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Não será esta outra das razões pela qual se torna tão diflcil aos ricos
entrarem no Reino dos Céus? A grande maioria deles está debaixo de
maldição, sob a maldição particular de Deus, porque ... não roubam
unicamente a Deus, mas também ao pobre, ao faminto e ao despido; ... e
se tornam culpados por toda a necessidade, aflição e dor que poderiam
eliminar, mas não o fizeram.
João Wesley
Introdução
O mais notável movimento de protesto contra o tom de fria
intelectualidade que parecia dominar a vida religiosa, foi o pietismo.
Este, por sua vez, se opôs ao dogmatismo que reinava entre teólogos e
pregadores e ao racionalismo dos filósofos.
Ambos lhe pareciam contrastar com a fé viva que é a essência do
cristianismo.
Uma breve explicação sobre o termo
Mas, antes de prosseguir, convém que nos detenhamos para esclarecer o
que quer dizer "pietismo".
Como tem acontecido em tantos outros casos, este foi um emblema que
seus inimigos colocaram ao movimento, cujos líderes não se davam tal
nome. Logo, a palavra "pietismo" frequentemente teve conotações
negativas de beatice.
Como veremos nessa aula, os Iíderes deste movimento ainda que se
preocupassem pela santidade de vida e pelos exercícios religiosos, estavam
longe de serem santarrões: de rostos pálidos e expressões amargas. Ao
contrário, parte do que lhes preocupava era que a fé cristã parecia haver
perdido algo de seu gozo, que era necessário redescobrir.
A inserção dos moravianos
Por outro lado, o termo "pietismo" às vezes se utilizava para referir-se
unicamente ao movimento que teve lugar na Alemanha, entre
luteranos, sob direção de pessoas tais como Spener e Francke.
Mas aqui incluiremos sob esse título outro movimento de semelhante
inspiração, dirigido por Zinzendorf – Os moravianos.
O pietismo luterano: Spener e Francke
Felipe Jacó Spener
Ainda que muitos dos elementos que, depois,
receberam o nome de "pietismo", circulavam na
Alemanha muito antes, deu-se o nome de "o pai do
pietismo" a Felipe Jacó Spener (1635-1705). Este
nasceu na Alsácia, em territórios que hoje são
franceses mas faziam parte da Alemanha. Ali, criou-
se entre aristocratas de profunda convicção luterana.
Entre os livros que leu quando jovem, havia vários
que insistiam na necessidade de uma fé pessoal,
acima da crença na reta doutrina.
Seus estudos primários e influências
Além do mais, nos círculos em que andava condenavam-se as diversões
frívolas e a falta de seriedade.
Aos dezesseis anos de idade começou seus estudos teológicos, primeiro
na vizinha Estrasburgo, depois em Basiléia e em Genebra.
Nesta última cidade conheceu o francês Jean de Labadie, que era um
dos principais críticos da frieza intelectual e dogmática em que havia
caído o protestantismo.
Seu ministério em Frankfurt
Quando, após estudar em vários outros centros, recebeu o título de
doutor, Spener estava pronto para dedicar-se ao pastorado e, em 1666,
foi chamado ao púlpito de Frankfurt.
Ali fundou em 1670 seus "colégios de piedade" ,que eram grupos
dedicados à devoção e ao estudo cuidadoso da Bíblia.
Cinco anos mais tarde, publicou sua obra Pia Desideria _ desejos
piedosos - que logo se tornou a carta fundamental do pietismo.
A oposição ao ministério de Spener
Para quem não conhece o espírito da época, o que Spener propunha
naquela breve obra, poderá parecer questão de sentido comum. Sem
dúvida, os "desejos piedosos" do pastor de Frankfurt logo lhe
provocaram amargos ataques.
Os objetivos de Spener
O que Spener desejava era um despertar na fé de cada cristão.
Para isso apelava à doutrina luterana do sacerdócio universal dos
crentes e sugeria que se desse menor ênfase nas diferenças entre
leigos e clérigos, e maior na responsabilidade de todos os cristãos.
Isto, por sua vez, queria dizer que devia haver mais vida devocional,
mais estudo bíblico por parte dos leigos, como já estava acontecendo
nos "colégios de piedade".
Suas orientações aos ministros
Quanto aos pastores e teólogos, o primeiro que se devia fazer era
assegurar-se de que os candidatos a tais posições eram "verdadeiros
cristãos“ de fé profunda e pessoal.
Mas, além disso, Spener convidava os pregadores a deixarem seu tom
acadêmico e polêmico, pois o propósito da pregação não era mostrar a
sabedoria do pregador, mas chamar todos os fiéis à obediência à
Palavra de Deus.
A principal ênfase de Spener
Em tudo isto, não havia ataque algum à doutrina da igreja, para a qual
Spener mostrava grande respeito e afirmava estar de acordo. Mas havia
um intento de colocar essa doutrina em seu justo lugar, de tal modo
que não viesse a ser o centro da fé.
O propósito do dogma não é servir de substituto para a fé viva e
pessoal. E certo que o erro em questões de dogmas pode ter funestas
consequências para a vida cristã, mas certo também é que quem fica
no dogma não tem penetrado ao centro do cristianismo e confunde o
invólucro com a substância.
Uma nova reforma
O que Spener propunha era nada menos que uma nova reforma, ou ao
menos que se completasse a que havia começado no século XVI e havia
ficado interrompida em meio às lutas doutrinárias.
Logo, alguns dentre seus seguidores começaram a ver nele um novo
Lutero. De todas as partes da Alemanha chegavam cartas agradecendo
sua inspiração e solicitando seus conselhos.
A reação dos lideres luteranos
Os líderes da ortodoxia luterana não viam com bons olhos o
movimento que Spener encabeçava.
Este parecia prestar pouca atenção às questões que haviam custado
tantas disputas.
As doutrinas luteranas e os grandes documentos confessionais lhe
pareciam úteis como modo de resumir os ensinos bíblicos; e o mesmo
se dava com respeito aos escritos de Lutero, a quem Spener citava
frequentemente.
Spener e o pensamento de Lutero
Porém, nada disso podia por se ao nível das Escrituras.
Ainda mais, estas não deviam ser lidas com a atitude fria e objetiva de
quem lê um documento jurídico, mas era preciso lê-Ias com fé pessoa e
sob a direção do Espírito Santo.
Tudo isto não era senão o que o próprio Lutero havia dito. Entretanto,
agora, a ortodoxia luterana via nele uma negação da autoridade do
grande Reformador e por isso atacou veementemente Spener e seus
seguidores.
Complementando a doutrina de Lutero
Havia, sem dúvida, certos elementos em que Spener ia mais além do
que tinha dito Lutero.
Como assinalamos anteriormente, o reformador estava tão preocupado
com a doutrina da justificação, que prestou pouca atenção à
santificação.
A santificação
Em meio às lutas pela doutrina da justificação pela fé, Lutero havia
insistido em que o importante não era a pureza do crente ou a classe
de vida que levava, mas a graça de Deus, que perdoa o pecador.
Calvino e os reformados, ao tempo em que concordavam com Lutero,
assinalavam que o Deus que justifica é também o Deus que renegera e
santifica o crente.
Portanto, há um lugar importante para o processo de santificação.
Seu entendimento sobre a doutrina da
santificação
A santidade de vida não é o que justifica o cristão.
Mas Deus oferece seu poder santificador ao crente, a quem justifica.
Neste ponto Spener e os seus se achegavam mais a Calvino que a
Lutero. O próprio Spener havia conhecido em Estrasburgo e em
Genebra as doutrinas e práticas da tradição reformada e lhe parecia
que o luteranismo necessitava de maior ênfase no processo da
santificação. Esta era parte da reforma que agora propunha e, por isso,
alguns dos teólogos luteranos acusavam-no de ser um calvinista
disfarçado de luterano.
Sua escatologia
Por fim, ainda que seja de passagem, convém mencionar um aspecto
de sua doutrina, no qual Spener se tornou vulnerável aos ataques de
seus opositores. Desesperado pelas condições reinantes na vida da
igreja, chegou à conclusão de que as profecias do Apocalipse estavam
se cumprindo. Cada símbolo que figura nesse livro, lhe parecia ter seu
correspondente nas coisas e acontecimentos de sua época. O fim
estava chegando. Como em tantas outras ocasiões na história da igreja,
o curso dos acontecimentos mostrou que o profeta errava neste ponto
e, portanto, seus inimigos puderam acusá-lo de errar também em
outros.
Sua preocupação com a moral do
luteranismo
Mas, em certo sentido, o que estava em jogo em toda esta controvérsia
era a questão de se a fé serviria simplesmente para sancionar a moral
da época ou se a vida cristã era algo diferente da do povo comum. A
pregação ortodoxa, ocupada como estava em questões acadêmicas e
detalhes de doutrina, dava a entender que o que Deus requeria dos
crentes não era sim uma vida decente, segundo os padrões da época. O
pietismo insistia no contraste entre o que a sociedade espera de seus
membros e o que Deus requer de seus fiéis. Para muitos, tanto leigos
como pastores, tal pregação era um desafio incômodo.
Augusto German Francke
Entre os muitos seguidores que Spener teve em toda Alemanha, o mais
destacado foi Augusto German Francke. Este também havia se criado
no seio de uma família luterana, de profunda devoção e boa posição
econômica. Após estudar em vários centros teológicos e após um breve
período de interesse no quietismo de Molinos - a quem nos referimos
em outro capítulo - Francke sentiu-se fortemente atraído pelas ideias e
propostas de Spener.
O relacionamento entre Spener e Francke
Depois de uma rápida visita, ficou tão afeiçoado a ele que, a partir de
então, o tratou de "meu pai" e começou a utilizar suas conferências em
Leipzig para divulgar e defender as propostas de Spener.
Essas conferências chegaram a ser as mais populares em toda a cidade
e logo os professores da Universidade começaram a se queixar que os
estudantes preferiam escutar Francke, em lugar de se dedicarem a
estudos "mais sérios“ da teologia dogmática.
A universidade de Halle 1691