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O Pai sempre foi o Pai, o Filho sempre foi o Filho, e o Espírito Santo
sempre foi o Espírito Santo.
A principal proposição do capítulo VII, “O Deus Todo-Poderoso”
(p. 59-64), é a seguinte: “O que distingue a potência de Deus da
fraqueza, o que a eleva acima de todos os outros poderes e o que a
opõe vitoriosamente à ‘força em si’, é que ela é a potência do direito
decorrente do amor que ele fez brilhar em Jesus Cristo. Em
consequência, a potência de Deus contém, qualifica e delimita todo
o domínio do possível e domina absolutamente o conjunto do real”
(p. 59). Embora “Todo-Poderoso” seja a única perfeição mencionada
pelo Credo, Barth neste capítulo fala dos atributos do Deus Triúno:
amor, verdade, onipresença, infinidade, eternidade, asseidade,
liberdade, justiça, misericórdia, paciência, bem como onipotência
(p. 59-61). Ele endossaria o ensino do Breve catecismo de
Westminster (R. 4): “Deus é um Espírito infinito, eterno e imutável,
em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e
verdade”. O Deus triúno das Escrituras possui todas as perfeições.
O capítulo VIII, “O Deus Criador” (p. 65-77), tem o seguinte como a
sua principal proposição: “Em se fazendo homem, Deus manifestou
e atestou que ele não quer existir unicamente para si nem ficar
solitário. Para o mundo distinto dele, ele concede propriamente a
realidade, a liberdade e uma maneira de ser. Sua Palavra é a força
que anima todo ente criado. Deus suscita, mantém e dirige toda
criatura para que ela manifeste sua glória, da qual o homem é
chamado a ser a testemunha ativa pela sua posição no centro da
criação” (p. 65). Nessa declaração o autor afirma a diferença entre
Deus e a criação, e nega assim qualquer forma de panteísmo. Deus
é o Criador; o universo é sua criação. Então, também, Deus criou o
universo ex nihilo (p. 73), isto é, a partir de nenhum material
preexistente. Além disso, ele é Criador e Sustentador providente da
ordem criada. Se fosse retirar sua mão soberana da obra de
sustentar o universo, ele pereceria instantaneamente (p. 74-6). Por
meio de todas as obras da criação e da providência, Deus
permanece perfeito e, nas palavras da Confissão de fé de
Westminster (5:4), “não é nem autor nem aprovador do pecado”
(p. 75-6).
Barth quer que acreditemos não ser apenas o Pai que cria e
sustenta o universo. Antes, isso é a obra de toda a Deidade (p. 76-
7). Mas a principal Pessoa a quem a obra de sustentar de forma
criativa e providencial é atribuída é a segunda pessoa da Divindade,
“a Palavra de Deus”, Jesus Cristo. Ele é a “Palavra de Deus”
mencionada em Hebreus 1.2, que cria e sustenta “todas as coisas”
(ta panta). E tudo isso “está atestad[o] na sagrada Escritura” para
nós (p. 76). O Logos eterno é o Criador até da própria natureza
humana; portanto, é Criador e criado (p. 65-7).
Como foi observado acima, Barth não acredita que Gênesis 1-11
diga respeito à história real. É melhor, ele ensinou, considerar esses
capítulos uma “saga”. O autor preferiu a palavra “saga” em vez de
“mito”, pois a última leva alguém a pensar em mera lenda, como os
mitos babilônicos. “Saga” é uma palavra mais acurada pois os
eventos de Gênesis 1-11 ocorreram na história da salvação, isto é,
na Geschichte, e não na Historie (p. 67). Assim, considerando o
dogma de Barth, não há dificuldade em endossar o pensamento
evolucionista (o mundo pode ter milhões de anos) ou o criacionismo
bíblico.[66]
O autor conclui o capítulo ao dizer que “o objetivo da criação”, bem
como de todas as coisas, é “que Deus seja glorificado”. Quando
Deus completou a obra da criação em Gênesis 1, lê-se que “era
muito bom” (v. 31), e tudo o que existe no universo, mesmo agora, é
para sua glória. O homem (sua criação) tem a responsabilidade de
“ser a testemunha dessa mesma glória” (p. 77). Como ensina no
Breve catecismo de Westminster (R. 1), “o fim principal do homem é
glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”.
Capítulo 7: Barth sobre criação e
providência
A principal proposição do capítulo IX, “O Céu e a Terra” (p. 79-87), é
a seguinte: “O céu é a parte da criação incompreensível para o
homem, a terra é a que ele pode compreender. O próprio homem é
a criatura posta no limite do céu e da terra. A aliança entre Deus e o
homem dá o seu sentido e seu objetivo, seu fundamento e seu valor
ao céu e à terra bem como a toda criatura” (p. 79). Quando o Credo
dos apóstolos confessa que Deus é o “Criador do céu e da terra”, a
expressão “céu e terra” é usada como um merisma; isto é, ela se
refere aos dois extremos do universo como todo o “conteúdo da
criação” (p. 81). Aqui o autor concordaria com o ensino da Confissão
de fé de Westminster (4:1), que “aprouve a Deus o Pai, o Filho e o
Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder,
sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis
dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou
invisíveis”.
Quando o autor menciona o céu como a criação “incompreensível”
ao homem em oposição à terra como o que lhe é “compreensível”,
ele contrasta o “invisível” com o “visível”. Essa é a forma de o Credo
niceno descrever a obra da criação de Deus, como “Criador do céu
e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”. O homem, como
a coroa dos atos criativos de Deus, é aquele com quem Deus entrou
em pacto. O homem é “uma criatura situada no limite” entre os dois
extremos da criação de Deus. A fé cristã não despreza a criação,
como algumas Weltanschauungen (cosmovisões) o fazem. A
Weltanschauung (cosmovisão) cristã reconhece que Deus é distinto
de tudo o que ele criou (p. 80-5).
Barth vê no homem o foco da criação. O relacionamento de Deus
com a criação permaneceria um mistério para nós se não fosse
conhecido por meio do homem. Quando Barth fala de “homem”, ele
se refere “ao” homem genuíno — o Deus-homem: Jesus Cristo. O
homem como criatura, no “limite” entre o céu e a terra, habita na
terra. Ele foi criado para a terra, e para a terra retornará (Gn 2.7;
3.19). É o reino terreno no qual Deus propôs para habitação do
homem. O homem, o summum bonum da criação, “é, no quadro da
criação, o lugar onde a criatura se realiza completamente na
superação de si mesma”. “Nós não teríamos [...] dito nada ainda
[sobre a criação]”, comenta o autor, “se não acrescentássemos
logo”: a aliança que Deus estabeleceu com o homem “dá seu
sentido e sua finalidade, seu fundamento e seu valor ao céu, à terra,
assim como a toda criatura”. O motivo é que “por aliança queremos
dizer Jesus Cristo”. Cristo está no centro de todas as formas de
Deus lidar com a criação e, em particular, com a humanidade. O
pacto entre Deus e o homem é mais antigo que a criação, pois
começou antes da criação do universo. O pacto é tão eterno como
Deus mesmo. É parte do seu decreto eterno, no qual Deus propôs
ter “comunhão com o homem. [...] em Jesus Cristo”. É “em Jesus
Cristo” que “esse encontro, essa intimidade, essa comunhão” e a
“unidade perfeita do Criador e da criatura” acontecem (p. 85-7). Aqui
se percebe a alta consideração da cristologia pela qual Karl Barth
tem sido reconhecido por amigos e inimigos. Aqui também se vê a
relação inseparável entre Jesus Cristo e o pacto da graça.
Quando diz respeito à doutrina da providência, Barth concordaria
com a Confissão de fé de Westminster (5:1):
Pela sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e
o livre e imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande
Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria,
poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e
governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas,
desde a maior até a menor.
De acordo com Barth, a criação constitui a base da aliança de Deus
e a providência constitui a continuação da aliança divina, isto é, a
história da aliança. Os tratamentos providenciais de Deus com a
criação não devem ser vistos como uma “criação contínua”, mas
como Deus a sustentar, dirigir, dispor e governar a criação. Como no
momento da criação, todos os três membros da Trindade estão
ativamente (e, portanto, de forma antideísta) envolvidos na obra de
providência, por causa de Cristo.
Isso nos leva ao ensino de Barth sobre Das Nichtige (o nada). Aqui
vemos algo da teodiceia apresentada pelo erudito neo-ortodoxo. Em
sua visão, o “nada” é pecado, mas é mais que pecado; é o lado
negativo inteiro da boa criação de Deus. Como e por que esse
“nada” existe? Qual é seu propósito? O nada, diz Barth, não é
produzido pelos bons propósitos de Deus; ele funciona como um
“servo” para atrair os homens a Jesus Cristo, que derrotou o nada.
“Esse Deus cuida”, ele escreve, “para que mesmo o nada sirva
como uma das coisas que é dito cooperar para o bem daqueles que
o amam”.[67]
Por último, sob a epígrafe criação e providência, temos a doutrina
de Barth sobre a angelologia. Ela é encontrada sob a epígrafe de
“reino dos céus” de Deus. Os anjos são criaturas distintas de Deus e
do homem. Eles são seres espirituais que servem a Deus como
seus “embaixadores” para os propósitos do seu reino. Eles não
criam, não salvam, não redimem, não reconciliam nem julgam; só
Deus pode fazer essas coisas. Antes, eles obedecem aos
mandamentos de Deus, proclamam sua Palavra, e testemunham
seu ser supremo. Barth não acreditava que seres humanos tenham
um “anjo da guarda” individual, como alguns ensinam; antes, os
anjos devem ser considerados o inumerável exército de Deus, que
serve ao povo de Deus de acordo com sua determinação. Quanto à
queda dos anjos, Barth tem pouco a dizer. Ele confessa que houve
uma “catástrofe angélica”, mas não vai além disso. Os demônios
podem ser chamados anjos, embora não sejam anjos “de verdade”.
Satanás mesmo nunca foi um anjo. Nas palavras de Jesus, ele
sempre foi mau: “Ele foi homicida desde o princípio e jamais se
firmou na verdade” (Jo 8.44).
É difícil reconciliar o ensino de Barth aqui com a visão bíblica acerca
dos anjos. Talvez seja outro exemplo da teologia do paradoxo de
Barth. Mas como Bromiley aponta, após Barth ter escrito tantas
coisas boas sobre esse assunto negligenciado, é triste ver que ele
não tenha seguido adiante com um ensino mais minucioso e bíblico
sobre demonologia.[68]
O término deste capítulo leva aos seguintes (X-XX), nos quais o
autor apresenta sua doutrina da cristologia. Mas antes de entrar na
análise dos capítulos cristológicos, investigaremos primeiro sua
doutrina da eleição e aliança divinas.
Capítulo 8: Barth sobre eleição e pacto
Como já se observou, a doutrina de Karl Barth sobre a “eleição” está
inextricavelmente relacionada à doutrina do “pacto”. As duas não
podem ser separadas. Nas palavras de Barth: “A eleição da graça é
todo o evangelho, o evangelho in nuce”. No Cristo encarnado temos
“o princípio de Deus antes que houvesse qualquer princípio à parte
daquele de Deus dentro de si mesmo [...] [e] o decreto de Deus por
detrás e acima do qual não pode haver nenhum decreto anterior ou
mais alto e além do qual não pode haver nenhum outro, visto que
todos os outros servem apenas ao cumprimento desse decreto”.[69]
Bruce McCormack escreveu:
Quando a história da teologia do século 20 for escrita do ponto de vista
de, digamos, daqui cem anos, estou certo que a maior contribuição de
Karl Barth ao desenvolvimento da doutrina de igreja será localizada na
doutrina do pacto. Aqui ele forneceu sua correção mais valiosa do
ensino clássico; aqui também sua dogmática encontrou o fundamento
ôntico e a pedra angular.[70]
Há pouca dúvida que a doutrina da eleição de Barth é
substancialmente diferente da do “ensino clássico” da ortodoxia
reformada, mas dizer que há uma “correção [...] valiosa” está longe
de ser verdadeira. Barth negava a dupla predestinação, ensinada na
teologia reformada (que alguns homens são predestinados para a
salvação enquanto outros são predestinados para a condenação
eterna) e, ao mesmo tempo, reestruturou-a em sua própria doutrina
de eleição (em que todos os homens são universalmente eleitos e
reprovados em Cristo [v. abaixo]). Ele negava o pacto de redenção e
o pacto de obras,[71] e reconhecia só o pacto da graça como um
pacto bíblico válido. Em uma forma modificada de
supralapsarismo[72] (um supralapsarismo “purificado” ou
“qualificado”),[73] ele mantinha a existência de uma eleição eterna de
escopo universal. Essa eleição é Jesus Cristo. Barth não nega que a
Escritura fale do Pai — como o membro eleitor da Trindade —, de
Jesus — como o mediador (Jo 17.1-5; Ef 1.3-6) — de todos os
membros do povo de Deus (Ef 1.3, 4; 1Pe 1.2). Todavia, como o
Deus triúno sempre age em perfeita harmonia (i.e., a doutrina das
apropriações), há também um sentido em que os três membros da
Trindade estão envolvidos na eleição. E como Filho do Homem, diz
Barth, Jesus Cristo deveria ser visto como o Deus eleitor e o homem
eleito.[74]
O autor também deseja nos informar que Cristo foi eleito não só por
todos os homens, mas também reprovado por todos os homens.
Aqui temos a dupla predestinação de Jesus Cristo na doutrina de
Barth. De acordo com ele: “Na eleição de Jesus Cristo Deus atribuiu
ao homem [...] eleição, salvação e vida; e para si mesmo [...]
reprovação, perdição e morte”.[75] Todavia, parece que a eleição
divina graciosa de todos os homens em Cristo vence a reprovação.
[76] A teologia dialética de Barth é bem evidente nessa doutrina, e
Conclusão
Embora o Dr. Donald Bloesch expressasse amor a Cristo e sua
Palavra escrita, algo do que ele disse seja verdadeiro com respeito
à fé reformada histórica, sua visão da Escritura é falsa. Se alguém
levar o conceito do “meio-termo” sobre a Palavra de Deus — que
parece ao presente escritor ser quase neo-ortodoxo — à sua
conclusão lógica, se verá atolado em ceticismo.
Quando alguém nega ser a Bíblia a própria Palavra de Deus,
essa pessoa não pode ter nenhum conhecimento certo a respeito de
Jesus Cristo: a Palavra de Deus encarnada. A Bíblia deve ser o
ponto de partida axiomático do cristão. A Escritura como Palavra de
Deus vem em primeiro lugar; todas as doutrinas são deduzidas a
partir desse ponto de partida. Por isso os teólogos de Westminster
começaram seu estudo de teologia sistemática com “Da Escritura”,
no Capítulo 1 da Confissão. Ali se lê: “Todo o conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para
a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na
Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura
nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações
do Espírito, nem por tradições dos homens”.
Sendo esse o caso, não posso concordar com Timothy
George quando escreveu: “Há muitos pontos na doutrina de Bloesch
sobre a Escritura que podem ser calorosamente adotados por todos
os evangélicos”.[114] Como Salomão advertiu séculos atrás, quando
alguém abraça o fogo sairá queimado (Pv 6.27). Ou, nas palavras
de Amós, dois não podem andar juntos a menos que estejam em
acordo (3.3). E de todos os pontos em que a concórdia é
necessária, o mais importante é o ponto de partida do cristianismo:
a Escritura.