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Karl Barth

Uma introdução à sua teologia


W. Gary Crampton
Dr. Crampton uma vez mais demonstrou suas habilidades analíticas
ao examinar a teologia complexa de Karl Barth. Sua crítica é
perspicaz e um deleite para quem não recebeu treinamento
teológico ou não está acostumado a debates teológicos. Deixe-me
encorajá-lo a pegar este livro, sentar-se, e desfrutar de uma análise
verdadeiramente reformada dos dogmas teológicos de Barth.
Dr. Kenneth G. Talbot
Presidente
Whitefield College e Theological Seminary
Copyright © 2012, de W. Gary Crampton
Publicado originalmente em inglês sob o título
A Concise Theology of Karl Barth
pela Whitefield Media Productions – um ministério do Whitefield Theological
Seminary,
P.O. Box 6321, Lakeland, Flórida, 33807, EUA.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


Editora Monergismo
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil
— CEP 70.760-620 www.editoramonergismo.com.br
1a edição, 2020

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


Revisão: Rogério Portella

Proibida a reprodução por quaisquer meios,


salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da Versão Almeida Revista e


Atualizada (ARA), salvo indicação em contrário.
Sumário
Introdução
Capítulo 1: Introdução a Karl Barth
Capítulo 2: Análise da teologia de Karl Barth
Capítulo 3: A história e estrutura do Credo dos apóstolos
Capítulo 4: A teologia de Karl Barth
Capítulo 5: Barth sobre Escritura
Capítulo 6: Barth sobre Deus
Capítulo 7: Barth sobre criação e providência
Capítulo 8: Barth sobre eleição e pacto
Capítulo 9: Barth sobre cristologia
Capítulo 10: Excurso sobre Barth: Antropologia e vida cristã
Capítulo 11: Excurso sobre Barth acerca do tempo
Capítulo 12: Barth e Calcedônia
Capítulo 13: Barth sobre pneumatologia
Capítulo 14: Barth sobre Eclesiologia
Capítulo 15: Barth sobre hamartologia
Capítulo 16: Barth sobre escatologia
Conclusão
Apêndice: A neo-ortodoxia de Donald Bloesch
Introdução
Karl Barth é sem dúvida o teólogo protestante mais influente do
século 20, e provavelmente o mais influente do século 21 também.
Quando seu Comentário sobre Romanos aterrissou como uma
“bomba no parquinho” da teologia liberal, uma nova era se iniciou.
Após Barth, os teólogos precisaram considerar a Bíblia com
seriedade de novo, após anos de reduzir o cristianismo ao
progresso humano social e cultural.
Embora a obra de Barth represente um afastamento notório do
liberalismo do século 19, não se trata de uma ortodoxia reformada
ou teologia evangélica moderna. A despeito de Barth recomendar
fortemente a Escritura, ele não acreditava que tudo nela devesse
ser crido sem dúvida (como na Confissão belga, Artigo 5). Ainda que
ele defendesse a nascimento virginal e a ressurreição de Cristo, não
acreditava que esses eventos ocorreram no calendário do tempo e
espaço. Barth fazia distinções — como entre Historie e Geschichte
— de uso escorregadio e difícil de definir. Ainda hoje os intérpretes
debatem com ferocidade sobre o que Barth quis dizer de fato.
Todavia, existe a urgência real para a compreensão do pensamento
de Barth. Muitos teólogos e pregadores hoje são influenciados por
ele. Ocorre um interesse renovado dos estudos sobre Barth,
liderado por eruditos como Thomas Torrance, Bruce McCormack e
George Hunsinger. Vários seminários, incluindo o Seminário
Teológico de Princeton, formam graduados que comumente
reverberam as ideias de Barth. Nas denominações “tradicionais”,
muitos ministros considerados mais conservadores são bartianos.
Vários escritores evangélicos, a começar por Bernard Ramm,
instam-nos a considerarmos a obra de Barth como o novo modelo
da teologia evangélica. Os crentes evangélicos e reformados
deveriam abraçar Barth, ou deveriam ser advertidos a evitar sua
influência?
Nesta circunstância, o livro de Gary Crampton sobre Barth presta
um bom serviço à igreja. É uma exposição cuidadosa do Esboço de
uma dogmática, o estudo de Barth sobre o Credo dos apóstolos.
Esboço de uma dogmática é um livro relativamente curto que trata
dos principais compromissos teológicos de Barth, sem detalhar
Church Dogmatics [Dogmática eclesiástica], sua obra principal, de
forma exaustiva e fatigante. Crampton, portanto, é capaz também de
se concentrar nos aspectos centrais da obra de Barth.
Eu não endosso todas as declarações deste livro. A obra de Barth é
tão extensa e profunda que é difícil encontrar dois leitores que
concordem sobre suas interpretações. Contudo, o livro diz o que
precisa ser dito com mais necessidade. Crampton não mede
palavras, nem se engaja em exageros verbais. Ele não tenta
agradar a bartianos e antibartianos de uma ou outra estirpe, apenas
afirma aos leitores, de forma honesta, o que Barth declarou. Suas
críticas são apropriadas e formuladas com cuidado.
O livro também contém um breve estudo sobre Donald Bloesch, um
teólogo que se identifica como evangélico reformado, mas
profundamente influenciado por Barth.
Ao me pronunciar como evangélico reformado, penso que muitos
em nossos círculos precisam obter algum conhecimento a respeito
de Barth; assim recomendo a eles o livro de Crampton como
excelente introdução.

— Dr. John Frame


Professor de Teologia Sistemática e Apologética
Reformed Theological Seminary
Orlando, Flórida
Capítulo 1: Introdução a Karl Barth
Karl Barth (1886-1968) tem sido chamado “o teólogo protestante
mais importante desde [Friedrich] Schleiermacher”,[1] “o líder
reconhecido da Escola Neo-ortodoxa”,[2] “talvez o teólogo de língua
alemã mais influente do seu século”,[3] “o teólogo mais significante
do século 20”,[4] “o teólogo mais influente do século 20”,[5] “o maior
profeta do século 20”,[6] “o proeminente teólogo protestante do
século 20”,[7] e “possivelmente” o maior teólogo protestante [...]
desde a primeira geração de reformadores”.[8] Alguns estudiosos
chegaram a igualar Barth a Aurélio Agostinho, Martinho Lutero e
João Calvino.[9] Em 1974 havia até uma “Sociedade Karl Barth da
América do Norte” (que ainda “floresce, segundo informações”)
fundada para promover o ensino desse erudito prodigioso.[10]
Barth nasceu em Basileia, Suíça, e foi criado na Igreja Reformada
Alemã. (Seu pai e um de seus filhos eram teólogos.) Estudou em
Berna, Berlim, Tübingen e Marburgo, sob a orientação dos principais
teólogos (liberais) de seus dias. Ele foi ordenado em 1908 e
assumiu o pastorado nos primeiros anos da vida adulta, mas
dedicou a maior parte de seu ministério ao professorado de teologia.
O conflito da Primeira Guerra Mundial destruiu a crença de Barth na
teologia liberal, que havia abraçado, e o levou a uma nova visão das
Escrituras como a revelação de Deus ao homem; ele leu a Bíblia
“como se nunca a tivesse lido antes”. Barth também começou a
estudar de novo os ensinos de Agostinho, Lutero e Calvino.
Impressionou-se em particular com o último reformador, passando
muitas horas a examinar seus ensinos. Barth escreveu a respeito do
reformador de Genebra: “Ele é uma catarata, uma força primitiva [...]
algo vindo diretamente do Himalaia [...] eu poderia feliz e
proveitosamente assentar-me e passar o resto de minha vida só
com Calvino”.[11]
Enquanto ainda no pastorado, ele publicou a primeira edição do
comentário sobre o livro de Romanos, Der Romerbrief [A Epístola
aos Romanos] em 1919.[12] Esse comentário, em que Barth explica
sua rejeição do modernismo e das recentes visões neo-ortodoxas,
“caiu como uma bomba no parquinho do liberalismo teológico”.[13]
Na segunda edição de Der Romerbrief (1922) Barth falou de sua
dependência do pensamento dialético de Søren Kierkegaard: “Se
tenho um sistema”, escreveu, “então ele consiste no fato de eu
conservar em mente, com a máxima persistência possível, o que
Kierkegaard chamava ‘diferença qualitativa infinita’ entre o tempo e
a eternidade. Deus está no céu e tu estás na terra”.[14]
Já foi mencionado que Barth iniciou a carreira de professor na
Alemanha (em Göttingen, Münster e Bonn), mas foi expulso de lá
por Adolph Hitler em 1935, devido ao fato de Barth ser o principal
autor da Declaração de Barmen (1934), que se opunha ao nazismo
sob bases religiosas.[15] Barth então passou a ensinar na
Universidade de Basileia (de 1935 a 1962). O volume da obra do
Dr. Barth é muito impressionante. Seu primeiro livro foi Der
Romerbrief. Mas ele escreveu muitos outros em sua carreira, p. ex.:
A palavra de Deus e a palavra do homem (1924), Anselmo (1931),
Dogmática cristã (1932), Credo (1935), O conhecimento de Deus e
o serviço de Deus (1938), O ensino da igreja com respeito ao
batismo (1948), Esboço de uma dogmática (1959), A humanidade
de Deus (1960) e Teologia evangélica (1962). Mas sua magnum
opus é a Dogmática eclesiástica — deixada incompleta, com
13 volumes —, que ele começou em 1932 para substituir a antiga
Dogmática cristã. Esses volumes (inacabados) são nove vezes o
tamanho das Institutas da religião cristã de João Calvino e duas
vezes o tamanho da Suma teológica de Tomás de Aquino.[16]
Como já se observou, nas primeiras obras Karl Barth defendeu a
“teologia dialética”,[17] que enfatizava o conceito do paradoxo lógico.
Dr. Barth rejeitava a visão ortodoxa e reformada da revelação
proposicional dada na Bíblia. Antes, dizia Barth, Deus fala conosco
no “evento” revelação; ele se revela a nós em momentos de crises
(krisis). Dessa forma, a teologia dialética da neo-ortodoxia é
algumas vezes descrita como uma “Teologia de krisis”. Sendo esse
o caso, há um sentido em que se deve dizer que a verdade, para
Barth, deveria ser considerada “em desenvolvimento”, enquanto na
teologia reformada ela é absoluta. O sistema de Barth da teologia
dialética de certa forma segue o padrão de Georg F. Hegel (com sua
teoria da tese, antítese e síntese). No sistema de Barth, a tese seria
a ortodoxia, a antítese seria o liberalismo, e a síntese seria a neo-
ortodoxia. Os últimos escritos de Barth mostram que ele se afastou
um pouco dessa visão, mas nunca erradicou plenamente a teologia
dialética do seu sistema. Os pontos principais permaneceram
inalterados.[18]
A importância do ensino de Karl Barth para a igreja do começo do
século 21 é muito relevante, pois seus ensinos doutrinários neo-
ortodoxos afetam não só as denominações teologicamente mais
liberais hoje, como continuam a fazer também incursões na igreja
ortodoxa. Este autor considera o ensino de Barth perigoso. Muito do
que ele disse é bastante útil, mas sua heterodoxia em várias áreas
teológicas desvia igrejas outrora ortodoxas. É triste que muitos
bebam de sua neo-ortodoxia sem nem sequer perceber.
Capítulo 2: Análise da teologia de Karl
Barth

Embora se opusesse a “sistemas” (per se) teológicos, no livro de


1959,[19] intitulado Esboço de uma dogmática,[20] Karl Barth nos
apresenta o que ele designa “um esboço” de sua teologia escrita
nos vários volumes da Dogmática eclesiástica. De acordo com
Geoffrey Bromiley — reconhecido “um dos mais cuidadosos
comentaristas de Barth” —,[21] embora o Esboço de uma dogmática
seja “muito condensado”, ele ainda serve “como um guia
suplementar” ao estudo da teologia geral de Barth.[22] O próprio Karl
Barth chama sua obra de “esboço”, em que usa o Credo dos
apóstolos como guia para a visão sistemática da teologia, ao
apresentar o “resumo” de suas crenças dogmáticas. Barth não
acredita que as confissões da igreja tenham a mesma autoridade da
Bíblia. A Palavra de Deus (compreendida dos 66 livros do Antigo e
Novo Testamentos) é a revelação singular de Deus ao homem. “A
sagrada Escritura e as confissões de fé não estão em um plano
idêntico”, escreveu. “Nenhuma confissão de fé datada da Reforma
ou da época atual pode, da mesma maneira que as Escrituras,
elevar-se à pretensão de solicitar o respeito da igreja. Mas isso não
retira nada do fato de que a igreja escutar e apreciar o testemunho
de seus pais” (p. 13). O conteúdo do livro de Barth foi proferido em
primeiro lugar como uma série de palestras sobre “teologia
sistemática” na Universidade de Basileia. O autor deste livro deseja
interagir, analisar e criticar o dogma de Barth, usando o Esboço de
uma dogmática de certa forma como ponto de partida para adicional
estudo, resumo, análise e crítica desse mestre do século 20.
Analisemos antes de tudo o Credo dos apóstolos.
Capítulo 3: A história e estrutura do Credo
dos apóstolos

Como declarou Philip Schaff: “A Bíblia é a Palavra de Deus ao


homem; o Credo [dos apóstolos] é a resposta do homem a Deus. A
Bíblia revela a verdade na forma popular de vida e fato; o Credo
declara a verdade na forma lógica de doutrina. A Bíblia deve ser
crida e obedecida; o Credo deve ser professado e ensinado”.[23]
Quando alguém adere a um credo ou o confessa, expressa a crença
em algo, pois a palavra “credo” é derivada do latim credo, que
significa “eu creio”. Os credos são inescapáveis. Todas pessoas têm
um credo, quer percebam ou não. É impossível não ter um credo,
pois afirmar algo sobre qualquer coisa expressa uma crença.
Assim, é fácil entender o motivo da existência de tantas declarações
confessionais encontradas na Bíblia, p. ex., Deuteronômio 6.4;
Romanos 10.9,10; 1 Coríntios 12.3; 15.3,4; 1 Timóteo 3.16. Todavia,
o Credo dos apóstolos é o mais antigo e simples dos credos formais
pós-canônicos. Uma tradição diz que o Credo foi o trabalho direto
dos apóstolos de Cristo; cada apóstolo teria contribuído com uma
cláusula. Mas isso é lenda.[24]
Todavia, embora os apóstolos não tenham escrito o Credo, ele
contém ensinos apostólicos, ou seja, está plenamente de acordo
com os ensinos da Bíblia. O bispo Browne escreveu: “Embora esse
Credo não tenha sido elaborado pelos próprios apóstolos, ele pode
muito bem ser chamado apostólico por conter as doutrinas
ensinadas pelos apóstolos e por ser em substância o mesmo
[Credo] usado na igreja desde os tempos dos próprios apóstolos”.
Martinho Lutero comentou: “A verdade cristã não poderia ser
colocada em uma declaração mais breve e mais clara”.[25] De
acordo com João Calvino:
Chamo-o, porém, Credo apostólico, ao mesmo tempo sem a mínima
preocupação quanto à autoria [...] A mim não vejo dúvida alguma que já
desde os próprios primórdios da igreja, com efeito desde o próprio
século dos apóstolos, tenha sido consagrado como uma confissão
pública e recebido pelos sufrágios de todos, de onde quer que, afinal,
tenha ele provindo de início. Nem é provável tenha sido escrito por
qualquer um em particular, uma vez ser evidente que desde a mais
remota lembrança foi ele de sacrossanta autoridade entre todos os
piedosos. O que se deve unicamente levar em conta, temo-lo situado
além de controvérsia, a saber: que nele se enumera sucintamente e em
ordem precisa toda a história de nossa fé, contudo nele nada se contém
que não seja calcado em sólidos testemunhos da Escritura.[26]
É também digno de nota que no Catecismo de Heidelberg lemos (P.
22): “Em que um cristão deve crer?”. A resposta: “Em tudo o que
nos é prometido no Evangelho. Esse evangelho é resumido para
nós nos artigos de nossa fé cristã — um credo acima de dúvida, e
confessado em todo o mundo”. Temos na pergunta 23: “O que
dizem os artigos deste Credo?”. A resposta dada é a citação da
inteireza do Credo dos apóstolos. Então, também, os teólogos de
Westminster anexaram o Credo dos apóstolos ao final do seu
estudo dos Catecismo maior e breve, “não como se os apóstolos o
tivessem composto ou como se fosse considerado Escritura
canônica [...] mas por ser um breve resumo da fé cristã, em
harmonia com a Palavra de Deus, e recebido há muito nas igrejas
de Cristo”.[27] Assim, “as igrejas da Reforma alegremente adotaram
ao Credo e o adicionaram às suas coleções doutrinárias e o usaram
no culto público”.[28] O Credo dos apóstolos, portanto, deveria ser
reconhecido como “o Credo dos credos”.[29] Embora não proceda da
pena dos apóstolos, contém os ensinos apostólicos em forma
seminal.
As origens do Credo podem ser traçadas a meados do segundo
século, quando existiu em uma forma um pouco diferente da
conhecida hoje. Na forma mais antiga (c. 140 d.C.),[30] o Credo dos
apóstolos era assim:
Creio em Deus Pai onipotente, e em Cristo Jesus, seu Filho unigênito,
nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria; que sob
Pôncio Pilatos foi crucificado e sepultado; e ao terceiro dia ressurgiu dos
mortos; subiu aos céus e está sentado à direita do Pai, de onde vem
para julgar os vivos e os mortos. E no Santo Espírito; a santa igreja; a
remissão dos pecados, a ressurreição da carne; a vida eterna. Amém.
A forma recebida, consistindo no original e nas várias cláusulas
adicionadas, data de aproximadamente 700 d.C. Com mudanças
menores aqui e ali em igrejas distintas, esse é o Credo como
atualmente se apresenta:
Creio em Deus Pai onipotente, Criador do céu e da terra. E em Jesus
Cristo, seu Filho unigênito (único), nosso Senhor; que foi concebido do
Espírito Santo, nascido da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos;
foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno; ao terceiro dia
ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus
Pai onipotente, de onde virá para julgar os vivos e os mortos. Creio no
Santo Espírito; a santa igreja católica; a comunhão dos santos; a
remissão dos pecados; a ressurreição da carne; e a vida eterna. Amém.
A Igreja Primitiva usava o Credo dos apóstolos para fins batismais.
Ele era confessado antes do batismo e quando a pessoa ingressava
na igreja cristã visível. Em sua origem, o Credo dos apóstolos foi
chamado O símbolo, pois “simboliza” ou resume os dogmas básicos
da fé cristã.[31]
O Credo é de natureza trinitária. O primeiro artigo declara a crença
no Pai; do segundo artigo ao sétimo afirma-se a crença no Filho; o
oitavo artigo confessa a crença no Espírito Santo. Os três membros
da Divindade são propriamente considerados iguais em poder e
glória. Seguindo a confissão da Trindade aparecem cinco artigos a
respeito da igreja, da comunhão dos santos, do perdão dos
pecados, da ressurreição do corpo e da vida eterna. A crença na
Palavra infalível e inerrante, embora não explicitamente
mencionada, está implícita na declaração “Creio”, bem como no
“Amém” final, que confirma a crença. A fim de afirmar a crença nos
artigos contidos no Credo dos apóstolos, requer-se um padrão sobre
o qual basear as afirmações. Para o cristão, o padrão é a Palavra de
Deus.
Desse modo, Barth está justificado, portanto, em, ao falar de a
“dogmática [...] toma[r] como fio condutor [de sua visão] um texto
clássico, o Símbolo dos apóstolos” (p. 14). A análise de sua teologia
seguindo o “esboço” do Credo dos apóstolos será apresentada nos
capítulos seguintes.
Capítulo 4: A teologia de Karl Barth

O Esboço de uma dogmática consiste em 24 capítulos. O capítulo I


lida com “A tarefa da dogmática”. Os capítulos II-IV examinam a “fé”;
os capítulos V-IX estudam a doutrina de Deus (teologia própria),
focando-se em particular em Deus, o Pai, no capítulo VI; os
capítulos X-XX versam sobre Deus, o Filho (cristologia); o
capítulo XXI estuda o Espírito Santo (pneumatologia); o
capítulo XXII lida com a igreja (eclesiologia); o capítulo XXIII trata do
“perdão dos pecados” (hamartologia); o capítulo XXIV estuda “a
ressurreição do corpo e a vida eterna” (escatologia). Cada capítulo
começa com uma “proposição principal”, que apresenta a essência
do capítulo todo. Barth começa o capítulo I (p. 7-14) com a seguinte
proposição principal: “A dogmática é a ciência pela qual a igreja, no
nível dos conhecimentos que possui, justifica para si mesma o
conteúdo de sua pregação”. E prossegue no primeiro parágrafo:
“Trata-se de uma disciplina crítica, quer dizer, instaurada segundo a
norma da sagrada Escritura e segundo os fundamentos das
confissões de fé” (p. 7). A dogmática é a ciência que deveria
acontecer apenas na igreja, visto Cristo ter dado à igreja a
responsabilidade de estudar as doutrinas da fé cristã. E ela sempre
deve ser feita como ato de obediência ao Deus da igreja e em
oração.[32]
Contudo, como Gordon Clark apontou, na visão de Barth essa
ciência é diferente das outras ciências. Nas outras ciências a lei da
contradição é válida. Mas na ciência da “teologia” devemos restringir
a lei da contradição a uma “interpretação bem limitada”. A razão é
que a teologia não deve ser considerada “sistemática”, pois nem
todos os seus ensinos são racionais e lógicos, como os encontrados
em outras disciplinas. Nesta teologia há um sentido em que se
descobre ser o paradoxo uma virtude, não uma dificuldade.[33]
Todavia, mesmo assim, como declarado acima, todo sistema de
crença precisa de um padrão de crença, e Barth deixa bem claro
que o padrão pelo qual devemos estudar a teologia é a Palavra de
Deus encontrada nos 66 livros do Antigo e Novo Testamentos.
Nos capítulos II-IV encontramos o estudo da “fé” como “confiança”,
“conhecimento” e “confissão”.
O capítulo II, “Crer é ter confiança” (p. 15-24), tem como sua
principal proposição o seguinte: “A fé cristã é o dom do encontro que
torna os homens livres para escutar a Palavra da graça,
pronunciada por Deus em Jesus Cristo, de maneira tal que eles se
atêm às promessas e aos mandamentos dessa Palavra, apesar de
tudo, de uma vez por todas, exclusiva e totalmente” (p. 15). Fé é
confiança na “fidelidade” de Deus (p. 21, 24), por meio de Jesus
Cristo, que é a única Palavra de Deus genuína, conforme o
“testemunho” da Bíblia (p. 18).
O capítulo IV, “Crer é confessar a sua fé”, declara em sua principal
proposição: “A fé cristã é a decisão que dá aos homens a liberdade
de declarar publicamente sua confiança na Palavra de Deus e seu
conhecimento de Jesus Cristo, tanto na linguagem da igreja, como
na linguagem do mundo, e sobretudo pelas ações e atitudes
subsequentes” (p. 33). A fé salvadora, diz Barth, é uma “decisão”; é
um “evento”. Por sua ocorrência, dele a pessoa confia “em Deus e
em sua Palavra”, por meio de Cristo, que resulta em “ações e
atitudes subsequentes” (p. 33, 36, 42). “A fé é o mistério de Deus
que irrompe em nosso mundo” (p. 33) no evento Cristo resultando
em boas-obras.[34] Como ensina a Confissão de fé de Westminster
(16:2), a fé em si é um dom de Deus; não se trata de uma obra. As
boas-obras são “os frutos e evidências de uma fé viva e verdadeira”.
A vida dos filhos de Deus se manifesta em “amor”. Como Deus
primeiro nos amou, agora nós também o amamos (1Jo 4.19). Os
filhos de Deus devem cumprir o mandamento de Cristo de
Mateus 22.37-40: amar a Deus acima de tudo, e amar ao próximo
como a si mesmos, por causa de Cristo. O amor cristão não é
egoísta (amor eros), mas um amor agapē, que doa a si mesmo,
ensinado pelo apóstolo Paulo no “hino ao amor”, em 1 Coríntios 13.
[35]
Se a igreja há de professar sua fé, ela deve ter um padrão sobre o
qual colocar sua “fé”. Em cada capítulo o autor é claro — o padrão é
o que a Bíblia testemunha da verdadeira Palavra de Deus, Jesus
Cristo. Na visão bartiana de revelação bíblica, “a fé [sempre] busca
o entendimento”.[36]
Em seu estudo da teologia, Karl Barth trata do assunto da revelação
em primeiro lugar. Ao fazê-lo ele se alinha a João Calvino e aos
teólogos de Westminster[37] antes deste ao reconhecer que a
epistemologia deve ser o ponto de partida para o estudo de toda
doutrina. Antes de sermos capazes de estudar a doutrina de Deus, a
doutrina de Cristo, a doutrina do Espírito Santo, e assim por diante,
devemos estabelecer a Palavra de Deus como o padrão pelo qual
essas doutrinas devem ser estudadas. Ao mesmo tempo, visto que
no pensamento bartiano Jesus Cristo é a única Palavra verdadeira,
há um sentido no qual devemos dizer que a Escritura como a
Palavra de Deus e o Deus da Palavra são um e o mesmo tema.[38]
Isso nos leva ao estudo da doutrina de Barth sobre a Escritura.
Capítulo 5: Barth sobre Escritura
De acordo com Karl Barth, a revelação de Deus ao homem ocorre
de “forma tripla”. Primeira, há o Cristo que é a única Palavra de
Deus genuína. Segunda, há a Palavra de Deus escrita, a Bíblia, que
é um “indicador” (hinweis) (e o único indicador verdadeiro, ou
testemunha) da Palavra verdadeira, Cristo. Terceira, há a Palavra de
Deus pregada que aponta para as duas primeiras formas.[39] Não é
possível, ele declarou, “conhecer” a Deus à parte da revelação
especial dada a nós por meio de Jesus Cristo.[40] A única revelação
verdadeira, portanto, é o Criador (Cristo) e não a criação em si.[41]
Além disso, de acordo com Barth, a Bíblia consiste em 66 livros do
Antigo e Novo Testamentos. Aqui ele estaria em concordância com
a Confissão de fé de Westminster (1:2), que “sob o nome de
Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora
todos os [66] livros do Antigo e do Novo Testamento [...] [e que eles
devem ser] a única regra de fé e prática” para a igreja. Todavia, há
uma diferença significante entre Barth e a ortodoxia. A igreja
ortodoxa ensina que a Igreja Primitiva “recebeu” os 66 livros do
Antigo e Novo Testamento como canônicos; enquanto a Igreja
Católica Romana crê que a igreja determina o cânon. A visão
bartiana parece cair no meio-termo dessas teses. Barth dizia que o
cânon da Escritura está fechado, mas não no mesmo sentido que a
igreja ortodoxa. Ele mantinha o fechamento do cânon até onde diz
respeito ao “testemunho da revelação”, mas ensinava também que a
igreja deve confirmar (não apenas receber) esse testemunho. Isso
parece deixar o cânon como uma questão em aberto. Barth foi além
da ortodoxia nesse ponto: todavia, ele também não estava no
campo romano. Barth negou também a visão católica romana do
“magistério” como intérprete infalível da Escritura. Nem mesmo as
grandes confissões da igreja devem ser consideradas detentoras de
autoridade. A igreja está sempre sujeita ao testemunho da revelação
divina, e sua autoridade consiste em propagar a Palavra de Deus
(i.e., dar testemunho da Palavra de Deus essencial, Jesus Cristo),
não governá-la.[42]
Ademais, Barth não acreditava com a Confissão (1:2) que os 66
livros canônicos foram todos “dados por inspiração de Deus” ao
ponto de todos esses livros abrangerem a Palavra de Deus infalível
e inerrante. Nem há unidade, ou “um consentimento de todas as
partes” da Escritura como ensina a Confissão (1:5). Antes, Barth
ensinava que partes da Escrituras podem se tornar “subjetivamente”
a Palavra de Deus (partes diferentes para ouvintes diferentes em
tempos diferentes). A única revelação verdadeira de Deus ao
homem é Jesus Cristo (a Palavra de Deus encarnada), e quando a
Escritura “revela” Cristo ao leitor (no “evento Cristo”), então a Bíblia
se torna a Palavra de Deus “de modo subjetivo” para o leitor nesse
momento. Essa é a única “unidade” que se deve buscar na Bíblia.
Nas palavras de Barth: “A Bíblia é a Palavra de Deus até onde Deus
deixa que ela seja sua Palavra, até onde Deus fala por meio dela”.
[43] Mas a Bíblia nunca deve ser considerada a Palavra de Deus

objetiva. Ela está abaixo de Deus para comunicar o Cristo


transcendental por meio de proposições lógicas. (Na teologia de
Barth Deus é o “totalmente outro”.) Assim, Deus revela eventos a
nós na Bíblia, mas não o significado deles. O entendimento do
significado é um empreendimento subjetivo. Barth, então, ao alegar
que a revelação é apenas um evento (i.e., algo que acontece),
negou que a Bíblia nos apresente verdades proposicionais.[44] Como
Robert Reymond explicou: no bartianismo, “A Bíblia se torna [...] o
testemunho humano falível da Palavra de Deus [Cristo], e o Espírito
Santo inspira, não a Bíblia, mas a ‘fé’, recriando o ‘evento Cristo’ em
nós em sentido existencial”. A Bíblia não é inspirada; antes, “é o
crente o [...] inspirado”.[45]
Além disso, no bartianismo, a Bíblia — escrita por homens caídos —
contém erros; há equívocos nela. Ele escreveu: “Os profetas e
apóstolos como tais, mesmo em seu ofício [...] eram homens
históricos reais como nós, e [...] na verdade culpados em sua
palavra falada e escrita”. Atribuir infalibilidade a um documento
escrito pelo homem, como a Bíblia, seria uma forma de “docetismo”
bíblico, isto é, fazer a Escritura “parecer”[46] divinamente inspirada
enquanto é apenas humana na origem.[47] Assim, também, a Bíblia
está cheia de paradoxos lógicos (distintos de paradoxos retóricos) e
contradições. Francis Schaeffer se refere à visão de Barth como
uma forma de “existencialismo teológico”, onde a Bíblia, mesmo em
seus muitos equívocos, ainda possui uma “palavra religiosa” a
irromper daí.[48] Esse é o motivo pelo qual a neo-ortodoxia é
designada “teologia do paradoxo”,[49] por alguns, e “teologia da
ambiguidade”, por outros.[50]
Barth também ensinou que certas passagens da Bíblia, como
Gênesis 1.11, não são históricas. Elas devem ser entendidas como
uma forma de saga (o que não deve ser confundir com um mito ou
algum tipo de conto de fadas). Não existiram duas pessoas
históricas (Adão e Eva) no jardim do Éden. Nem ocorreu uma
Queda histórica, nem havia uma serpente histórica. Esses eventos
aconteceram, mas não na história (Historie). Antes, aconteceram na
Geschichte. A Geschichte é uma forma não temporal de história,
não como a História (Historie) que os historiadores estudam. A
Geschichte é contrastada com o “tempo criado” e o “tempo caído”
(nosso tempo presente). A Geschichte é o tempo de Deus; é o
tempo revelacional; é o tempo real. A ressurreição de Cristo é outro
exemplo de evento que aconteceu de fato, mas aconteceu, não na
Historie, mas na Geschichte.[51]
De acordo com a Confissão de fé de Westminster (14:2), na fé
salvadora e genuína o cristão “crê ser verdade tudo quanto nela [a
Palavra de Deus] é revelado, segundo a autoridade do mesmo Deus
que fala em sua palavra”. Se os teólogos de Westminster estavam
corretos (e estavam), então quando alguém nega o caráter
inspirado, infalível e inerrante da Bíblia — a Palavra de Deus —,
nega “a autoridade do próprio Deus” que fala em sua Palavra;
portanto, sua fé em Deus, por meio de Cristo, deve ser considerada
muito suspeita. O conceito neo-ortodoxo da Escritura não é a visão
cristã da Escritura.
Capítulo 6: Barth sobre Deus

Os capítulos V-IX nos ensinam sobre teologia propriamente dita (a


doutrina de Deus), em particular sobre Deus, o Pai, no capítulo VI. A
seção começa com o capítulo V, “Deus nos lugares altíssimos”
(p. 44-52), que apresenta a seguinte proposição principal: “Segundo
a sagrada Escritura, Deus é aquele que está presente, vive, age e
se dá a conhecer para nós pela obra que ele determinou e realizou
em Jesus Cristo na liberdade de seu amor, ele o Único” (p. 44). Há
um Deus, que existe eternamente em três pessoas divinas. Ele teria
endossado o ensino do Breve catecismo de Westminster (R. 4) a
respeito dos atributos divinos (ou perfeições), a saber: “Deus é um
Espírito, infinito, eterno e imutável, em seu ser, sabedoria, poder,
santidade, justiça, bondade e verdade”. Os atributos de Deus o
definem; ele é um e o mesmo que suas perfeições. Ele é um Deus
pessoal e autoexistente (aseitas).
Nas palavras de Michael J. McClymond e Gerald R. McDermoot,
Karl Barth “foi um teólogo da Trindade por excelência”. Barth fez
dessa doutrina “o centro da identidade de Deus e, portanto, da
própria teologia”.[52] Barth concordaria com o Breve catecismo (R. 5-
6): “Há um só Deus, o Deus vivo e verdadeiro”. E: “Há três pessoas
na Divindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e estas três são um
Deus, da mesma substância, iguais em poder e glória”. Karl Barth
deve ser considerado plenamente concorde com a doutrina ortodoxa
de pericoresis ou circumincessão da Deidade triúna. Há perfeita
“coerência das três pessoas da Trindade na essência divina e em
cada uma”.[53]
Como observamos, Barth afirma que Deus não pode ser conhecido
por meio da revelação natural. Ao mesmo tempo ele destaca o fato
que esse Deus uno e tripessoal pode ser conhecido de modo
objetivo (não apenas de forma subjetiva), e que ele pode ser
conhecido só em Jesus Cristo (p. 43). O Deus triúno da Bíblia é “o
objeto da fé de que falamos nas nossas últimas aulas”, isto é, nos
capítulos II-IV. Esse Deus, “segundo a Sagrada Escritura [...] é
aquele que está presente, vive, age e se dá a conhecer para nós [...]
tudo isso, um nome o significa e exprime, Jesus Cristo [...] quem
sabe agora possamos compreender melhor o sentido do nosso
título: Deus nos lugares altíssimos. É porque Deus é o Pai, o Filho e
o Espírito Santo na obra que ele realizou em Jesus Cristo” (p. 43-
51). Deus, sendo onisciente, conhece todas as coisas eterna e
intuitivamente; o conhecimento do homem é sempre discursivo.
Mas, outra vez, Barth é muito claro ao dizer que Deus pode ser
conhecimento porque ele se fez conhecido, por meio de sua
Palavra, em Jesus Cristo.[54]
O holofote bartiano de fazer Deus conhecido como ele é em Jesus
Cristo tem feito alguns teólogos o acusarem de uma forma de
“cristomonismo”, isto é, um conceito não trinitário em que o Pai e o
Espírito Santo tornam-se nada mais que amálgamas do Filho. Trata-
se de uma acusação injusta. A Bíblia é clara que a segunda pessoa
da Deidade é aquela a quem “o [Deus Pai] revelou” (Jo 1.18) e que
“ninguém vem ao Pai senão por mim [Cristo]” (Jo 14.6). Mesmo que
suas declarações nessa área da teologia possam tender ao
excesso, Karl Barth não diz nada mais que o próprio Jesus ensinou.
Em suas reflexões teológicas é muito claro que “a centralidade de
Cristo deve apontar (e não desviar) para a centralidade do Deus
Triúno”.[55]
Contudo, quando Barth afirma que em Cristo Deus é “totalmente
revelado” e “totalmente oculto”, ele nos dá uma declaração
contraditória; é uma declaração que não pode ser racionalmente
adotada.[56] Barth apresenta uma cristologia elevada (que será
estudada adiante nos caps. X-XX), mas a Bíblia não contém
contradições ou paradoxos lógicos. Como a Confissão de fé de
Westminster (1:5) diz, há um “consentimento de todas as partes” da
Escritura. E nas palavras de Paulo: “Deus não é o autor de
confusão” (1Co 14.33). Sua Palavra para nós nunca é ao mesmo
tempo “sim e não”, mas em Cristo é “sim” e “Amém para a glória de
Deus” (2Co 1.19, 20).
Deve-se enfatizar também não existir nenhum subordinacionismo
nem modalismo na doutrina de Barth sobre Deus. A história da
igreja tem testemunhado duas grandes heresias a respeito da
doutrina bíblica da Trindade: modalismo (ou sabelianismo)[57] e
subordinacionismo. Em sentido básico, o modalismo ensina que
Deus é um em essência e um em Pessoa. Não existem três
Pessoas na Deidade; há apenas três “formas” (ou “modos”) de se
referir à mesma Pessoa. Como Clark observou, embora Barth
usasse a palavra “modo” ao referir-se às três pessoas da Trindade
(e, portanto, tem sido acusado de ensinar o modalismo), ele
“explicitamente denuncia” o conceito modalista herético.[58]
Já o subordinacionismo ensina que há um Deus: o Pai. O Filho e o
Espírito seriam deidades inferiores — caso sejam mesmo divinas. O
Filho e o Espírito, dizem os subordinacionistas, não são seres
eternos; dessa forma, eles estão subordinados ao Pai. Isso também
Barth nega. Como foi observado, Barth ensinou, em concordância
com o Breve catecismo de Westminster (R. 6), que todas as três
pessoas da Deidade são “da mesma substância, iguais em poder e
glória”, denunciando assim o subordinacionismo. Em suas próprias
palavras, o Deus único “é [...] o Pai [...] é o Filho [...] [e] é o Espírito
Santo” (p. 53).
Isso não significa, contudo, que Karl Barth não afirme haver uma
forma de subordinação na Trindade. Há uma ordem de economia,
ou subordinação, dentro da Deidade. Aqui há uma forma de
subordinacionismo, mas não uma subordinação “essencial” nos
membros da Trindade; antes, trata-se de uma subordinação na
função ou papel de cada membro. Isso é descrito como a Trindade
econômica. Na obra da redenção, por exemplo, o Pai elege, o Filho
se encarna e realiza a redenção pelos eleitos, e o Espírito Santo
aplica a redenção aos eleitos.
A Confissão de fé de Westminster (8:1, 5, 8) declara isso da
seguinte forma:
Aprouve a Deus [o Pai] em seu eterno propósito, escolher e ordenar o
Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o
homem [...] e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua
semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado,
justificado, santificado e glorificado.
O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si
mesmo, sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só
vez, satisfez plenamente à justiça do Pai, e para todos aqueles que o
Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança
perdurável no Reino dos Céus.
Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a salvação a
todos aqueles para os quais ele a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo
intercessão por eles e revelando-lhes na palavra e pela palavra os
mistérios da salvação, persuadindo-os eficazmente pelo seu Espírito a
crer e a obedecer, dirigindo os corações deles pela sua palavra e pelo
seu onipotente poder e sabedoria, da maneira e pelos meios mais
conformes com a sua admirável e inescrutável dispensação.

Nesse sentido, e apenas nele, Deus, o Pai, é maior que o Filho, e o


Pai e o Filho são maiores que o Espírito; não na essência (a
Trindade essencial), mas na ordem ou economia administrativa (a
Trindade econômica). Com isso Barth está em plena concordância.
Na visão bartiana, deve-se começar pela Trindade econômica, pois
nosso conhecimento de Deus procede da revelação da obra divina
da redenção em Cristo. Essa é a função econômica. Ao mesmo
tempo, Barth diria que a Trindade “ôntica” tem prioridade sobre a
“econômica”, pois o Deus triúno é eterno.[59]
Com tristeza, como vimos acima, Barth ensinou que o Deus da
Bíblia é “totalmente outro” (totaliter aliter).[60] Enquanto os teólogos
liberais mencionavam o Deus imanente em detrimento da
transcendência, Barth (talvez em uma reação exagerada) falava da
transcendência divina às custas de sua proximidade. Barth ensinava
que Deus está acima e além do homem a ponto de ele ser totaliter
aliter. Por causa disso, alguns teólogos acusam Barth de lidar com o
estudo da Trindade (e da cristologia) “desde cima” (a partir do ponto
de partida exclusivamente “ôntico”) sem levar em consideração o
ponto de vista “desde baixo” (a partir da perspectiva apenas
histórica).[61] Mas isso não é justo. Como Torrance observou, na
doutrina de Barth sobre Deus: “As duas [abordagens desse estudo]
estão conectadas de modo inseparável”.[62] Todavia, o conceito
“totalmente outro” de Deus nos deixa com a pergunta: “Se Deus é
totalmente outro, como somos capazes de saber algo a respeito
dele, seja o que for?”.[63] Embora ele tenha se afastado desse
conceito nos últimos escritos, e afirmado que embora Deus seja
“totalmente outro” ele é ao mesmo tempo cognoscível, a ideia nunca
foi expurgada por completo.[64]
A principal proposição do capítulo VI, “Deus, o Pai” (p. 53-8), é a
seguinte: “O único Deus verdadeiro é por natureza e pela eternidade
o Pai, origem de seu Filho e, unido a ele, origem do Espírito Santo.
Em virtude dessa maneira de ser, ele é, pela graça, o Pai de todos
os homens, que ele chama em seu Filho e pelo Espírito Santo para
serem seus filhos” (p. 53). É óbvio que Barth negava qualquer forma
de triteísmo na Deidade. Embora ele se sentisse desconfortável com
a palavra “pessoa” para expressar o Pai, o Filho e o Espírito Santo,
ele denuncia a noção de que eles fossem três divindades separadas
(p. 53-4). “Não existem aqui três divindades, não há em Deus
divisão, ruptura. Longe de afirmar três tipos de ‘Deus’, a Trindade
fala, pelo contrário, estritamente de um único e mesmo Deus. É
assim que a igreja tem interpretado sempre e a própria Escritura não
nos diz nada de diferente” (p. 53), de acordo com o Credo dos
apóstolos (e, por implicação, conforme a Confissão de fé de
Westminster). Há um Deus único que existe eternamente “em suas
três maneiras de ser [Pessoas]” (p. 54).[65] Além disso, Barth
endossou o filioque (p. 56), cláusula da Igreja Ocidental em
oposição ao ensino da Igreja Oriental, isto é, que o Espírito Santo
procede eternamente “tanto” do Pai quanto “do Filho” (filioque).
A doutrina de Barth estaria em concordância básica com o ensino
da Confissão de fé de Westminster (5:2):
Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância,
poder e eternidade; Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O
Pai não é de ninguém; não é nem gerado, nem procedente; o Filho é
eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente
do Pai e do Filho.

O Pai sempre foi o Pai, o Filho sempre foi o Filho, e o Espírito Santo
sempre foi o Espírito Santo.
A principal proposição do capítulo VII, “O Deus Todo-Poderoso”
(p. 59-64), é a seguinte: “O que distingue a potência de Deus da
fraqueza, o que a eleva acima de todos os outros poderes e o que a
opõe vitoriosamente à ‘força em si’, é que ela é a potência do direito
decorrente do amor que ele fez brilhar em Jesus Cristo. Em
consequência, a potência de Deus contém, qualifica e delimita todo
o domínio do possível e domina absolutamente o conjunto do real”
(p. 59). Embora “Todo-Poderoso” seja a única perfeição mencionada
pelo Credo, Barth neste capítulo fala dos atributos do Deus Triúno:
amor, verdade, onipresença, infinidade, eternidade, asseidade,
liberdade, justiça, misericórdia, paciência, bem como onipotência
(p. 59-61). Ele endossaria o ensino do Breve catecismo de
Westminster (R. 4): “Deus é um Espírito infinito, eterno e imutável,
em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e
verdade”. O Deus triúno das Escrituras possui todas as perfeições.
O capítulo VIII, “O Deus Criador” (p. 65-77), tem o seguinte como a
sua principal proposição: “Em se fazendo homem, Deus manifestou
e atestou que ele não quer existir unicamente para si nem ficar
solitário. Para o mundo distinto dele, ele concede propriamente a
realidade, a liberdade e uma maneira de ser. Sua Palavra é a força
que anima todo ente criado. Deus suscita, mantém e dirige toda
criatura para que ela manifeste sua glória, da qual o homem é
chamado a ser a testemunha ativa pela sua posição no centro da
criação” (p. 65). Nessa declaração o autor afirma a diferença entre
Deus e a criação, e nega assim qualquer forma de panteísmo. Deus
é o Criador; o universo é sua criação. Então, também, Deus criou o
universo ex nihilo (p. 73), isto é, a partir de nenhum material
preexistente. Além disso, ele é Criador e Sustentador providente da
ordem criada. Se fosse retirar sua mão soberana da obra de
sustentar o universo, ele pereceria instantaneamente (p. 74-6). Por
meio de todas as obras da criação e da providência, Deus
permanece perfeito e, nas palavras da Confissão de fé de
Westminster (5:4), “não é nem autor nem aprovador do pecado”
(p. 75-6).
Barth quer que acreditemos não ser apenas o Pai que cria e
sustenta o universo. Antes, isso é a obra de toda a Deidade (p. 76-
7). Mas a principal Pessoa a quem a obra de sustentar de forma
criativa e providencial é atribuída é a segunda pessoa da Divindade,
“a Palavra de Deus”, Jesus Cristo. Ele é a “Palavra de Deus”
mencionada em Hebreus 1.2, que cria e sustenta “todas as coisas”
(ta panta). E tudo isso “está atestad[o] na sagrada Escritura” para
nós (p. 76). O Logos eterno é o Criador até da própria natureza
humana; portanto, é Criador e criado (p. 65-7).
Como foi observado acima, Barth não acredita que Gênesis 1-11
diga respeito à história real. É melhor, ele ensinou, considerar esses
capítulos uma “saga”. O autor preferiu a palavra “saga” em vez de
“mito”, pois a última leva alguém a pensar em mera lenda, como os
mitos babilônicos. “Saga” é uma palavra mais acurada pois os
eventos de Gênesis 1-11 ocorreram na história da salvação, isto é,
na Geschichte, e não na Historie (p. 67). Assim, considerando o
dogma de Barth, não há dificuldade em endossar o pensamento
evolucionista (o mundo pode ter milhões de anos) ou o criacionismo
bíblico.[66]
O autor conclui o capítulo ao dizer que “o objetivo da criação”, bem
como de todas as coisas, é “que Deus seja glorificado”. Quando
Deus completou a obra da criação em Gênesis 1, lê-se que “era
muito bom” (v. 31), e tudo o que existe no universo, mesmo agora, é
para sua glória. O homem (sua criação) tem a responsabilidade de
“ser a testemunha dessa mesma glória” (p. 77). Como ensina no
Breve catecismo de Westminster (R. 1), “o fim principal do homem é
glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”.
Capítulo 7: Barth sobre criação e
providência
A principal proposição do capítulo IX, “O Céu e a Terra” (p. 79-87), é
a seguinte: “O céu é a parte da criação incompreensível para o
homem, a terra é a que ele pode compreender. O próprio homem é
a criatura posta no limite do céu e da terra. A aliança entre Deus e o
homem dá o seu sentido e seu objetivo, seu fundamento e seu valor
ao céu e à terra bem como a toda criatura” (p. 79). Quando o Credo
dos apóstolos confessa que Deus é o “Criador do céu e da terra”, a
expressão “céu e terra” é usada como um merisma; isto é, ela se
refere aos dois extremos do universo como todo o “conteúdo da
criação” (p. 81). Aqui o autor concordaria com o ensino da Confissão
de fé de Westminster (4:1), que “aprouve a Deus o Pai, o Filho e o
Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder,
sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis
dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou
invisíveis”.
Quando o autor menciona o céu como a criação “incompreensível”
ao homem em oposição à terra como o que lhe é “compreensível”,
ele contrasta o “invisível” com o “visível”. Essa é a forma de o Credo
niceno descrever a obra da criação de Deus, como “Criador do céu
e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”. O homem, como
a coroa dos atos criativos de Deus, é aquele com quem Deus entrou
em pacto. O homem é “uma criatura situada no limite” entre os dois
extremos da criação de Deus. A fé cristã não despreza a criação,
como algumas Weltanschauungen (cosmovisões) o fazem. A
Weltanschauung (cosmovisão) cristã reconhece que Deus é distinto
de tudo o que ele criou (p. 80-5).
Barth vê no homem o foco da criação. O relacionamento de Deus
com a criação permaneceria um mistério para nós se não fosse
conhecido por meio do homem. Quando Barth fala de “homem”, ele
se refere “ao” homem genuíno — o Deus-homem: Jesus Cristo. O
homem como criatura, no “limite” entre o céu e a terra, habita na
terra. Ele foi criado para a terra, e para a terra retornará (Gn 2.7;
3.19). É o reino terreno no qual Deus propôs para habitação do
homem. O homem, o summum bonum da criação, “é, no quadro da
criação, o lugar onde a criatura se realiza completamente na
superação de si mesma”. “Nós não teríamos [...] dito nada ainda
[sobre a criação]”, comenta o autor, “se não acrescentássemos
logo”: a aliança que Deus estabeleceu com o homem “dá seu
sentido e sua finalidade, seu fundamento e seu valor ao céu, à terra,
assim como a toda criatura”. O motivo é que “por aliança queremos
dizer Jesus Cristo”. Cristo está no centro de todas as formas de
Deus lidar com a criação e, em particular, com a humanidade. O
pacto entre Deus e o homem é mais antigo que a criação, pois
começou antes da criação do universo. O pacto é tão eterno como
Deus mesmo. É parte do seu decreto eterno, no qual Deus propôs
ter “comunhão com o homem. [...] em Jesus Cristo”. É “em Jesus
Cristo” que “esse encontro, essa intimidade, essa comunhão” e a
“unidade perfeita do Criador e da criatura” acontecem (p. 85-7). Aqui
se percebe a alta consideração da cristologia pela qual Karl Barth
tem sido reconhecido por amigos e inimigos. Aqui também se vê a
relação inseparável entre Jesus Cristo e o pacto da graça.
Quando diz respeito à doutrina da providência, Barth concordaria
com a Confissão de fé de Westminster (5:1):
Pela sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e
o livre e imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande
Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria,
poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e
governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas,
desde a maior até a menor.
De acordo com Barth, a criação constitui a base da aliança de Deus
e a providência constitui a continuação da aliança divina, isto é, a
história da aliança. Os tratamentos providenciais de Deus com a
criação não devem ser vistos como uma “criação contínua”, mas
como Deus a sustentar, dirigir, dispor e governar a criação. Como no
momento da criação, todos os três membros da Trindade estão
ativamente (e, portanto, de forma antideísta) envolvidos na obra de
providência, por causa de Cristo.
Isso nos leva ao ensino de Barth sobre Das Nichtige (o nada). Aqui
vemos algo da teodiceia apresentada pelo erudito neo-ortodoxo. Em
sua visão, o “nada” é pecado, mas é mais que pecado; é o lado
negativo inteiro da boa criação de Deus. Como e por que esse
“nada” existe? Qual é seu propósito? O nada, diz Barth, não é
produzido pelos bons propósitos de Deus; ele funciona como um
“servo” para atrair os homens a Jesus Cristo, que derrotou o nada.
“Esse Deus cuida”, ele escreve, “para que mesmo o nada sirva
como uma das coisas que é dito cooperar para o bem daqueles que
o amam”.[67]
Por último, sob a epígrafe criação e providência, temos a doutrina
de Barth sobre a angelologia. Ela é encontrada sob a epígrafe de
“reino dos céus” de Deus. Os anjos são criaturas distintas de Deus e
do homem. Eles são seres espirituais que servem a Deus como
seus “embaixadores” para os propósitos do seu reino. Eles não
criam, não salvam, não redimem, não reconciliam nem julgam; só
Deus pode fazer essas coisas. Antes, eles obedecem aos
mandamentos de Deus, proclamam sua Palavra, e testemunham
seu ser supremo. Barth não acreditava que seres humanos tenham
um “anjo da guarda” individual, como alguns ensinam; antes, os
anjos devem ser considerados o inumerável exército de Deus, que
serve ao povo de Deus de acordo com sua determinação. Quanto à
queda dos anjos, Barth tem pouco a dizer. Ele confessa que houve
uma “catástrofe angélica”, mas não vai além disso. Os demônios
podem ser chamados anjos, embora não sejam anjos “de verdade”.
Satanás mesmo nunca foi um anjo. Nas palavras de Jesus, ele
sempre foi mau: “Ele foi homicida desde o princípio e jamais se
firmou na verdade” (Jo 8.44).
É difícil reconciliar o ensino de Barth aqui com a visão bíblica acerca
dos anjos. Talvez seja outro exemplo da teologia do paradoxo de
Barth. Mas como Bromiley aponta, após Barth ter escrito tantas
coisas boas sobre esse assunto negligenciado, é triste ver que ele
não tenha seguido adiante com um ensino mais minucioso e bíblico
sobre demonologia.[68]
O término deste capítulo leva aos seguintes (X-XX), nos quais o
autor apresenta sua doutrina da cristologia. Mas antes de entrar na
análise dos capítulos cristológicos, investigaremos primeiro sua
doutrina da eleição e aliança divinas.
Capítulo 8: Barth sobre eleição e pacto
Como já se observou, a doutrina de Karl Barth sobre a “eleição” está
inextricavelmente relacionada à doutrina do “pacto”. As duas não
podem ser separadas. Nas palavras de Barth: “A eleição da graça é
todo o evangelho, o evangelho in nuce”. No Cristo encarnado temos
“o princípio de Deus antes que houvesse qualquer princípio à parte
daquele de Deus dentro de si mesmo [...] [e] o decreto de Deus por
detrás e acima do qual não pode haver nenhum decreto anterior ou
mais alto e além do qual não pode haver nenhum outro, visto que
todos os outros servem apenas ao cumprimento desse decreto”.[69]
Bruce McCormack escreveu:
Quando a história da teologia do século 20 for escrita do ponto de vista
de, digamos, daqui cem anos, estou certo que a maior contribuição de
Karl Barth ao desenvolvimento da doutrina de igreja será localizada na
doutrina do pacto. Aqui ele forneceu sua correção mais valiosa do
ensino clássico; aqui também sua dogmática encontrou o fundamento
ôntico e a pedra angular.[70]
Há pouca dúvida que a doutrina da eleição de Barth é
substancialmente diferente da do “ensino clássico” da ortodoxia
reformada, mas dizer que há uma “correção [...] valiosa” está longe
de ser verdadeira. Barth negava a dupla predestinação, ensinada na
teologia reformada (que alguns homens são predestinados para a
salvação enquanto outros são predestinados para a condenação
eterna) e, ao mesmo tempo, reestruturou-a em sua própria doutrina
de eleição (em que todos os homens são universalmente eleitos e
reprovados em Cristo [v. abaixo]). Ele negava o pacto de redenção e
o pacto de obras,[71] e reconhecia só o pacto da graça como um
pacto bíblico válido. Em uma forma modificada de
supralapsarismo[72] (um supralapsarismo “purificado” ou
“qualificado”),[73] ele mantinha a existência de uma eleição eterna de
escopo universal. Essa eleição é Jesus Cristo. Barth não nega que a
Escritura fale do Pai — como o membro eleitor da Trindade —, de
Jesus — como o mediador (Jo 17.1-5; Ef 1.3-6) — de todos os
membros do povo de Deus (Ef 1.3, 4; 1Pe 1.2). Todavia, como o
Deus triúno sempre age em perfeita harmonia (i.e., a doutrina das
apropriações), há também um sentido em que os três membros da
Trindade estão envolvidos na eleição. E como Filho do Homem, diz
Barth, Jesus Cristo deveria ser visto como o Deus eleitor e o homem
eleito.[74]
O autor também deseja nos informar que Cristo foi eleito não só por
todos os homens, mas também reprovado por todos os homens.
Aqui temos a dupla predestinação de Jesus Cristo na doutrina de
Barth. De acordo com ele: “Na eleição de Jesus Cristo Deus atribuiu
ao homem [...] eleição, salvação e vida; e para si mesmo [...]
reprovação, perdição e morte”.[75] Todavia, parece que a eleição
divina graciosa de todos os homens em Cristo vence a reprovação.
[76] A teologia dialética de Barth é bem evidente nessa doutrina, e

uma forma de universalismo parece inevitável.[77] Ao mesmo tempo,


Barth ensinava que o homem é responsável por escolher a Deus.
Se escolhe o que é contrário à graça divina, então escolhe negar a
Deus. Cristo elegeu todos os homens de jure; assim, todos os
homens receberam a predisposição de responder ao chamado do
evangelho (o que infere que todos os homens devem ser
evangelizados). Mas de facto os homens são responsáveis pela
resposta ao evangelho e por confiar em Cristo. E nem todos
respondem assim. Essa pode ser uma solução para o problema do
universalismo.[78]
Geoffrey Bromiley resume a doutrina de Barth sobre o assunto do
universalismo da seguinte forma: ele “rejeita abertamente qualquer
universalismo necessário como ‘metafísica histórica’”. Todavia, “visto
que tudo é pela graça [divina], ele não excluirá a possibilidade dessa
ampliação final em Jesus Cristo”. Barth “indubitavelmente considera
todas as pessoas eleitas em Jesus Cristo, em quem sua verdadeira
realidade deve ser encontrada”. Barth entende que o evangelho
deve ser crido e obedecido, e assim “rejeita a necessidade abstrata
do universalismo como consequência lógica da eleição de todos em
Cristo”. Todavia, ele nunca esclarece o motivo pelo qual “o Espírito
Santo em seu ministério de chamado não deveria cumprir
positivamente em todos os indivíduos a vontade eterna do Deus
triúno” de que todos sejam salvos.[79]
Barth desejaria que soubéssemos que a eleição divina de todos os
homens não elimina a responsabilidade humana de ouvir e
obedecer ao que Deus diz em sua Palavra. A Palavra de Deus é
evangelho e lei. A lei de Deus na Bíblia não é uma lei de regras
gerais; ela é composta de mandamentos. Isso é verdadeiro a
respeito do Antigo e do Novo Testamento. A lei não deve ser vista
como uma lei de escravidão, mas como a lei da liberdade. Jesus
Cristo, sem dúvida, é o homem “perfeito” que guardou a lei “com
perfeição” como exemplo a ser seguido por todos os homens. E por
causa de sua perfeita guarda da lei, com sua morte substitutiva,
esse Cristo é capaz de suportar, no lugar do seu povo, o julgamento
merecido pela humanidade violadora da lei de Deus.[80]
Capítulo 9: Barth sobre cristologia
O capítulo X, “Jesus Cristo” (p. 89-99), tem como sua principal
proposição o seguinte: “O objeto e o centro da fé cristã é a Palavra
idêntica à ação pela qual Deus, por toda a eternidade, decidiu para
nosso bem se tornar homem em Jesus Cristo, tornou-se
efetivamente no tempo e o ficará pelos séculos dos séculos. A obra
do Filho pressupõe, assim, a do Pai e implica a do Espírito Santo”
(p. 89).
Fica claro que quando o autor fala sobre Jesus Cristo como “o
objeto e o centro da fé cristã” ele não quer em nenhum sentido
negar a obra do Pai e do Espírito Santo. A salvação é trinitária do
começo ao fim. Ela é a “obra do Pai” que elege para a salvação, é a
“obra do Filho” que executa a salvação, é a “obra do Espírito Santo”
que aplica a salvação a quem Deus elegeu e por quem Cristo
realizou a salvação. Todavia, a Trindade se torna cognoscível por
meio de Cristo. A cristologia (o estudo da pessoa e da obra de
Jesus Cristo plenamente Deus e plenamente homem)[81] “é a pedra
de toque de todo conhecimento de Deus, no sentido cristão da
palavra, o critério de toda teologia [...] Todo conhecimento que
mereça esse nome, segundo a fé cristã, provém do conhecimento
de Jesus Cristo” (p. 91-93).
A principal proposição do capítulo XI, “O Salvador e o Servo de
Deus” (p. 101-14), é: “O nome de Jesus e seu título, o Cristo,
designam a pessoa e a obra do homem, objeto de escolha divina,
em quem se encontra manifesta e cumprida, a missão profética,
sacerdotal e real do povo de Israel” (101). Como profeta, Cristo é a
“verdadeira testemunha”, como sacerdote ele é o “Senhor como
Servo” e como rei ele é “Servo como Senhor”.
Quando o Credo dos apóstolos declara “creio [...] em Jesus Cristo”,
essas últimas duas palavras revelam tanto o nome (Jesus) quanto o
título principal (Cristo) do Deus-Homem. O nome “Jesus” significa
“Jeová socorre” ou “salva”. É o equivalente ao nome Josué no
Antigo Testamento. No cumprimento das profecias do Antigo
Testamento, o Messias judeu veio como o Salvador de seu povo
Israel, mas não se trata de uma salvação restrita a Israel; a salvação
se estende a todos os povos do mundo, isto é, judeus e gentios
igualmente. “Cristo”, por outro lado, é um título. É o equivalente do
hebraico “Messias”, que significa o “ungido”. O ungido vem como
Servo de Deus, para cumprir a tripla missão de Israel: profética,
sacerdotal e real. O nome e o título estão inseparavelmente unidos.
Nas palavras do próprio autor:
Não se pode dissociar o nome de Jesus Cristo para reter somente um
de seus componentes. Jesus Cristo não seria mais ele mesmo se não
estivesse, em sua pessoa, o Cristo, oriundo de Israel, idêntico ao judeu
Jesus. Inversamente, o judeu Jesus não seria ele mesmo se não
existisse, na sua função, o Cristo de Deus, atestando no seio dos povos
e no coração da humanidade, o mistério e o alcance da vocação de
Israel. Para poder compreender toda a significação do nome de Jesus
Cristo, é preciso considerá-lo sempre com essa dupla significação
particular e universal. Uma vez que se esqueça de um em favor de
outro, acontece que se estará́ falando, na realidade, de algum outro.
(p. 101)
Quando se lê, no Antigo Testamento, sobre o relacionamento
especial de Israel com Deus Jeová, lê-se sobre a nação eleita de
Deus. Os israelitas são o povo de Deus, com quem ele entrou em
um relacionamento pactual especial. Nesse sentido, Israel deveria
ser o profeta, sacerdote e rei de Deus a todas as nações da terra. O
Messias judeu, Jesus Cristo, o Filho eleito de Deus, veio cumprir a
obra missionária de Israel (p. 108-110). Há um sentido em que o
destino de todas as nações do mundo tem ligação com o que Jeová
faz com Israel, o povo do pacto. Quando Cristo veio, ele veio como
o “descendente” de Abraão (p. 104), o supremo profeta, sacerdote e
rei. “O homem, tal como Israel no-lo mostra, é e permanece, a
despeito de tudo, o eleito de Senhor, seu mandatário no mundo”. O
nome de Israel agora é “Jesus de Nazaré” (p. 111). Como “o Servo”
Jesus é a personificação, a plenitude de tudo que Israel pretendia
ser. A revelação divina comunica na existência de Jesus Cristo. Ele
“revela e cumpre a aliança” estabelecida por Deus com o Israel de
outrora. A história de Israel culmina na história de Jesus Cristo
(p. 112-3). Cristo é “o” profeta, sacerdote e rei por excelência. O
tríplice ofício de Jesus Cristo é explicado pelo Breve catecismo de
Westminster (R. 24-26), da seguinte forma:
Cristo exerce as funções de profeta, revelando-nos, pela sua Palavra e
pelo seu Espírito, a vontade de Deus para a nossa salvação.
Cristo exerce as funções de sacerdote, oferecendo-se a si mesmo uma
vez em sacrifício, para satisfazer a justiça divina, reconciliar-nos com
Deus e fazendo contínua intercessão por nós.
Cristo exerce as funções de rei, sujeitando-nos a si mesmo,
governando-nos e protegendo-nos, contendo e subjugando todos os
seus e os nossos inimigos.
Isso expressa a perspectiva teológica de Barth.
A proposição principal do capítulo XII, “O Filho único de Deus”
(p. 115-22), é a seguinte: “A revelação de Deus no homem Jesus
Cristo é compulsória e exclusiva e se traduz pela ação plenamente
salutar, porque Jesus Cristo não é um ser diferente de Deus, mas o
Filho único do Pai, isto é, o próprio Deus vivo, sua graça, sua
verdade e sua onipotência em pessoa; como tal, é o único
verdadeiro Mediador entre Deus e todos os homens” (p. 115). O
principal foco deste capítulo é mostrar que como “Filho único de
Deus”, Jesus Cristo é “Deus mesmo”. Ele é o Yahweh do Antigo
Testamento e o Criador do universo (p. 118). Como a segunda
pessoa da Deidade, Cristo não possui apenas uma “substância
semelhante” ao do Pai; ele é da “mesma substância” que o Pai
(p. 121). E por causa disso, ele pode ser “o único verdadeiro
Mediador entre Deus e todos os homens” (p. 115).
O capítulo XIII, “Nosso Senhor” (p. 123), tem como sua principal
proposição o seguinte: “A existência do homem Jesus Cristo é, em
virtude da sua divindade, a decisão soberana sobre a existência de
todo homem. Ela se baseia no fato de que, pela dispensação de
Deus, este Alguém representa tudo e, portanto, tudo está ligado e
subjugado a este Alguém. Sua comunidade sabe disso. E é isto que
deve ser proclamado ao mundo” (p. 123).
Barth começa pela defesa da visão ortodoxa de que Jesus Cristo é
plenamente divino e plenamente humano. Ele cita com aprovação
Martinho Lutero, que escreveu: quando alegamos crer em Jesus
Cristo o Senhor, afirmamos que ele é “Deus nascido do Pai na
eternidade, e também verdadeiro homem nascido da Virgem Maria”
(p. 123). Mas a coisa mais importante sobre o capítulo é o ensino do
autor a respeito do que Jesus Cristo, “Nosso Senhor”, tem que ver
com a representação de todos os homens no mundo. De acordo
com Karl Barth, não só todos os homens devem ser considerados
eleitos e reprovados “em Cristo”, mas todos os homens possuem a
existência autenticada em Cristo também. Essa é uma forma
diferente do cristomonismo mencionado antes.[82]
Isso nos leva ao estudo da visão do autor sobre a antropologia (o
estudo da doutrina do homem) e a vida cristã.
Capítulo 10: Excurso sobre Barth:
Antropologia e vida cristã
O cristomonismo defendido por Barth não é uma forma de
panteísmo — em que todas as pessoas são de alguma forma o
único e o mesmo “Cristo”. Antes, o cristomonismo de Barth afirma
que todos os homens têm existência autêntica ao participar da união
com Jesus Cristo (i.e., eles estão “em Cristo”), devido à “decisão
soberana” de Deus desde toda a eternidade. Na visão bartiana “toda
existência humana” está ligada à “existência de Jesus Cristo”. “A
humanidade de Jesus [...] é a repetição e reflexo de Deus mesmo,
nem menos nem mais. É a imagem de Deus, a imago Dei”.[83]
Portanto, a “sua [de Cristo] humanidade é, na verdade, humanidade”
(p. 125). Essa doutrina vai bem além da visão reformada de Cristo
como cabeça federal sobre o povo eleito de Deus. Na doutrina de
Karl Barth, “pela disposição de Deus este único homem representa
todos [homens]”. Todos os homens estão “em Cristo” visto terem
existência real a partir dele, e todos, eleitos e réprobos, estão “nele”.
Esse homem, “em sua humilhação carrega o pecado, a
perversidade, a estupidez, o sofrimento e a morte de todos. A glória
deste Único [Cristo] é a glória que foi intencionada para todos nós.
Para nós sua intenção é que podemos servi-lo em eterna justiça,
inocência e bem-aventurança [...] cada homem e todos os homens
com o Único” (p. 126-8). O trabalho da igreja, diz Barth, é tornar
conhecido o caso ao mundo: todos os homens estão eleitos em
Cristo, e que Cristo é o Senhor de todos (p. 129). Aqui, mais uma
vez, está a questão de Barth e a aparente doutrina da salvação
universal para todos os homens.
Como Bruce McCormack explicou, a visão exposta por Karl Barth
com respeito a Cristo como o Homem eternamente eleito afirma não
existir nenhuma diferença essencial entre a Trindade ontológica e a
Trindade econômica. Isto é, a decisão eterna do Pai a respeito de
que Cristo se torne carne significa, em sentido absoluto, nunca ter
havido um tempo quando Cristo era o Logos asarkos (a “Palavra
sem carne”). Enquanto na tradição reformada o eterno Logos
asarkos é distinguido do Logos ensarkos (a “Palavra dentro da
carne”), na visão bartiana não existe tal diferenciação. O Logos
incarnandus (a “Palavra se torna encarnada”) e o Logos incarnatus
(a “Palavra encarnada”) são um e o mesmo. Não afirmamos que
Barth defendesse ter Cristo estado eternamente “na carne”; essa
não é a visão dele. Todavia, a decisão eterna do Pai torna a
Trindade ontológica e Trindade econômica quase indistinguíveis.[84]
Seria útil lembrar que Barth negava haver um pacto eterno de
redenção entre o Pai e o Filho. Aqui ele diferia da tradição
reformada, como expressa na Confissão de fé batista de 1689 (8:1):
Aprouve a Deus [Pai], em seu eterno propósito, e de acordo com o pacto
[da redenção] estabelecido entre ambos, escolher e ordenar o Senhor
Jesus, seu Filho unigênito, para ser o Mediador entre Deus e os
homens; o profeta, sacerdote e rei; o cabeça e Salvador de sua igreja; o
herdeiro de todas as coisas e juiz do mundo; a quem [o Pai], desde toda
a eternidade, deu um povo para ser sua [do Filho] semente e para ser
por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
Na visão tradicional, o Pai e o Filho entraram em um pacto eterno de
redenção. Nele, determinou-se que o Filho se encarnaria
(incarnandus) para redimir o povo eleito de Deus. Barth rejeitava
esse relacionamento pactual e considerava todos os homens eleitos
(e reprovados) “em Cristo”.
No que respeita à união hipostática de Deus e o Homem em Cristo
Jesus, Barth declara, com a fé reformada, que o Homem Cristo
existiu apenas por ter Deus, segundo sua “decisão soberana”, se
agradado de se unir à humanidade. Mas quando examinamos a
doutrina do autor acerca da imago Dei (o homem como imagem de
Deus) descobrimos que ela difere da ortodoxia reformada. Como
vimos, Barth ensinava que a “humanidade [de Cristo] [...] é a
imagem de Deus”. Ele é “a imago Dei”. Assim, o que é verdadeiro a
respeito de Jesus Cristo é verdadeiro acerca de toda a humanidade,
pois todas as pessoas são criadas como portadoras da imagem
divina.[85]
Contudo, quando Barth faz a exegese de Gênesis 1.26, 27 (“‘Disse
Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança [...] Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”), ele interpreta
os versículos de forma singular. Ele afirma que “por ele [Deus] não
ser solitário em si mesmo [...] portanto, ele não deseja que seja
assim ad extra [fora de si mesmo]”. Portanto, a humanidade, a
portadora da sua imagem, foi criada macho e fêmea. Como o Deus
Triúno existe em um relacionamento essencial, o homem, criatura,
só é genuinamente “homem” em um relacionamento macho-fêmea.
A “mulher é para o homem e o homem para a mulher
supremamente o outro, o próximo”. O homem deve “ser o parceiro
de Deus” no plano de Deus para a criação. E visto que Deus e o
homem são muito diferentes, também o homem e a mulher, como
parceiros entre si, também devem ser grandemente diferenciados.
[86]

Então, também, na exposição de Barth sobre Gênesis 2.18-25,


lemos que Deus fez a mulher a partir do homem, de forma que,
embora não seja criada pelo homem, ela é todavia parte do homem.
Quando Adão chama sua esposa (Eva) ishshah (“mulher”), pois ela
foi tirada de ish (“homem”), vemos que a mulher, embora igual no
status ontológico (portadora da imagem divina), deve desempenhar
um papel subordinado na economia do relacionamento marital. A
mulher deve ser a auxiliadora do seu marido. Todavia, mesmo no
relato de Gênesis, e também em Cântico dos cânticos, percebe-se
que o casamento humano é um arranjo pactual com cumprimento
escatológico no casamento entre Deus e Israel e Cristo e a igreja.
Como Cristo e a igreja, também vemos que o homem e a mulher
são uma unidade ordenada; nem podemos ser “humanos” no estado
mais pleno sem o outro.[87] Ao mesmo tempo, Barth ensinou, de
acordo com 1 Coríntios 7, que há lugar para o celibato na vida
cristã.
Quanto à constituição do homem, Karl Barth afirmava a visão
protestante explicada pelo Catecismo maior de Westminster (R. 27):
a humanidade foi criada e constituída por Deus, o Espírito Santo, de
forma dicotômica, consistindo em alma (o aspecto não físico) e
corpo (o aspecto físico), e a residência da imagem divina
primariamente na alma: “Depois de ter feito todas as mais criaturas,
Deus criou o homem, macho e fêmea; formou-o do pó, e a mulher
da costela do homem; dotou-os de almas viventes, racionais e
imortais”. O homem, então, é alma e corpo, constituindo um “homem
completo”. Barth se opunha aos pontos de vista da tricotomia e do
monismo.[88]
Parte essencial do estudo da doutrina do homem é a vida cristã.[89]
De acordo com Barth, a vida cristã deve ser governada pela Palavra
de Deus. Ela deve ser uma vida de comportamento piedoso que
manifesta o amor cristão. O estudo da Palavra de Deus, com a
oração, é essencial para a vida do filho de Deus em sua inteireza.
Os Dez Mandamentos deveriam ser entendidos como proeminentes
para essa vida. Quando diz respeito ao processo de santificação,
Barth era crítico à ênfase exagerada na ordo salutis (“ordem da
salvação”) encontrada nos credos tradicionais da igreja.[90] Ao
mesmo tempo ele não aderiu à necessidade do relacionamento bem
ordenado entre justificação, santificação e glorificação. A
santificação se segue necessariamente à justificação. O mesmo
Jesus Cristo que obteve a justificação para seu povo também o
santifica.
Na vida cristã, o Dia do Senhor deve ser santificado como um “dia
de festa” em adoração e descanso. Todo dia deve ser vivido sob
Deus, mas no Dia do Senhor, em particular, o homem deve se
oferecer em “sacrifício divino” ao Deus triúno da Bíblia.
De acordo com Barth, a família é a principal instituição na economia
de Deus. O casamento deve ser monogâmico e permanente (sendo
a homossexualidade reconhecida como perversão da lei bíblica). Ele
acreditava, contudo, que sob certas condições o divórcio era
biblicamente apropriado. Como já foi observado, Barth mantinha a
visão ortodoxa da subordinação econômica da mulher ao marido no
relacionamento marital, e a subordinação dos filhos aos pais. De
acordo com o ensino de Efésios 6.1-2, os pais devem criar os filhos
na disciplina e na admoestação do Senhor, e os filhos devem honrar
e obedecer aos pais em todas as coisas bíblicas (Jesus Cristo é o
exemplo por excelência do último).
A seguir chega-se ao relacionamento do homem consigo mesmo. A
vida, diz Barth, deve ser tratada como um “empréstimo” da parte de
Deus. Ela é sagrada e deve ser reconhecida assim; as pessoas
devem viver para a glória de Deus. Sendo sagrada, a vida deve ser
protegida. Portanto, o aborto e a eutanásia (atos de assassinato)
deveriam ser proibidos por lei. A autodefesa é um direito bíblico; e a
pena capital no caso de assassinato deve ser executada. Há
também um lugar na sociedade para uma “guerra justa”, que Barth
chama de o direito de autodefesa da sociedade. Além disso, o
homem deve se envolver em todos os meios legais de trabalho.
Todas as atividades humanas devem ser realizadas para a glória de
Deus (1Co 10.31), reconhecendo-se, o todo tempo, que Deus
honrará quem o honra (1Sm 2.30).
No capítulo XIV, “O mistério e o milagre do Natal” (p. 133-41), lemos
a proposição principal: “A verdade da concepção de Jesus Cristo
pelo Espírito Santo e seu nascimento da Virgem Maria nos conduz à
verdadeira Encarnação do verdadeiro Deus, realizada na sua
manifestação histórica, e lembra a forma especial através da qual
este início do ato divino da graça e revelação, que aconteceu em
Jesus Cristo, foi distinguido de outros acontecimentos humanos”
(p. 133-41). Nesse capítulo, Barth defende a doutrina do nascimento
virginal. Ele afirma que “devemos” crer na doutrina — uma doutrina
que “celebramos anualmente, quando celebramos o Natal” (p. 134).
Nesse evento histórico, o “verdadeiro Deus” toma sobre si a
natureza do “verdadeiro homem”. Na pessoa de Cristo, “o próprio
Deus” se torna “um homem como todos nós, um homem sem
restrição”. “Ele não apenas se assemelha conosco; ele é o mesmo
que nós” (p. 136).
Barth aponta que no Concílio de Calcedônia (451 d.C.) a igreja
ortodoxa de Jesus Cristo defendeu a doutrina verdadeira da unio
hypostatica (“união hipostática”) contra os falsos ensinos da
“unificação monofisista”, que resultou no “docetismo” (no qual a
verdadeira humanidade de Cristo é negada). Calcedônia, diz o
autor, também refutou corretamente os ebionitas que ensinavam, de
modo similar aos arianos, que Cristo era “simplesmente” uma
“criatura especialmente exaltada”. De acordo com o dogma
ortodoxo, por meio do “milagre da procriação de Jesus Cristo sem
um pai [humano]” declara Barth, “a verdadeira Divindade e a
verdadeira humanidade de Jesus Cristo” foram unidas
hipostaticamente em uma pessoa (p. 137-40).
É também digno de nota que Karl Barth nega que Deus tomar sobre
si uma natureza humana deva ser visto como uma contradição. Não
existe nenhuma “contradição” em Deus. Barth também rejeita
qualquer visão da encarnação que envolva o esvaziamento divino
de seus atributos. Ele nega a teoria da kenosis da igreja liberal. Na
encarnação, Deus mesmo (na segunda pessoa da Deidade) entrou
no “país distante” da existência humana para ser pro nobis (por nós)
— em favor de seu povo.
A proposição principal do capítulo XV, “Sofreu...” (p. 143-52), é a
seguinte: “A vida de Jesus Cristo não é um triunfo, mas uma
humilhação, não um sucesso, mas uma falha, não uma alegria, mas
sofrimento. Por esta mesma razão ela revela a rebelião dos homens
contra Deus e a ira de Deus contra o homem, que se segue
necessariamente; mas ela também revela a misericórdia na qual
Deus se envolveu nos negócios próprios do homem e
consequentemente em sua humilhação, falha e sofrimento, para
que, dessa forma, não necessitassem ser mais da alçada do
homem” (p. 143).
Embora Barth use a linguagem que o presente escritor considera
um pouco “descuidada”, o ensino encontrado no capítulo todo é
fundamentalmente ortodoxo. O autor afirma que a obediência
passiva e ativa de Jesus Cristo estão necessariamente envolvidas
na obra salvífica em prol da humanidade. Ao citar o Catecismo de
Heidelberg (R. 37), ele escreve: “Que ele durante todo o tempo da
sua vida na terra, mas especialmente ao fim disso, carregou em seu
corpo e alma a ira de Deus contra o pecado de toda a raça humana”
(p. 144). Toda a vida de Cristo foi de sofrimento para a humanidade.
Barth prossegue e ensina que Jesus Cristo, em seu sofrimento,
“deixou visível o que é a natureza do mal, da revolta do homem
contra Deus” (p. 147). Em particular “a nação de Israel que rejeita
em Jesus seu Messias e Rei”. Todavia, quando Israel entrega Cristo
a Pôncio Pilatos para executar “o julgamento [a pena de morte da
justiça romana]”, o mundo gentílico também participa
“semelhantemente nesta rebelião contra Deus” (p. 147-8). Jesus
Cristo “não se esquivou de tomar o lugar do homem pecador e de
ser [...] o que o homem é, um rebelde, carregando nele o sofrimento
como homem, para ser ele mesmo o culpado completo e a
reconciliação completa! Foi isto que Deus fez em Jesus Cristo”
(p. 151-2). Cristo morreu “em favor do” (hyper) povo de Deus.[91]
Deus “o fez [a Cristo] pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). Cristo, que é o homem eleito de
Deus, carregou a ira de Deus pelo homem, de forma que o homem
possa ser salvo.
O capítulo XVI, “Sob Pôncio Pilatos” (p. 153-60), tem como sua
principal proposição o seguinte: “Em virtude do nome de Pôncio
Pilatos estar conectado com ele, a vida e a paixão de Jesus Cristo é
um evento na mesma história mundial na qual nossa vida também
acontece. E com a cooperação deste estadista ela adquire
visivelmente o caráter de uma ação na qual o compromisso e
retidão divinos, assim como a perversão humana e a injustiça da
ordenação do Estado do que acontece no mundo, se tornaram
efetivas e manifestas” (p. 153).
O autor começa o capítulo com a pergunta: “Como Pôncio Pilatos
entrou para o Credo?” (p. 153). A resposta é que o nome de Pôncio
Pilatos no Credo aponta para o seguinte: o que a Bíblia nos revela
sobre Jesus Cristo, em sua vida, morte etc., não deve ser relegado
a “um conto de fadas cristão”. Essas coisas de fato aconteceram na
história. Além disso, Pôncio Pilatos no Credo é o “representante
típico” do sistema do mundo, com toda a “perversão e injustiça
humanas”, em nítido contraste com a justiça do reino de Deus. O
Credo quer que saibamos que Jesus Cristo devia sofrer e morrer
para vencer o sistema deste mundo, e inaugurar o reino justo de
Deus. Na crucificação de Cristo, Deus cumpriu seu bom propósito
na história humana. Cristo e seu reino prevalecerão (p. 154-8).[92]
No capítulo XVII, “Foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao
inferno” (p. 161-9), temos a seguinte proposição principal: “Na morte
de Jesus Cristo, Deus humilhou a si mesmo e entregou a si mesmo,
a fim de cumprir sua lei sobre todo homem pecador, assumindo seu
lugar e, assim, de uma vez por todas, removendo do homem para si
mesmo esta maldição que o afetou, a punição que o homem
merecia, o passado que quer ver corrigido, o abandono no qual ele
caiu” (p. 161).
Como explica o Breve catecismo de Westminster (R. 27-28), a
teologia reformada se refere à obra salvadora de Cristo sob dois
estados: humilhação e exaltação.
A humilhação de Cristo consistiu em ele nascer, e isso em condição
baixa, feito sujeito à lei; em sofrer as misérias desta vida, a ira de Deus
e amaldiçoada morte na cruz; em ser sepultado, e permanecer debaixo
do poder da morte durante certo tempo.
A exaltação de Cristo consiste em ele ressurgir dos mortos no terceiro
dia; em subir ao Céu e estar sentado à mão direita de Deus Pai, e em vir
para julgar o mundo no último dia.

Neste capítulo, como explicou Barth: “O mistério da Encarnação se


desdobra no mistério da Sexta-feira Santa e da Páscoa”. Na cruz, o
estado de humilhação de Cristo alcança o zênite. Na obra de Cristo
na cruz, “a reconciliação do homem com Deus acontece ao colocar
Deus a si mesmo no lugar do homem e o homem no lugar de Deus,
como o mais puro ato da graça”. Assim, temos o que Martinho
Lutero e a Igreja Ocidental designam theologia crucis (“teologia da
cruz”), em contraste com a theologia gloriae (“teologia da glória”) da
Igreja Oriental (p. 161-3).
A expressão “desceu ao inferno” encontrada no Credo dos
apóstolos, e explicada pelo Catecismo maior de Westminster
(R. 50), tem sido normalmente interpretada pela fé reformada da
seguinte forma: “A humilhação de Cristo depois da sua morte
consistiu em ser ele sepultado, em continuar no estado dos mortos e
sob o poder da morte até ao terceiro dia; o que, aliás, tem sido
expresso nestas palavras: Ele desceu ao inferno (Hades)”. Karl
Barth não parece discordar dessa análise, mas parece relegar a
expressão mais ao fato de Cristo sofrer os tormentos da morte na
cruz. Quando Cristo foi “crucificado, morto e sepultado”, ele
experimentou o castigo da própria humanidade. Ele sofreu o inferno
pela humanidade (p. 167-8). Mas quando o autor passa a explicar o
que é inferno — “o homem estar separado de Deus significa estar
num lugar de tormento” (p. 167) —, ele está equivocado. Como
Jonathan Edwards ensinou de forma apropriada, inferno não é estar
separado de Deus. O inferno significa estar para sempre na
presença da ira divina. O pecador no inferno daria qualquer coisa se
pudesse ser separado da presença da ira de Deus, mas ele é
incapaz de fazê-lo.[93]
O capítulo XVIII, “Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos” (p. 170-5),
tem como proposição principal o seguinte: “Na Ressurreição de
Jesus Cristo, o homem é, de uma vez por todas, exaltado e levado a
descobrir com Deus seu direito contra todos os seus adversários e
assim libertar-se para viver uma nova vida, na qual ele não mais
terá pecado e, portanto, a maldição, a morte, o túmulo e o inferno à
sua frente, mas atrás de si” (p. 170).
De acordo com Barth, a “mensagem da Páscoa”, que “ao terceiro
dia” Cristo “ressuscitou dos mortos”, proclama a vitória de Deus
sobre seus inimigos em favor do homem. Aqui, como foi observado
antes, temos o princípio do estado de exaltação de Cristo. “Em
Jesus Cristo” o homem foi exaltado e designado à plenitude de vida
para a qual ele foi liberto no propósito de Deus para o seu mundo.
Embora haja pecado remanescente na humanidade, Deus “não o
leva mais a sério como um pecador”. Na “Cruz do Gólgota” o
“homem” foi estabelecido como “justo” perante Deus. O homem,
sem dúvida, ainda não entrou no estado final de glória, mas “já”
recebeu vida em Cristo. “Ao terceiro dia começa uma nova vida de
Jesus”, e uma nova vida para o homem começa também. O mundo
antigo do pecado e da morte deu lugar a “um novo tempo e mundo
na existência do homem Jesus”. O “futuro já está presente na
mensagem da Páscoa”. A “vitória” já foi “vencida”. Além disso, o
autor quer que saibamos que a ressurreição de Jesus Cristo não
deve ser considerada apenas “um evento espiritual”. Antes, trata-se
de um acontecimento ocorrido na história (p. 172-5), embora Barth
preferiria falar sobre esse evento como ocorrendo na Geschichte.
Na análise da grande vitória realizada por Deus a favor de todos os
homens em Cristo, é difícil para este escritor ver como alguma
forma de universalismo possa ser evitada.
O capítulo XIX, “Ascendeu aos céus, e está assentado à direita de
Deus Pai Todo-Poderoso” (p. 177-83), tem como sua proposição
principal isto: “O objetivo da obra de Jesus Cristo, que aconteceu de
uma vez por todas, é o fundamento da sua igreja através do
conhecimento, confiado às testemunhas da sua ressurreição, de
que a onipotência de Deus e a graça de Deus, que são ativas e
aparentes nele, são uma e a mesma coisa. Assim, o fim desta obra
é também o início do tempo-final, isto é, do tempo no qual a igreja
tem de proclamar para todo o mundo a graciosa onipotência e a
onipotência graça de Deus em Jesus” (p. 176-83).
A declaração feita nesta porção do Credo, diz Barth, nos mostra que
estamos nos aproximando do objetivo da história, e ele é o objetivo
da obra de Jesus Cristo. Aqui, com a ascensão, alcança-se um
marco histórico. Há ainda uma parte futura do objetivo para toda a
história, mas antes dessa porção lemos de todos os verbos no
tempo passado “perfeito”: “gerado, concebido, nascido, sofrido,
crucificado, morto, sepultado, desceu, ressuscitou”. Agora, contudo,
encontramos um verbo no tempo presente para descrever o estado
e obra presentes de Cristo: ele “está assentado à direita de Deus”.
O ápice da obra terrena de Cristo foi completada de uma vez por
todas, e ele está assentado à mão direita de Deus onde
permanecerá até o Segundo Advento em glória. E devido à obra
completa e vitoriosa de Cristo, seu povo também está assentado
com ele, na mesma posição (p. 177-8).
Tendo completado sua obra, o Cristo onipotente Deus delega à sua
igreja a grande comissão de Mateus 28.18-20. Ela deve: “Proclamar
para todo o mundo a graciosa onipotência e a onipotência graça de
Deus em Jesus”. As boas-novas são que Deus reconciliou o mundo
consigo mesmo, em Cristo. O Pai investiu o Filho como “um
Governador ou um Primeiro-Ministro” sobre todas as coisas. Nesse
período entre os adventos, ocorre o “tempo da igreja”, o “tempo-
final”, em que a grande comissão deve ser cumprida antes do
retorno de Cristo em glória. A tarefa está diante da igreja; que ela se
ponha a cumprir seu dever (p. 180-3).
O capítulo XX, “A vinda de Jesus Cristo, o Juiz” (p. 185-95), tem
como sua proposição principal o seguinte: “A memória da igreja é
também sua expectativa, e sua mensagem para o mundo é também
a esperança do mundo. Pois Jesus Cristo, de cuja palavra e obra a
igreja conscientemente, e o mundo ainda inconscientemente,
origina, é o mesmo que veio ao encontro da igreja e do mundo,
como o objetivo do tempo que está chegando ao fim, a fim de tornar
visível, finalmente e para todas as pessoas, a decisão tomada nele
a graça e o reino de Deus como a medida pela qual a humanidade
inteira e cada existência humana é medida”.
O autor inicia o capítulo com a discussão do fato de que após vários
verbos nos “tempos passados”, e um verbo no “tempo presente” —
ele “está assentado à direita de Deus” — lemos agora do tempo
“futuro”, ou seja, “ele voltará” (p. 185). Isso, sem dúvida, refere-se
ao segundo advento glorioso de Cristo no final do mundo. Nesses
tempos verbais temos os dois estados de Cristo (sua humilhação e
sua exaltação) resumidos para nós. É um problema, contudo, que
Barth mencione essa vinda “para julgar os vivos e os mortos” em
termos muito universalistas. Não devemos pensar, diz o autor, na
vinda como o tempo em que Cristo separará “as ovelhas à sua mão
direita” e “os bodes à sua esquerda” (Mt 25), isto é, os salvos dos
perdidos. Antes, devemos reconhecer, como ensina o Catecismo de
Heidelberg, que nosso conforto é que “em todos os meus
sofrimentos e perseguições possa olhar com minha cabeça ereta
para o próprio Cristo, que antes se entregou a si mesmo por mim no
julgamento de Deus e levou sobre si todas as minhas maldições,
para vir como Juiz dos céus”. A dificuldade aqui é que o Catecismo
de Heidelberg se refere aos cristãos, e não a toda a humanidade.
Karl Barth aplicou esse ensino, de modo universalista, a toda a
humanidade — pelo fato de que, na obra na cruz Cristo representa
todos os povos; ele foi julgado por toda a humanidade (p. 193). Uma
vez mais há uma aparência de universalismo inevitável.
Capítulo 11: Excurso sobre Barth acerca
do tempo
Há ainda outra dificuldade no capítulo. Barth difere do cristianismo
ortodoxo em sua visão do “tempo”. Quando falamos do tempo da
salvação, não devemos pensar no tempo como atualmente o
conhecemos. Aqui temos um tempo “diferente daquele que
conhecemos, no qual não há desvanecimento”. A existência de
Jesus Cristo “não é uma existência sem o tempo, e a eternidade não
é uma eternidade sem o tempo”. A morte é “sem o tempo” e “somos
homens sem o tempo quando estamos sem Deus e sem Cristo”.
Jesus Cristo “é e traz o tempo real” para a humanidade. Ele é o
“passado, presente e futuro” (p. 186-8). É notório que o autor
removeu a salvação da esfera terrena da história espaço temporal
para outro tipo de tempo da “salvação”. A Historie deu lugar a
Geschichte.[94]
Como ensinou Agostinho, do ponto de vista ortodoxo acerca do
tempo, a eternidade é diferente do tempo. O tempo deve ser
considerado a sucessão de ideias na mente criada. Deus, sendo
eterno, é imutável. Ele não é criatura e não pensa de forma
sequencial. Ele conhece todas as coisas eternamente. O tempo
precisa envolver mudança; a eternidade é sem tempo. Dessa forma,
no que respeita à humanidade, Jesus Cristo é uma criatura existente
no tempo real — tempo como o conhecemos. Quanto à divindade,
ele é eterno. Sua natureza divina é sem tempo, enquanto sua
humanidade existe no tempo. Mesmo agora, enquanto está à destra
de Deus, o Pai, no que concerne à sua humanidade ele existe no
tempo. Embora Barth e a neo-ortodoxia em geral ajustem sua visão
do tempo e da eternidade a seu conceito particular da história, a
ortodoxia não o faz. Trata-se de um erro sério que confunde história
com eternidade e relega a salvação a outro “tempo”, Geschichte.[95]
Há uma diferença entre “eterno” e “para sempre”. O que é eterno
não tem princípio nem fim; o que é para sempre tem princípio mas
não fim. Toda a humanidade estará no estado “para sempre”, no céu
ou no inferno. Para Barth, o homem é capaz de participar do tempo
sem fim (não eterno!) devido à obediência ativa e passiva de Jesus
Cristo, seu sepultamento, sua ressurreição, sua ascensão à destra
de Deus Pai. Mas trata-se do tempo relegado ao tempo fora da
história.
Capítulo 12: Barth e Calcedônia
A visão calcedônica de cristologia é apropriadamente resumida no
Breve catecismo de Westminster (R. 22): “Cristo, o [divino] Filho de
Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo, e uma alma
racional, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da
virgem Maria, e nascido dela, mas sem pecado”. Em sentido básico,
são duas as opções à cristologia de Calcedônia. Uma é o
alexandrismo e a outra é o antioquismo. O alexandrismo extremado
tende ao docetismo (que enfatiza a natureza de Cristo acima da
humana); já o antioquismo extremado, tende ao nestorianismo (com
ênfase na natureza humana de Cristo acima da divina). Karl Barth
não cai em nenhum desses extremos, embora vejamos uma
tendência ao favorecimento do alexandrismo.[96]
Barth acreditava na divindade de Jesus Cristo bem como na sua
humanidade. Ele cria no nascimento virginal de Cristo, sua morte
substitutiva na cruz, seu sepultamento, ressurreição e ascensão. Ele
também ensinava o conceito tradicional da obediência ativa e
passiva de Cristo; a primeira ligada à obediência sem pecado de
Cristo à lei de Deus no ministério terreno e a última em relação a
seu sofrimento, em particularmente a obra na cruz no final da vida
terrena. Nas palavras de Barth: “Quando pronunciamos o nome de
Cristo não é o simples verbete de uma realidade superior”. Ora, “o
platonismo não intervém aqui” (p. 92). Ao mesmo tempo, como visto
acima, Barth acreditava que a ressurreição deve ser entendida
como ocorrendo na Geschichte, não na Historie.[97] De fato, como
explicou Van Til, com Karl Barth há um sentido em que “todas” as
questões concernentes ao evento Cristo ocorrem na Geschichte,
não na Historie.[98]
Com respeito à doutrina da encarnação de Cristo, Barth, com o
Breve catecismo de Westminster (R. 22), citado acima, afirmava que
Cristo não abandonou nenhum dos seus atributos quando tomou
sobre si a natureza humana. Embora fosse plenamente Deus, Cristo
tornou-se homem. A doutrina de Barth sobre a unidade perfeita da
natureza humana e divina de Jesus Cristo, que aconteceu devido à
obra do Espírito Santo, é uma e a mesma da ortodoxia reformada,
uma doutrina chamada enhypostasis, isto é, a natureza humana não
tem nenhum modo separado de existência à parte da união com o
Logos divino. Além disso, Barth, com João Calvino antes dele,
ensinou a doutrina reformada do extra-Calvinisticum (o extra
calvinista), isto é, que embora o Logos esteja plenamente unido à
natureza humana de Cristo, o Logos divino nunca está plenamente
contido na humanidade de Cristo.[99]
Já observamos que, devido aos “altos” conceitos cristológicos,
alguns estudiosos acreditam que Barth tenha caído numa forma de
“cristomonismo”, onde os outros dois membros da Deidade tornam-
se pouco mais que amálgamas do Filho. Mas esse não é o caso. Ele
pode ter enfatizado demais o caso (este escritor crê que sim), mas
Barth reconheceu com nitidez (e de forma correta) a centralidade de
Jesus Cristo em toda a ordem criada que Deus trouxe à existência
para sua própria glória. A Bíblia ensina que Jesus Cristo é a pedra
de toque de todo o conhecimento de Deus no sentido cristão, e a
pedra de toque de toda a teologia (v. Jo 1.18; 14.6; Mt 11.25-30). A
igreja de Jesus Cristo deve aprender essa verdade e se apropriar
dela.
Capítulo 13: Barth sobre pneumatologia
O capítulo XXI, “Creio no Espírito Santo” (p. 197-202), tem como
sua principal proposição o seguinte: “Quando os homens pertencem
a Jesus Cristo de tal maneira que eles têm liberdade para
reconhecer sua Palavra como destinada também a eles, sua obra
como realizada também para eles, a mensagem sobre ele como
também sua tarefa; e assim, por sua parte, liberdade para esperar
pelo melhor de todos os outros homens, isto acontece, na verdade,
como sua experiência e ação humanas, e mesmo que não em
virtude da sua capacidade, determinação e esforço humanos, mas
somente na base do Dom gratuito de Deus, no qual tudo isto é
concedido a eles. Neste ato de conceder e dar, Deus é o Espírito
Santo” (p. 197).
Embora o artigo diga respeito à crença na terceira pessoa da
Divindade, diz o autor: “As afirmações [...] estão direcionadas ao
homem”. É importante entender que “o homem pertence ao Credo”,
pois os autores do Credo dos apóstolos desejavam que
soubéssemos que o homem tem uma responsabilidade no plano da
criação divina para a história. O homem tem uma tarefa a realizar
para Deus, e ela é executada no poder “do Espírito Santo” (p. 198).
Tendo feito esse ponto, contudo, o autor começa a incorrer mais
uma veze em uma forma de universalismo. Embora haja alguns
“homens especiais” que pertençam a Cristo “de uma maneira
especial” por terem “a liberdade de reconhecer sua Palavra, sua
obra, sua mensagem em uma maneira precisa, e também esperar
de sua parte o melhor para todos os homens”, devemos afirmar que
“há uma conexão geral de todos os homens com Cristo”. Ele
“morreu por todos os homens e ressuscitou por todos os homens;
portanto, todo homem é enfocado na obra de Jesus Cristo”. Sua
promessa é “para toda a humanidade”. E quando Jesus Cristo
“sopra sobre nós [homens]”, quando ele nos envia o seu Santo
Espírito, então nos tornamos homens “livres”, especiais (p. 198-9).
Barth conclui o capítulo com o ensino de que a obra do Espírito
Santo e a obra de Cristo estão inseparavelmente relacionadas: “O
Espírito não pode ser separado de Jesus Cristo”. Nas palavras do
apóstolo Paulo: “O Senhor é o Espírito” (2Co 3.17). O Espírito Santo
é o membro da Divindade que aplica a obra de Cristo à humanidade
(p. 201). É ele, a terceira pessoa da Trindade, que traz a Palavra de
Deus ao homem e concede a ele o coração humilde e contrito para
colocar sua fé na Palavra guiada pelo Espírito. Ele faz o eleito jazer
sob o domínio da obra do Espírito Santo em toda a sua vida diante
de Deus.[100] A visão bartiana é explicada por Geoffrey Bromiley da
seguinte forma:
O Espírito Santo é quem reúne a comunidade [de pecadores eleitos],
efetuando a reconciliação de modo subjetivo em uma autoatestação
divina livre a nós — pois em nós mesmos não temos nenhuma
capacidade de saber ou crer. Nessa obra o Espírito é o Espírito de
Deus, o Espírito do Deus que age em Jesus Cristo, o Espírito enviado
pelo Pai e o Filho para testemunhar da graça do Filho e do veredicto do
Pai, e assim despertar o homem ao conhecimento do Deus
reconciliador.[101]
Capítulo 14: Barth sobre Eclesiologia
O capítulo XXII, “A igreja, sua unidade, santidade e universalidade”
(p. 203-13), tem como principal proposição o seguinte: “Desde que
aqui e acolá, através do Espírito Santo, os homens se encontram
com Jesus Cristo e, desta forma, também um com o outro, a
comunidade cristã visivelmente surge e existe aqui e acolá. É uma
forma do único, universal e santo povo de Deus, e uma comunhão
de homens e obras santas, que se submete ao governo único de
Jesus Cristo, em quem ela está fundamentada, que também almeja
viver somente no cumprimento do seu serviço como embaixadora,
reconhecendo seu objetivo unicamente na sua esperança, que é o
seu limite” (p. 203).
Quando se chega ao capítulo XXII passa-se a estudar a eclesiologia
(a doutrina da igreja). A igreja, diz o autor, é a Kyriake Oikia (a
“Casa do Senhor”). É o lugar onde “homens especiais” do Senhor,
os “chamados” (do grego ekklēsia), se unem em uma “associação
especial” na igreja, e são congregados pelo “Espírito Santo” (p. 204-
5). O autor acredita que a igreja é o corpo de Jesus Cristo, criado e
renovado pelo Espírito. Embora Cristo agora habite em sua “forma
histórica e celestial”, à destra do Pai, ele também habita em sua
“forma histórica e terrena” na igreja cristã.[102] Barth concordaria
com a Confissão de fé de Westminster (19:3) que, sob a economia
do Antigo Testamento, Israel é a “igreja sob sua tutela”, enquanto na
era do Novo Pacto a igreja chegou à maturidade. Todavia, como
ensinam os textos de Romanos 9-11, o Israel nacional tem um lugar
no plano escatológico de Deus.[103]
Karl Barth adere à distinção feita nos círculos reformados entre
igreja universal e local. Embora haja muitas “igrejas particulares” ao
redor do mundo, há um “único, universal e santo povo de Deus”, que
constitui “a comunhão dos santos”. Todavia, Barth se sente
desconfortável com o uso do termo “igreja invisível” ao lidar com a
eclesiologia. Ele acredita na existência de dois ofícios na igreja:
presbítero e diácono. O primeiro tem respeito ao serviço da
liderança eclesiástica e a proclamação da Palavra de Deus; o
segundo se preocupa com as necessidades físicas e materiais.
Barth sustenta a visão tradicional de certas “marcas” que distinguem
a verdadeira igreja de Jesus Cristo. Essas marcas são a fiel
“proclamação da Palavra de Deus”, a fiel “administração dos
sacramentos”, o governo eclesiástico apropriado e a “teologia”
sadia. Por meio do uso apropriado dessas marcas (que funcionam
como meios de graça), a igreja é edificada por Cristo por meio do
Espírito Santo. A igreja, como o indivíduo, está no processo de
santificação. Barth também afirmava, com o Credo niceno-
constantinopolitano (381 d.C.) que a igreja é “una, santa, católica
[universal] e apostólica”. Por último, diz o autor, a igreja genuína
reconhece sua “comissão”, de acordo com Mateus 28.18-29 e
Marcos 15.15,16: “Pregar o evangelho a toda criatura”. Dessa
forma, a igreja de Cristo é dirigida pelo Espírito Santo para fazer
avançar o reino de Deus na terra (p. 210-3).
Capítulo 15: Barth sobre hamartologia

A principal proposição do capítulo XXIII, “O perdão dos pecados”


(p. 215-20), consiste em: “O homem cristão olha para trás e, apesar
do seu pecado, recebe o testemunho, através do Espírito Santo e
através do santo batismo, da morte de Jesus Cristo e assim da
justificação da sua própria vida. Sua fé, por último, está fundada no
fato de que o próprio Deus, tomando o lugar do homem em Jesus
Cristo, assumiu responsabilidade incondicional por seu caminho”
(p. 215). Aqui se lida com a doutrina do pecado (hamartologia).
O perdão dos pecados pressupõe o fato que o pecado está no
mundo, e o pecado entrou no mundo com a Queda do homem (que
se deu em sentido primário por causa do “orgulho”). Em Adão,
ensina Barth, toda a humanidade caiu. O pecado levou o homem à
condição de “indolência” e “miséria”, deixando-o no estado de
depravação total. Como explica a Confissão fé de Westminster (6.2,
4):
Por este pecado [original] eles decaíram da sua retidão original e da
comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e
inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do
corpo e da alma [...] Desta corrupção original pela qual ficamos
totalmente indispostos, adversos a todo o bem e inteiramente inclinados
a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais.

Na visão bartiana, Adão é um tipo de Cristo, o segundo Adão, que


cumpriu tudo que o primeiro Adão falhou em cumprir. Cristo é o
novo cabeça da raça humana, e eclipsa em muito a Adão. O cristão
tem todos os pecados perdoados: passados, presentes e futuros.
Ele possui, em Cristo, a justiça alheia, isto é, a justiça de Cristo.[104]
“O perdão dos pecados” que o “homem cristão” tem se deve à obra
de Jesus Cristo na cruz; ela é aplicada pelo Espírito Santo. Nós,
cristãos, “estamos juntos com ele [Cristo] no Espírito Santo” (p. 215-
6). Portanto, “o perdão dos pecados” mencionado no capítulo nos
leva à “ressurreição dos mortos” ensinada no capítulo seguinte. O
perdão dos pecados, que jaz atrás de nós, cristãos,[105] é
testemunhado pelo sacramento do batismo, como ensina o
“testemunho da Palavra de Deus”. Por esse motivo Barth adere à
doutrina do credobatismo e não ao pedobatismo. O testemunho
bíblico do sacramento do batismo sempre retrata em primeiro lugar
a ação soberana de Deus do batismo pelo Espírito Santo (na
regeneração). Isso é então seguido pela ação humana de resposta
no batismo com água. Como afirma o texto de Romanos 6.4:
“Fomos, pois, sepultados com ele [Cristo] na morte pelo batismo”, o
batismo em águas é capaz apenas de “olhar para trás”, para o
pecado “perdoado” em Cristo. O cristão reconhece que “a justiça de
Jesus Cristo agora é minha justiça”. A pessoa se torna “justa diante
de Deus [...] somente pela fé em Jesus Cristo” (p. 219).[106]
O parágrafo final do capítulo parece consistir na tentativa de Barth
de evitar a doutrina do universalismo:
Aqui está a distinção entre o cristão e o pagão, o cristão e o judeu. O
que não passa sobre esta lâmina afiada do perdão de pecados, ou
graça, não é cristão. Por isto seremos julgados, sobre isto o Juiz um dia
questionará, quer você viva pela graça ou já escolheu deuses para si
mesmo, ou talvez queira se tornar como um. Você tem demonstrado a fé
de um servo, que não tem do que se jactar? Neste caso você é aceito;
desta forma você sem dúvida tem sido misericordioso também e tem
perdoado seus devedores; também tem seguramente confortado outros
e sido a luz, suas obras também têm se demonstrado boas, obras que
fluem do perdão dos pecados. A pergunta sobre estas obras é a
pergunta do Juiz, que temos de enfrentar. (p. 220)
O parágrafo parece estar em contraste rígido com outras
declarações analisadas neste livro. Talvez seja parte de sua
“teologia do paradoxo”. Afinal, a visão exposta na conclusão deste
capítulo e a visão aparentemente adotada no restante do seu ensino
no livro simplesmente não se harmonizam.
Capítulo 16: Barth sobre escatologia

O capítulo XXIV, “A ressurreição do corpo e a vida eterna” (p. 221-


4), que é o último capítulo do livro, tem como principal proposição o
seguinte: “O olhar do cristão para além e apesar da sua morte,
recebe do Espírito Santo e da Ceia do Senhor o testemunho da
ressurreição de Jesus Cristo e assim da conclusão da sua própria
vida. Sua fé nisto está fundamentada no fato de que, uma vez que
ao homem é permitido tomar, em Jesus Cristo, o lugar de Deus, foi-
lhe concedido a participação incondicional na glória de Deus”
(p. 221).
Enquanto no capítulo anterior sobre “o perdão dos pecados” vimos
que o cristão “olha para trás” para o pecado perdoado, neste
capítulo o cristão olha “adiante”, para a promessa futura da
“ressurreição do corpo e vida eterna”. Na vida a pessoa crê em
Jesus Cristo “e pode apenas crer, e não ver”. Mas na esperança da
“ressurreição” ela “olha adiante [...] para a vida após a morte”. A
ressurreição “significa não a continuação desta vida, mas sua
conclusão”, isto é, a vida como deveria ser, em toda a sua plenitude.
Então o cristão será capaz de enxergar o que agora é capaz apenas
de crer, por meio do ensino da Palavra de Deus (p. 222-3).
Enquanto o sacramento do batismo nas águas testemunha o perdão
dos pecados, o sacramento da ceia do Senhor, ensinado pelo
Espírito Santo por meio do “testemunho da Palavra de Deus”,
testifica a “ressurreição do corpo”. Como se afirma em 1
Coríntios 15: do mesmo modo que Cristo ressuscitou dos mortos,
também o cristão antecipa com alegria ser ressuscitado dos mortos
no último dia. “Se já morremos com Cristo, cremos que também com
ele viveremos” (Rm 6.8). Karl Barth escreveu: “A esperança cristã é
a semente da vida eterna. Em Jesus Cristo não estou mais num
ponto no qual posso morrer; nele nosso corpo já está [em sua
posição] no céu [...] Desde que recebemos o testemunho da Ceia do
Senhor, já vivemos aqui e agora na antecipação do eschaton,
quando Deus será tudo em todos”.
Conclusão
Karl Barth foi sem dúvida um dos maiores pensadores do século 20.
Muito do que ele ensinou está alinhado com o cristianismo bíblico.
Suas visões teológicas eram muito profundas, e dignas de
investigação. Todavia, como observamos, Barth promoveu a
teologia neo-ortodoxa que em algumas partes é antitética à doutrina
reformada ortodoxa. Quando alguém nega que a Bíblia é a infalível,
inerrante e inspirada verdade do Deus das Escrituras, essa mesma
pessoa nega a autoridade do próprio Deus que fala nas Escrituras
Sagradas e, portanto, sua conversão deve ser considerada muito
suspeita. A neo-ortodoxia não é o cristianismo bíblico e, se seguida
até suas conclusões lógicas, desviará a pessoa do ensino
verdadeiro da Palavra de Deus por meio de um abismo de
paradoxos lógicos e ensinos que não estão de acordo com a
Palavra divina.
O que dizer sobre Karl Barth? Ele era um homem genuinamente
convertido? O presente escritor lembra-se muito bem de uma
palestra de John Gerstner. Nela, ele comentou que, em 1962,
quando Karl Barth estava nos últimos anos do ministério, o teólogo
neo-ortodoxo foi indagado: “Qual foi a coisa mais profunda na
teologia que o senhor já aprendeu?”. Barth respondeu: “Jesus me
ama, isso eu sei, pois a Bíblia me diz assim!”. Os teólogos
especulam se essa foi uma declaração para demonstrar que, perto
do final da vida, ele mudou seus conceitos a ponto de, realmente,
ter abraçado o Jesus Cristo histórico como Senhor e Salvador, ou se
foi outro comentário enigmático dos lábios do teólogo campeão da
neo-ortodoxia. Na palestra, Gerstner comentou crer que Barth
amava de fato Jesus Cristo como John Gerstner amava o Senhor.
Barth havia mudado, a ponto de suas visões estarem mais
alinhadas com o ensino bíblico que nos primeiros anos. A verdade
da questão é: “Apenas Deus sabe”. A igreja cristã ortodoxa pode
aprender com Karl Barth, mas há muito também que se deve evitar.
O “bartianismo” tem com muita frequência feito incursões profundas
e danosas em igrejas que costumavam ser ortodoxas. Devemos nos
acautelar com diligência contra isso.
Soli Deo Gloria.
Apêndice: A neo-ortodoxia de Donald
Bloesch
Donald George Bloesch (1928-2010) foi professor emérito de
Teologia Sistemática no Seminário Teológico Dubuque (Iowa). Ele
escreveu várias obras teológicas, entre as quais um volume em dois
tomos sobre teologia sistemática, Essentials of Evangelical
Theology [A essência da teologia evangélica].[107] Dr. Bloesch
parece ortodoxo em grande parte de sua teologia. Paradoxalmente,
contudo, esse não é caso no ponto de partida da teologia: a Palavra
de Deus. A visão equivocada de Bloesch sobre a Escritura o deixa
sem o fundamento epistemológico de sua teologia.
Ele tenta encontrar com seriedade o meio-termo entre neo-
ortodoxia e a ortodoxia “de direita”. Alega ter um conceito elevado
da Escritura. Por exemplo, denuncia o liberalismo e convida à
teologia confessional baseada na Escritura Sagrada. Ele também
insiste na primazia da Escritura sobre as “experiências religiosas”. E
nega que os apócrifos e a tradição eclesiástica estejam em pé de
igualdade com a Bíblia.
Ainda que Bloesch tentasse se distinguir da neo-ortodoxia,
seus escritos o denunciavam. A sombra de Karl Barth aparece ao
longo das páginas de sua obra. Timothy George provavelmente
estava correto ao escrever: “Ao lado do falecido Bernard Ramm,
Bloesch provavelmente fez mais que qualquer outro teólogo
contemporâneo para avivar o interesse por Barth entre os
evangélicos”.[108]
De fato, às vezes é difícil distinguir a visão de Bloesch sobre
a Escritura do conceito dos teólogos neo-ortodoxos. Ronald Nash
escreveu: “Para Bloesch, a Bíblia é a Palavra de Deus só em
sentido indireto. Isto é, a Bíblia é a Palavra de Deus apenas quando
usada pelo Espírito Santo como instrumento do discurso de Deus”.
Bloesch se recusou a dizer que a letra da Bíblia é a revelação
divina. Antes, a Escritura é o “meio” pelo qual se ouve a Palavra de
Deus.[109] Obviamente, se a Escritura é apenas um meio, ela não
pode ser a Palavra.
Contudo, se a Bíblia é a Palavra de Deus apenas de modo
subjetivo e em sentido indireto, e se a letra da Bíblia não é a
revelação divina, como Bloesch poderia defender a teologia como o
fez? Sem um pou sto (“[um lugar] onde possa estar”) apropriado e
bíblico, Bloesch construiu toda a sua casa teológica em área
movediça.
Uma das últimas obras de Bloesch é Holy Scripture:
Revelation, Inspiration & Interpretation [Escritura Sagrada:
revelação, inspiração e interpretação],[110] o segundo volume de sua
magnum opus — uma teologia sistemática em sete volumes. Para
dizer o mínimo, trata-se de uma estranha mistura de ortodoxia e
neo-ortodoxia. O autor, por exemplo, nas primeiras páginas declara
que uma das razões de ter escrito o livro consistia em “defender a fé
evangélica ortodoxa — tanto dos seus amigos como inimigos”
(p. 11). Ele denunciou a posição do “literalismo biblicista”, bem como
do “latitudinarianismo bíblico” (a visão “que maneja
imprudentemente os textos bíblicos”). Bloesch então se propôs “à
terceira via”: a que busca o meio-termo (p. 11).
Bloesch não sustentava a visão que chamamos “racionalismo
evangélico” (a visão ensinada no Capítulo 1 da Confissão de fé de
Westminster), que “quase iguala a Escritura com a revelação divina
e encontra a verdade mediante a dedução de conclusões dos textos
apresentados na Escritura ou deriva princípios dos fatos registrados
na Escritura”. Nem ele crê na visão do “experiencialismo religioso e
ético” que torna a “experiência moral humana o critério supremo na
moldagem do entendimento teológico”. Antes, ele opta pela terceira
visão: um “evangelicalismo bíblico”. “Nessa visão”, diz o autor, “a
Bíblia é o meio ou canal divinamente preparado da revelação divina,
e não a revelação em si” (p. 18).
O autor parece afirmar que a Bíblia fala com precisão sobre a
história, e elogia muito os credos ortodoxos, p. ex., a Confissão de
Augsburgo, a Confissão escocesa e a Confissão de fé de
Westminster. Ele considera seus principais mentores teólogos
ortodoxos como Agostinho, João Calvino e Martinho Lutero (p. 11,
12).
Ao mesmo tempo, Bloesch distingue o que a Bíblia diz sobre
a história do que ela afirma “em sentido existencial”. Ele escreveu:
“Precisamos reconhecer que nem tudo registrado na Bíblia pode
corresponder de maneira exata com os fatos históricos e científicos
conhecidos hoje” (p. 37). Então, também, ele diz que outros
mentores primários são Karl Barth, Emil Brunner e Søren
Kierkegaard, e afirma: “A verdade do evangelho é em sentido
primário o relacionamento de correspondência pessoal entre o
divino Revelador e o crente” (p. 11, 12). Bloesch concorda com o
místico Bernardo de Claraval: “A Palavra de Deus não é
primariamente um livro de verdades e princípios gerais, mas uma
energia transformadora que traz luz à mente e poder à vontade”
(p. 21, 22).
A visão de Bloesch sobre a Escritura está errada e é
perigosa. Primeiro, ele crê que a Escritura contém contradições e
erros. Por exemplo, Bloesch disse que os autores da Bíblia
ensinaram a visão geocêntrica do mundo, acreditavam que os rins
eram os órgãos onde as emoções eram experimentadas, e que o
sangue era a “sede da vida”. O próprio Jesus ensinou que o grão de
mostarda era a menor das sementes, uma declaração
cientificamente incorreta. “Tais expressões na Bíblia”, escreveu
Bloesch, “não indicam um erro real, mas apenas a forma ou modo
no qual o ensino de Cristo chega até nós. Todavia, devemos
presumir que os escritores acreditavam nessas coisas — que nessa
medida estavam equivocados” (p. 109). (Isso não atribuiu erro a
Jesus Cristo, como aos autores da Escritura?)
Então há a visão do autor sobre ciência e história. A Bíblia
registra de maneira precisa a ciência e história, ou não? Bloesch
sugeriu que essas duas disciplinas podem nos dar verdade à parte
da Escritura, ou que elas devem ser consideradas iguais à
autoridade da Escritura? Há momentos em que ele parece crer
nisso, e então outros em que parece negar tal coisa.
O autor cita várias passagens em que “o que parece ser
imprecisões históricas e contradições internas pode prontamente ser
discernido na Escritura por qualquer pessoa que investigue”
(p. 109). Ele conclui, contudo, que “nenhum dos exemplos
anteriores prova que a Bíblia contém erro substantivo, embora
sejam suficientes para abalar a confiança de alguém na Escritura se
estiver baseada na precisão factual absoluta, de acordo com os
padrões da ciência moderna” (p. 110). Bloesch cita favoravelmente
C. S. Lewis (cujo conceito da Escritura não era bíblico), que afirmou:
A Bíblia não nos dá “ciência ou histórica impecável” (p. 125).
Bloesch continuou e disse que “muitas das chamadas contradições
são resolvidas quando as vemos à luz de toda a Escritura”. E: “Isso
não implica que cada texto possa ser harmonizado com outro, ou
que possa ser demonstrado que coincidem exatamente com a
história objetiva” (p. 112).
Para dizer o mínimo, isso é desconcertante. Dr. Bloesch
continuou: “Embora reconheça imprecisões factuais inocentes na
Bíblia, hesito em chamá-las erros. Prontamente concedo que as
formas de expressão na Escritura podem conflitar com a ciência,
mas a ciência não é a norma final, pois as teorias científicas estão
constantemente em estado de fluxo” (p. 117). Precisamente! Qual é
o motivo então para mencionar a “precisão factual da ciência
moderna” (ou, nesse caso, a objetividade da história)? O professor
parecia estar confuso. Quão diferente sua visão era da encontrada
no Capítulo 1 da Confissão de fé de Westminster (uma confissão,
deve-se lembram, que Bloesch tinha em alta estima), que fala do
“consentimento [consistência lógica] de todas as partes” da
Escritura, e continua para dizer que “a autoridade da Escritura
Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende
do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende
somente de Deus (que é própria verdade) que é o seu autor; tem,
portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus”.
Em segundo lugar, Bloesch tinha uma visão truncada da
lógica. Ele discordava que a lógica humana fosse idêntica à divina,
isto é, que houvesse um ponto de contato entre a lógica de Deus e a
do homem. “As duas nunca podem ser igualadas”, disse Bloesch
(p. 121, 293). O desprezo do autor à lógica é evidente quando se
posicionou contra “reduzir a mensagem da fé a axiomas da lógica”
(p. 29); e quando citou o neo-ortodoxo Thomas Torrance com
aprovação: a verdade da revelação bíblica não pode “ser capturada
pelos métodos analíticos da lógica formal” (p. 55).
A verdade, então, para o Donald Bloesch, não deve ser
igualada com as proposições da Escritura. No Capítulo 1 da
Confissão de fé de Westminster lê-se que Deus, “que é a própria
verdade”, revelou-se a nós na Escritura em declarações
proposicionais de “verdade infalível”. Bloesch, por sua vez, hesitou:
“A verdade na perspectiva bíblica é primariamente uma
confrontação do entendimento à realidade ontológica, em vez de
uma correspondência de percepção com a facticidade. A verdade é
participação na fonte criativa e no fundamento da verdade, em vez
de precisão técnica no registro de fatos. Não é o factual como tal
que é a norma para a verdade, mas o significado do factual da
revelação, o factual visto na relação com a autorrevelação divina em
Jesus Cristo” (p. 292).
Além disso, Bloesch escreveu: “Afasto-me de alguns de meus
colegas evangélicos, pois entendo o conteúdo divino das Escrituras
não como ensino racionalmente compreensível, mas como o
mistério da salvação declarado em Jesus Cristo” (p. 114). E disse da
revelação: “Todavia, a lei e o evangelho não podem ser equiparados
com as proposições objetivas dos credos da igreja ou da Escritura
Sagrada. Elas indicam o significado divinamente outorgado a essas
proposições, um significado que nunca está ao dispor da razão
natural” (p. 51, 52). “A revelação não pode ser assimilada em um
sistema compreensível e racional de verdade” (p. 289). Assim, por
que ele tentou escrever uma teologia sistemática?
Esse, sem dúvida, é o ensino de Søren Kierkegaard, Emil
Brunner, Karl Barth, Thomas Torrance e Herman Dooyeweerd. E se
essa linha de pensamento for levada à conclusão lógica (o
trocadilho é proposital), ficamos sem nenhum conhecimento de
Deus, ou de qualquer outra coisa. Por quê? Porque Deus detém
todo o conhecimento. E se haveremos de conhecer algo, nossos
pensamentos devem coincidir com os pensamentos de Deus.
Contudo, se o raciocínio humano for inválido, como alegam esses
supostos teólogos, então nunca se pode conhecer algo.
Em terceiro lugar, ao negar a visão bíblica da lógica, Bloesch
tem uma visão equivocada dos paradoxos bíblicos. O cristianismo
ortodoxo mantém que a Escritura contém paradoxos retóricos: o
recurso literário para desafiar ou despertar interesse no intelecto do
leitor (p. ex., Mt 10.39; Jo 11.25, 26). Todavia, os paradoxos lógicos
são totalmente diferentes. Aqui temos a situação de uma afirmação
que contradiz a si mesma. A afirmação não pode ser reconciliada no
tribunal da razão humana. Enquanto o cristianismo ortodoxo ensina
que, por Deus não ser o autor de confusão (1Co 14.33), não se
podem encontrar paradoxos lógicos na Escritura, Bloesch objeta
(como o faz a neo-ortodoxia, por vezes descrita como a “teologia do
paradoxo”). Há, diz o autor, um “relacionamento paradoxal” entre a
“importância da teologia da Bíblia” e o Espírito Santo (p. 11, 12). “A
verdade da fé”, escreveu Bloesch, “inclui o mistério, expresso na
forma de paradoxo, que desafia o pensamento racional” (p. 77). “A
verdade na perspectiva evangélica é paradoxal no sentido da
revelação — não pode ser compreendida pelo raciocínio reflexivo,
apenas pela paixão da fé” (p. 295). Então, no estilo de Kierkegaard,
seu mentor, ele alega que o testemunho da Encarnação “será
necessariamente paradoxal, pois o próprio evento é um paradoxo
para o entendimento humano” (p. 301).
Em quarto lugar, o autor se preocupou muito com o fato de
Jesus Cristo ter a natureza humana e a divina, também existe um
lado humano e outro divino na Escritura. Os modernistas erram, ele
afirmou, ao ignorar o lado divino da Escritura, enquanto os
fundamentalistas erram ao ignorar o lado humano. Bloesch insistiu
com propriedade que os dois lados devem ser reconhecidos.
Contudo, disse, o autor, como Cristo é plenamente humano e
plenamente divino, também o é a Escritura. E, como Ronald Nash
argumentou: “Isso ele [Bloesch] nos dá como razão para a recusa
(como ele o faz) a igualar as palavras da Bíblia com a Palavra de
Deus”.[111]
Por exemplo, Bloesch escreveu: “A Bíblia tem uma
humanidade real, assim como Jesus Cristo e sua igreja [...] [Quem
nega isso?] Não podemos posicionar dentro da história uma Palavra
de Deus pura e destilada, livre de todos os traços humanos [...]
[Quem fez isso?] A participação da Bíblia na verdade da revelação
divina é análoga à participação de Jesus o homem em Cristo como
Deus” (p. 69). “A Palavra de Deus não pode ser congelada nas
páginas da Escritura” (p. 67). Bloesch apresentou um non sequitur:
“Se estabelecermos a identidade absoluta entre as palavras da
Bíblia e a Palavra de Deus, então cada mandamento na Escritura
torna-se um mandamento universal ou absoluto [...] não posso
aceitar a visão de James Packer de que os pensamentos dos
‘escritores bíblicos’ são, ‘de maneira estrita e precisa, os
pensamentos comunicados por Deus’. Nem toda ideia expressa na
Escritura é a ‘mente de Cristo’” (p. 58). E novamente: “Alguém
poderia dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus num sentido formal
— assim como lâmpada está relacionada com a luz. A que não é ela
mesma a luz, mas o seu meio” (p. 59).
Que estranho! Seria mais plausível dizer que a lâmpada é a
fonte, não o meio. O cristianismo ortodoxo da mesma forma insiste
que a Bíblia tem tanto um lado humano quanto divino. Contudo, o
lado humano não reduz a Escritura a algo menos que revelação
divina. A Bíblia foi escrita por homens, mas foi escrita por homens
que falavam “movidos pelo Espírito Santos” (2Pe 1.21). Eles não
escreveram nada além do pretendido por Deus, tornando assim
seus escritos infalíveis e inerrantes. Jesus mesmo, como homem e
segunda pessoa da Trindade, falou palavras que eram a um só
tempo humanas e divinas. Ele disse: o que alguém lê na Bíblia,
escrito por autores humanos, é “o que Deus vos declarou”
(Mt 22.31). “Toda Escritura” (escrita por homens), afirma Paulo, “é
inspirada por Deus” (2Tm 3.16). Gordon H. Clark, após citar 2
Samuel 23.2 e Atos 1.16, escreveu: “O significado desses versículos
é inconfundível. Nenhuma exegese poderia torná-los mais claros.
Eles dizem explicitamente que as palavras procedentes da boca de
Davi e registradas no manuscrito eram as palavras do Espírito
Santo. Visto que essas palavras são as próprias palavras de Deus,
estamos plenamente justificados em concluir que elas são
verdadeiras, infalivelmente verdadeiras”.[112]
Nesse ponto também é difícil distinguir o conceito da
Escritura de Bloesch do da neo-ortodoxia. Ele desejava se distanciar
da neo-ortodoxia quando escreveu: “O erro neo-ortodoxo consiste
em sugerir que a Palavra de Deus tem uma relação apenas
acidental com a Bíblia pelo fato de Deus, vez por outra, falar por
meio dela” (p. 72, 73). A tentativa de encontrar o meio-termo (como
foi observado antes) é notória na seguinte declaração confusa: “A
Bíblia é a revelação e a portadora da revelação. É a revelação
lançada em forma escrita e o testemunho originário da revelação. É
um componente da revelação e um veículo da revelação. Ela
objetivamente contém revelação no sentido de que seu testemunho
se baseia na revelação” (p. 63). Todavia, o autor também diz que a
Escritura “se torna revelação para nós só no momento da decisão,
no despertar da fé [...] a Escritura é a fonte mediata da revelação;
contudo, só Jesus Cristo é a fonte original ou eterna” (p. 63).
De acordo com a citação feita antes, Bloesch negou que a
Escritura fosse revelação e que a revelação poderia ser igualada a
“proposições objetivas”. Ele se opôs a “reduzir” a Palavra de Deus”
às “proposições da Bíblia” (p. 151). Ora, é verdade que a Palavra de
Deus não deve ser reduzida a apenas “proposições da Bíblia”. O
que pode ser logicamente deduzido das proposições da Escritura
também é Palavra de Deus. Nas palavras do Capítulo 1 da CFW:
“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas
necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do
homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser
lógica e claramente deduzido dela”. Mas não é a isso que o Dr.
Bloesch se referiu; seu problema era com “proposições objetivas”.
Ele escreveu: “Para o teólogo bíblico, a verdade não é um princípio
ou ideia universal [...] É primeiro de tudo não uma proposição, mas
um relacionamento” (p. 294). Essa proposição é verdadeira? Talvez
o Donald Bloesch devesse expressar sua verdade sem palavras ou
proposições. Assim, seu livro seria mais curto. “A Escritura em si
mesma é a Palavra de Deus escrita, e compreende, em virtude de
sua inspiração divina, um testemunho confiável da verdade revelada
por Deus em Jesus Cristo. Contudo, ela se torna a Palavra viva
quando de fato nos comunica a verdade e o poder da cruz de Cristo
por meio da iluminação do Espírito” (p. 25, 26). Ele deixou explícita
a rejeição da Bíblia: “A Bíblia em e de si mesma não é a Palavra de
Deus — revelação divina — mas é translúcida a essa revelação em
virtude de o Espírito Santo trabalhar nela e na mente do leitor e
ouvinte” (p. 27).
Bloesch continuou e escreveu: “Nem toda ideia expressa na
Escritura é a mente de Cristo” (p. 58). “A Bíblia não é a palavra de
Deus encarnada, mas é o documento da revelação da palavra de
Deus [...] a Escritura está a um passo da revelação” (p. 67, 68).
Do mesmo modo, Bloesch pareceu ensinar que a Escritura
torna-se revelação apenas quando energizada pelo Espírito Santo.
Ele quis dizer que a revelação bíblica nos dá uma verdade objetiva;
a Escritura afirma que os ensinos da Escritura são verdadeiros, quer
alguém creia neles ou não, mas Bloesch discordou. Para ele a
Palavra de Deus é apenas uma palavra natural e humana se não for
direcionada pelo Espírito (p. 61). Como Nash declarou: “Uma falha
básica do tratamento dado por Bloesch às Escrituras é sua contínua
confusão dos dois sentidos diferentes da verdade. É difícil encontrar
algum lugar em sua discussão da revelação e da Bíblia onde
Bloesch admita que uma declaração particular na Escritura é
verdadeira (e revelacional) se não for também para salvação”.[113]
Por exemplo, Bloesch citou com aprovação A. W. Tozer,
quando este escreveu: “A mente pode compreender a casca [da
verdade bíblica], mas só o Espírito de Deus pode se apossar da
essência interna [...] Esquecemo-nos de que a essência da verdade
espiritual não pode chegar a alguém que conheça a casca externa
da verdade a menos que haja primeiro uma operação miraculosa do
Espírito dentro do coração” (p. 69). Isso é absurdo. Quão difícil é
para o incrédulo, por exemplo, entender que a Bíblia ensina que
Jesus Cristo nasceu em Belém (Lc 2.1-7)? Essa verdade pode ser
compreendida apenas pela mente regenerada? Tiago 2.19 não
ensina que mesmo os demônios não regenerados possuíam um
conhecimento de certa verdade bíblica?

Conclusão
Embora o Dr. Donald Bloesch expressasse amor a Cristo e sua
Palavra escrita, algo do que ele disse seja verdadeiro com respeito
à fé reformada histórica, sua visão da Escritura é falsa. Se alguém
levar o conceito do “meio-termo” sobre a Palavra de Deus — que
parece ao presente escritor ser quase neo-ortodoxo — à sua
conclusão lógica, se verá atolado em ceticismo.
Quando alguém nega ser a Bíblia a própria Palavra de Deus,
essa pessoa não pode ter nenhum conhecimento certo a respeito de
Jesus Cristo: a Palavra de Deus encarnada. A Bíblia deve ser o
ponto de partida axiomático do cristão. A Escritura como Palavra de
Deus vem em primeiro lugar; todas as doutrinas são deduzidas a
partir desse ponto de partida. Por isso os teólogos de Westminster
começaram seu estudo de teologia sistemática com “Da Escritura”,
no Capítulo 1 da Confissão. Ali se lê: “Todo o conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para
a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na
Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura
nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações
do Espírito, nem por tradições dos homens”.
Sendo esse o caso, não posso concordar com Timothy
George quando escreveu: “Há muitos pontos na doutrina de Bloesch
sobre a Escritura que podem ser calorosamente adotados por todos
os evangélicos”.[114] Como Salomão advertiu séculos atrás, quando
alguém abraça o fogo sairá queimado (Pv 6.27). Ou, nas palavras
de Amós, dois não podem andar juntos a menos que estejam em
acordo (3.3). E de todos os pontos em que a concórdia é
necessária, o mais importante é o ponto de partida do cristianismo:
a Escritura.

[1] John Webster, “Introducing Barth”, The Cambridge Companion to Karl


Barth, John Webster, org. New York: Cambridge University, 2000, p. 1.
[2] Alan Cairns, Dictionary of Theological Terms. Greenvile: Ambassador
Emerald Internacional, 2002, p. 298.
[3] R. V. Schnucker, “Karl Barth”, Evangelical Dictionary of Theology, Walter A.
Elwell, org. Grand Rapids: Baker Book House, 1984, p. 126.
[4] J. B. Webster, “Karl Barth”, New Dictionary of Theology, Sinclair B.
Ferguson; David F. Wright, orgs. Downers Grove: InterVarsity, 1988, p. 76.
[5] Gerald R. McDermott, The Great Theologians. Downers Grove: IVP
Academic, 2010, p. 170.
[6] Cornelius Van Til, Christianity and Barthianism. Philadelphia: Presbyterian
and Reformed Publishing Company, 1962, p. vii. Essa não é a opinião de Van
Til; basta conferir o livro dele contra o bartianismo. Van Til apenas cita a
crença de alguns teólogos de seus dias.
[7] The Oxford Encyclopedic English Dictionary, Joyce M. Hawkins; Robert
Allen, orgs. New York: Clarendon, 1991, p. 116.
[8] J. C. McDowell, “Karl Barth”, New Dictionary of Christian Apologetics, W. C.
Campbell-Jack; Gavin McGrath, orgs. Downers Grove: InterVarsity, 2006,
p. 106.
[9] Curt Daniel, The History and Theology of Calvinism (Springfield: Good
Books, 2003), p. 152. Essa não é a opinião do Dr. Daniel; ele apenas cita o
pensamento de alguns teólogos.
[10] John Robbins, “Karl Barth”, The Trinity Review (February 1998), p. 1.
[11] Citado em: McDermott, The Great Theologians, p. 171, n. 96. Infelizmente,
Dr. Barth não abraçou os ensinos de Calvino.
[12] Barth mais tarde ensinou que os dois “movimentos [mais] equivocados” de
seus dias eram o liberalismo e o catolicismo romano; os dois continham mais
elementos “humanos” que divinos ligado a eles.
[13] Curt Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 152-3; v. tb.
Webster, “Karl Barth”, p. 76-7; Schnucker, “Karl Barth”, p. 126-7; Robbins,
“Karl Barth”, p. 1.
[14] Citado em: Christopher Schwoebel, “Theology”, The Cambridge
Companion to Karl Barth, p. 20.
[15] Gordon H. Clark, Karl Barth’s Theological Method (The Trinity Foundation,
1963, 1997), p. 52-54; W. L. Reese, Dictionary of Philosophy and Religion:
Eastern and Western Thought (Atlantic Highlands: Humanities, 1980), p. 50.
[16] Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 153; Robbins, “Karl
Barth”, p. 1; Reese, Dictionary of Philosophy and Religion: Eastern and
Western Thought, p. 50.
[17] Para mais sobre “dialeticismo”, v. Van Til, Christianism and Barthianism,
p. 217-315.
[18] Nigel Biggar, “Barth’s Trinitarian Ethic”, The Cambridge Companion to Karl
Barth, p. 213-5; Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 153.
[19] A tradução inglesa, feita por G. T. Thomson, foi lançada em 1949 e
posteriormente em 1959, com o título Dogmatics in Outline. O título original do
livro é Dogmatik im Grundriss [N. do T.]
[20] Tradução de Paulo Zacarias (Fonte Editorial, 2006). A paginação dessa
tradução é usada ao longo deste livro.
[21] Allan Torrance, “The Trinity”, The Cambridge Companion to Karl Barth,
p. 81.
[22] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. x.
[23] Philip Schaff, org., The Creeds of Christendom. Grand Rapids: Baker Book
House, 1983, vol. II, p. 3.
[24] O. G. Oliver, “Apostles’ Creed”, Evangelical Dictionary of Theology, Walter
A. Elwell, org. (Grand Rapids: Baker Book House, 1984), p. 72-3.
[25] Citado em: Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I, p. 15-6.
[26] Institutas, II:16:18.
[27] Assembly’s Digest, p. 11. Citado por A. A. Hodge, Confissão de fé de
Westminster comentada.
[28] Oliver, “Apostles’ Creed”, p. 72.
[29] Philip Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I, p. 14.
[30] Para saber mais sobre a história, desenvolvimento e datação do Credo
dos apóstolos, v. Philip Schaff, The Creeds of Christendom, vol. II, p. 45-51; e
Oliver, “Apostles’ Creed”, p. 72-3.
[31] Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I, p. 14-7; Kenneth L. Gentry, Jr.,
“The Historical Problem with Hyper-Preterism”, When Shall These Things Be?,
Keith A. Mathison, org. (Phillipsburg: P & R Publising Company, 2004), p. 20-
3.
[32] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 4.
[33] Karl Barth’s Theological Method, p. 60-9.
[34] John H. Gerstner questiona o caráter “essencial” das boas-obras no
ensino de Karl Barth; v. Theology in Dialogue (Morgan: Soli Deo Gloria, 1996),
p. 459.
[35] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 31-3, 214-7.
[36] McDowell, “Karl Barth”, p. 107.
[37] Nas Institutas, Calvino começa a teologia sistemática pela doutrina da
revelação. A Confissão de fé de Westminster segue o mesmo padrão. O
Capítulo 1 da confissão é intitulado “Da Sagrada Escritura”.
[38] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 13.
[39] A forte declaração de Karl Barth contra qualquer forma de teologia natural,
na resposta escrita à visão de Emil Brunner sobre a teologia natural, intitulada
“Não!”, é bem conhecida; Webster, “Introducing Barth”, p. 6.
[40] McDowell, “Karl Barth”, p. 106. À luz da rejeição de todas as formas de
revelação, o comentário de Barth é bem desconcertante: “Deus nos fala por
meio do comunismo russo, por meio de um concerto de flauta, por meio de
um arbusto florescendo ou por meio de um cachorro morto. [E] que faz bem
quem ouvi-lo se ele assim falar”. Citado em: McDowell, “Karl Barth”, p. 107.
[41] Francis Watson, “The Bible”, The Cambridge Companion to Karl Barth,
p. 57-71; Clark, Karl Barth’s Theological Method, p. 26-7, 175-213; Daniel, The
History and Theology of Calvinism, p. 153.
[42] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 35-41.
[43] Citado em: Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 153.
[44] Robert L. Reymond, Introductory Studies in Contemporary Theology
(Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1968),
p. 91ss.; Ronald H. Nash, The Word of God and the Mind of Man (Grand
Rapids: Zondervan, 1982), p. 35 ss.
[45] A New Systematic Theology of Christian Faith. Nashville: Thomas Nelson,
1998, p. 12.
[46] A palavra “docetismo” vem do grego dokeō, que significa “parecer” ou
“aparentar”.
[47] Clark, Karl Barth’s Theological Method, p. 214-61. A citação (que é da
Dogmática eclesiástica de Barth) é da p. 218.
[48] Como viveremos?, p. 122.
[49] R. V. Schucker, “Neo-Orthodoxy”, Evangelical Dictionary of Theology,
p. 754-5.
[50] John Cortney Murray, conforme a citação de Gerstner, Theology in
Dialogue, p. 457.
[51] Robbins, “Karl Barth”, p. 2; Daniel, The History and Theology of Calvinism,
p. 164; George Hunsinger, “Karl Barth’s Christology”, The Cambridge
Companion to Karl Barth, p. 142; Clark, Karl Barth’s Theological Method,
p. 226-324. Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 23-4.
John Frame argumenta que na distinção entre Historie e Geschichte, Barth
segue Immanuel Kant. Kant diferenciava o mundo “fenomenal” do “noumenal”.
O primeiro é o mundo sujeito à análise histórica; é passível de ser conhecido
pela razão humana. Já o último, não. O mundo “noumenal” de Kant é o reino
das “coisas em si mesmas”, não sujeito à análise histórica nem à razão
humana. Frame liga a Historie de Barth ao reino “fenomenal” de Kant; a
Geschichte é mais parecida com o reino “noumenal” de Kant. Veja John
Frame, The Doctrine of the Word of God (Phillipsburg: P & R Publishing),
p. 32.
[52] The Theology of Jonathan Edwards. New York: Oxford University Press,
2012, p. 673.
[53] Richard Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms. Grand
Rapids: Baker Book House, 1985, p. 67; Bromiley, An Introduction to the
Theology of Karl Barth, p. 17.
[54] Ibid., p. 60-8.
[55] Ibid., p. xi.
[56] Veja Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 154.
[57] Sabélio (c. 200) foi um dos primeiros a ensinar essa visão errônea sobre a
Trindade.
[58] Karl Barth’s Theological Method, p. 43.
[59] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 21.
[60] A metafísica transcendental de Barth também resultou na negação da
analogia entis, i.e., o conceito de que todas as coisas no universo carregam
alguma analogia divina. O teólogo neo-ortodoxo comentou que essa doutrina
era “a invenção do anticristo”. Veja McClymond; McDermott, The Theology of
Jonathan Edwards, p. 699-700.
[61] Wolfhart Pannenberg criticou Karl Barth por aderir à abordagem
cristológica “desde cima”; citado em: R. S. Wallace, “Christology”, Evangelical
Dictionary of Theology, p. 227.
[62] “The Trinity”, p. 74.
[63] Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 154.
[64] Clark, Karl Barth’s Theological Method, p. 169.
[65] Torrance, “The Trinity”, p. 80-4.
[66] Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 154; Robbins, “Karl
Barth”, p. 2.
[67] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 149-51.
[68] Ibid., p. 151-5.
[69] Torrance, “The Trinity”, p. 88.
[70] “Grace and Being”, The Cambridge Companion to Karl Barth, p. 92.
[71] Barth negava o pacto de obras principalmente porque considerava
inconcebível um pacto não relacionado com Jesus Cristo. Veja James J.
Cassidy, “Francis Turretin and Barthianism: The Covenant of Works in
Historical Perspective”, The Confessional Presbyterian, Chris Coldwell, org.
(2009), vol. 5, p. 204.
[72] Alguns estudiosos rejeitam essa ideia defendida há muito: que existe uma
espécie de supralapsarismo no pensamento de Barth. Veja Shao Kai Tseng,
Karl Barth's Infralapsarian Theology: Origins and Development, 1920-1953
(Downers Grove: IVP Academic, 2016). [N. do T.]
[73] R. C. Sproul, St. Andrew’s Expositional Commentary: Romans (Wheaton:
Crossway Books, 2009), p. 279.
[74] McCormack, “Grace and Being”, p. 92-109; Daniel, The History and
Theology of Calvinism, p. 155.
[75] Wolfe Krotke, “The Humanity of the Human Person in Karl Barth’s
Anthropology”, The Cambridge Companion to Karl Barth, p. 165.
[76] Van Til, Christianity and Barthianism, p. 33, 435.
[77] Daniel, The History and Theology of Calvinism, p. 155.
[78] Wolfe Krotke, “The Humanity of the Human Person in Karl Barth’s
Anthropology”, p. 164-5.
[79] An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 95-7.
[80] Ibid., p. 99-106.
[81] Robert Reymond afirmou corretamente que Barth tendia a combinar a
pessoa e a obra de Jesus Cristo de tal modo que ele se aproximava com
perigo de rejeitar a distinção entre a pessoa de Cristo e sua obra; isso
significa que a pessoa de Cristo é a sua obra. Veja Reymond, A New
Systematic Theology of Christian Faith, p. 628 s.
[82] Van Til, Christianity and Barthianism, p. 434, 440, 451-2.
[83] Conforme citado por Krotke, “The Humanity of the Human Person in Karl
Barth’s Anthropology”, p. 167.
[84] “Grace and Being”, p. 92-109.
[85] Krotke, “The Humanity of the Human Person in Karl Barth’s Anthropology”,
p. 163.
[86] Ibid., p. 168-9.
[87] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 117-8.
[88] Krotke, “The Humanity of the Human Person in Karl Barth’s Anthropology”,
p. 169-70.
[89] O ensino de Bromiley sobre esse assunto é muito útil. Veja Bromiley, An
Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 156-72, 208-11.
[90] V., p. ex., a Confissão de fé de Westminster, caps. 10-18, 32-33.
[91] O Dr. Barth uma vez declarou que no que diz respeito ao Novo
Testamento, a palavra mais importante no idioma grego é hyper (“em favor
de”); Cristo morreu “em favor” do povo eleito de Deus. Veja Sproul, St.
Andrew’s Expositional Commentary: Romans, p. 293.
[92] Jay Adams comentou com propriedade a hediondez do feito de Pôncio
Pilatos na crucificação de Cristo ao dizer: “A ignomínia que [Pôncio Pilatos]
tem recebido ao longo das eras, como seu nome é conhecido por seu feito
nefasto [a crucificação de Cristo], continuará a ser anunciado a cada geração
sucessora enquanto o Credo dos apóstolos for recitado”. Veja The Christian
Counselor’s Commentary: The Gospel of John, the Letters of John and Jesus
(Woodruff: Timeless Texts, 1998), p. 187.
[93] Veja John H. Gerstner, Jonathan Edwards on Heaven and Hell (Morgan:
Soli Deo Gloria, 1998), p. 53 ss.
[94] Barth não usa os termos Historie e Geschichte neste capítulo, mas é
sobre isso que ele fala.
[95] Gordon H. Clark, God’s Hammer: The Bible and Its Critics (Jefferson,
Maryland: The Trinity Foundation. 1982), p. 175-90.
[96] Hunsinger, “Karl Barth’s Christology”, p. 127-39.
[97] Daniel, The History of Theology of Calvinism, p. 153; Hunsinger, “Karl
Barth’s Christology”, p. 142.
[98] Christianity and Barthianism, p. 13-29, 447-70.
[99] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 25-6; Muller,
Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, p. 111.
[100] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 28.
[101] Ibid., p. 191.
[102] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 191.
[103] Ibid., p. 90-3.
[104] Bromiley, An Introduction to the Theology of Karl Barth, p. 187-90.
[105] Barth diz o seguinte na p. 216: “Creio no perdão dos pecados — este é o
ponto no qual o cristão obviamente olha para trás no caminho do qual ele
vem. Não somente no momento da sua ‘conversão’, mas é o que acontece
sempre quando o cristão olha para trás: ele está olhando para o perdão dos
pecados”. [N. do T.]
[106] Veja James J. Buckley, “Christian Community, Baptism, and Lord’s
Supper”, The Cambridge Companion to Karl Barth, p. 204.
[107] San Francisco, Harper and Row, 1978, vols. I-II.
[108] Christianity Today (June 20, 1994), p. 38.
[109] The Word of God and the Mind of Man (Grand Rapids: Zondervan, 1982),
p. 124, 125.
[110] Downers Grove: InterVarsity, 1994.
[111] Op. cit., p. 126.
[112] God’s Hammer. Trinity Foundation, 1995, p. 53.
[113] Op. cit., p. 128.
[114] Op. cit., p. 38.

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