The Incarnation, The Language and


Theology
Logic

Logical Criticisms of Textual Criticism


Predestination

Religion, Reason, and Revelation Sanctification

Thales to Dewey: A History of Philosophy Three


Types of Religious Philosophy Trinity, The

What Do Presbyterians Believe?

Notas

1 Nota do tradutor: As Montanhas Rochosas


(Rocky Mountains): corrente de montanhas no
norte da América que se estende do Novo México
até o Alasca
A Necessidade de Gordon Clark

B. K. Campbell

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

Como muitos, tenho que concordar que Gordon


Clark é um dos filósofos mais interessantes e
prolíficos do nosso tempo. Suas obras abarcam uma
variedade gigantesca de tópicos e assuntos. E a
melhor forma de entrar em contato com Gordon
Clark é lendo a filosofia de Gordon Clark.
Naturalmente, esta é a melhor forma de entrar em
contato com o pensamento de qualquer filósofo. O
sistema de pensamento de Clark tem sido
amplamente representado e interpretado
incorretamente durante a maior parte do século
XXI. Será o tópico deste ensaio expressar a
importância da necessidade de Gordon Clark,
demonstrar a profundidade, poder e beleza
encontrada em seu pensamento.

Clark empregou um método de filosofia que era


inteiramente cristão (uma noção que é totalmente
rara, se não inteiramente ausente, no século XXI).
Os livros de Clark não cobrem meramente a
teologia, mas abrangem todo o pensamento
humano; como Carl F. H. Henry disse: “Entre
filósofos cristãos articulados no cenário
Americano, ninguém tem abordado a ampla
extensão das preocupações contemporâneas a partir
de uma visão protestante evangélica mais
abrangentemente do que Gordon H. Clark”; i o
objetivo de Clark era produzir uma teoria do
conhecimento abrangente.ii

A força fundamental por detrás da filosofia de


Clark é sua intensa dedicação à autoridade da
Escritura. Muitos dos teólogos modernos e
filósofos cristãos de hoje endossam a autoridade da
Escritura superficialmente - eles não tomam toda a
Escritura; de fato, há alguns que são simplesmente
embaraçados pela autoridade da Escritura. iii Há
muito que pode ser dito sobre este desprezo sutil
para com a Escritura, mas por ora (pois não é o
tópico deste ensaio) diremos que tal desprezo é a
coisa mais infeliz e desnecessária que pode existir.

O sistema de filosofia e o método de apologética de


Clark tem sido chamado de
‘Escrituralismo’. iv Este é certamente um bom
nome para um sistema que tem a Escritura como o
seu fundamento. Tristemente, muitos cristãos
sinceros têm negligenciado a filosofia e a
apologética de Gordon Clark. Por todas as razões
que poderiam ser dadas quanto ao porquê, podemos
concluir com segurança que isto não é porque
Gordon Clark seja impotente como um erudito ou
anti-bíblico como um cristão. Antes, penso que a
melhor explicação do porquê a filosofia de Gordon
Clark tem sido lançada nas sombras, é porque
Gordon Clark representa um sistema que é
intensamente bíblico e impetuosamente lógico.
Estes são dois traços e virtudes sólidos que se
colocam em oposição direta à maioria do
Cristianismo evangélico do século XXI.

Clark é conhecido por perseguir uma idéia ou


proposição até o seu fim lógico; este é parcialmente
o porquê muitos acham os argumentos de Clark
difíceis de seguir. Resumindo, poderíamos dizer
que os homens do século XXI não estão
acostumados com a consistência de Clark, nem
com as altas formas de educação (tal como a
filosofia) e uma apologética puramente
escriturística. De fato, poderia ser observado que
muitos são ofendidos pela filosofia de Gordon
Clark, pensando ser ela de certa forma arrogante. v

Outro fator que contribui para a negligência da


apologética de Clark é o surgimento de apologetas
e teólogos Van-Tilianos no século XXI. Por toda a
parte ouvimos dos métodos apologéticos de Van
Til. Não leva tempo até que alguém tome
conhecimento da controvérsia entre estes dois
homens. Certamente, há um número amplo de
pessoas argumentando a favor de Van Til, enquanto
aqueles que permanecem fiéis à verdade do método
de Clark não recebem o tempo (N.T.: na televisão,
rádio, etc.) disponível àqueles que estão
promovendo Van Til.

Outra coisa a ser dita de Clark é que ele era um


filósofo altamente instruído; seus livros tratam com
uma quantia tremenda da filosofia antiga bem como
da moderna. Isto, sem dúvida, tem tornado difícil
para a comunidade geral dos crentes apreciarem a
profundidade e peso dos seus argumentos.
Certamente, o paradoxo nesta situação é que muitos
estudantes estão dispostos a se aprofundar na
prosa vi intricada que constitui a apologética de
Van Til, enquanto ao mesmo tempo ignoram
completamente a apologética clara, concisa e exata
de Gordon Clark. A diferença entre estes dois
homens é absolutamente espantosa.

É realmente algo indiscutível que a maioria dos


métodos apologéticos de hoje são inteiramente
Católicos, e podem ser considerados simplesmente
outra persuasão daquela da igreja de Roma. vii O
uso da apologética evidencialista tem aumentando
grandemente desde a morte de C. S.
Lewis. viii Faculdades cristãs proeminentes, tais
como Biola, são dominadas exclusivamente por
métodos evidencialistas na apologética. ix Clark
não era um apologista evidencialista; de fato, ele
apresenta talvez os melhores argumentos já
levantados contra o sistema evidencialista de
apologética. Podemos observar que este é apenas
um exemplo de Clark se mantendo no espírito da
Reforma Protestante. x

Porque a grande onda de pensamento no último


século tem se centrado numa observação empírica e
no uso da investigação científica para chegar ao
conhecimento, o comprometimento ao
pressuposicionalismo tem estado totalmente fora de
questão. Não somente os argumentos
evidencialistas Romanos têm uma grande
dificuldade em provar o Deus Triúno com o
argumento Tomista, mas eles também produzem
um preconceito contra todos os métodos
pressuposicionais. xi Esta onda de pensamento
racionalista e empírico é outra razão pela qual os
métodos e a filosofia de Gordon Clark tem sido
negligenciados no século XXI. O ataque vigoroso
de Clark contra o empirismo e o racionalismo-
agnóstico, como representando sistemas ilegítimos
de filosofia, não tem se tornado popular entre
apologistas e filósofos modernos.

Com o método de Clark vem o axioma fundacional


de Clark (o princípio mais importante do sistema de
Clark). Como dissemos, Gordon Clark era um
Escrituralista, e no mundo de hoje esta é certamente
uma posição desconfortável de se sustentar, ensinar
ou defender. A apologética de Clark é uma
continuação profunda da teologia Reformada. De
fato, o primeiro princípio da Reforma, o sola
scriptura, sobre o qual todos os outros princípios da
teologia estão fundamentados, é também o primeiro
princípio na apologética de Clark. Desviar-se deste
princípio é desviar-se da verdade e da realidade, e
perambular no mundo da filosofia pagã - algo que
muitos homens parecem fazer hoje com vigor e
orgulhosa paixão. Todo o empreendimento cristão
está fundamentado sobre o poder e autoridade da
Escritura. Negar o poder e a autoridade da Escritura
é negar o empreendimento do Cristianismo
autêntico.

Quanto à apologética da Van Til observaremos


brevemente que Van Til não começa com a
Escritura, mas com um argumento
transcendental. xii Tendo dito isto, guarde em
mente que este ensaio não é uma tentativa de
desacreditar ou desvalorizar o método incorporado
por Van Til e seus seguidores, mas pretende
explicar a importância da apologética de Gordon
Clark. xiii De fato, a controvérsia entre Clarkianos
e Van-Tilianos merece mais espaço do que este
ensaio permitirá. Pode ser também brevemente
observado que eu não estou informado o suficiente
com respeito a esta controvérsia para renunciar
opiniões e argumentos exaustivos.

Contudo, o que sei como certo é que há uma grande


genialidade e consistência na apologética de
Gordon Clark. Talvez, um dos aspectos mais
atraentes da filosofia de Clark seja sua capacidade
de avaliar filósofos modernos e as posições
contrárias sustentadas contra a validade do
Cristianismo. O Dr. Clark não era negligente
quando chegava ao raciocínio lógico; sua
capacidade de tratar com os filósofos agnósticos era
prolífica, e se alguém me perguntasse (o que é
muito improvável), diria que inigualável até o
presente dia.

A necessidade de Gordon Clark é igual à


necessidade das 95 teses de Lutero, que ajudou a
produzir a Reforma. Nós, como cristãos, não
podemos fazer vistas grossas para a cultura secular.
Se o Cristianismo há de ser resgatado, ele deve ter
uma filosofia consistente. A filosofia e método de
Gordon Clark são essenciais porque elas sustentam
a autoridade e a doutrina da Escritura; dão à
Escritura seu lugar apropriado nos corredores da
Igreja e na mente dos homens. A Escritura é o
centro de todo viver piedoso, o fundamento de todo
verdadeiro conhecimento e o axioma incorporado
pela filosofia de Gordon Clark.

Nós conhecemos outro filósofo que deu à Escritura


seu lugar apropriado no mundo? xiv Há somente
um lugar para onde correr num quarto que está
escuro e este é em direção à luz. Da mesma forma,
neste mundo de iniqüidade, cheio de sistemas
ímpios de homens, somos bombardeados com
mentiras de todas as direções, incluindo o púlpito;
há somente um lugar para onde os bons homens
correrem e este é o da verdade. Somente a Escritura
pode nos prometer libertação dos sistemas vãos de
homens e somente a filosofia de Clark começa com
a Escritura e termina com a Escritura. Isto não é
dizer que Clark é o único filósofo que tem valor em
nosso tempo, mas que a filosofia de Clark não pode
ser uma perca de tempo.

Nós chamaríamos muitas coisas de importantes,


mas poucas de necessárias; a apologética de
Gordon Clark não é somente importante, mas
necessária nesta era de desvio e incredulidade. Ela
é necessária porque coloca a Escritura em primeiro
lugar e o homem em último... necessária porque
Roma não é a mãe da Igreja, e finalmente porque o
método de Clark está preocupado com a verdade e
a Escritura como a única forma de alcançar e
entender a verdade. Não pode ser os métodos dos
homens e então a revelação de Deus; deve ser a
revelação de Deus e a verdade de Deus. Todo
século tem tido sua porção de homens reprovados e
ímpios; toda era tem tido homens de Deus. As
obras de Gordon Clark são uma testemunha
verdadeira e um testemunho de fé numa cultura de
incredulidade, moral e filosoficamente suicida.

Em Conclusão: a filosofia e apologética de Gordon


Clark são necessárias por duas razões distintas e
poderosas: 1) a Escritura é o único fundamento
sobre o qual alguém pode construir uma filosofia e
uma teoria de conhecimento; a apologética e
filosofia de Gordon Clark estão fundamentadas
sobre esta Revelação. 2) Gordon Clark fez o que
poucos teriam sido capazes de fazer; resumindo, ele
fornece uma crítica exaustiva, com refutação, de
quase todos os sistemas de filosofia
moderna. xv Assim, Clark deixou claro as ervas
daninhas que impedem os homens de dar frutos
para Deus e desfrutar da bondade de Deus. É por
causa de Clark, estou convencido, que muitos
homens podem participar melhor da graça e
recompensa do conhecimento inexaurível de Deus.

B. K Campbell

Notas

I Cari F.H Henry “A Wide And Deep Swath”


publicado por Trinity Foundation em “An
Introduction to Christian Philosophy”, de Gordon
Clark.

II “O que o teísmo precisa é uma aplicação de todas


as fases da aprendizagem”. Gordon Clark
“Christian View of Men and Things”.

III Até mesmo um apologista tal como William


Lane Craig, quando tratando com o apologista
muçulmano Shabir Ally com respeito à
ressurreição, não argumentou que a Escritura era
inerrante. Mesmo que isto seja sutil, Craig tenta ver
a Escritura como um livro histórico secular, e não
como a palavra de Deus. Não estou tentando
produzir um argumento de que Craig não crê na
autoridade da Escritura; apenas acho peculiar que
ele não tenha reivindicado a inerrância da Escritura.
Para o debate, ver “Christianity andIslam”
http://www.leaderu.com/offices/billcraig/menus/index.html.

IV Esta é a visão de que a Escritura deve ser o


fundamento de todo o conhecimento. A revelação
proposicional é a fonte do conhecimento; os
homens devem tomar o axioma de Deus (Escritura)
como prioridade em questões de epistemologia.
Como John Robbins define, “Escrituralismo é a
aplicação logicamente consistente de idéias cristãs -
isto é, escriturísticas - a todos os campos do
pensamento” (An Introduction to Gordon H.
Clark).

v Um estudo dos argumentos a favor e contra


Clark, logo revelarão que ele respondeu a maioria
dos seus críticos. Certamente, como Carl F. H.
Henry disse: “Nenhum erudito agressivo e criativo
não tem os seus críticos”. Henry continua para
dizer que Clark “permanece acima de todos no
ambiente filosófico contemporâneo, como um
campeão de um Deus pessoal”. Não é que os
argumentos e métodos de Clark sejam arrogantes,
mas o fato é que eles são poderosos e inflexíveis.
Se alguém afirma uma mentira com grande ousadia
até mesmo quando ele foi refutado como estando
errado, isto constitui arrogância; se alguém enfatiza
a verdade, mesmo que isso cause desconforto, isto
é sabedoria, não arrogância. Eu creio que uma
leitura completa de Clark provará que o último
exemplo seja o caso dele.

vi Como o Dr. John Robbins apontou: “O que é


pior: esta confusão não é inadvertida; ela é
deliberada”. Como Van Til declarou em sua
teologia sistemática: “É precisamente porque eles
(Van-Tilianos) estão preocupados em defender a
doutrina cristã da revelação como básica para toda
predicação humana inteligível que eles recusam
fazer qualquer tentativa de ‘declarar claramente’
qualquer doutrina cristã, ou a relação de alguma
doutrina cristã com alguma outra doutrina cristã.
Eles não tentam ‘solucionar’ os ‘paradoxos’
envolvidos na relação do Deus auto-contido com
suas criaturas dependentes”. Outra citação
engraçada pode ser tomada do livro “Van til:
Defender of The Faith”, de William White: “Há
uma controvérsia hoje com respeito a quem é o
maior intelecto deste segmento do século vinte,
sendo que provavelmente a maioria das pessoas
pense em votar no culto Dr. Einstein. Eu não. Eu
desejo apresentar como meu candidato para honra o
Dr. Cornelius Van Til. Minha razão para fazer isto
é esta: Somente onze pessoas no mundo entendem
Albert Einstein.... Ninguém - mas ninguém no
mundo! -entende Cornelius Van Til”.

vii Tomás de Aquino é o campeão da apologética


Católica Romana. Ele é famoso por seu argumento
cosmológico.
viii C. S. Lewis (que morreu em 1963) é
amplamente responsável pelo reavivamento da
apologética Tomista. A razão mais óbvia para isto é
que ele era um mestre do idioma inglês, e foi capaz
de apresentar este método com estilo, clareza e
persuasão. Que isto seja observado: se eu fosse um
apologista evidencialista, eu me prenderia a Lewis
durante todo o tempo.

ix Dois dos principais professores de Biola são


William Lane Craig e J. P. Moreland, que
publicaram vários volumes a partir de uma
perspectiva evidencialista. Craig é conhecido por
sua defesa do argumento Kalam para a existência
de Deus. Contudo, não há como Craig deduzir o
Deus Triúno da Escritura a partir do argumento
Kalam.

x A formação da Reforma foi fundamentada


sobre uma rejeição absoluta da autoridade da igreja
de Roma sobre a Escritura; assim também, os
métodos de Clark são uma rejeição da apologética
desta meretriz cruel.
xi Muitos que sustentam a apologética
evidencialista Romana consideram os métodos de
Gordon Clark como inferiores. Contudo, isto não
por meio de argumento ou exegese, mas porque os
apologistas evidencialistas gostam de sustentar
estes métodos assumindo que eles são superiores.
Como o Dr. John Robbins aponta em seu ensaio
sobre a apologética empírica: “Quão convencidos
somos na América - especialmente os cristãos
americanos, especialmente aqueles que se chamam
de evangélicos - e quão tolos. Olhamos com
desprezo, debaixo dos nossos narizes educados, os
selvagens primitivos que adoram os seus ídolos de
madeira, enquanto adoramos os ídolos filosóficos
criados por filósofos e teólogos empiristas: o
Primeiro Movedor, a Primeira Causa, o
Fundamento do Ser, o Supremo Ser, o Grande
Desenhista, o Arquiteto do Universo. Estes deuses,
não importa como sejam chamados, são ídolos.
Nossos apologistas empíricos têm confundido Céu
com Terra, a criatura com o Criador, o nome de
Deus com o do Primeiro Movedor; eles têm feito
nada menos do que aquilo pelo que os antigos
israelitas foram punidos”.
xii Van til argumentava a partir da impossibilidade
do contrário, colocando a posição cristã em
primeiro lugar. Van Til não começava com a
Escritura como um axioma, mas com o Deus
Triúno.

xiii Para uma boa sinopse da controvérsia ao redor


de Clark e Van Til veja “The Clark - Van Til
Controversy", Herman Hoeksema, publicado pela
Trinity Foundation. Veja também “Van til: The
man and The Myth", de John Robbins, Trinity
Foundation.

xiv Há muitos bons filósofos e teólogos no


mundo. Para citar alguns: Vincent Cheung, Robert
Reymond, James R. White, John Stott, Carl F. H.
Henry e muito mais por todo o mundo. Contudo,
Clark é o único filósofo americano que estou ciente
de ter coberto uma perspectiva ampla de
pensamento pertencente à filosofia.

xv Como disse John Frame: “Suas críticas de


pensamentos não-cristãos estão entre as mais úteis
disponíveis, e diferentemente da maioria dos
apologistas, ele tem uma apreciação pela
necessidade de pressupor a Palavra de Deus em
todo o pensamento”. Contudo, é bom observar que
Frame não é um seguidor dos métodos de Clark,
mas um estudante de Van Til e seguidor do seu
próprio sistema de apologética.
Parte I: Conhecimento
Conhecimento Inato de Deus

por Gordon Haddon Clark

Traduzido e adaptado por: Felipe Sabino de Araújo


Neto
Cuiabá-MT, 02 de Outubro de 2005.

I. Ainda que a luz da natureza e as obras da


criação e da providência de tal modo manifestem a
bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os
homens ficam inescusáveis, [1] contudo não são
suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e
da sua vontade necessário para a salvação; [2] por
isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e
diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja
[3] aquela sua vontade; e depois, para melhor
preservação e propagação da verdade, para o mais
seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra
a corrupção da carne e malícia de Satanás e do
mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever
toda. [4] Isto torna indispensável a Escritura
Sagrada, [5] tendo cessado aqueles antigos modos
de revelar Deus a sua vontade ao seu povo. [6]

1. Rom. ii. 14, 15; Rom. i. 19, 20; Sal. xix,


1-3; Rom. i.21; ii.
2. 1 Cor. i. 21; 1 Cor. ii. 13, 14.
3. Hebreus i. 1.
4. Prov. xxii. 19, 20, 21; Lucas i. 3, 4; Rom.
xv. 4; Mat. iv. 4, 7, 10; Isa. viii. 19, 20;
5. 2 Tim. iii. 15; 2 Pedro i. 19.
6. Hebreus i. 1, 2.

Esta primeira seção da Confissão de fé de


Westminster afirma que a luz da natureza nos dá
algum conhecimento de Deus. O que a Confissão
quer dizer com “a luz da natureza”? Isto significa o
senso comum? Significa que a experiência imprime
uma idéia sobre Deus na mente de todos os
homens? Significa que a existência de Deus pode
ser rigorosamente demonstrada a partir da
observação de um fenômeno natural, como os
teoremas da geometria são rigorosamente
demonstrados a partir de axiomas?

Por exemplo, ao acompanhar o diagrama


abaixo, pode-se demonstrar corretamente que o
ângulo 1 é igual ao ângulo 3. A prova é: o ângulo 1
mais o ângulo 2 são iguais a uma linha reta, ou 180
graus; o ângulo 2 e o ângulo 3 são iguais a uma
linha reta também, visto que tanto a linha AB como
a linha CD são linhas retas; portanto, ao subtrair o
ângulo 2 de 180 graus, teremos o ângulo 1 ou o
ângulo 3. Portanto, eles são iguais . A prova do
teorema de Pitágoras é muito mais complicada, mas
cada passo é da mesma forma certo e necessário.
Não há como escapar da conclusão. Ela foi
cabalmente demonstrada.

Tomás de Aquino, o grande filósofo da Igreja


Católica Romana, cria não somente ter elaborado
uma demonstração infalível da existência de Deus,
mas também que o apóstolo, em Romanos 1:20,
garantira tal prova. Já David Hume, a quem
nenhuma igreja canonizou, argumentou que todas
essas provas são falácias. Todavia, o salmista disse:
“Os céus declaram a glória de Deus”. O que isso
implica? Caso implique uma prova cosmológica,
podemos inferir de maneira legítima que qualquer
pessoa intelectualmente incapaz de aprender
geometria, e que, portanto, não possa seguir o
muitíssimo intrincado argumento cosmológico, não
é responsável por seus pecados? O conhecimento é
a base da responsabilidade, e o homem o
desconhece! Ou, podemos dizer: mesmo que a
existência de Deus não possa ser demonstrada, e
todas as objeções de Hume aos argumentos sejam
corretas, ainda assim a verdade do cristianismo
permanece não afetada? Não é possível que o
conhecimento de Deus seja inato? Não podemos ter
nascido com uma intuição a respeito de Deus, e
com esse equipamento a priori para ver a glória de
Deus sobre os céus ? Dessa forma, não seríamos
forçados aceitar o conceito peculiar de que o
apóstolo Paulo, muito séculos antes, teria aprovado
as complexidades aristotélicas de Tomás de
Aquino.

Essa discussão sobre a possibilidade de


demonstrar a existência de Deus não termina com
Tomás de Aquino ou David Hume. Hoje, Karl
Barth nega qualquer conhecimento natural de Deus.
Um dos textos-prova que a Confissão usa é
Romanos 1:19, 20, que diz:

Porquanto o que de Deus se pode conhecer


é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus,
assim o seu eterno poder, como também a sua
própria divindade, claramente se reconhecem,
desde o princípio do mundo, sendo percebidos por
meio das coisas que foram criadas. Tais homens
são, por isso, indesculpáveis.

Karl Barth, porém, insiste que Paulo falava


aos gentios a quem suprira do conhecimento de
Deus mediante sua pregação. Barth nega que
chineses e indianos, antes de ouvir o Evangelho,
possam ter algum conhecimento de Deus inato ou
derivado da natureza. Essa é uma interpretação
muito incomum de Romanos, e parece ser tão
errônea quanto o conceito da aprovação paulina
prévia de são Tomás.
Talvez fosse melhor entender a situação nos
termos de idéias inatas ou a priori. No ato da
criação Deus implantou no homem o conhecimento
de sua existência. Romanos 1:32 e 2:15 parecem
indicar que Deus também implantou algum
conhecimento sobre moralidade. Nascemos com
esse conhecimento; ele não é obtido como resultado
da experiência sensorial. Com a ajuda desse
conhecimento inato, podemos cantar com confiança
:

Senhor meu Deus , quando eu maravilhado


Os grandes feitos vejo da tua mão ,
Estrelas , mundos e trovões rolando,
A proclamar teu nome na amplidão ,
Canta minh' alma, então, a ti, Senhor:
Grandioso és tu , grandioso és tu! [1]

Dentro dos limites dessa primeira estrofe, do


primeiro capítulo de Romanos e da simples
observação do universo, Deus não deve ser
chamado Salvador. Ao compositor do hino,
entretanto, por sua posição pessoal anterior cristã,
pode-se permitir usar o nome de maneira
proléptica.

Já a Confissão, a partir de sua construção


sistemática, esclarece imediatamente que qualquer
conhecimento do grande poder de Deus,
demonstrado na criação, é insuficiente para a
salvação.

Até mesmo o conhecimento inato de


moralidade não fornece nenhuma informação de
como ou até mesmo da possibilidade de perdão do
pecado. “Por isso foi o Senhor servido, em diversos
tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à
sua Igreja aquela sua vontade”.

Notas:
[1] - Novo cântico, São Paulo: Cultura
Cristã,1999, hino nº. 26, p. 21.

Fonte:

What Do Presbyterians Believe?, Gordon H.


Clark, páginas 9-11.
Como o Homem Conhece a
Deus?
por Gordon Haddon Clark

Tradução: Tiago Canuto

Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto

O assunto da palestra desta tarde é “Como


Conhecemos” ou talvez, “Como Conhecemos a
Deus”.
A pergunta básica na filosofia da religião é: Como
podemos conhecer a Deus? Charles Hodge e Louis
Berkhof dedicaram algumas partes de seus volumes
para essa questão. E, por essa razão, ela vem desde
a aurora da teologia Cristã. O judeu filósofo, Filo, o
qual tinha várias coisas a dizer sobre o Logos,
estava lutando com suas dificuldades nos mesmos
anos em que Jesus estava andando ao redor da
Palestina.
Recentemente, a questão tem sido reformulada. Ao
invés de perguntar se podemos conhecer a Deus e
como podemos conhecer a Deus, a filosofia da
análise lingüística tem perguntado: Como podemos
falar sobre Deus? A linguagem é suposta ser um
desenvolvimento evolucionário retirado da
necessidade prática de sobrevivência e é, portanto,
inadequada e inaplicável para questões teológicas.
Na verdade, o corpo principal, não todo, mas o
corpo principal da linguagem dos filósofos,
especialmente nas suas obras mais antigas, afirma
que a linguagem sobre Deus é sem sentido. Não
apenas o empirismo secular faz tal declaração,
Wittgenstein, A J. Ayer, e os positivistas lógicos,
mas também os teólogos liberais da escola neo-
ortodoxa – numa terminologia mais polida, sem
dúvida alguma – mas ainda assim eles aceitam
essencialmente o mesmo ponto de vista.
Conquanto a questão de como podemos conhecer a
Deus é uma pergunta fundamental na filosofia da
religião, por detrás dela descansa, na filosofia geral,
a questão última: Como podemos conhecer alguma
coisa? Se não podemos falar inteligivelmente sobre
Deus, podemos falar inteligivelmente sobre
moralidade, sobre nossas próprias idéias, sobre arte,
política - poderíamos sequer falar sobre ciência?
Como podemos saber alguma coisa? A resposta
para essa pergunta, tecnicamente chamada de teoria
da epistemologia, controla todas as questões
subjetivas que reivindicam ser inteligíveis ou
cognitivas.

Empirismo
O presente estudo discutirá três teorias e enfatizará
suas implicações para religião, para o Cristianismo,
e Deus. A primeira das três é o empirismo.
A teoria do conhecimento que presumivelmente
concorda melhor com o senso comum é a teoria de
que aprendemos pela experiência. Aprendemos que
abelhas ferroam e cascavéis matam por meio das
nossas percepções de dor. Aprendemos que rosas
são vermelhas e violetas são azuis pelos sentidos da
visão. Todo nosso conhecimento vem pelos
sentidos. Esse tipo de epistemologia não é
meramente a teoria mais em harmonia com a
opinião comum, é também o ponto de vista de
filósofos singulares, entre os quais estão pensadores
famosos tais como Aristóteles, Aquino e John
Locke. Esses três homens, entre outros, tentaram
explicar como notamos uma cadeira, como uma lei
de física pode ser descoberta, e finalmente como,
por argumentos complicados, podemos provar a
existência de Deus.

Entretanto, por mais plausível que essa teoria possa


ser, ela levanta algumas questões excessivamente
difíceis. Por enquanto, vamos deixar de lado as
complexidades em se chegar ao conhecimento do
Deus eterno e incorpóreo a partir de sentimentos
transitórios. Antes, vamos primeiro dar atenção às
partes mais simples do empirismo.

Comecemos com o vermelho da rosa e o azul de


uma violeta. Primeiro, uma descrição da sensação
mostrará que ela não fornece um conhecimento tão
prontamente como o senso comum imagina. Nem
todo mundo vê rosas como vermelhas e violetas
como azuis. Há algumas pessoas que dizemos que
são daltônicas, e há graus de daltonismo. É difícil
falar o que é daltonismo e o que são ilusões de cor.
As cores verdadeiras são bem difíceis de se
determinar. A condição do órgão, o olho, uma
doença, enfermidade temporária, uma dor de
cabeça ou extrema sensibilidade muda nossas
sensações sobre a cor.

Deixe-me dar-lhe um pequeno exemplo. Se você


fizesse um curso de arte, pintura a óleo, você
poderia pegar um quadro de tela de pintura e
colocar certa cor na primeira metade do topo da tela
e outra cor na outra metade. Poderia ser vermelho
ou azul, ou quaisquer outras duas cores que você
desejasse, conquanto que elas fossem diferentes. E
então, depois de terem secado, você pegaria um
pincel cheia de tinta cinza e passaria verticalmente
nas duas partes do quadro e você veria que uma
pincelada teria colocado duas diferentes cores na
tela, a cor cinza no topo não é o cinza na metade de
baixo da tela. Assim, a cor que você vê depende do
pano de fundo contra o qual você a observa. E visto
que sempre haverá um pano de fundo, você nunca
verá qualquer coisa como ela é por si mesma.

Eu poderia mencionar algumas ilusões ópticas: o


fazendeiro do Texas que tinha certeza que estava
vendo uma miragem e dirigiu sua camionete para
dentro de um lago. Alguns de meus gentis
oponentes tentam contrastar meus argumentos
contra o empirismo declarando que eu meramente
repito os antigos céticos. Estou receoso de duas
coisas: os antigos céticos não sabiam nada sobre o
Texas, e, em segundo lugar, se estou repetindo os
antigos céticos, isso não é uma resposta suficiente
para os argumentos deles.
Pegue uma coisa que certamente os antigos não
conheciam. Tome um bom pedaço de cartão de
tábua de cerda e pinte uma metade de preto de tinta
indiana. Deixe a outra metade em branco e então
coloque uma pequena gota de preto na metade em
preto. Depois pegue algo que girará cerca de 500
voltas por minuto. Qual cor você verá? Verá preto?
Verá cinza? Bem, se você não fez esse
experimento, estou bem certo que você não saberá
qual cor verá. Mas eu te conto: você verá violeta,
verá vermelho, verá verde, verá certo tipo de
marrom. Você verá todas essas cores apenas com
uma mistura de preto e branco, e isso lhe dá uma
dificuldade considerável ao tentar dizer que você vê
a cor de algo, ou, para parafrasear um pouquinho de
Agostinho: não há nada fornecido (das Gegebenes,
se você sabe o termo técnico em alemão), não há
nada fornecido na sensação sem a interpretação
intelectual.

E só pra proteger-me dessas pessoas que pensam


que eu sou tão velho quanto céticos gregos - Estou
ficando velho, mas não tenho 2000 anos de idade,
creio eu ter cerca de 95 anos ou algo próximo - mas
certa vez eu estava viajando na estrada de St. Louis
até Indianápolis. Isso foi antes das estradas
interestaduais, e à medida que olhava a frente, eu vi
uma camionete parada próxima a um celeiro.
Estava há aproximadamente 1500 ou 2000 pés na
minha frente. E não era um carro de passageiro, era
uma camionete, pois a dianteira e a traseira eram
ambas verticais. Havia uma camionete próxima a
um celeiro. À medida que dirigíamos - indo à 75
m.p.h., percorremos uns poucos metros
rapidamente - essa camionete de repente tornou-se
uma caixa de correios num poste. Era uma
camionete ou uma caixa de correios? Bem, depende
a que distância você está. O tempo proíbe a
multiplicação de tais exemplos. Basta dizer que
rapidamente haverá muitos exemplos. Você tem
problemas com o sentido. Você nunca chegará a
uma percepção, e, por favor, a teoria empírica é
terrível demais.

Em segundo lugar, essa teoria empírica, depois de


ter um começo pobre com a sensação, exige uma
teoria de imagens para dar satisfação à retenção de
conhecimento depois que a sensação pare de
operar. Quando você fala sobre sensação, quando
ela é exercida, e você tem uma imagem que é
retida, existem outras dificuldades. Se percepção é
uma inferência da sensação, e a imagem segue a
percepção, como pode se determinar quando a
inferência é válida?

Certa vez, eu inferi que tinha visto uma camionete.


Outra vez, poucos minutos depois, eu inferi que
tinha visto uma caixa de correios. Mas como você
sabe qual das duas inferências é válida? E em
segundo lugar, algumas pessoas, especialmente
cientistas, não artistas, mas especialmente
cientistas, não têm qualquer imagem. E esta é uma
dificuldade que eu não vejo como a filosofia
empírica pode jamais superar. Eles parecem nunca
ter pensado sobre a existência de tais pessoas.
Tomás de Aquino e David Hume, os mais
conhecidos pelas suas teorias de imagens, só
parecem acreditar que todas as pessoas têm
imagens. Mas não é assim. Há algumas pessoas, e
eu conheço uma muito bem, que não têm nenhuma
imagem de forma alguma.

Terceiro, mesmo para as pessoas que têm imagens


visuais e auditivas, a formação de conceitos por
meio da abstração, como Aristóteles e Locke
exigem, é impossível por razões que não adentrarei
aqui. E se o bispo Berkley não fizesse mais nada,
pelos menos ele claramente mostrou que o
empirismo não pode permitir ou justificar conceitos
abstratos.

Minha quarta objeção ao empirismo, e se você vem


contando as objeções, pode ser que seja a
quadragésima. O empirismo não pode produzir
normas de nenhum tipo. Não pode produzir normas
morais e religiosas, porque na melhor das
hipóteses, o empirismo pode apenas falar o que é.
Não penso que possa falar nem mesmo desse
pouco, mas isso é tudo o que o empirismo pode
legitimamente reivindicar fazer. Eles não podem
falar o que se deve ser, porque você não pode obter
um deve de um é. E isso se aplica não apenas a
normas morais ou religiosas, mas também para as
normas básicas da lógica, sem as quais a conversa e
o entendimento seriam impossíveis.

As normas da lógica são verdades universais. John


Dewey diz que a lógica tem mudado e mudará em
todas as suas partes, incluindo a lei da contradição.
Mas se a teoria da evolução implica na rejeição da
lógica, então a teoria da evolução não foi
estabelecida pela lógica e toda declaração é tanto
verdadeira quanto falsa, e, portanto, absurdo.

Irracionalismo
Bem, isso nos leva ao segundo tipo de
epistemologia, a qual chamaremos de
irracionalismo. É muito surpreendente que alguns
filósofos seculares como Friedrich Nietzsche, John
Dewey e os psicólogos Freudianos rejeitem a lei da
contradição, porém o que é mais surpreendente é
que alguns cristãos professos, cristãos professos,
sustentam opiniões similares.

O movimento anti-lógica dentro da igreja cristã


visível parece ter se originado não com o antigo
Tertuliano cujas, frases tem sido citadas
erroneamente e mal interpretadas, mas tem se
originado com o teólogo do século XIX, Soren
Kierkegaard, o pai da neo-ortodoxia, ou, como é às
vezes chamada, da teologia dialética.

Soren Kierkegaard insistia que a fim de ser um


cristão, é necessário acreditar em contradições. Seu
exemplo principal é a doutrina da encarnação. Na
encarnação, o Deus eterno entrou na história e
tornou-se um ser humano temporal. O que é
temporal teve um começo, antes do qual ele não
existia. O que é eterno não teve começo.
Obviamente, portanto, um ser que não teve começo
não pode ter tido um começo. O que sempre existiu
não pode agora vir à existência. Mas para sermos
cristãos, devemos acreditar que essa
impossibilidade lógica ocorreu. Reconhecemos e
entendemos o absurdo, mas devemos acreditar no
que é absurdo, porque o próprio cristianismo é
irracional e absurdo.

A essa altura, é natural pensar como nossa salvação


e benção eterna pode ser garantida pelo absurdo.
Pode a contradição fazer o que a informação
histórica não pode fazer? Soren Kierkegaard
insistiu que nossa salvação não depende de
qualquer informação histórica. Como pode
depender de absurdos? Para essa questão,
Kierkegaard tem uma resposta.

Visto que devemos acreditar no absurdo, diz Soren


Kierkegaard, e não depender da informação
histórica inteligível, não faz qualquer diferença em
que acreditemos. O “o que” não é importante. Tudo
o que vale é o como.

Esse ponto de vista é manifesto em sua ilustração


famosa do luterano ortodoxo e o pagão hindu.
Muitos de vocês a conhecem, mas repetirei. O
ortodoxo luterano tinha um entendimento correto
de Deus. Ele era correto em sua teologia, mas orou
com um espírito errado e, portanto, não estava
orando a Deus. Mas o hindu, que nunca havia lido
João Calvino ou Martinho Lutero, tinha uma idéia
incorreta de Deus. Porém, visto que ele orou com
uma paixão infinita, ele estava orando a Deus, e o
luterano não.

Essa ilustração poderia ter sido um exemplo bom,


tivesse Kierkegaard intencionado recomendar a
sinceridade e condenar hipocrisia. Cristo teria
condenado um luterano hipócrita tanto quanto ele
condenou os filhos hipócritas de Abraão, os quais
ele conheceu durante sua vida. Mas a hipocrisia não
é o ponto da ilustração do hindu. Kierkegaard
tentou nos convencer que não há diferença no que o
homem acredita. Apenas o como, a paixão, é de
valor. Nessa história, Cristo, ao condenar qualquer
tipoe de hipocrisia, recomendaria a idolatria do
hindu. A ilustração de Kierkegaard quer dizer que
um ídolo hindu é um substituto completo para
Jeová. E o que poderia ter impressionado Soren
Kierkegaard mais fortemente, segue-se também que
a filosofia lógica e racional, a qual ele odiava, é tão
boa quanto seu próprio irracionalismo. Se não faz
diferença no que você acredita, você pode muito
bem ser um racionalista.
Embora os principais discípulos de Kierkegaard,
Karl Barth e Emil Brunner, e Rudolph Bultmann,
também, em certo sentido, embora seus principais
discípulos retiveram a fé no paradoxo e no absurdo,
eles parecem fazer algum esforço para mascarar a
futilidade por acreditar em contradições. A paixão
infinita de Kierkegaard torna-se, na teoria deles, um
Encontro, o encontro que Barth e Brunner
proclamam. Homens tornam-se cristãos por ter um
encontro com Deus. Claro, esse encontro nem
contém nem é produzido por qualquer informação
histórica. A ressurreição não foi um evento datado
que ocorreu três dias depois da crucificação. É uma
experiência existencial no dia dos homens. Com
respeito a isso, os Evangelhos escritos contêm
pouco ou nenhuma precisão histórica. São todos
fábulas como as de Esopo. As fábulas de Esopo não
são históricas, são literalmente falsas, mas
existencialmente verdadeiras. Elas são boas
descrições de peculiaridades humanas
popularizadas, e para a neo-ortodoxia, assim
também são os Evangelhos. Mas o encontro pode
fazer o que a história não pode. Não há necessidade
de superar dois mil anos de história e encontrar
eventos que aconteceram há muito tempo atrás. A
Páscoa começa agora e o encontro cancela o tempo
de duração e nos faz contemporâneos de Cristo.

Se soa absurdo dizer que podemos abolir dois mil


anos desse jeito e retornar ao primeiro século ou
trazer a Páscoa para o século XX, se soa absurdo
dizer que hoje podemos ser contemporâneos de
Cristo, que seja assim. O cristianismo consiste em
se contradizer. Nada inteligível pode ser dito de
Deus.

Brunner muito explicitamente diz, e isto é uma


citação literal, “Deus e o meio de conceitualidade
são mutuamente exclusivos”. Fornecendo outra
citação literal, “Todas as palavras tem apenas um
valor instrumental. Nem as palavras faladas nem o
conteúdo conceitual deles são a própria Palavra,
mas apenas sua estrutura”. Você encontrará isso na
tradução inglesa na página 110 do Wahrheit als
Begegnung. A verdade não é importante, pois
Brunner diz, e isso é outra citação literal, na edição
inglesa, página 117, e na edição alemã, página 88,
“Deus pode falar sua palavra ao homem mesmo
através da falsa doutrina”. Não faz qualquer
diferença no que você crê. Você deve crer
apaixonadamente.

Esse é o resultado natural em trocar lógica por


paradoxos. Quando a lei da contradição é
deliberadamente repudiada, a distinção entre
verdade e erro vai embora. A palavras Deus e
Satanás significam a mesma coisa. Um ministro
pode pregar que Cristo fez expiação pelo pecado e
no mesmo sermão também sustentar que Cristo não
fez expiação pelo pecado. Isso não apenas torna
toda pregação fútil, mas também não podemos nem
convidar uma pessoa pra almoçar, pois quando
digo, almoce comigo, eu também estou dizendo:
não almoce comigo. Almoço e nenhum almoço são
as mesmas coisas, ao menos que sejam logicamente
diferentes.

Dogmatismo
Agora chegamos ao terceiro tipo de epistemologia,
ao qual darei o nome desagradável de dogmatismo.
A fim de evitar a ignorância completa do ceticismo
e escapar da insanidade irracional, deve-se buscar
um refúgio seguro numa terceira possibilidade.
Poderia ser chamado de racionalismo se a palavra
não fosse confundida com o Hegelianismo por um
lado e o deísmo pelo outro. Poderia igualmente ser
chamado de dogmatismo, exceto que o opróbrio
popular suscitado através desse é muito para se
suportar. Um termo mais recente é
pressuposicionalismo. Faça sua escolha. O nome é
relativamente sem importância, diferentemente de
como os nomes hebraicos costumam ser. O nome é
relativamente sem importância se os detalhes são
entendidos.

O argumento é que toda filosofia deve ter um


primeiro princípio, um princípio estabelecido
dogmaticamente. O próprio empirismo requer um
princípio não empírico. Isso é particularmente
óbvio em que a forma mais extrema de empirismo é
chamada de positivismo lógico. Dizer que
declarações não têm sentido, a menos que sejam
verificadas pela sensação, é por si própria uma
afirmação que não pode ser verificada pela
sensação. A observação nunca pode provar a
confiabilidade da observação. Visto que, portanto,
toda filosofia deve ter seu primeiro axioma
indemonstrável, os secularistas não podem negar o
direito do Cristianismo de escolher seu próprio
axioma.

Sendo assim, deixemos o axioma cristão ser a


verdade das Escrituras. Isso é o princípio
reformado do Sola Scriptura. Historicamente o
evangelicalismo significou duas coisas: justificação
pela fé somente, claro, mas também significou
somente a Escritura - Sola Scriptura e Sola Fide.
Somente a fé, somente a Escritura. Esses foram o
material e os princípios formais da Reforma
Protestante e qualquer um que negue qualquer um
dos dois não tem relação histórica para se chamar
um evangélico.

O princípio é Sola Scriptura. Essa é um repúdio da


noção de que a teologia tem muitas fontes tais
como a Bíblia, tradição, filosofia, ciência, religião
ou psicologia. Há apenas uma fonte, as Escrituras.
É onde a verdade deve ser encontrada. Sob a
palavra verdade há a inclusão, em oposição ao
irracionalismo, da lógica e da lei da contradição.
Qualquer coisa que se contradiga não é verdade. A
verdade deve ser consistente, e é claro que a
Escritura não afirma e nega uma expiação ao
mesmo tempo. Deus é a verdade. Cristo é a
sabedoria e o Logos de Deus. E as palavras que ele
nos tem falado são espírito e vida.

O axioma da Escritura não apenas implica uma


posição particular da natureza de Deus, mas
também implica uma teoria definitiva do homem.
Auxiliada pelo conceito bíblico de Deus, a decisão
entre o irracionalismo da neo-ortodoxia por um
lado, e, por outro lado, a inteligibilidade, a lógica, a
lei da contradição de Calvino e Hodge depende do
ponto de vista de alguém da natureza do homem. O
Cristianismo continua afirmando que há uma
natureza humana comum. Oswald Spengler nega,
dizendo: “Existem homens, não existe homem”. Os
existencialistas franceses negam dizendo que a
existência precede a essência. Os freudianos, me
atrevo a dizer, são mais cristãos. Pelo menos Freud
faz um julgamento com respeito a todos os homens
universalmente. Vida e mente para Freud são
produtos evolucionistas emergentes de estruturas
psicoquímicas. A força dominante no homem não é
sua inteligência, compartilhada que ele
carinhosamente supõe com Deus, mas um bando de
viagens subconscientes e anseios sexuais. No
consenso geral, consideramos isso um julgamento
falso, mas pelo menos reconhece uma natureza
comum. E se tomarmos como uma descrição do
homem no seu estado caído, contém alguma
verdade, porém uma verdade distorcida.

Mas em oposição a Freud, a Sartre, a Wittgenstein


e outros, a posição cristã é que o homem foi criado
à imagem de Deus. O homem, não os animais. E
essa imagem deve ser determinada não por
observação empírica, mas por uma exegese de
passagens bíblicas.

Houve uma conferência que aconteceu em Augusta,


Geórgia, na semana passada. Ela foi supostamente
realizada por cientistas cristãos, e um dos jornais
foi chamado de “A Search for PersonhocT (Uma
Busca pela Personalidade). Eu pesquisei no
dicionário Merrian-Webster, mas não pude
encontrar a palavra. De qualquer forma, o jornal
não tinha qualquer referência a Bíblia; era
totalmente empírico. Não havia nada de cristão
nele.

Insistimos que se queremos descobrir o que é o


homem, devemos estudar a Escritura.

A Imagem de Deus.
A primeira passagem para exegese é a primeira
passagem na Bíblia. Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança. Essa imagem não pode ser o
corpo do homem por duas razões: primeiro, Deus é
espírito e não tem corpo; segundo, animais têm
corpos, mas eles não foram criados à imagem de
Deus. Portanto, o corpo não pode ser a imagem de
Deus. A imagem divina, então, deve ser o espírito
do homem, pois os dois elementos que compõem o
homem são corpo e espírito. Gênesis diz que Deus
formou o homem do pó da terra e soprou nas suas
narinas o fôlego da vida, e destes dois elementos o
homem tornou-se uma alma vivente. Se o pó ou o
barro não é a imagem de Deus, o fôlego ou espírito
deve ser. Não há outra possibilidade. A Escritura
vai além. Falar sobre a imagem de Deus no homem
é ligeiramente incorreto. A imagem não é algo que
o homem possui. Não é algo nele. O próprio
homem é a imagem ou a imagem é o próprio
homem, pois 1Coríntios 11:7 afirma que o homem
é ele mesmo a imagem e a glória de Deus. Sem
dúvida também têm ou são espíritos. A Bíblia fala
isso em vários lugares. Logo, a imagem divina deve
ser aquelas características do espírito humano que
não são compartilhadas pela criação mais inferior.
Essas são as características da racionalidade. Os
animais não podem realizar uma aritmética ou
geometria. Os Orioles Baltimore, quero dizer a
respeito dos pássaros, não o time de baseball, os
Oriole Baltimore constroem um ninho magnífico,
mas um oriole não difere um do outro no estilo de
sua arquitetura. Não há nenhuma invenção. Eles
não pensam em outras formam. E então também, os
animais não podem entender os mandamentos de
moralidade. Não é isso o que o Salmo 32:9
significa quando diz: “Não sejais como o cavalo ou
a mula, sem entendimento”? Os animais são
incapazes de pecar porque eles não são racionais.
Então, o próprio fato da pecaminosidade humana
mostra que o homem é racional, como oposto aos
animais.

Então finalmente, até num nível mais elementar do


que moralidade, os animais não têm conhecimento
da história. Eles não podem possivelmente saber
que Cristo morreu e ressuscitou. Visto, portanto,
que a razão distingue o espírito do homem em
relação ao espírito dos animais, a racionalidade é a
imagem de Deus. Essa identificação da imagem
divina, argumentada até esse ponto
majoritariamente à partir da criação registrada em
Gênesis, parece também ser exigida pelo o que
Paulo diz em Efésios e Colossenses. Essas epístolas
falam de regeneração como uma renovação da
imagem original. E os pontos em que a renovação
acontece são o conhecimento e a justiça. Paulo,
portanto, pressupõe que a imagem de Deus é a
racionalidade.

Esse não é o local para um estudo abrangente do


que toda a Bíblia diz sobre o assunto, mas a
menção de alguns versos ajudará na difusão do
suporte para esse ponto de vista. Essas passagens
sugestivas têm a ver com a natureza de Deus, assim
como a natureza de homem. Pode-se começar com
Deuteronômio 32:4, a qual se refere à Deus como
um Deus da verdade. O Espírito Santo é o Espírito
da verdade, que nos guiará a toda verdade. Cristo
não é apenas o caminho, a verdade e a vida, Ele é o
Logos, a mente e sabedoria de Deus. Ele falou para
seus discípulos, “Conhecereis a verdade e verdade
vos libertará”.

Sem reproduzir todo o material do Evangelho de


João sobre as palavras ‘Escritura’ e ‘verdade’,
vamos relembrar que o apóstolo Pedro também diz
em sua segunda epístola que: “Todas as coisas
pertencem a vida e a santidade, Deus nos dá por
meio do conhecimento”. Deus é racional. Sua
verdade é racional e nós devemos ser racionais para
recebê-la. O cavalo e o pássaro Baltimore Oriole
não podem.

Mas além de versos individuais como esses, a


Bíblia em sua inteireza aplica essa lição. Toda
Escritura é útil para o ensino e para a educação na
justiça. Se toda Escritura é útil, então segue-se que
os versos são úteis para a instrução. Este aqui:
“Reuel, pai deles, deu a Moisés Zípora, sua filha”.
Outro versículo: “Tendo Sambalá ouvido que
edificávamos o muro, ardeu em ira”. E um último
versículo: “Tendo passado por Anfípolis e
Apolônia, chegaram a Tessalônica”.

Esses versículos foram deliberadamente escolhidos


porque eles não parecem carregar nenhuma
imagem de Deus ou qualquer outra doutrina
teológica profunda. Mas Paulo disse que todos os
versículos na Bíblia eram úteis para a doutrina, e a
doutrina que esses versículos ensinam é a doutrina
da imagem divina. Esses versículos foram escritos
para que entendamos. Essa é a história que não é
para pássaros. É para a nossa edificação e para ser
edificado precisa-se de entendimento. Relembre
que Paulo proibiu línguas sem interpretação na
igreja de Corinto. Ele as proibiu porque elas não
edificavam. E elas não edificavam porque elas não
podiam ser entendidas. Como podemos dizer amém
para uma oração de outro se não a entendemos? A
Bíblia inteira, cada parte dela, é revelação porque é
racional e porque somos racionais. Negue a lei da
contradição, abandone a lógica, insista que
precisamos acreditar no absurdo, e nada
permanecerá na Bíblia. Coisa alguma.

Porque esse assunto inteiro tem muitas facetas, e


porque os detalhes são muito complexos, a
conclusão pode desenhar apenas uma objeção. A
objeção é esta: Se todo sistema de filosofia se
deriva de sua própria série de axiomas únicos,
torna-se impossível para aqueles que aceitam um
tipo de axioma estabelecer uma discussão
significativa com aqueles que possuem outro tipo
de axioma. As duas alas da disputa não têm nada
em comum, e, portanto, nenhum tem qualquer base
para convencer o outro.

Essa é uma antiga, não recente, objeção. Não


necessita ser um gênio para responder. Embora tão
comum, certamente porque é muito comum,
precisa-se de uma resposta clara. Uma referência
histórica servirá como ponto de partida. Anselmo
queria apelar aos judeus e mulçumanos sobre o
próprio fundamento deles sem usar revelação.
“Razão” deveria ser um fundamento comum. Mas a
“razão” não foi claramente definida nem foi uma
proposição comum realmente identificada. Mas o
senso comum pressupõe que todas as vezes que
tentamos convencer pessoas de algo, apelamos para
aquilo que eles já acreditam. Mas o senso comum
está errado. Isso apenas funciona em questões
secundárias e não em todas elas. Em questões
básicas ninguém jamais apela a um fundamento
comum entre dois sistemas de filosofia.

Veja esse exemplo. Pode um empirista, por base da


sensação, convencer-me do empirismo quando eu
não aceito a sensação? Bem, como então podemos
apresentar o Evangelho a um descrente?
Apresentamos o Evangelho tão completamente
quanto possível. Explicamos a ele, com a maior
quantidade de detalhes históricos que o nosso
tempo permite, e com a maior quantidade de
conexões lógicas que o nosso prospector escutará.
Mas sermões, argumentos e explicações não o
converterão. O obreiro cristão não pode convencê-
lo da verdade do Evangelho. Não é o seu dever.
Depois de apresentar o Evangelho, então oramos
para que o Espírito Santo convença-o, que Deus
mude sua mente, lhe conceda arrependimento, que
Deus lhe dê o dom divino da fé, o faça acreditar
nos axiomas da Escritura e o ressuscite da morte do
pecado para uma nova vida em Cristo.
A Natureza da Verdade
por Gordon H. Clark

Tradução por Igor Paz

Revisão por Dione Cândido Jr.

NOTA: “A Natureza da Verdade" é um artigo não


publicado dos artigos do Dr. Gordon H. Clark.

** Os itens deste artigo não publicado do Dr.


Gordon H. Clark não deveriam ser considerados
sua palavra final ou definitiva sobre um tópico
particular. Estes artigos estão sendo providos por
um valor educacional. Para a posição oficial do Dr.
Gordon H. Clark consulte suas obras publicadas. **

Embora pareça haver pouco proveito em especular


sobre o grau de profundidade filosófica de Pilatos
quando ele perguntou “O que é a verdade?" (João
18:28), um cristão faz bem em considerar
previamente a declaração de Cristo, “Eu sou a
verdade” (João 14:6), em conjunto com outras
passagens das Escrituras que podem esclarecer a
natureza da verdade. Uma vez que os protestantes,
em contraposição aos romanistas, rejeitam um
literatismo nas palavras “Isso é o meu corpo”
(Mateus 26:26), e uma vez que outras frases de
Cristo, como por exemplo “Eu sou a porta” (João
10:9), são figurativas, obviamente, não se deve
imediatamente assumir que “Eu sou a verdade” seja
literalmente verdade ou que a natureza da verdade
seja 'pessoal' e, portanto, não-proposicional e não-
lógica. Pelo menos outras visões devem ser
consideradas; e aqui três teorias serão brevemente
examinadas.

A primeira destas três visões, na falta de um nome


melhor, será chamada de a visão empírica da
verdade. Que a visão a ser descrita seja empírica,
ninguém pode negar; embora possa haver
empiristas que não aceitam todas as descrições. Se
é possível ter um empirismo consistente sem um ou
outro destes elementos, todo mundo deve
considerar por si mesmo.

Esse empirismo professa descobrir a verdade na


experiência sensorial. As duas ideias a serem
notadas são descoberta e experiência. A verdade é
dita ser descoberta ou concedida, não é construída
ou reconstituída com o auxílio de formas a priori da
mente. A confiança é colocada nos dados
sensoriais. A ideia de uma árvore é um dado
sensorial, não uma obra da imaginação produtiva, e
o mesmo se dá com uma nuvem e uma montanha.
Assim, as coisas são encontradas na ou pela
sensação somente.

Este ponto de vista não implica necessariamente na


análise de Locke, da experiência nas ideias simples
de branco, amargo, macio, e assim por diante; mas
mesmo que os dados sejam completos, à maneira
da psicologia da Gestalt, é essencial que eles sejam
fornecidos em sua totalidade em uma única
experiência de receptividade, e que a verdade
consista nestas percepções com as suas legítimas
combinações.
Os cristãos proponentes desse empirismo veem
nesta última três vantagens. Primeiro, ela está em
acordo com o senso comum. Uma pessoa sem
instrução jamais iria suspeitar que a ideia de árvore
ou montanha seja outra além daquele dado
sensorial. Para a consciência ordinária, não parece
haver qualquer operação intelectual envolvida ali.
Segundo, um cristão em particular pode facilmente
crer que essa visão seja extremamente favorável,
para não dizer necessário, para uso apropriado das
evidências cristãs. Os argumentos a partir dos
milagres, do cumprimento de profecia e,
especialmente, da ressurreição de Cristo, não
demandam uma epistemologia empírica? E
terceiro, já que a história da filosofia fornece
exemplos de pontos de vista dos quais se implica
em onisciência para evitar o ceticismo e ceticismo
para evitar a onisciência, o empirismo parece
precisamente orientar entre esta Cila e Caríbdis.

No entanto, visto que problemas epistemológicos


são extremamente complexos, de modo que uma
certa adesão à uma visão detalhada faça fronteira
com a temeridade, não seria surpreendente que o
empirismo tivesse que enfrentar graves
dificuldades. A história do empirismo britânico, de
Locke à Hume, é a prima facie das suas
implicações céticas. Não que a ligação entre
empirismo e ceticismo dependa da enumeração das
ideias simples de Locke. Não só os empiristas mais
tardios e radicais como James, Schiller e Dewey
tendiam para o ceticismo, mas o próprio Hume fez
pouco uso da análise de Locke. Uma segunda
dificuldade, talvez não tão evidente assim, diz
respeito à existência dos dados sensoriais. Mesmo
com todo esforço de Kant para evitar o ceticismo
de Hume, ele ainda insistiu em dados sensoriais e o
desenvolvimento de Kant à Hegel foi tido como a
sua fase mais importante nessa busca por esses
dados. A busca foi um fracasso. Um hegeliano
contemporâneo, Brand Blanshard, na sua obra The
Nature of Trought, ainda foi incomodado com o
mesmo problema. E se supormos que essa não é a
lição que o cristão deve tomar do hegelianismo,
pode-se lembrar que Santo Agostinho também foi
incapaz de encontrar um dado sensorial existindo
aparte de uma operação intelectual.
Estas duas dificuldades dizem respeito à função da
mente humana em sua obtenção da verdade e
podem, portanto, serem chamadas de subjetivas.
Deve-se também distinguir certas considerações
objetivas para as duas perguntas “o que é a
verdade?" e “como conhecemos?”, pois embora
estejam relacionadas, elas não são idênticas. O uso
posterior desta distinção será feito mais tarde. No
que diz respeito ao empirismo, a dificuldade
objetiva se reduz à questão de se a unidade da
verdade pode ser preservada sistematicamente ou
se os dados, precisamente porque são dados, devem
ser desconectados ou não sistematicamente. A mera
menção desta dificuldade objetiva deve ser
suficiente neste ponto de vista da controvérsia de
que as dificuldades subjetivas com o empirismo
parecem ser insuperáveis.

Se alguns empiristas, o que quer que pensem das


objeções, se recusarem a aceitar todos os elementos
das descrições acima, uma segunda teoria da
verdade, ou grupo de teorias, é ainda mais difícil de
ser caracterizado ou mesmo de receber um nome.
Talvez o termo misticismo seja o mais apropriado
para o anti-intelectualismo de vários
contemporâneos nossos, tais como Barth, Brunner e
alguns escritores de origem holandesa que, de
algum modo, nos trazem à lembrança os místicos
medievais mais atrasados. Negativamente, pode-se
dizer que eles concordam na sua rejeição do
empirismo, mas uma declaração positiva sem
muitas qualificações pode ser algo impossível de se
formular. No entanto, não se distorce muito a
história afirmando que todos eles sublinharam uma
unidade da verdade e reagiram contra o atomismo
epistemológico. Eles enfatizaram também a
contribuição da mente humana para o
conhecimento resultante; contudo, não como fez
Kant ao usar uma árvore ou uma montanha
distintamente, o turista místico vê o todo
confusamente. As árvores, as montanhas e as
nuvem se fundem. Isso quer dizer que nenhum ser
humano pode ver ou conhecer qualquer verdade
única, pura e distinta, mas apenas ter uma visão
turva de toda a verdade como um todo. Essa visão é
supostamente consistente não só com os efeitos
noéticos do pecado como também com a infinita
glória de Deus. Em torno de Deus estão nuvens e
densas trevas que os olhos humanos não
conseguem perfurar. Bonaventura nos diz que
temos uma representação global para a qual a
intuição está ausente. E se Deus é a verdade,
literalmente e sem qualificação, obviamente o
homem não pode ter a verdade.

Emil Brunner afirma explicitamente e aceita uma


implicação dessa posição, na qual outros tem se
perdido, ou não têm visto claramente, ou mesmo
tentado repudiar. Na visão mística intelectual as
distinções são inadequadas e a lógica não pode
lidar com a vida, então segue-se que se Deus pode
falar ao homem, a revelação pode consistir em
falsas proposições. As sentenças na Bíblia podem
ser tanto revelatórias como falsas. De fato, Brunner
poderia ter concluído que toda revelação
proposicional deve ser falsa, pois em todo Encontro
Divino-Humano ele diz que não apenas palavras,
mas o conteúdo intelectual em si é meramente um
quadro ou receptáculo, e não a coisa real. E há
cristãos professos que disseram publicamente que a
mente humana simplesmente não pode
compreender a verdade em tudo.
Sobre o lado subjetivo do problema
epistemológico, essas objeções são claras. Quando
a unidade da verdade e da personalidade é tão
enfatizada ao ponto que se deve ser onisciente para
saber qualquer coisa, a teoria de toda a sua piedade
superficial é tão cética quando a de Hume. Mas
talvez a dificuldade sobre o lado subjetivo não é tão
óbvia, e requer uma maior explanação. É que essa
visão não fornece uma definição da verdade.
Naturalmente, se nada é claro e tudo está nublado,
o significado da verdade é igualmente obscuro. Não
só é impossível distinguir entre uma montanha e
uma nuvem, pois só em virtude das percepções
claras e distintas em um dia ensolarado pode-se
crer que há uma montanha entre aquelas nuvens
obscuras, mas o que é pior, a mente humana
não sabe o significado de 'montanha' e 'nuvem',
'verdade' e 'falsidade '. Esses significados também
devem ser itens claros e distintos do conhecimento
puro que a teoria torna impossível. Isso pode
explicar o apelo aos paradoxos ininteligíveis,
vestígios silenciosos ou analogias voláteis.

Há uma terceira visão sobre a verdade que tenta


escapar destas dificuldades. Ela poderia ser
chamada de apriorismo, pressuposicionalismo, ou
intelectualismo, se esses termos não estiverem tão
definitivamente ligados à antigos sistemas
específicos. O aspecto subjetivo dessa teoria requer
um corpo de formas a priori ou verdades como uma
garantia contra o ceticismo. No empirismo a mente
começa como uma folha de papel em branco, e para
usar a frase de Aristóteles, na verdade, não é nada
antes de pensar. Então a sensação fornece os dados.
Mas os aprioristas encontram-se incapazes de
compreender como a verdade universal e imutável
pode ser construída fora de constantes mudanças
particulares. Como podem as leis da lógica, as
quais não são dados sensoriais, podem ser
construídas a partir de pedaços da experiência
quando esses pedaços devem primeiramente
estarem ligados pelas leis da lógica? Como os
supostos dados podem ter algum significado além
das formas lógicas pressupostas? A classificação de
dados, ou até mesmo de um único dado, pode ser
feita legitimamente apenas através do uso de
princípios universais não contidos em detalhes
momentâneos.
Um cristão que adota essa visão não descobre que
carece de apoio bíblico. A doutrina reformada da
'imagem de Deus' no homem atribui à mente ou
alma humana características oriundas diretamente
do ato da criação e não da experiência sensorial. A
dotação original do homem continha
conhecimento e justiça. As Escrituras não
descrevem a alma, antes ou depois da queda, como
sendo branca ou efetivamente nada. Este
conhecimento original é tão erradicável que até
mesmo quando um pecador depravado deseja
expulsar Deus da sua mente ele não pode fazê-
lo, mas mantém algum reconhecimento da sua
majestade divina e da lei moral escrita em seu
coração.

É assim que o apriorismo evita o dilema da


onisciência ou do ceticismo. Em vez de começar
com o nada ou falhar em chegar a proposições
universais através das sensações, e em vez de
começar com qualquer coisa e falhar em explicar
nossa presente e extensiva ignorância, o apriorismo
segue um corpo de princípios primários sobre o
qual o conhecimento pode ser construído.

No lado objetivo do problema também, o


apriorismo ou intelectualismo parece oferecer
menos dificuldades do que as visões concorrentes.
A unidade da verdade é preservada sem sacrificar a
clareza e a distinção de várias verdades porque a
verdade é concebida como um sistema de verdades.
Enquanto uma pessoa pode saber essa ou aquela
proposição sem conhecer seu lugar no sistema, a
proposição em si é objetivamente parte de uma
lógica inteira. Deriva seu significa do sistema,
embora a pessoa em questão possa não saber a
derivação. Nesse ponto uma pequena exposição
encontra um obstáculo formidável. Pode-se
apressadamente assumir que quando duas pessoas
escrevem ou falam sobra as mesmas palavras elas
expressam as mesmas proposições. Isso nem
sempre é assim, e depois de um longo e confuso
intercâmbio filosófico parece nunca ser assim. De
qualquer maneira, certos termos e sentenças que
são verbalmente idênticos, na geometria
riemanniana e euclidiana por exemplo, não
expressam a mesma verdade. Sua mensagem
depende dos sistemas dos quais eles são tomados.
O resultado pode ser uma confusão subjetiva, mas
objetivamente a unidade e a diversidade da verdade
são mantidas.

A distinção entre o aspecto subjetivo e objetivo da


questão também permite ao cristão apriorista fazer
justiça aos efeitos noéticos do pecado. Na filosofia
do paradoxo o conhecimento é tão condicionado
pela mente humana que o resultado nunca pode ser
puro ou verdadeiro. Se Deus fala a nós, o que nós
ouvimos deve ser falso. Nessa terceira visão, a
verdade objetiva de uma proposição não é afetada
pelo pecado. O pecado e a sua culpa se atribuídos
às pessoas, não às proposições. O poder e o
resultado do pecado é encontrado na confusão
subjetiva da discussão filosófica, em alguns
pensamentos, não em todas as instancias de
ignorância, em todos os erros de lógica, e no uso
moral e prático comum no qual as proposições são
colocadas. Parece que essas esferas são suficientes
para os efeitos noéticos do pecado; mas se alguma
coisa foi omitida, não pode ser a verdade das
próprias proposições -sob a pena de negar a
verdade clara e distinta de que o pecado tem efeitos
noéticos.

Em conclusão, a visão empírica do conhecimento


parece envolver o ceticismo. O misticismo tenta
combinar onisciência, ignorância, paradoxo e uma
falsa revelação. E o Intelectualismo, embora
requeira mais elaboração antes que possa desfrutar
de uma segurança, espera escapar destas
armadilhas.
Deus e a Lógica
por Gordon H. Clark

Tradução: Mateus Alves da Mota1

Ao pensar sobre Deus, os Calvinistas quase que


imediatamente repetem o Catecismo Menor e
afirmam: “Deus é um espírito, infinito, eterno e
imutável”. Talvez não paremos para clarificar
nossas idéias sobre “espírito”, mas nos apressamos
para os atributos de “sabedoria, santidade, justiça,
bondade e verdade”. Mas pare: Espírito, Sabedoria,
Verdade. O Salmo 31:5 refere-se a Deus como
“SENHOR, Deus da verdade”. João 17:3 diz: “E a
vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único
Deus verdadeiro”. 1 João 5:6 diz: “o Espírito é a
verdade”. Versículos como esses indicam que Deus
é racional, um ser pensante, cujos pensamentos
exibem a estrutura da lógica aristotélica.
Se alguém objeta à lógica aristotélica neste sentido
- e presumivelmente ele não deseja substituí-la pela
lógica simbólica de Boolean-Russel - que ele
pergunte e responda se é verdade para Deus que se
todos os cachorros têm dentes, alguns cachorros,
speniels, têm dentes? Aqueles que contrastam esta
“lógica meramente humana” com a lógica divina
querem mesmo dizer que para Deus todos os
cachorros podem ter dentes enquanto os speniels
não o possam ter? Similarmente, agora com a
aritmética “meramente humana”: Dois mais dois é
igual a quatro para o homem, mas acaso seria onze
para Deus? Desde o momento em que Bernardo
desconfiou de Abelardo, tem sido uma marca de
piedade, em alguns círculos, menosprezar a “razão
meramente humana”; e no presente tempo, autores
neo-ortodoxos existencialistas objetam a
inferências “estritas” e insistem que a fé deve
“controlar” a lógica. Assim eles não apenas se
recusam a fazer da lógica um axioma, mas se dão
ao direito de repudiá-la. Em oposição a esta última
visão, o argumento seguinte continuará a insistir na
necessidade da lógica; e no que diz respeito à
opinião segundo a qual as Escrituras não podem ser
axiomáticas porque a lógica o deve ser, será
necessário explicar em maior detalhe o significado
da revelação das Escrituras.

Agora, visto que, neste contexto, a revelação verbal


é uma proveniente de Deus, a discussão terá início
com a relação entre ele e a lógica. Posteriormente
tratar-se-á da conexão entre esta e as Escrituras. E,
finalmente, o debate se voltará àquela enquanto
existente no próprio homem.

Lógica e Deus

Será melhor começarmos chamando a atenção para


algumas das características que as Escrituras
atribuem a Deus. Não há nada de espantoso na
consideração que diz ser Deus onisciente. Trata-se
de um lugar comum na teologia cristã. Mas, além
disso, ele é eternamente onisciente. Ele não
aprendeu seu conhecimento. E visto que existe per
se, independente de qualquer coisa, serve a Si
mesmo como fonte de Seu conhecimento. Essa
idéia importante tem uma história.

Ao início da era Cristã, Filo, o sábio judeu de


Alexandria, fez um ajuste à filosofia de Platão a
fim de conformá-la à teologia do Antigo
Testamento. Platão baseou seu sistema em três
princípios originais e independentes: o Mundo das
Idéias, o Demiurgo, e o espaço caótico. Embora
ambos fossem igualmente eternos e independentes
entre si, o Demiurgo moldou o espaço caótico neste
mundo visível usando as Idéias como modelo.
Assim, em Platão o Mundo das Idéias não é apenas
independente, mas mesmo superior, em um sentido,
ao criador dos Céus e da Terra. Este está
moralmente obrigado, e de fato se submete
voluntariamente às Idéias de justiça, homem,
igualdade e número.

Filo, todavia, diz: “Deus tem sido categorizado de


acordo com o um e a unidade; ou antes, até mesmo
a unidade tem sido categorizada de acordo com o
único Deus, pois todo número, como o tempo, é
mais jovem que o cosmos, enquanto Deus é mais
velho que este e o seu criador”. Isso significa que
Deus é a fonte e o determinador de toda a verdade.
De maneira geral, os cristãos, mesmo aqueles não
instruídos, entendem que a água, o leite, o álcool e
a gasolina congelam em temperaturas diferentes
porque Deus os criou dessa forma. Ele poderia ter
feito um fluído tóxico congelar à temperatura de
zero Fahrenheit, bem como o produto da vaca à de
quarenta. Mas Ele decidiu de outra forma. Portanto,
por trás do ato da criação existe um decreto eterno.
Foi propósito de Deus que houvesse tais líquidos, e,
assim, podemos dizer que as particularidades da
natureza foram determinadas antes de sua própria
existência.

Similarmente, em todas as outras variedades da


verdade, Deus deve ser considerado soberano. É
seu decreto que estabelece uma proposição como
sendo verdadeira e outra falsa. Quer seja ela física,
psicológica, moral ou teológica, é Deus quem a fez
dessa forma. Uma proposição é verdadeira porque
Ele a pensou dessa forma.

Talvez a fim de se obter ainda mais certeza, um


exemplo provindo de documentação das Escrituras
possa ser apropriado. O Salmo 147:5 diz: “Grande
é o nosso SENHOR e de grande poder; o seu
entendimento é infinito” (RC). Se não podemos
concluir estritamente a partir desse versículo que o
poder de Deus é a origem de seu entendimento, ao
menos não há dúvida de que sua onisciência é
afirmada. 1 Samuel 2: 3 diz: “O SENHOR é o Deus
da sabedoria”. Efésios 1: 8 fala da sabedoria e
prudência dele. Em Romanos 16: 27 temos a frase:
“Deus único e sábio”, e em 1 Timóteo 1:17 a frase
similar: “o sábio e único Deus” (versão do autor).
Outras referências e uma excelente exposição delas
podem ser encontradas em Stephen Charnock, The
Existence and Attributes of God (A Existência e os
Atributos de Deus), capítulos VII e IX. Desse
distinto autor algumas poucas linhas serão incluídas
aqui.

Deus conhece a si mesmo, pois seu


conhecimento e vontade são a causa de todas as
outras coisas; ... Ele é a primeira verdade, e,
portanto, é o primeiro objeto de seu
entendimento. ... Como ele é todo
conhecimento, assim é que tem em si mesmo o
mais perfeito objeto do conhecimento. ... Nada é
tão inteligível a Deus como ele a si próprio...
pois seu entendimento é sua essência, ele
mesmo. Deus conhece seu próprio decreto e
vontade e, portanto, deve conhecer todas as
coisas. ... Ele deve saber aquilo que decretou
que há de acontecer. ... Ele o deve saber, pois
desejou sua ocorrência ... portanto, ele conhece
seus decretos porque sabe aquilo que desejou. O
conhecimento de Deus não pode se erigir das
coisas em si mesmas, pois então a apreensão
delas teria uma causa distinta dele... Assim
como Deus vê as coisas possíveis sob a ótica de
seu próprio poder, assim também vê aquelas que
são futuras, sob a ótica de sua vontade.

Uma grande quantidade do material de Chernock


tem como propósito listar aquilo que é objeto do
conhecimento de Deus. Aqui, todavia, as citações
foram feitas com o propósito de estabelecer que o
conhecimento dele depende apenas de sua vontade
e de nada que lhe seja externo. Assim, podemos
repetir, com Filo, que ele não deve ser colocado
como sujeito à idéia de unidade, ou bondade, ou
verdade; mas antes, a unidade, bondade e verdade é
que devem ser colocadas sob o decreto de Deus.

A lógica é Deus

Espera-se que esses pensamentos sobre a relação de


Deus e a verdade sejam pertinentes à discussão da
lógica. De qualquer maneira, o assunto que lida
com ela pode ser introduzido mais claramente por
meio de uma referência a mais um texto das
Escrituras. O bem conhecido prólogo do evangelho
de João pode ser assim parafraseado: “No princípio
era a Lógica, e a Lógica estava com Deus, e a
Lógica era Deus... Na lógica estava a vida e a vida
era a luz dos homens”.

Esta paráfrase, de fato, esta tradução, pode não


apenas soar de forma estranha a ouvidos devotos,
mas também de maneira atrevida e ofensiva. Mas o
choque traduz apenas a distância que uma pessoa
devota guarda da linguagem e do pensamento do
grego do Novo Testamento. Por que é ofensivo
chamar Cristo de Lógica, quando não o insulta o
chamá-lo de Palavra, é algo difícil de explicar. Mas
esse é o caso frequentemente. Mesmo Agostinho,
por insistir em que Deus é a verdade, foi sujeito à
acusação antiintelectualista de “reduzir” Deus a
uma proposição. De qualquer forma, o forte
intelectualismo da palavra Logos é visto em suas
variadas formas possíveis de tradução: inteligência,
computação, contabilidade (financeira), estima,
proporção e razão (matemática), explicação, teoria
ou argumento, princípio ou lei, razão, fórmula,
debate, narrativa, discurso, deliberação, discussão,
oráculo, sentença, e sabedoria.

Qualquer tradução de João 1:1 que obscureça esta


ênfase sobre a mente ou razão é uma má tradução.
E se qualquer um contesta dizendo que a idéia de
ratio ou debate obscurece a personalidade da
segunda pessoa da Trindade, deve então alterar seu
próprio conceito de personalidade. No princípio,
portanto, era a Lógica.
Que a Lógica é a luz dos homens é uma proposição
que bem poderia introduzir a seção após a próxima,
sobre a relação entre a lógica e o homem. Mas o
pensamento de que a Lógica é o próprio Deus nos
levará à conclusão da presente seção. Não apenas
os seguidores de Bernardo abrigavam suspeitas
sobre a lógica, mas os teólogos sistemáticos
modernos são ainda mais cautelosos sobre qualquer
proposta que possa fazer um princípio abstrato
superior a Deus. O presente argumento, em
consonância com Filo e Chernock, não pretende
fazer isso. A lei da contradição não deve ser
tomada como um axioma anterior ou independente
de Deus. A lei é Deus pensando.

Por esta razão, da mesma forma, a lei da


contradição não é subseqüente a Deus. Se alguém
dissesse que a lógica é dependente do pensamento
dele, tratar-se-ia apenas de uma dependência no
sentido de que ela constitui a própria maneira dele
pensar. Ela não é subseqüente no tempo, pois ele é
eterno e nunca houve um momento em que tenha
existido sem pensar logicamente. Não se deve
supor que sua vontade existiu como uma substância
inerte antes dele desejar pensar.

Assim como não há prioridade temporal, não existe


também antecedência lógica ou analítica. Não
somente a Lógica estava no princípio, mas a Lógica
era Deus. Se esta tradução não usual do prólogo de
João ainda incomoda alguém, ele poderia, ainda
assim, concordar que Deus é Seu próprio
pensamento. Ele não é um substrato passivo ou
potencial; é realidade ou atividade. Esta é a
terminologia filosófica para expressar a idéia
bíblica de que Deus é um Deus vivo. Segue-se que
a lógica deve ser considerada como a atividade da
vontade de Deus.

Embora a teologia de Aristóteles não seja melhor,


talvez seja até mesmo pior, que sua epistemologia,
ele usou uma frase para descrever Deus que, com
uma leve alteração, pode provar ser útil. Ele o
definiu como “pensamento-pensando-pensamento”.
Aristóteles desenvolveu o significado dessa
expressão de maneira a negar a onisciência divina.
Mas se nos está nítido que o pensamento cujo
pensamento pensa inclui pensamento sobre um
mundo a ser criado - em Aristóteles, Deus não tem
conhecimento de coisas inferiores a si mesmo - a
definição aristotélica de Deus como “pensamento-
pensando-pensamento” pode nos ajudar a entender
que a lógica, a lei da contradição, não é nem
anterior nem subseqüente à atividade de Deus.

Tal conclusão pode incomodar alguns pensadores


analíticos. Eles podem tentar separar a lógica e
Deus. Ao fazer isso, reclamariam dizendo que a
presente construção absorve dois axiomas em um.
E se são dois, um deve ser anterior; em tal caso
deveríamos aceitar ou a Deus sem a lógica, ou a
está sem aquele; e o outro a seguir. Mas essa não é
a proposição aqui estabelecida. Deus e a lógica são
um e o mesmo princípio, pois João escreveu que a
Lógica era Deus. Por hora esse tanto de informação
deve ser suficiente para indicar a relação de Deus
com a lógica. Passemos agora àquilo que, no início,
parecia ser a questão mais pertinente em relação à
lógica e as Escrituras.
A lógica e as Escrituras

Há um pequeno mal entendido que pode ser


facilmente posto de lado antes da discussão sobre a
relação da lógica com as Escrituras. Alguém com
um senso de história bastante vivo poderia se
perguntar o porquê das Escrituras e a revelação
serem igualadas, quando a fala direta de Deus a
Moisés, Samuel, e os profetas é muito mais
claramente revelação.

Esta observação se torna possível simplesmente por


causa de uma redução prévia. É claro que a fala de
Deus para Moisés consistiu em revelação, de fato,
revelação par excellence, se assim se preferir. Mas
nós não somos Moisés. Portanto, se o problema é
explicar como nós podemos saber em nossos dias,
ninguém pode se utilizar da experiência pessoal de
Moisés. Hoje nós temos as Escrituras. Como diz a
Confissão de Fé de Westminster: “... foi o Senhor
servido... revelar-se e à sua vontade... e, depois, foi
igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna
a Escritura Sagrada indispensável, tendo cessado
aqueles antigos modos de Deus revelar a sua
vontade a seu povo”. O que Deus disse a Moisés
está registrado na Bíblia; as palavras são idênticas;
a revelação é a mesma.

Nisto pode ser antecipada a relação entre a lógica e


a Escritura Sagrada. Em primeiro lugar, a Escritura,
as palavras escritas da Bíblia, é a mente de Deus. O
que é dito nas Escrituras é o pensamento de Deus.
Nas polêmicas religiosas contemporâneas, a visão
bíblica da Bíblia, a posição histórica da Reforma,
ou - o que dá na mesma - a doutrina da inspiração
plenária e verbal, é castigada como sendo
bibliolatria. Os liberais acusam os luteranos e os
calvinistas de adorarem um livro em vez de Deus.
Aparentemente, eles pensam que nós dobramos os
joelhos à Bíblia sobre o púlpito, e nos ridicularizam
por beijarmos o anel de um papa de papel.

Esta caricatura se origina de um giro materialista da


mente; um materialismo que pode não ser aparente
em outras discussões, mas que vem à tona quando
eles direcionam o seu fogo contra o
fundamentalismo. Eles pensam que a Bíblia é um
livro material, que contem papel, e uma capa de
couro. Que o seu conteúdo é o próprio pensamento
de Deus, expresso em Suas próprias palavras, é
uma posição em relação à qual eles são tão
antagonistas que não podem nem mesmo admitir
que esta seja a posição de um fundamentalista.

Não obstante, mantemos que a Escritura Sagrada


expressa a mente de Deus. Conceitualmente é a
mente dEle, ou, mais precisamente, uma parte dela.
Por tal razão o apóstolo Paulo, referindo-se à
revelação dada a ele, e de fato dada aos coríntios
por meio dele, é capaz de dizer: “Nós temos a
mente de Cristo”. Também em Filipenses 2:5 ele os
exorta: “Tende em vós aquele sentimento que
houve também em Cristo Jesus”. Tem o mesmo
propósito sua modesta declaração em 1 Coríntios 7:
40: “e eu penso que também tenho o Espírito de
Deus”.

A Bíblia, por conseguinte, é a mente ou o


pensamento de Deus. Não é um fetiche físico,
como um crucifixo. E eu duvido que possa ter
existido um fundamentalista ignorante o suficiente
para orar a um livro preto com margem vermelha.
Similarmente, a acusação de que a Bíblia é um
papa de papel perde o ponto pela mesma razão. As
Escrituras consistem de pensamentos, não papel; e
tais pensamentos são aqueles do Deus onisciente e
infalível, não os de Inocêncio III.

Sobre esta base, qual seja, que a Escritura é a mente


de Deus, sua relação com a lógica pode ser
facilmente clareada. Como é de se esperar, se Deus
falou, o fez logicamente. As Escrituras, portanto,
deveriam exibir e, de fato, exibem organização
lógica.
Por exemplo, Romanos 4: 2 é um silogismo
hipotético entimemático destrutivo. Romanos 5:13
é um silogismo hipotético construtivo. 1 Coríntios é
um sorites. Obviamente, exemplos de formas
lógicas padrão tais como esses poderiam ser
listados abundantemente.

É claro que há, na Bíblia, muitas passagens que não


são silogísticas. As seções históricas são em grande
parte narrativas. Ainda assim, toda sentença
declarativa é uma unidade lógica. Essas sentenças
são verdadeiras; como tal, são objetos do
conhecimento. Cada uma delas tem, ou talvez
deveríamos dizer, cada uma delas é um predicado
ligado a um sujeito. Apenas dessa maneira podem
elas mostrar significado.

Mesmo em palavras isoladas, mais claramente


observadas nos casos de nomes e verbos, a lógica
está impregnada. Se as Escrituras dizem: “Davi foi
rei de Israel”, não significa que ele foi rei da
Babilônia; e, certamente, não quer dizer que
Churchill foi Primeiro Ministro da China. Equivale
a dizer, as palavras Davi, Rei, e Israel têm um
significado próprio.

A velha calúnia de que a Bíblia é um bico de cera e


que a interpretação é infinitamente elástica é
claramente errada. Se não existissem limites à
interpretação, poderiamos interpretar a própria
calúnia como uma aceitação da inspiração verbal e
plenária. Mas visto que ela não pode ser assim
interpretada, assim também não pode o nascimento
virginal ser entendido como um mito, nem a
ressurreição como símbolo da primavera. Sem
dúvida que há algumas coisas difíceis de ser
entendidas as quais os ignorantes distorcem para
sua própria destruição, mas elas não são maiores do
que as que encontramos em Aristóteles e Plotinos, e
contra esses filósofos não são dirigidas tais
calúnias. Além do mais, apenas algumas coisas são
difíceis. A despeito disso tudo, os Protestantes têm
insistido na perspicuidade (clareza) das Escrituras.

Nem precisamos perder tempo repetindo a


explicação de Aristóteles em relação a palavras
ambíguas. O fato de que uma palavra precisa
significar uma coisa e não o seu contraditório é a
evidência da lei da contradição em toda linguagem
racional.

A exibição da lógica fixada na Escritura explica por


que esta, em vez da lei da contradição, é
selecionada como o axioma. Se assumíssemos
meramente a lei da contradição, não seriamos
melhores do que Kant foi. Sua noção de que o
conhecimento requer categorias a priori merece
grande respeito. De uma vez por todas, de uma
maneira positiva - o complemento do modo
negativo e não intencional de Hume - Kant
demonstrou a necessidade de axiomas,
pressuposições, ou equipamentos a priori. Mas este
sine qua non não é suficiente. Portanto, a lei da
contradição como tal e em si mesma não é tomada
como o axioma desse argumento.

Por uma razão similar, Deus, enquanto distinto das


Escrituras, não é considerado o axioma desse
argumento. Sem dúvida, este desvio parecerá
estranho a muitos teólogos. Assim poderá ser
especialmente em razão da ênfase anterior sobre a
mente de Deus como a origem de toda a verdade.
Não deveria ser Ele o axioma? Por exemplo, o
primeiro artigo da Confissão de Augsburgo nos
mostra a doutrina de Deus, e a doutrina das
Escrituras é discutida nos próximos cinco. A
Confissão Belga assume a mesma forma. A
Confissão Escocesa de 1560 começa com Deus e
trata da Bíblia apenas no artigo dezenove. Os Trinta
e Nove Artigos começam com a Trindade, e a
Escritura Sagrada vem em seu artigo seis e
seguintes. Se Deus é soberano, parece bem razoável
colocá-Lo em primeiro lugar dentro do sistema.
Mas diversos outros credos, e, especialmente, a
Confissão de Fé de Westminster, coloca a doutrina
das Escrituras logo no início. A explicação é muito
simples: nosso conhecimento de Deus vem da
Bíblia. Podemos asseverar que toda proposição é
verdadeira porque Deus a pensa dessa forma, e
podemos acompanhar Charnock em todos os seus
grandes detalhes, mas o todo é fundado na Escritura
Sagrada. Suponha que assim não fosse. Então
“Deus”, como um axioma, à parte da Bíblia, é tão
somente um nome. Devemos especificar de qual
deus estamos tratando. O melhor sistema conhecido
é o de Spinoza. Para ele, todos os teoremas são
deduzidos do Deus sive Natura. Mas é a Natura que
identifica o deus de Spinoza. Diferentes deuses
poderiam ser tomados como axiomas de outro
sistema. Assim, o mais importante não é pressupor
Deus, mas definir a mente daquele que é
pressuposto. Portanto, a Escritura aqui é oferecida
como o axioma. Isto nos dá certeza e conteúdo, sem
o que axiomas são inúteis.
Dessa forma é que Deus, a Bíblia, e a lógica estão
atadas. Os pietistas não deveriam contestar dizendo
que a ênfase sobre a lógica é uma deificação de
uma abstração, ou da razão humana divorciada de
Deus. O destaque sobre a lógica está em estrito
acordo com o prólogo de João e nada mais é do que
o reconhecimento da natureza de Deus.

Não parece peculiar, nesse sentido, que um teólogo


possa ser tão fortemente ligado à doutrina da
expiação, ou um pietista à idéia da santificação,
que, não obstante, é explicada somente em algumas
partes da Escritura, e ainda assim ser hostil ou
suspeitar da racionalidade e da lógica, que são
exibidas em todos os versículos da Bíblia?

A Lógica no Homem
Com esse entendimento da mente de Deus, o
próximo passo é a criação do homem à imagem
dele. Os animais irracionais não foram criados à
imagem de Deus; mas ele soprou seu espírito sobre
a forma humana e Adão se tornou um tipo de alma
superior à dos animais.

Para ser preciso, não se deve falar da imagem de


Deus no homem. O homem não é algo no qual, em
algum lugar, a imagem de Deus pode ser
encontrada, juntamente com outras coisas. O
homem é a imagem. Isto, é claro, não se refere ao
seu corpo. O corpo é um instrumento ou ferramenta
que o homem usa. Ele, em si mesmo, é o sopro de
Deus, o espírito deste soprado no barro, a mente, o
ego pensante. Portanto, o homem é racional à
semelhança da racionalidade de Deus. Sua mente é
estruturada como a lógica aristotélica a descreve.
Por isso é que cremos que os speniels têm dentes.

Somados aos muito bem conhecidos versículos no


capítulo um, Gênesis 5:1 e 9:6 repetem tal idéia. 1
Coríntios 11: 7 diz: “o homem... é a imagem e
glória de Deus”. Ver também Colossenses 3:10 e
Tiago 3 9. Outros versículos, não tão
explicitamente, acrescentam detalhes à nossa
informação. Compare Hebreus 1:3; 2:6-8, e o
Salmo 8. Mas a consideração conclusiva é que por
toda a Bíblia como um todo o Deus racional dá ao
homem uma mensagem inteligível.

É estranho que qualquer um que pense ser cristão


deprecie a lógica. Tal pessoa, é claro, não deseja
depreciar a mente de Deus; mas ela pensa que a
lógica no homem é pecaminosa, até mesmo mais do
que outras partes afetadas por sua natureza caída.
Isso, todavia, não faz sentido. A lei da contradição
não pode ser pecaminosa. Muito pelo contrário, são
nossas violações dessa lei que são pecaminosas.
Ainda assim, as críticas que alguns devotos
escritores fazem à “mera lógica humana” são
incríveis. Pode tal estupidez piedosa realmente
querer dizer que um silogismo que é válido para
nós é inválido para Deus? Se dois mais dois é
quatro em nossa aritmética, acaso Deus tem outra
aritmética diferente na qual dois mais dois seja três
ou cinco?

O fato que o Filho de Deus é a razão de Deus - pois


Cristo é a sabedoria de Deus, assim como o seu
poder - adicionado ao fato que a imagem no
homem é a assim chamada “razão humana”, é
suficiente para mostrar que essa “razão humana”
não é tão humana quanto o é divina.

É claro, as Escrituras dizem que os pensamentos de


Deus não são os nossos pensamentos e que seus
caminhos não são os nossos caminhos. Mas seria
uma boa exegese afirmar que sua lógica, sua
aritmética, e sua verdade não são as nossas? Se tal
fosse o caso, quais seriam as conseqüências?
Significaria que não apenas nossas adições e
subtrações seriam todas falsas, mas também todos
os nossos pensamentos. Se, por exemplo,
pensarmos que Davi foi rei de Israel, e que os
pensamentos de Deus não são os nossos, então
segue que Deus não pensa que Davi foi rei de
Israel. Na mente de Deus, possivelmente ele era o
Primeiro Ministro da Babilônia.

A fim de evitar esse irracionalismo, que, é óbvio,


não passa de uma negação da imagem divina,
devemos insistir que a verdade é a mesma para o
homem e para Deus. Naturalmente, podemos não
saber a verdade sobre certos assuntos. Mas se
sabemos de algo de qualquer forma, o que sabemos
deve ser idêntico ao que Deus sabe. Deus sabe toda
a verdade, e a menos que saibamos algo que ele
saiba, nossas idéias são falsas. É absolutamente
essencial, portanto, insistir que existe uma área de
coincidência entre a mente de Deus e a nossa.
Lógica e Linguagem
Este ponto nos leva à questão central sobre a
linguagem. A linguagem não se desenvolveu a
partir das necessidades físicas da vida terrena, nem
foi seu propósito se restringir a elas. Deus deu a
Adão uma mente para entender a lei divina, e lhe
deu a linguagem a fim de capacitá-lo para falar com
Deus. Desde o princípio, a linguagem foi
pretendida para a adoração. Em Te Deum,2 por
meio da linguagem, e a despeito do fato de ser
cantada em música, prestamos “cumprimentos
metafísicos” a Deus. O debate sobre a
adequabilidade da linguagem para expressar a
verdade de Deus é uma falsa questão. Palavras são
meramente símbolos ou sinais. Qualquer sinal
poderia ser adequado. O verdadeiro ponto é: Tem o
homem a idéia a ser simbolizada? Se ele pode
pensar sobre Deus, então pode usar o som Deus,
God, Theos, ou Elohim. As palavras não fazem
diferença; o sinal é ipso facto literal e adequado.

A visão cristã é que Deus criou Adão como uma


mente racional. A estrutura da mente de Adão era a
mesma de Deus. Deus pensa que afirmar o
conseqüente é uma falácia; e a mente de Adão foi
formada em sujeição aos princípios da identidade e
da contradição. Esta visão cristã de Deus, do
homem, e da linguagem não se ajusta a nenhum
tipo de filosofia empírica. Trata-se, ao contrário, de
um tipo de racionalismo a priori. A mente do
homem não é inicialmente um vazio. Ela é
estruturada. De fato, vazio desestruturado não é, de
qualquer modo, uma mente. Nem poderia alguma
folha de papel em branco extrair qualquer lei
universal de lógica a partir da experiência finita.
Nenhuma proposição universal e necessária pode
ser deduzida por meio da observação sensorial.
Universalidade e necessidade podem ser tão
somente a priori.

Isso não equivale a dizer que toda verdade pode ser


deduzida a partir da lógica apenas. Os racionalistas
do século dezessete deram a si mesmos uma tarefa
impossível. Mesmo se o argumento ontológico for
válido, é impossível deduzir Cur Deus Homo,3 a
Trindade, ou a ressurreição final. Os axiomas aos
quais as formas lógicas a priori devem ser aplicadas
são as proposições que Deus revelou a Adão e
posteriormente aos profetas.

Conclusão
A lógica é insubstituível. Não é uma tautologia
arbitrária, um sistema proveitoso entre tantos
outros. Vários sistemas de catálogo de livros e de
bibliotecas são possíveis, e diversos são igualmente
convenientes. Eles são todos arbitrários. História
pode ser designada por 800 tanto quanto por 500,
mas não há substituto para a lei da contradição. Se
cachorro é o equivalente de não-cachorro, e se
2=3=4, não apenas a zoologia e a matemática
desaparecem, Victor Hugo e Johann Wolfgang
Goethe também desaparecem. Esses dois homens
são exemplos particularmente apropriados, pois
eles são ambos, e especialmente Goethe,
romancistas. Mesmo assim, sem a lógica, Goethe
não poderia ter atacado a lógica do evangelho de
João (I, 1224-1237).

Geschrieben steht: “Im anfang war das Wort!”


Hier stock ich schin! Wer hilft mir weiter fort?
Mir hilft der Geist! Auf einmal seh' ich Rath
Und scheib' getrost: “Im anfang war die That!”*

Mas Goethe pode expressar sua rejeição do Logos


divino de João 1: 1, e também a sua aceitação da
experiência romântica, apenas por meio do uso da
Lógica que ele despreza.

Para repetir, mesmo que seja cansativo: a lógica é


fixa, universal, necessária, e insubstituível. A
irracionalidade contradiz o ensino bíblico do início
ao fim. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é
insano. Ele é um ser racional, a arquitetura de cuja
mente é a lógica.

Fonte: Logic, Gordon H. Clark, Trinity Foundation,


p. 112-125.

Notas
1 Traduzido em Novembro/2006.

2 Nota do tradutor: Hino litúrgico atribuído a Santo


Ambrósio e a Santo Agostinho, iniciado com as
palavras “Te Deum Laudamus” (A Ti, ó Deus,
louvamos). Segundo a tradição, este hino foi
improvisado na Catedral de Milão num arroubo de
fervor religioso desses santos.

*Está escrito: “No princípio era o Verbo!”


Aqui já estou paralisado! Quem pode me ajudar a ir
avante?
O espírito me ajuda! De repente vejo a resposta
E escrevo confidentemente: No princípio era a
Ação!” - Editor (John W. Robbins)

3 Nota do tradutor: Livro escrito por Anselmo de


Cantuária (1033-1109), cuja tradução seria “Por
que Deus se fez Homem?”.
O Logos

Por Gordon Haddon Clark

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

Nota do Editor: O dr. Gordon Clark deu essa


palestra intitulada “O Logos” aos professores da
Chattanooga Christian School, em Chattanooga,
Tennessee, em 1984, o mesmo ano em que o seu
livro The Biblical Doctrine of Man foi publicado.

Pelo gracioso convite de vocês, estou aqui esta


manhã para palestrar, como sugerido a mim, sobre
o primeiro versículo do Evangelho de João, onde
Cristo é chamado de o Logos. Eu publiquei um
pequeno livro sobre The Johannine Logos [O
Logos Joanino], e se algo nesta breve palestra vos
interessar, vocês acharão uma exposição mais
completa nesse livro.

Estatísticas podem não ser o tipo mais interessante


de introdução, mas não enfada o cérebro nem
prejudica o intelecto saber que o Evangelho de João
usa o termo Logos quarenta vezes. O que é mais
surpreendente, na verdade desconcertante, é que o
termo grego logos pode ser traduzido por quarenta
palavras diferentes em inglês. O grande léxico de
Liddell e Scott tem mais de cinco colunas, cada
uma com noventa linhas, com seus vários
significados. A palavra word [palavra] dificilmente
é a tradução correta. Liddell e Scott dizem
explicitamente que logos “raramente significa uma
única palavra” (página 1058, coluna 2).

A razão das nossas Bíblias traduzirem logos como


word [palavra] é que Jerônimo, um monge do
século V, traduziu-a incorretamente como verbum.
A Vulgata de Jerônimo, como é chamada, tornou-se
a Bíblia oficial da Igreja Católica Romana, e os
textos que Jerônimo usou têm se tornado a base das
versões liberais contemporâneas. O termo latim
Verbum tornou-se Word [Palavra] em inglês,
embora eu não saiba o motivo de não ter se tornado
verb [verbo], como acontece numa nova versão
católica francesa, La Bible de Jerusalem. De
qualquer forma, Logos dificilmente significa uma
única palavra. Mas ela tem quarenta ou mais
significados.

Eu não listei todos os significados, nem lerei minha


lista abreviada. Apenas veja-a daí dos seus bancos
mesmo:

computação, cálculo, relatos, medidas, soma,


total, estima, consideração, valor, reputação,
relação, forma, relação, proporção, regra,
pretexto, raciocínio, razão, caso (em direito),
teoria, argumento, princípio, lei, tese, hipótese,
fórmula, definição, debate, reflexão, narrativa,
história, discurso, oração, frase, mensagem,
tradição, diálogo, oráculo, provérbio,
linguagem, sentença e a Sabedoria de Deus.

O interesse particular no Logos como usado no


primeiro versículo de João deriva-se de seu pano de
fundo filosófico. Heráclito, um filósofo grego de
aproximadamente 500 a.C., usou o termo para
designar a Suprema Inteligência que governa o
universo. Nem Platão nem Aristóteles tinham uma
doutrina do Logos, mas os estóicos, a mais
vigorosa de todas as escolas de 300 a.C. a 200 a.C.,
adotaram a visão de Heráclito. Então Filo, um
judeu contemporâneo de Cristo, usou a doutrina
estóica do Logos para interpretar o Antigo
Testamento. Alguns cristãos no terceiro século, e
alguns outros no século XIX, pensavam que Filo
tinha antecipado a doutrina da Trindade. Isso estava
longe da intenção de Filo, embora ninguém possa
negar que ele influenciou a igreja primitiva nessa
direção.

Em adição aos estóicos gregos e ao judeu Filo, há


outra fonte que parece ter influenciado João ainda
mais diretamente. Numa data desconhecida,
possivelmente no começo do segundo século, um
autor desconhecido escreveu um tratado chamado
Poimander. Esse se tornou o primeiro de uma série
de dezoito que foram reunidos e publicados, talvez
no quarto século, sob o nome Hermes Trismegistus.
A obra completa era suposta ser uma revelação do
deus egípcio Tehuti ou Thoth. Os tratados não são
consistentes entre si, e um ou mais deles parece ser
uma forma de Cristianismo. Agora, Poimander,
pelo qual Reizenstein tentou explicar a doutrina da
redenção de Paulo, traz uma semelhança
impressionante, ou melhor, uma não-semelhança
impressionante, com o Prólogo do Evangelho de
João. Poimander diz que o Logos não era no
princípio, o Logos não era Deus, nem todas as
coisas foram feitas por ele e, portanto, as trevas não
puderam compreendê-lo. O contraste é tão definido
que dificilmente alguém pode se refrear de concluir
que João escreveu seu Prólogo com o expresso
propósito de refutar Poimander.

Isso pode parecer conflitar com uma data do


segundo século para Poimander. Contudo, duas
considerações preservam a possibilidade. Primeiro,
os tratados foram escritos em diferentes épocas e
reunidos mais tarde. Segundo, mesmo que
Poimander não tenha sido escrito antes de 125 a.C.,
sua religião era mais antiga e poderia ter tido um
efeito nocivo sobre a evangelização do primeiro
século.

Hoje não estamos muito interessados na religião de


Poimander, mas deveriamos estar interessados em
Cristo como o Logos, a despeito do fato que
mesmo os membros de igrejas conservadores
reagem negativamente a isso.

Um relato da Pessoa de Cristo dificilmente poderia


começar mais apropriadamente do que com João
1:1. Ecoando a Septuaginta, João usa Gênesis 1:1,
“no princípio”. Não somente a divindade é
afirmada nessas palavras, mas João repete a idéia
no final do versículo: “O Logos era Deus”.

Os Testemunhas de Jeová tentam fugir da força


desse versículo. Eles traduzem-no, ou melhor,
corrompem a tradução, como “o logos era um
deus”. Dessa forma eles adotam o politeísmo. E
eles não conhecem as regras de Grego sobre o uso
do artigo, e afirmam equivocadamente que não
existe nenhum artigo indefinido no Grego. Mas
continuemos. Se João começa com a primeira
palavra do Antigo Testamento, a segunda palavra
do Antigo Testamento aparece no terceiro versículo
de João: O Logos criou todas as coisas.

Sem dúvida João não é o único apóstolo que nos


diz isso. Em Efésios 3:9 Paulo diz que “Deus criou
todas as coisas por meio de Jesus Cristo”. Então em
Colossenses 1:16-17 Paulo diz que Cristo criou
todas as coisas, e mais explicitamente que Cristo
“organizou o universo”. Deveria ler lembrado que
tapanta em grego, embora geralmente traduzido
como “todas as coisas”, é a descrição regular do
universo. Cristo, o Logos, a Divindade Inteligente,
organizou o universo.

A doutrina da criação, afirmando que o universo


não é um mecanismo eterno, mas uma construção
teleológica de Inteligência, precisa de grande
ênfase hoje, pois é amplamente negada nas escolas
públicas. Equações diferenciais sem propósito têm
substituído uma mente onipotente e onisciente. E
essa teologia não afeta apenas a questão da física.
Suas implicações são ainda mais facilmente vistas
em seus efeitos sobre a moralidade, estendendo-se
das pequenas às grandes cidades, cópias de Sodoma
e Gomorra. Contudo, antes de entrarmos nessas
questões derivadas, devemos continuar um pouco
com a teologia básica. O motivo é que teologia é
algo básico.

Associado com lógica, inteligência e mente está o


conceito de sabedoria. Antes de se congratular em 1
Coríntios 2:16, onde Paulo diz que ele tinha a
mente de Cristo, ele declarou que “Cristo é o poder
de Deus e a sabedoria de Deus” (1 Coríntios 1:24).
Judas 25 reconhece isso ao se referir a Jesus como
o “único Deus sábio, Salvador nosso”. Salmo
104:24 conecta sabedoria com criação ao afirmar:
“Ó SENHOR, quão variadas são as tuas obras!
Todas as coisas fizeste com sabedoria”. O assunto é
vasto. Uma palestra como essa pode dar apenas
umas poucas indicações dele. Por exemplo, Efésios
3:10 fala da “multiforme sabedoria de Deus”. Essa
sabedoria é Cristo, pois Paulo tinha acabado de
dizer (Efésios 1:8) que na obra redentora de Cristo,
Deus “abundou para conosco em toda a sabedoria e
prudência”.
Os gnósticos fizeram da sabedoria ou Sophia o éon
mais inferior na mente de Deus, e por seu pecado o
mundo inferior veio à existência. O Novo
Testamento menciona sophia ou sabedoria
cinqüenta e uma vezes, mas essa não é a Sophia dos
gnósticos. Tiago 1:5 nos admoesta que “se algum
de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus... e
ser-lhe-á dada”. Oramos freqüentemente por saúde,
e isso não é impróprio, mas com que freqüência
oramos por conhecimento e sabedoria?

Cristo é a sabedoria de Deus. Todavia, Cristo é algo


mais, algo mais básico e fundamental que a própria
sabedoria. O Novo Testamento usa a palavra
verdade 110 vezes, das quais 25 ocorrem no
Evangelho de João. Os eruditos Existencialistas ou
Neo-ortodoxos, tais como Barth e Brunner, e os
totalmente não-eruditos Pentecostais, unem-se no
compartilhamento de emoção e experiência
extática. Mas em nenhum lugar Cristo diz, “Eu sou
a emoção”. Muitos bons cristãos, na verdade todos
os bons cristãos, dizem que Deus é amor; e ele
realmente é. Mas se isso não fosse verdade, ele não
seria amor. A verdade é básica! Ouçam ao que o
apóstolo disse.

João 1:14: “A Palavra [Logos] era. cheia de graça e


de verdade”. Três versículos abaixo, “a graça e a
verdade vierem por Jesus Cristo”. O terceiro
capítulo de João, cujo 16° versículo é tão bem
conhecido, nos versículos 20-21 ensina que a
moralidade depende da verdade. Em sua profunda
conversa teológica com a mulher samaritana, que
tinha tido cinco maridos e estava vivendo com um
homem que não era o seu marido, Cristo insistiu
que uma pessoa deve adorar a Deus em espírito e
em verdade. Para alguns judeus crentes Jesus
prometeu “e conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará” (8:32). Mais tarde no mesmo capítulo,
negativamente, Jesus denuncia o diabo porque não
há verdade nele (8:44). Os dois próximos
versículos continuam a ênfase. Então há o bem-
conhecido versículo: “Eu sou o caminho, e a
verdade e a vida” (14:6); e alguém pode comentar
que se não é verdade que Cristo é o caminho, não
haveria nenhuma necessidade de falar dessa forma.
O Espírito Santo, algumas vezes chamado o
Espírito de Cristo, é três vezes chamado o Espírito
de verdade (João 14:17, 15:26, e 16:13) em
versículos que envolvem diretamente a doutrina da
Trindade. Cristo também diz que ele mesmo é
santificado por meio da verdade, assim como nós
somos santificados por meio da verdade (17:17,
19). Se qualquer cristão deseja crescer em
santidade, ele deve aprender mais a verdade. Os
versículos citados são em sua maioria versículos de
João que identificam Cristo como a Verdade.
Qualquer um interessado pode pesquisar o restante
dos 110 versículos no Novo Testamento e meditar
sobre a verdade deles.

Ninguém deveria ficar surpreso que o Logos — a


Lógica, a Razão, a Sabedoria, a Mensagem, a
Linguagem, a Reflexão de Deus — é a verdade. O
que é surpreendente e deprimente é o fato que as
igrejas chamadas evangélicas têm eliminado quase
totalmente o intelectualismo do seu pensamento. Se
não se tornaram Pentecostais estáticos, falando
algaravias carismáticas, e se não se tornaram
Existencialistas, que acham pouca ou nenhuma
verdade na Bíblia, eles repudiam a teologia em
favor de uma mente confortavelmente branca.
Permita-me perguntar-lhe: Quando você ouviu um
sermão sobre a Trindade pela última vez? Lembro-
me de uma vez em 1924 por Clarence Edward
Macartney, e outra realmente excelente por um
sacerdote católico-grego em 1979. Mas mesmo
referências à Trindade, para não dizer sermões
completos, têm sido poucas em número.
Referências a Cristo são freqüentes, mas
geralmente sem sentido. Muitas vezes evangelistas
têm enfatizado “um relacionamento pessoal com
Cristo”. Isso não faz nenhum sentido. Mesmo
Satanás tem um relacionamento pessoal com
Cristo. Ele odeia a Cristo; e odeia de uma forma
muito pessoal. O que as pessoas precisam é de uma
declaração do relacionamento pessoal apropriado
com Cristo, e que depende de quem Cristo é.
Alguém pode se simpatizar com pessoas humildes
de baixo QI, que não podem entender. Mas não
podemos senão censurar pessoas de alta
inteligência que recusam entender.

Uns poucos parágrafos atrás fiz menção da


moralidade. Deixe-me perguntar: Por que tantas
mulheres assassinam seus próprios bebês, ou pelo
menos pagam um assassino de aluguel para matar
ou quase matar o filho e jogar seu corpo triturado
numa lata de lixo? Por que a megera cruel mata o
seu próprio filho? Poucas pessoas dão a resposta
básica. Ela mata o seu filho porque rejeita a
doutrina da Trindade. Os Dez Mandamentos
proíbem o crime de assassinato. Mas porque
alguém deveria prestar atenção aos Dez
Mandamentos? A resposta a esse por que é
encontrada na introdução: “Eu sou o Senhor teu
Deus”. Se essa declaração não é verdade, então o
aborto, o abuso infantil, tortura, uso de drogas,
roubo e tudo o mais são questões de preferência
pessoal apenas. A questão básica não é o que é
certo ou errado, embora essa questão tenha um
status derivado. Mas a questão básica é: O que é a
verdade?

Por uns bons 1500 anos teólogos cristãos


descreveram a natureza humana como intelectual e
volitiva. Jonathan Edwards, por exemplo, escreveu
“Deus dotou a alma com duas principais
faculdades: a primeira, aquela pela qual somos
capazes de percepção e especulação, ou pela qual
discernimos e julgamos as coisas, é chamada de
entendimento. A outra, aquela pela qual a alma é de
certa forma inclinada com respeito às coisas que vê
e considera; a faculdade pela qual a alma
contempla as coisas... quer gostando, não
gostando... aprovando ou rejeitando. Essa faculdade
é chamada. inclinação, vontade. mente.
freqüentemente chamada coração.”

Os Luteranos também, pelo menos aqueles que,


como o Sínodo de Missouri, têm preservado esta
doutrina, prestam pouca ou nenhuma atenção às
emoções. Mesmo neste século decadente seu
notável teólogo, Pieper, em seu livro Christian
Dogmatics (páginas 519), bem brevemente, mas
duas vezes, declara a posição Luterana que a
imagem de Deus no homem consiste de intelecto e
vontade. Não há menção das emoções.

Essa ênfase sobre a vontade quase desapareceu


totalmente do que agora se passa como pregação
cristã. O Freudianismo substituiu-a com as
emoções. A maioria dos esquentadores-de-banco
não percebe que essa ênfase é um desenvolvimento
bem moderno. Se alguém voltar aos teólogos de
Westminster, a Calvino, ou mesmo Aquino, e
especialmente a Agostinho, descobrirá que a
natureza humana é regularmente dividida em
intelecto e vontade. O ponto é importante porque a
fé em Cristo não é uma emoção, mas uma volição.
Uma pessoa não sente por Cristo, mas decide-se
por Cristo. A Escritura diz e Jesus mesmo disse:
“Se não vos arrependerdes, todos de igual modo
perecereis” (Lucas 13:3). Observe mui
cuidadosamente que arrependimento é uma
mudança de mente. Sua raiz é a palavra noeo,
“pensar”. O substantivo nous é o intelecto. E fé,
pela qual uma pessoa é justificada, é uma crença,
um assentimento voluntário a uma proposição
entendida.

Pedindo o vosso perdão, e com uma pitada de


modéstia, posso fazer a observação que a The
Trinity Foundation completou a publicação do meu
livro The Biblical Doctrine of Man.

Mas hoje, em contraste com o Cristianismo do


passado, o emocionalismo Freudiano substituiu o
intelectualismo, e a volição parece ter sido
totalmente esquecida. Finney reduziu o
evangelismo a uma lavagem cerebral psicológica.
Um grupo evangelístico contemporâneo, mas não
eclesiástico, se orgulha de poder converter quase
qualquer pessoa em 20 minutos. Eles precisaram de
35 minutos na Inglaterra. Essa não era a atitude de
Jonathan Edwards, de Whitefield, de Calvino, de
Lutero, nem de Agostinho e Atanásio. Esses
homens enfatizavam a verdade e urgiam que as
pessoas cressem na verdade. Fé não é emoção. Fé é
entendimento intelectual com assentimento
volitivo.

Permita-me repetir e enfatizar que o Logos era


cheio de graça e verdade. Ele disse, conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará. Cristo foi
santificado, e se somos também, somos santificados
pela verdade.

Ó Deus da verdade, cuja Palavra


viva sustenta tudo o que respira, olha
para a tua criação, Senhor,
escravizada pelo pecado e morte.
Que o teu padrão seja estabelecido,
Senhor, a fim de que
nós que alegamos um nascimento
celestial, possamos
marchar contigo para destruir as
mentiras que atormentam a
Terra que geme.

Então Deus da verdade, por quem


anelamos, tu que ouves nossa oração,
faça a
tua batalha em nossos corações
E dizime a falsidade ali.

Fonte: http://www.trinityfoundation.org

Notas
1 Traduzido em setembro/2008.
Parte II: Teologia
Intelectualismo Bíblico

Por Gordon Haddon Clark

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

[...]

Toda tentativa de depreciar o conhecimento e a


lógica, quer a tentativa seja aquela dos liberais
contemporâneos ou aquela dos pietistas anti-
intelectuais, é claramente contraditória à Escritura.

A Escritura coloca uma ênfase notável sobre o


conhecimento. Em Efésios 1:17-18, o Apóstolo ora
para que “Deus... vos dê em seu conhecimento o
espírito de sabedoria e de revelação, tendo
iluminados os olhos do vosso entendimento”. 1
João 5:20 diz: “E sabemos que já o Filho de Deus é
vindo e nos deu entendimento para conhecermos o
que é verdadeiro”. O mesmo apóstolo registra as
palavras do nosso Senhor: “E a vida eterna é esta:
que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a
Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:3). 1
Coríntios 15:34 dá uma advertência contra a
ignorância: “Vigiai justamente e não pequeis;
porque alguns ainda não têm o conhecimento de
Deus”.

O Antigo Testamento também recomenda o


conhecimento. O propósito declarado de Provérbios
de Salomão é dar aos simples prudência e aos
jovens, conhecimento e bom siso. O temor do
Senhor é o princípio ou a parte principal do
conhecimento, mas os loucos desprezam a
sabedoria e a instrução. E há muitas outras
exortações ao conhecimento.

Para se referir a um assunto de interesse


contemporâneo ou para ilustrar como o
intelectualismo ou um respeito pelo conhecimento
confere conclusões práticas que contrastam
severamente com outros tipos de religião, podemos
observar que a unidade ecumênica aprovada pelo
Novo Testamento é uma unidade de doutrina e
conhecimento. Não há nenhum grande
mandamento para estabelecer uniões
organizacionais, mas lemos com alguma
freqüência: “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa
e que não haja entre vós divisões; antes, sejais
inteiramente unidos, na mesma disposição mental e
no mesmo parecer” (1 Coríntios 1:10 ARA). Ou,
novamente: “Completai a minha alegria, de modo
que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor,
sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento”
(Filipenses 2:2). Contrário à unidade recomendada
pela Escritura, o Concílio da Palavra, o Concílio
Nacional das Igrejas e várias outras propostas
contemplam as uniões denominacionais sem
qualquer concordância doutrinária significante. Isso
é consistente com o anti-intelectualismo deles, que
não deixa nenhum lugar para o Evangelho.

Em adição a esses grupos neo-ortodoxos, os


pietistas com suas reivindicações à instruções
individuais e revelações adicionais, e os escritores
de devocionais açucarados que amaldiçoam a
ortodoxia morta e o intelectualismo frio, também
exibem um mal entendimento fundamental do
Cristianismo quando traçam uma distinção rígida
entre a cabeça e o coração. A cabeça, para eles,
representa o conhecimento e a teologia árida; o
coração é todo o emocionalismo excitante do
evangelismo ignorante. Mas na Escritura não há
nenhum contraste entre coração e cabeça. A visão é
uma inovação estritamente moderna que conflita
com a psicologia bíblica e reflete uma noção
errônea da verdadeira religião. A depreciação do
entendimento, do conhecimento, da razão e da
lógica não somente estimula um ecumenismo vil,
mas também leva à sérios erros na teologia, erros
com respeito à natureza do homem, do pecado, e,
portanto, erros com respeito ao caminho da
salvação.

A religião, ou para falar mais claramente, a religião


cristã não é uma questão de emoções, pelo menos
não mais do que política e economia o são, mas
fundamentalmente uma aceitação de uma
mensagem infalível.

A aceitação dessa mensagem é oferecida como um


primeiro princípio, um axioma ou postulado sobre
o qual uma superestrutura do conhecimento pode
ser exaltada. A filosofia secular, com, bem como
sem, pressuposições, foi mostrada como sendo
impossível. Portanto, para colocar isso da maneira
mais modesta possível, o postulado da revelação
verbal é pelo menos uma tentativa digna.

Fonte: Uma introdução a Filosofia Cristã, Gordon


H. Clark, Ed. Monergismo.
Expiação

Por Gordon Haddon Clark

Traduçao: Felipe Sabino de Araújo Neto

Embora uma exegese longa dos versículos logo


acima não seja necessária para estabelecer a idéia
de substituição, a substituição não é a história toda.
Por um lado, nem todos os sacrifícios substitutivos
são penalidades. Quando um batedor substituto,
substituindo um jogador menos confiável, faz uma
rebatida de sacrifício, ele não está descartando
nenhuma penalidade previamente imposta sobre o
batedor regular.1 Num desastre de mina, onde as
condições são tais que somente um dos dois
homens pode sair vivo, um homem solteiro poderia
sacrificar sua vida pela a de um pai com vários
filhos. Isso é substituição, mas não penalidade. A
morte de Cristo, contudo, foi uma penalidade.
Na lista anterior de versículos, Gálatas 3:13
continha a idéia de penalidade. A maldição da lei é
a penalidade de morte que a lei infringe. Cristo se
tornou essa penalidade, ou tomou essa maldição,
para nós. Hebreus 9:28, reforçado por todas as
outras referências do Antigo Testamento, retrata
Cristo como oferecido a Deus em sacrifício,
levando os pecados de muitos. Essa epístola foi
escrita primariamente para os judeus. Não somente
o capítulo nove, mas uma grande parte dos outros
capítulos lembrava os judeus dos sacrifícios e
penalidades pelo pecado contidos no Antigo
Testamento: Certamente, ele tomou sobre si as
nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre
si; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e
pelas suas pisaduras fomos sarados.

Expiação significa o cancelamento de pecado,


purgá-lo, lavá-lo, cobri-lo (embora não no sentido
pejorativo contemporâneo). É comum falar de
expiar um crime pagando a penalidade. A palavra
inglesa expiate (expiar) aparentemente não ocorre
na versão King James, mas a Bíblia é cheia de
expressões descrevendo o purgar de pecados. Esses
são expiados, não se passando um tempo no
cárcere, mas pelo sangue derramado de Cristo.
Primeiro, alguns versículos descrevem as
antecipações do Antigo Testamento; segundo, o
Novo Testamento afirma a realidade antecipada.

Levítico 1:4: “E porá a mão sobre a cabeça do


holocausto, para que seja aceito a favor dele,
para a sua expiação”.

Levítico 1:4: ““Se o sacerdote ungido pecar para


escândalo do povo, oferecerá pelo seu pecado
um novilho sem defeito ao SENHOR, como
oferta pelo pecado. Trará o novilho à porta da
tenda da congregação, perante o SENHOR; porá
a mão sobre a cabeça do novilho e o imolará
perante o SENHOR”.

Levítico 17:11: “Porque a vida da carne está no


sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para
fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o
sangue que fará expiação em virtude da vida”.

João 1:29: “No dia seguinte, viu João a Jesus,


que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo!”.

Romanos 5:9: “Logo, muito mais agora, sendo


justificados pelo seu sangue, seremos por ele
salvos da ira”.

Hebreus 1:3: “Ele, que é o resplendor da glória


e a expressão exata do seu Ser, sustentando
todas as coisas pela palavra do seu poder, depois
de ter feito a purificação dos pecados, assentou-
se à direita da Majestade, nas alturas”.

Hebreus 9:26: “Ora, neste caso, seria necessário


que ele tivesse sofrido muitas vezes desde a
fundação do mundo; agora, porém, ao se
cumprirem os tempos, se manifestou uma vez
por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si
mesmo, o pecado”. (Compare 10:4-14).

1 João 1:7: “Se, porém, andarmos na luz, como


ele está na luz, mantemos comunhão uns com os
outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos
purifica de todo pecado”.
Apocalipse 7:14-15: “Respondi-lhe: meu
Senhor, tu o sabes. Ele, então, me disse: São
estes os que vêm da grande tribulação, lavaram
suas vestiduras e as alvejaram no sangue do
Cordeiro, razão por que se acham diante do
trono de Deus e o servem de dia e de noite no
seu santuário; e aquele que se assenta no trono
estenderá sobre eles o seu tabernáculo”.

A idéia de que, de certo modo ou outro, o pecado


de um homem é expiado, é tão claramente
declarada nesses versículos que dificilmente há
uma possibilidade de que outra linguagem possa
declará-la mais claramente; e não meramente “de
certo modo ou outro”, mas dum modo definitivo;
pois, para usar um exemplo, Hebreus 1:3 diz que
Cristo purgou nossos pecados. Foi sua obra, não as
nossas. Mas embora a idéia clássica seja tão clara,
pode ser observado que um ponto ou outro pode ter
escapado do leitor mais descuidado. A expiação
não é um melhoramento moral do pecador. Quando
nas questões humanas um homem expia seu pecado
ao passar um tempo no cárcere, isso não
necessariamente, nem mesmo usualmente, o faz um
homem melhor. O que o seu encarceramento faz é
livrá-lo de qualquer penalidade adicional.
Similarmente, quando Cristo pagou nossa
penalidade, fomos livres de qualquer penalidade
adicional. Se culpa significa obrigação de punição,
a expiação remove essa obrigação. Pagar a
penalidade pode ou não induzir ao melhoramento
moral; ela não remove a contaminação ou a
depravação; ela cancela a culpa - isso é tudo.

Embora a expiação seja uma idéia tão simples que


requeira pouca explicação, ela é uma das mais
importantes na pregação do evangelho aos
pecadores não salvos. Eles precisam saber que os
seus pecados podem ser perdoados, lavados, não
mais imputados a eles. Por conseguinte, mais umas
poucas palavras sobre o assunto podem lhe dar a
ênfase necessária.

Para colocá-la num estilo próprio de púlpito, o


texto poderia ser “Jesus tomou um pão, e,
abençoando-o, o partiu... a seguir, tomou o cálice...
e disse: Bebei dele todos... este cálice é a nova
aliança, derramado em favor de muitos, para
remissão de pecados”. Essas palavras, com
pequenas variações, ocorrem em Mateus 26:26;
Marcos 14:22; e Lucas 22:19.

Aqui Cristo chama seu sangue de uma aliança,


trazendo assim o foco para o que o Antigo
Testamento tinha ensinado sobre aliança. É difícil
se prender estreitamente a um assunto, pois toda a
Escritura é entrelaçada, e uma passagem precisa da
explicação de outra. Não somente uma pessoa pode
se referir ao Antigo Testamento aqui, mas pode
também se referir a tudo o que a epístola aos
Hebreus diz sobre a aliança. Sem menosprezar o
ministério de ensino de Cristo, essa instituição da
Ceia do Senhor indica que por todas as eras
vindouras sua morte seria comemorada. Há algo em
sua morte que o seu ensino não poderia ter. Esse
algo foi a remissão de pecados.

Uma vez mais, o sangue derramado para a remissão


de pecados nos leva de volta aos sacrifícios do
Antigo Testamento. 2 Moisés instruiu os israelitas a
matar um cordeiro e sacrificá-lo. Isso foi um
sacrifício feito a Deus. Possivelmente muitos
daqueles judeus antigos não entendiam que o
sacrifício deles prefigurava um sacrifício futuro e
perfeito. Possivelmente, e com o passar do tempo
provavelmente, os adoradores mais devotos
pensavam que seus sacrifícios atuais prenunciavam
um sacrifício maior. Em todo caso, o sacrifício
trazia o perdão de pecados. Com esse pano de
fundo, Jesus disse aos seus discípulos que seu
sangue derramado purgaria os seus pecados. Sua
morte é a causa e a remissão é o efeito.

Isso exclui a possibilidade de qualquer teoria de


influência moral da expiação. Em todo caso,
influência moral não é expiação. Influência moral
pode, em alguns casos, resultar em alguém
melhorar a sua própria vida. Jovens são
frequentemente tão inspirados pela conduta de
algum herói que eles querem imitá-lo, na ciência,
na erudição, na política, ou até mesmo no baseball.
Possivelmente Renan e Bushneel foram
estimulados a imitar o exemplo de gentileza e amor
de Jesus. Mas a morte de Cristo foi, em primeiro
lugar, direcionada para o cancelamento da vida
passada de uma pessoa, e somente
subseqüentemente para o aprimoramento dos dias
futuros da mesma. Seu propósito foi o perdão de
pecados. A influência moral não perdoa nada.

Certamente esse caráter expiatório não é tudo sobre


a doutrina da Expiação.3 O próximo ponto é talvez
a parte mais importante dessa doutrina central da
Bíblia.

Fonte: The Atonement, Gordon Clark, Trinity


Foundation, capítulo 12 (páginas 69-74).

Notas

1Nota do tradutor: Clark está se referindo ao


baseball, jogo muito popular nos E.U.A.

2 Nota do tradutor: Compare Charles Hodge,


Systematic Theology, Vol. II, pp. 501-508.

3 Nota do tradutor: Clark aborda todas as partes da


doutrina da expiação (Atonement): sacrifício
vicário (vicarious sacrifice) expiação (expiation),
propiciação (propitiation), satisfação (satisfaction),
etc. Coloquei Expiação em caixa alta para
diferenciar da expiação mencionada nesse artigo; a
primeira palavra refere-se à doutrina em si, e a
segunda a uma das partes dessa doutrina; no inglês,
são usados respectivamente os termos Atonement e
expiation, sendo que os mesmos têm a mesma
tradução no português, ou seja, expiação.
Do Decreto Eterno de Deus

Por Gordon Haddon Clark

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

Seção I - Desde toda a eternidade, Deus, pelo


muito sábio e santo conselho da sua própria
vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo
quanto acontece, porém de modo que nem Deus
é o autor do pecado, nem violentada é a vontade
da criatura, nem é tirada a liberdade ou
contingência das causas secundárias, antes
estabelecidas.

Ef. 1:11; Rm. 11:33; Is. 45:6-7; Hb. 6:17, Rm.


9:15,18; Sl.5:4; Tg. 1:13-17; 1Jo. 1:5;

At. 2:23; Mt. 17:2; At. 4:27-28; Jo. 19:11.


Seção II - Ainda que Deus sabe tudo quanto
pode ou há de acontecer em todas as
circunstâncias imagináveis, ele não decreta
coisa alguma por havê-la previsto como futura,
ou como coisa que havia de acontecer em tais e
tais condições.

Pv.16:33; At. 15:18; 1Sm. 23:11-12; Mt. 11:21-


23; Rm. 9:11-18.

A Reforma Protestante, o maior despertamento


religioso desde os dias dos Apóstolos, foi
caracterizada por um zelo em entender-se a Palavra
de Deus. Não somente os seus ensinos óbvios
foram enfatizados — por exemplo, a suficiência da
obra de Cristo para a nossa salvação e a futilidade
do purgatório e a penitência — mas também suas
doutrinas mais profundas — por exemplo,
predestinação — foram cuidadosamente
examinadas.
Contudo, dois ou três séculos depois, após o amor
de muitos ter esfriado, e quando a incredulidade
chegou como um dilúvio, os desencorajados e
fragmentados fiéis se tornaram Fundamentalistas e
ficaram contentes em defender umas poucas
doutrinas vitais. Algumas vezes eles até mesmo
disseram que os cristãos não deveriam se
aprofundar na Escritura. Isso é presunçoso, inútil, e
pior de tudo: gera discórdias.

Tal atitude não é recomendada nas Escrituras, nem


foi a prática dos Reformadores e dos teólogos de
Westminster. A Bíblia diz que toda a Escritura é
proveitosa para doutrina, não apenas algumas
partes. E os Reformadores não recuaram diante das
passagens difíceis: sobre predestinação, pré-
ordenação e os decretos eternos de Deus. Na
verdade, essas passagens não são difíceis de
entender, embora muitas pessoas achem difícil crer
nelas. Mas se elas são as palavras de Deus, então
deveriamos estudar, crer e pregar as mesmas.

A Confissão de Westminster, resumindo a Bíblia,


afirma no Capítulo III que Deus desde toda a
eternidade ordenou tudo quanto acontece.
Obviamente, se Deus é onipotente, e nada pode
frustrar sua vontade, e se ele decidiu fazer um
mundo, então todas as suas criaturas e todas as
ações delas devem ser de acordo com o seu plano.

Isso é fácil de entender; mas muitas pessoas acham


difícil crer que Deus planejou ter o pecado no
mundo. O Capítulo III da Confissão significa que
Deus comete pecado? E mesmo no caso do homem
fazer algo bom, isso significa que Deus faz o
homem praticar o ato bom, embora o homem
desejasse fazer algo mal? Essas questões têm
deixado muitas mentes perplexas, mas a primeira
pergunta é: O que a Bíblia diz? Se a Bíblia fala
sobre pré-ordenação, não temos o direito de evitar
tal assunto e nos manter em silêncio.

Resumindo a Escritura, a Confissão diz aqui que


Deus não é o autor do pecado; isto é, Deus não faz
nada pecaminoso. Mesmo aqueles cristãos que não
são calvinistas devem admitir que Deus em algum
sentido é a causa do pecado, pois ele é a única
causa última de todas as coisas. Mas Deus não
comete o ato pecaminoso, nem aprova ou
recompensa o mesmo. Talvez essa ilustração seja
falha, como são a maioria das ilustrações, mas
considere que Deus é a causa primeira ou última de
eu escrever este livro. Quem negaria que Deus é a
causa primeira ou última, visto que ele criou toda a
humanidade? Mas embora Deus seja a causa deste
capítulo, ele não é o seu autor. Se fosse, o mesmo
seria muito melhor!

As referências da Escritura mostram claramente


que Deus controla a vontade dos homens. Durante a
rebelião de Absalão contra Davi, Husai deu um
conselho mau, mas Aitofel deu um conselho bom
para Absalão. Contudo, disseram Absalão “e todos
os homens de Israel: Melhor é o conselho de Husai,
o arquita, do que o de Aitofel. Pois ordenara o
SENHOR que fosse dissipado o bom conselho de
Aitofel, para que o mal sobreviesse contra
Absalão” (2Sm. 17:14). É claro então que Deus, em
seu propósito de trazer o mal sobre Absalão,
controlou a vontade de Absalão e dos seus homens
de tal forma que eles escolhessem o mau conselho
de Hushai, ao invés do bom conselho de Aitofel.
Ao controlar a vontade desses homens maus, Deus
estabeleceu o trono de Davi, a partir de quem
descendeu o Messias.

Isso não significa que foi feita violência à vontade


das criaturas. Não é como se os homens quisessem
adotar o plano de Aitofel, mas então foram
forçados a seguir Husai contra os seus desejos. O
processo psicológico deles acabou num desejo de
seguir o plano de Husai. Mas deve ser notado que
Deus estabeleceu o processo psicológico tão
verdadeiramente como estabeleceu o processo
físico.

Isso equivale à frase seguinte: “nem violentada é a


vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou
contingência das causas secundárias, antes
estabelecidas”.

No caso de Absalão, as causas secundárias foram


os processos psicológicos. A decisão feitas pelos
homens de Israel não foram feitas em oposição a
esses processos, nem sem os mesmos. Deus
estabeleceu tal processo para o propósito de
cumprir sua vontade. Ele não arranja as coisas ou
controla a história à parte das causas secundárias.

Para mencionar outros exemplos: Deus decretou


tirar os filhos de Israel do Egito; mas eles tiveram
que andar por si só. Deus decretou que Salomão
construísse o templo; mas Salomão teve que coletar
os materiais. Deus não decreta o fim à parte dos
meios. Ele decreta que o fim será realizado por
meio dos meios.

Uma discussão adicional dessas questões pode ser


encontrada no livro The Cause of God and Truth,
de John Gill (um Batista do século dezoito),
publicado pela Sovereign Grace Book Club.2 Veja
particularmente as páginas 183-198. Também,
Religion, Reason, and Revelation, do presente
autor, capítulo V; publicado pela Presbyterian
Reformed Publishing Company, 1961.

A importância da seção II se torna muito clara


quando a idéia da graça somente for examinada
mais adiante. Aqui, de uma forma geral, é
necessário apenas entender que Deus não obtém
seu conhecimento observando como o mundo se
desenvolve. Não somente é desnecessário, ou
melhor, impossível, que Deus deva ter que esperar
para descobrir o que acontece; mas o conhecimento
de Deus não depende do seu olhar para o futuro a
fim de ver o que acontecerá. O inverso completo!
Deus não decretou que Davi derrotaria Absalão
porque sabia de antemão que faria isso. Antes, Davi
venceu porque Deus decretou isso!

Na sociedade humana, os homens freqüentemente


mudam seus planos. Algumas vezes eles mudam
suas mentes voluntariamente; algumas vezes
acidentes impedem que eles realizem os seus
planos. Obviamente, portanto, a situação humana
não faz paralelo à situação divina. Mas se
tentarmos fazer concessões, podemos perguntar:
“Eu decido usar o Peão da Rainha ao iniciar um
jogo de xadrez porque de alguma forma posso
predizer que isso é o que aconteceria; ou eu sou
capaz de predizer que usarei essa jogada de
abertura porque decidi fazê-lo?” A resposta é
óbvia, não é?
Fonte: What Do Presbyterians Believe?, Gordon
Clark, Presbyterian and Reformed Publishing Co.,
páginas 36-39.
Para saber mais sobre Gordon Haddon Clark
(31/8/1902 - 9/4/1985), esse gigante da fé cristã,
acesse a seção biografias do site Monergismo.
Supralapsarianismo em Efésios

Gordon Haddon Clark

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

“... por Deus, que criou o universo para que a


multicolorida sabedoria de Deus pudesse ser agora
conhecida, por meio da igreja, pelos governadores e
autoridades nos [domínios] celestiais...” (Efésios
3:9,10, tradução do autor).

A visão de que Deus criou o universo para


manifestar sua multiforme sabedoria é, como
Hodge diz, a visão supralapsariana. Contra essa
interpretação, Hodge levanta quatro objeções: (1) A
passagem é a única passagem na Escritura
fornecida como diretamente afirmando o
supralapsarianismo, e o supralapsarianismo é
estranho ao Novo Testamento. (2) Aparte das
objeções doutrinárias, essa interpretação impõe
uma conexão não-natural sobre as cláusulas. A
idéia da criação é inteiramente subordinada e não-
essencial: ela poderia ter sido omitida sem
substancialmente afetar o sentido da passagem. (3)
O tema da passagem diz respeito à pregação de
Paulo; somente conectando a cláusula de propósito
com a pregação de Paulo é que a unidade do texto
pode ser preservada. (4) A palavra agora, em
contraste com o encobrimento anterior, apóia a
referência à pregação de Paulo. Foi a pregação de
Paulo que tinha posto agora um fim ao mistério
oculto. Tais são as quatro objeções de Hodge.

Consideremos a última primeiramente.


Admitidamente, foi a pregação de Paulo que
fundou a Igreja, e a fundação da Igreja fez
conhecida a sabedoria de Deus aos poderes no céu.
A interpretação supralapsariana não nega que a
pregação de Paulo desempenhou essa parte
importante no plano eterno de Deus. Mas mesmo
assim, a pregação de Paulo não foi a causa imediata
da revelação da sabedoria de Deus. Foi a existência
da Igreja que foi a causa imediata. Todavia, a
gramática nos impede de dizer que a Igreja foi
fundada para que a sabedoria de Deus pudesse ser
revelada. È verdade que a Igreja foi fundada para
revelar a sabedoria de Deus, mas isso não é o que o
versículo diz. Agora, se vários eventos ocorreram,
levando à essa revelação da sabedoria de Deus,
incluindo a fundação da Igreja, a pregação de
Paulo, e, certamente, a morte e ressurreição de
Cristo que Paulo pregou, a palavra agora no
versículo não pode ser usada para selecionar a
pregação de Paulo em contraste com outros eventos
mencionados na passagem. Portanto, a quarta
objeção de Hodge é pobre.

Agora, a primeira objeção diz: Essa é a única


passagem na Escritura fornecida como diretamente
afirmando o supralapsarianismo, e o
supralapsarianismo é estranho ao Novo
Testamento. A última parte da objeção é,
certamente, um petitio principii, isto é, Hodge usa
um argumento circular. Se esse versículo ensina o
supralapsarianismo, então a doutrina não é estranha
ao Novo Testamento. Devemos primeiramente
determinar o que o versículo quer dizer; então,
devemos saber o que está no Novo Testamento e o
que não está.

Na verdade, se esse versículo fosse de fato o único


versículo na Bíblia com insinuações
supralapsarianas, estaríamos justificados em abrigar
alguma suspeita quanto à interpretação. Hodge não
diz explicitamente que esse é o único versículo; ele
diz que ele é o único versículo fornecido como
diretamente afirmando o supralapsarianismo.

Bem, na verdade, nem mesmo esse versículo afirma


diretamente toda a complexa visão supralapsariana.
Poucos versículos na Escritura afirmam
diretamente o todo de uma doutrina importante.
Portanto, devemos reconhecer graus de
explicitação, de afirmações parciais e até mesmo
fragmentárias de uma doutrina. E com esse
reconhecimento, regularmente reconhecido no
desenvolvimento de qualquer doutrina, é evidente
que esse versículo não permanece sozinho em
isolação suspeita.
O supralapsarianismo, por toda sua insistência
numa certa ordem lógica entre os decretos divinos,
é essencialmente, assim nos parece, a visão
inquestionável de que Deus controla o universo
com um propósito. Deus age com um propósito.
Ele tinha um fim em vista e vê o fim desde o
princípio. Todo versículo na Escritura que, de uma
forma ou de outra, se refere à multiforme sabedoria
de Deus, toda declaração indicando que um evento
anterior é para o propósito de causa um evento
subseqüente, toda menção de um plano eterno e
todo-abrangente, contribui para uma visão
teleológica, e, portanto, supralapsariana do controle
da história por Deus. Nessa luz, Efésios 3:10
claramente não permanece sozinho.

A conexão entre o supralapsarianismo e o fato de


que Deus sempre age com propósito depende da
observação de que a ordem lógica de qualquer
plano é o reverso exato de sua execução temporal.
O primeiro passo em qualquer planejamento é o
fim a ser alcançado; então os meios são decididos
com base nesse fim, até que, por último, a primeira
coisa a ser feita é descoberta. A execução no tempo
reverte a ordem de planejamento. Assim, a criação,
visto que é a primeira na história, deve ser
logicamente a última nos decretos divinos.
Portanto, toda passagem bíblica que se refere à
sabedoria de Deus também apóia Efésios 3:10.

Consideremos agora a objeção número dois. Hodge


reivindica que a interpretação supralapsariana desse
versículo impõe uma conexão não-natural sobre as
cláusulas. A idéia da criação, ele diz, é inteiramente
não-essencial e poderia ter sido omitida sem afetar
substancialmente o sentido da passagem.

Não é evidente que Hodge não sabe como tratar a


referência à criação? Ele reivindica que ela não é
essencial, uma consideração incidental e impensada
que não afeta o sentido da passagem. Tal estilo de
escrita descuidada não me parece ser o estilo usual
de Paulo.

Por exemplo, em Gálatas 1:1, Paulo diz: “Paulo,


um apóstolo, não da parte de homens, nem por
intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo
e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os
mortos”. Por que Paulo menciona agora que Deus
ressuscitou Jesus Cristo? Se essa fosse uma
consideração incidental, sem conexão lógica com o
sentido da passagem, uma consideração
intencionada somente para falar de algum aspecto
da glória de Deus, Paulo poderia ter dito da mesma
forma: “Deus, que criou o universo”.

Mas é bastante claro que Paulo tinha um propósito


consciente ao selecionar a ressurreição ao invés da
criação. Ele queria enfatizar, contra seus detratores,
que ele tinha autoridade apostólica recebida do
próprio Jesus Cristo. E Jesus Cristo foi capaz de lhe
dar esta autoridade porque ele não estava morto,
mas tinha sido ressuscitado por Deus.

Assim, como Paulo escolhe a idéia de ressurreição


ao invés de criação em Gálatas 1:1, ele também
escolhe criação ao invés de ressurreição em Efésios
3:9, pois a idéia da criação contribui com certo
significado para o seu pensamento. Certamente, a
interpretação supralapsariana ou teleológica de
Efésios 3:10 acomoda a idéia de criação, e, por
outro lado, uma interpretação que não pode achar
nenhum significado nessas palavras é uma
interpretação pobre.

A objeção remanescente é que somente fazendo a


pregação de Paulo o antecedente da cláusula de
propósito pode preservar a unidade do contexto. O
reverso parece ser o caso. Não somente Hodge
falha em reconhecer a menção da criação, e assim
diminuir a unidade, mas, além disso, a ênfase sobre
o propósito, correndo da criação até o presente,
unifica a passagem de uma maneira muito
satisfatória.

O entendimento teleológico do operar de Deus de


fato nos capacita a combinar todas essas três
interpretações, incluindo a segunda que em si tem
pouco a ver com seu favor, num pensamento
unificado. Visto que Deus faz tudo com um
propósito, e visto que o que precede no tempo tem
de uma forma geral o propósito de preparar o que
se segue, podemos dizer que Deus guardou o
secreto oculto para revelá-lo agora, e também que
Paulo pregou o evangelho para revelá-lo agora.
Mas se Deus não tivesse criado o mundo, não
haveria nenhum Paulo para pregar, nenhuma Igreja
pela qual a revelação pudesse ser feita, nenhum
poder celestial sobre o qual imprimir a idéia da
sabedoria multiforme de Deus. Somente
conectando a cláusula de propósito com o
antecedente imediato com respeito à criação, um
senso de unificação pode ser obtido a partir da
passagem como um todo.

Portanto, em conclusão, embora a outra


interpretação seja gramaticamente possível, a idéia
de que Deus criou o mundo para o propósito de
revelar sua sabedoria torna tal sentido melhor.

Fonte: Ephesians, Gordon Clark, Trinity


Foundation, páginas 110-114.
Table of Contents
Capa
Uma Introdução à Gordon Clark
O Agostinho da América: Gordon Haddon
Clark
A Necessidade de Gordon Clark
Parte I: Conhecimento
Conhecimento Inato de Deus
Como o Homem Conhece a Deus?
A Natureza da Verdade
Deus e a Lógica
O Logos
Parte II: Teologia
Intelectualismo Bíblico
Expiação
Do Decreto Eterno de Deus
Supralapsarianismo em Efésios

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