Você está na página 1de 65

TODO O CONSELHO DE DEUS — Lógica e claramente deduzido das

Escrituras
Ryan McGraw
Copyright © 2014, Os Puritanos
1ª. Edição: Fevereiro de 2014
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem autorização
por escrito do editor, exceto citações em resenhas.
Editor
Manoel S. Canuto
Tradutor
Marcelo Smeets
Revisores
Waldemir Magalhães e Marcio Santana Sobrinho
Designer
Heraldo Almeida
ISBN
978856282861-4
Sumário

Créditos

Prefácio

1 - Fundamentos Bíblicos

2 - A Assembleia de Westminster

3 - Sua Importância

4 - Objeções

5 - Conclusões Práticas

Bibliografia

Nossos livros

Mídias
Para o Dr. Joseph A. Pipa
pai, mentor, professor
conselheiro e amigo
Prefácio

Alguns têm notado que a Teologia Sistemática tem sido


desconsiderada em tempos difíceis.[1] A Teologia Sistemática é
geralmente contrastada ou colocada em oposição à Teologia Bíblica e à
exegese. Alguns acusam a sistemática de pressupor um panorama
teológico que se impõe ao texto da Escritura, modificando, assim, as
Escrituras e se baseando em “textos prova” que foram violentamente
alijados de seu próprio contexto. O que isso tem a ver com esse
pequeno livro, que trata do princípio “lógica e claramente deduzido
dela”, em uma série intitulada Explorations in Reformed Confessional
Theology?[2] Existe um relacionamento muito próximo entre a
difundida desconfiança na Teologia Sistemática e a negligência ou
negação da declaração encontrada na Confissão de Fé de Westminster
(CFW) I.VI: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas
necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem,
ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e
claramente deduzido dela” (grifo nosso). A exegese e a teologia bíblica
nos dizem o que as palavras da Escritura significam ou o que distingue
um autor bíblico em particular de outros, ainda que a função de ambas
cesse logo que se comecem a esboçar conclusões teológicas da
Escritura, que nos mostram o que a Bíblia ensina como um todo. Essa
é a tarefa da Teologia Sistemática, que depende fortemente da
dedução das consequências divinamente intencionadas da Escritura.
Sem essas deduções e as conclusões que se baseiam sobre elas,
perdemos a capacidade de fazer perguntas importantes da Bíblia,
como o que ela ensina sobre o relacionamento das pessoas da
Santíssima Trindade.[3]
Por esse motivo, fiquei entusiasmado quando a Reformation
Heritage Books me pediu para ampliar o primeiro capítulo da minha
tese de doutorado no Greenville Presbyterian Theological Seminary
para fazer um pequeno livro.[4] Há muito creio que esse assunto é mais
importante para a vida e teologia da igreja do que muitas pessoas
entendem. Neste princípio, como a Assembleia de Westminster
estabeleceu, repousa não somente uma justificativa da importância e
do método da teologia sistemática, mas também uma chave para a
compreensão de como o Novo Testamento usa o Antigo Testamento,
uma sólida conexão entre exposição e aplicação na pregação, certeza
pessoal da salvação, e a maneira pela qual o próprio Jesus interpretou
as Escrituras.
Em acordo com a série Explorations in Reformed Confessional
Theology, busquei tratar de “questões textuais, históricas, teológicas e
pastorais”, bem como assuntos de relevância contemporânea em
relação à CFW I.VI. No entanto, inverti levemente essa ordem,
começando com fundamentos bíblicos do princípio do “lógica e
claramente deduzido”, seguido de uma seção que aborda o princípio
em seu contexto histórico. Fiz isso principalmente porque muitos
leitores podem recuar da ideia de que nenhuma outra coisa a não ser o
que é “expressamente declarado na Escritura” é uma maneira
adequada de discernir “todo o conselho de Deus”. Esses leitores, do
mesmo modo, não estarão interessados em como os teólogos de
Westminster compreenderam e usaram o princípio até que estivessem
convencidos de que ele é requerido pela Escritura. Portanto, começo o
capítulo 1 com uma breve definição e ilustração do princípio, seguido
por dados relevantes das Escrituras — dados que estão fortemente
baseados na necessidade do princípio, a partir do ensino do Senhor
Jesus Cristo. A seguir, no capítulo 2, dirijo a atenção para questões
textuais e históricas, incluindo o uso deste princípio pelos
contemporâneos da Confissão de Fé de Westminster e dos Catecismos
de Westminster. Na base dessa discussão, trato no capítulo 3 da
necessidade da “dedução lógica” em quatro áreas principais da
teologia. Dadas as muitas objeções a esse princípio, abordo algumas
das mais importantes no capítulo 4. Finalmente, no capítulo 5, esboço
algumas conclusões práticas que afetam a vida da igreja reformada em
relação à sua confissão de fé, sua leitura da Bíblia e sua pregação.
Gostaria de agradecer a Jay Collier por sugerir que eu escrevesse
este livro, e a Danny Hyde por oficialmente me convidar a fazê-lo.
Mark Jones também merece um agradecimento caloroso, não somente
por seu trabalho nesta série, mas também por fazer, ao mesmo tempo,
muito mais do que deveria como mentor de meu projeto de doutorado.
Não tenho como expressar adequadamente a gratidão que o Dr. Jones
merece, como diligente servo do Senhor. Esta obra também não seria
possível sem a ajuda e encorajamento do Dr. Joseph A. Pipa, que
supervisionou minha dissertação de mestrado. Minha sogra, Sylvia
Stevens, leu todo o manuscrito, e fez indispensáveis sugestões quanto
ao estilo. Sou grato a Brian Pendelton por me ajudar a completar
algumas referências finais. Minha esposa, Krista, sempre me encoraja
a estar no topo de meus muitos projetos, especialmente quando estou
desanimado ou sem coragem. Sua ajuda tem sido um grande conforto
para minha alma. Por último, e mais importante, bendigo ao Deus
Triúno por me considerar fiel e me colocar no ministério, assim como
por me dar oportunidades de ser útil ao seu reino.
[1] Para uma abordagem de críticas contemporâneas à teologia, veja J. I. Packer, “Is Systematic
Theology a Mirage? An Introductory Discussion”, em Doing Theology in today’s World: Essays in Honor
of Kenneth S. Kantzer, org. John D. Woodbridge e Thomas Edward McKomisky. Grand Rapids:
Zondevan, 1991, p. 17-37.
[2] Série de publicações teológicas que se propõe a esclarecer alguns dos temas confessionais do
ponto de vista textual, histórico, teológico e pastoral
[3] Um exemplo esclarecedor sobre esse ponto é encontrado na discussão de Andreas Kostenberger
da Trindade e sua obra na teologia do Evangelho e cartas de João. Ele apresenta os dados bíblicos
referentes à unidade da divindade e direciona passagens relevantes em João referentes a cada uma
das três pessoas. Ainda que sem fazer inferências ou sistematizar os dados bíblicos que coletou, as
principais questões, como sobre se cada pessoa possui uma personalidade distinta e se as pessoas da
divindade são subordinadas uma a outra permanecem sem resposta. Andreas J. Kostenberger, A
Theology of John’S Gospel and Letters. Grand Rapids: Zondevan, 2009, p. 355-402.
[4] Ryan McGraw, “The Consequences of Reformed Worship: The Call to Worship, Baptism, the
Offering, and the Benediction in Corporate Worship” (ThM thesis, Greenville Presbyterian Theological
Seminary, 2008).
Fundamentos Bíblicos

Como a igreja de Bereia, todos os bons cristãos desejam testar o que


leem e ouvem sobre a Palavra de Deus. Essa é uma necessidade
indispensável para nosso crescimento cristão, para nossa maturidade
na fé e para nos guardar quanto ao erro. Não deveríamos chamar a
ninguém de pai ou mestre, já que nosso Pai está no céu e Cristo é
nosso verdadeiro Mestre (Mt 23.8-10). Quando crentes no Senhor
Jesus Cristo ouvem doutrinas que não lhe são familiares, eles
corretamente exigem: “Mostre-me isso na Bíblia”. Ainda que uma
resposta bíblica a essa exigência nem sempre venha com a citação de
capítulo e versículo. Há algumas doutrinas (como a doutrina da
Trindade) que são estimadas pelos cristãos, mas que não podem ser
provadas por qualquer passagem única das Escrituras. Por essa razão,
a Confissão de Fé de Westminster afirma: “Todo o conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a
salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na
Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura
nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do
Espírito, nem por tradições dos homens” (I.VI, grifo nosso).
Muitos têm acusado o princípio do “lógica e claramente deduzido”,
exposto na Confissão de Fé de Westminster, de exotérico, tirando a
Bíblia das mãos do crente comum e fazendo violência contra as
Escrituras. Entretanto, o ensino e o exemplo da própria Bíblia
necessitam desse princípio. Ele tem sido reconhecido como
indispensável na teologia da igreja e é perfeitamente bíblico, a
despeito das várias objeções dirigidas contra ele. Sem o uso
apropriado do “lógica e claramente deduzido”, é impossível
estabelecer doutrinas bíblicas vitais para aplicar o princípio
Reformado, ou regulador, do culto ao nível pretendido por Deus, para
discernir algumas aplicações necessárias que fluem dos ensinos
bíblicos e para compreender a maneira pela qual os autores do Novo
Testamento usaram o Antigo Testamento. Embora possa fazer sentido
perscrutar a história desse princípio no contexto da Assembleia de
Westminster, escolhi primeiro retardar até o capítulo seguinte uma
discussão completa do contexto histórico para convencer o leitor de
que essa questão é de interesse primário porque está fundamentada na
Escritura. Por esses motivos, é vital estabelecer o princípio do “lógica e
claramente deduzido”, a partir da Escritura, e depois seguir para o
panorama histórico da Confissão de Fé de Westminster.[5]
Definindo a expressão
Uma definição de “lógica e claramente deduzido” já está implícita no
primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster. O “lógica e
claramente deduzido” é distinto das questões concernentes à glória de
Deus, a salvação do homem, e fé ou vida, que são “expressamente
declarados na Escritura”. Isso inclui preceitos diretos, proibições,
declarações de fé e exemplos claramente aprovados. De acordo com
essa afirmação, a expressão “lógica e claramente deduzido” se refere a
doutrinas e preceitos que estão verdadeiramente contidos nas
Escrituras e de acordo com a vontade de seu divino Autor, ainda que
não sejam encontrados ou estabelecidos na superfície do texto e
devam ser legitimamente inferidos de uma ou mais passagem das
Escrituras. Como a expressão indica, essas inferências devem ser
“lógicas”, ou legitimamente extraídas do texto da Escritura. Além
disso, devem ser “claramente” deduzidas, e não impostas ou
arbitrárias.[6]
James Bannerman (1807-1868), o presbiteriano escocês do século
19, forneceu uma ilustração útil do que esse princípio implica na
prática. Gênesis 1.1 afirma: “No princípio criou Deus os céus e a terra”.
As inferências que podem (e devem) ser extraídas dessa passagem são:
(1) que Deus e a natureza são distintos (o oposto do panteísmo); (2)
que a matéria teve um princípio e que somente Deus é eterno (o
oposto a várias formas de materialismo); (3) que Deus criou a matéria
a partir do nada, sem usar qualquer material pré-existente (o oposto a
várias teorias de emanação).[7]
Para assegurar que as conclusões obtidas pelo uso desse princípio
são verdadeiramente bíblicas, as premissas devem ser biblicamente
corretas. Na primeira parte do exemplo de Gênesis 1.1, é certo que
Deus é o Criador do céu e da terra. A natureza está inclusa nos “céus e
terra” feitos por Deus. Portanto, é uma conclusão lógica (e clara) que
Deus e a natureza são distintos. Além disso, a maneira adequada de
usar inferências das Escrituras pode ser aclarada pela ilustração de seu
abuso. No livro de Josué, por exemplo, Deus ordenou que o sol “se
detivesse” no céu. Durante o período da Reforma, homens como
Martinho Lutero insistiram na ideia de que isso provava que o sol
girava ao redor da Terra e não o contrário. Eles declararam que
qualquer outra teoria seria contrária à Escritura, mesmo que o texto
simplesmente descrevesse o sol da perspectiva de um homem na
superfície da Terra, assim como ainda hoje as pessoas falam do sol se
“movendo” pelo céu, ou se “levantando” e se “pondo”. Mesmo com o
conhecimento da ciência moderna, não falamos de um “nascer da
terra” ou “pôr da terra” porque esses termos não descrevem com
precisão nossa perspectiva visual. A Bíblia não nega nem requer que o
sol gire em torno da terra — isso é secundário na questão. As únicas
conclusões necessárias que podem derivar dessa passagem são que
Deus é soberano sobre toda a progressão natural do dia e da noite e
que ele é capaz de alterar seu curso quando e do modo que desejar.
Além disso, o princípio do “lógica e claramente deduzido” não é uma
licença para alegorizar nossas interpretações das Escrituras ou impor
ideias humanas à Palavra de Deus.[8] Em vez disso, seu propósito é
reconhecer implicações indiscutíveis do texto da Escritura. Essas
inferências comumente refletem a estrutura teológica que os textos da
Bíblia assumem e simplesmente revelam essas inferências subjacentes
tornando-as explícitas.
Como Jesus fez uso desse princípio
A questão de importância primária é se a Bíblia permite que a igreja
use o “lógica e claramente deduzido” e se as Escrituras são
suficientemente claras com respeito a esse assunto. Os autores bíblicos
usaram o princípio do “lógica e claramente deduzido”, particularmente
em citações que o Novo Testamento faz do Antigo Testamento.[9] Isso
é mais notável na prática do próprio Senhor Jesus, mas é
predominante também nos escritos dos apóstolos. Os exemplos a
seguir demonstram que esse princípio hermenêutico não é somente
permitido, mas ordenado.
Mateus 22.29-32
O exemplo mais comumente considerado do “lógica e claramente
deduzido” é a resposta de Jesus aos saduceus concernente à verdade
da ressurreição dos mortos, como registrada em Mateus 22.29-32.[10]
No início do capítulo, o Senhor Jesus contou uma parábola que
condenou os fariseus, comparando-os aos convidados da festa de
casamento, os quais, quando chegou o momento de comparecer à
festa, rudemente rejeitaram o convite. Por meio dessa parábola, Jesus
condenou os fariseus, que deveriam dar-lhe as boas-vindas com
alegria, como seu tão aguardado Messias. Consequentemente, os
ofendidos fariseus “retirando-se... consultaram entre si como o
surpreenderiam em alguma palavra” (Mt 22.15). Entretanto, o Senhor
Jesus, que é o único sábio Deus e em quem estão ocultos todos os
tesouros da sabedoria e do conhecimento (Cl 2.3), refutou
sonoramente a investida deles, de tal modo que até mesmo seus
inimigos se “admiraram” com sua resposta (Mt 22.22). Os saduceus,
que diziam “não haver ressurreição, nem anjo, nem espírito” (At 23.8),
imediatamente pegaram a oportunidade de fazer melhor do que seus
rivais e colocaram uma questão para Jesus que acreditavam não ter
resposta. Querendo aparentar fazer uma pergunta honesta a Jesus,
começaram citando o princípio bíblico de que quando um homem
morre, seu irmão tem a obrigação de casar com sua viúva e gerar filhos
em nome de seu irmão (Dt 25.5). Depois de apresentar um cenário no
qual sete irmãos morrem sucessivamente, após casar com a mesma
mulher, perguntaram: “Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será
ela esposa? Porque todos a desposaram” (Mt 22.28). Em suas mentes,
esse cenário criava um problema insuperável, tornando a ressurreição
dos mortos uma lógica absurda. Já que é inconcebível que uma mulher
tenha sete maridos nesta vida e na vida por vir e porque cada marido
morreu tendo o direito de chamá-la sua esposa, então a ressurreição
dos mortos deve ser uma farsa.[11]
Em resposta, Jesus asseverou que os saduceus estavam errados em
dois pontos: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de
Deus” (v. 29, grifo nosso). A acusação de que eles ignoravam as
Escrituras é particularmente relevante quando considerada a questão
do “lógica e claramente deduzido”. Jesus observou que os saduceus
haviam excluído uma opção vital de seu raciocínio: “mas os que são
havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre
os mortos não casam, nem se dão em casamento” (Lc 20.35).[12] Ele
passou a demonstrar que a ressurreição era um ensino claro e
convincente nas Escrituras. Aqueles que conhecem bem o Antigo
Testamento podem expressar surpresa por Jesus não tentar provar a
ressurreição a partir de uma das afirmações expressas contidas em
passagens como o Salmo 16, Isaías 26 ou de alguns textos relevantes
em Jó. Em vez disso, Cristo escolheu citar a passagem do livro do
Êxodo que fala da sarça ardente (Mc 12.26; Êx 3.6, 15), na qual Deus
diz: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o
Deus de Jacó”.[13] Jesus concluiu: “Ele não é Deus de mortos, e sim de
vivos” (Mt 22.32).
É vital para nós compreendermos a linha de argumentação de Jesus
nessa passagem. Jesus não respondeu com um simples e direto texto
prova para a doutrina da ressurreição. Em vez disso, extraiu uma
conclusão de uma passagem bem conhecida, que Bannerman descreve
como “uma inferência de força, da qual se pode sinceramente dizer
que requer certa medida de reflexão e discernimento espiritual para
ser completamente compreendida”.[14] Jesus apoiou seu argumento
primariamente no fato de que Deus disse: “Eu sou o Deus de Abraão”,
etc., em oposição a “Eu fui”. Se Deus foi correntemente o Deus dos
patriarcas quando falou a Moisés, e se “Ele não é Deus de mortos, e
sim de vivos”, então os patriarcas ainda estavam vivos naquele tempo
(o que os saduceus negaram), mesmo que eles tivessem morrido
fisicamente.
Entretanto, os leitores modernos provavelmente irão notar que há
uma peça faltando no argumento. A contínua existência de Abraão,
Isaque e Jacó certamente prova a imortalidade da alma, mas o quanto
isso é relevante para a ressurreição do corpo, que é o foco central
desse debate? Como William Hendriksen acertadamente nos recorda:
“Os homens com os quais esse imutável Jeová estabeleceu uma aliança
perpétua eram israelitas, não gregos”.[15] Em contraste com os gregos,
o povo judeu concebia o homem como uma unidade consistindo de
corpo e alma. Por esse motivo, a redenção tem de ocorrer no corpo e
na alma, se tem de acontecer de fato. O Novo Testamento reflete a
importância do corpo referindo-se aos corpos físicos dos crentes como
sendo o templo do Espírito Santo de Deus. O homem redimido teve
comprados seu corpo e sua alma, com o precioso sangue do Senhor
Jesus Cristo. Por isso, o homem é obrigado a servir a Deus tanto com
seu corpo quanto com seu espírito, já que ambos pertencem ao Senhor
(1Co 6.19-20). Em 1Coríntios 15, o apóstolo Paulo fez a surpreendente
afirmação de que, se não há ressurreição do corpo (e
consequentemente não há ressurreição de Cristo), então aqueles que já
morreram em Cristo teriam perecido, extinguindo assim a inteira
substância da esperança cristã (1Co 15.18-19).[16] Nessa longa
discussão da ressurreição, o argumento básico de Paulo era de que, a
menos que alguém seja redimido tanto no corpo quanto na alma, ele
não é redimido de modo algum. O mesmo argumento é a base da
resposta de Jesus aos saduceus.
O que é notável quanto a essa passagem da Escritura é que, por
meio de um simples argumento, Jesus “fizera calar os saduceus” (Mt
22.34). Em outras palavras, eles capitularam sob o peso do imbatível
argumento do Senhor, e tacitamente cederam à sua argumentação.
Quando os espectadores ouviam essas coisas, também “se
maravilhavam da sua doutrina” (v. 33). Parte da vergonha dos
saduceus pode ter sido pelo fato de que, embora essa fosse uma
passagem bem conhecida da Escritura, a doutrina implícita da
ressurreição contida nela passou por sob o nariz deles. É importante
que os próprios oponentes tenham atestado que Jesus os refutou, sem
demonstrar que a ressurreição estava “expressamente declarada na
Escritura”. A ressurreição dos mortos não está diretamente em foco no
contexto em que a passagem da sarça ardente aparece nesse diálogo.
Em vez disso, o argumento de Jesus foi “lógica e claramente deduzido”
do texto da Escritura. As conclusões que ele inferiu das Escrituras
eram tanto “lógicas” quanto “claras”. Alguns podem se opor afirmando
que, pelo fato de Jesus e seus apóstolos serem infalíveis, eles
chegariam a essa conclusão somente por inspiração divina e que,
portanto, não podemos imitá-los no modo como eles usam as
Escrituras do Antigo Testamento. Mesmo assim, como Francis
Turrentin (1623–1687) observou, os saduceus não reconheceram a
autoridade de Jesus. Foi somente sua argumentação que fechou a boca
deles.[17] Longe de torcer as Escrituras insistindo que essas são coisas
necessárias para a fé, vida, salvação e a glória de Deus, não estando
expressamente declaradas na Escritura, mas extraídas dela pelo
“lógica e claramente deduzido”, Cristo demonstrou que falhando em
fazer isso, os saduceus foram ignorantes ao ensino da Escritura (v. 29).
Ele perguntou a eles sarcasticamente: “não tendes lido o que Deus vos
declarou?” (v. 31). Prestemos atenção não somente ao exemplo de
Jesus, mas também às suas expectativas.
Lucas 24.25-27 e outras passagens
O exemplo apresentado em Mateus 22.29-32 é tão decisivo que
mesmo sendo considerado de modo isolado, legitima o uso do “lógica e
claramente deduzido”. Ainda assim, ele está longe de ser um exemplo
isolado. Ao assumir esse princípio o Senhor Jesus ecoa sua
expectativa, em Lucas 24.25-27, de que seus discípulos deveriam ter
compreendido tudo o que Moisés e os profetas haviam falado a
respeito dos sofrimentos de Cristo e das glórias que se seguiriam. O
nome de Jesus nunca é explicitamente declarado na Lei ou nos
profetas, ainda assim Jesus esperava que seus discípulos fossem
capazes de identificá-lo com os sofrimentos do Cristo em cada parte do
Antigo Testamento.[18]
Aproximar-se de cada citação que o Novo Testamento faz do Antigo
Testamento é uma aplicação do princípio do “lógica e claramente
deduzido”. Quando a fé de João Batista vacilou, Jesus simplesmente
apontou para seus feitos miraculosos e sua pregação. Ele encorajou a
João pela implicação de que as profecias do Antigo Testamento
estavam se cumprindo nele e que nenhum outro poderia ser o Messias.
Em seu sermão no Pentecoste, Pedro defendeu a necessidade da
ressurreição de Cristo como uma inferência extraída do fato de que
nem todas as partes do Salmo 16 eram aplicáveis a Davi, já que sua
tumba ainda permanecia com eles. Pedro expôs sua linha de
argumentação, com grande detalhamento, sobre o fato de que sua
afirmação não estava visível na superfície do texto (At 2.25-31). O
primeiro capítulo de Hebreus uniu uma intrincada cadeia de
implicações de várias passagens do Antigo Testamento, provando que
o Filho é maior do que os anjos e que ele é o Deus cujo trono é para
sempre e sempre. Ao assumir que o Salmo 102 se refere ao Messias em
vez de a Deus o Pai, o autor em seguida infere que foi Jesus quem
lançou os fundamentos da terra (Hb 1.10-12).[19] Em Mateus 2.23, o
apóstolo afirmou: “E foi habitar numa cidade chamada Nazaré, para
que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: Ele será
chamado Nazareno”. Entretanto, não há profecia no Antigo
Testamento que explicitamente mencione que Cristo deveria se
chamar Nazareno. Mateus aparenta ter deduzido isso de todo o
testemunho dos profetas.[20]
O “lógica e claramente deduzido” é usado pelos autores das
Escrituras em maior escala do que nas profecias messiânicas. Como na
petição do Salmo 109.8, em que o ímpio deve ser amaldiçoado e
colocado em vergonha por meio de outro homem tomando o seu lugar,
os apóstolos concluíram que deveriam encontrar um substituto para
Judas de modo a completar o número dos apóstolos antes do
derramamento do Espírito no dia de Pentecostes (At 1.20-22). Para
provar que os ministros do evangelho tinham o direito de ser pagos
pelo seu trabalho, o apóstolo Paulo citou Deuteronômio 25.4: “Não
atarás a boca ao boi quando debulha”. Ele extraiu desse texto um
sentido amplo, e que não tinha relação direta com o boi, ainda que
fosse legitimamente derivado dessa passagem. Ele perguntou isto aos
seus leitores: “Acaso, é com bois que Deus se preocupa? [i.e., ‘É de bois
que Deus está tratando aqui?’] Ou é, seguramente, por nós que ele o
diz?” (1Co 9.9-10). Ele respondeu: “Certo que é por nós que está
escrito”. Paulo evidentemente afirmou que o “lógica e claramente
deduzido” dessa passagem na verdade constituiu o ponto primário de
relevância para a igreja do Novo Testamento. De acordo com o
apóstolo, o princípio por trás dessa passagem (para emprestar as
palavras de Jesus) é que “digno é o trabalhador do seu salário” (Lc
10.7). Isso é aplicável ao homem assim como ao boi. Na avaliação de
Paulo, limitar o significado dessa passagem ao que é “expressamente
declarado” nela é perder a lição primária da passagem.[21] Essa
conclusão não é um uso arbitrário nem alegórico do texto. Antes, é um
meio de identificar os princípios gerais que estão sob a superfície da
passagem, de maneira que é comparável aos exemplos citados de
Gênesis 1.1.
Conclusão
Se pudéssemos pedir pessoalmente a Cristo e seus apóstolos para
provar várias doutrinas das Escrituras, poderíamos ficar surpresos
com algumas das respostas que receberíamos. Cristo e seus apóstolos
nem sempre apoiaram doutrinas bíblicas por meio de afirmações
expressas derivadas da exegese histórico-gramatical. Eles
frequentemente as estabeleceram por implicações e deduções. B. B.
Warfield resumiu o significado do exemplo dos autores do Novo
Testamento pela afirmação de que “o sentido da Escritura é a
Escritura, e aqueles homens estavam confinados por todo o seu
sentido em todas as suas implicações”.[22] Os exemplos fornecidos
ilustram que implicações adequadamente extraídas da Escritura não
violentam — antes, iluminam — o verdadeiro significado da Escritura,
desde que as inferências sejam clara e legitimamente retiradas das
passagens relacionadas. Não temos a desculpa de argumentar que
somente Cristo e seus apóstolos foram capazes de interpretar a
Escritura dessa maneira, já que eles esperavam que tanto seus
seguidores quanto seus oponentes fossem capazes de fazê-lo. É uma
acusação forte contra a igreja a de que os inimigos de Cristo aceitam
seus métodos de interpretação bíblica mais prontamente do que seus
seguidores frequentemente o fazem.
[5] Além das fontes que eu citei abaixo, dois recentes artigos explicam e defendem o uso do “lógica e
claramente deduzido”. Veja C. J. Williams, “Good and Necessary Consequence in the Westminster
Confession”, em The Faith Once Delivered: Essays in Honor of Wayne R. Spear, ed. Anthony T.
Selvaggio (Phillisburg, N. J.: P&R, 2007), p. 171-190; e Richard A. Miller e Rowland S. Ward, Scripture
and Worship: Biblical Interpretation and the Directory of Worship (Phillipsburg, N. J. P&R, 2007), p. 59-
82. O artigo anterior defende o princípio da Escritura de George Gillespie de modo abreviado e
fornece material ilustrativo de grande valor. O valor desse último artigo é que ele demonstra em
detalhes a maneira pela qual os próprios teólogos de Westminster usaram o princípio em suas
anotações sobre a Escritura Esse último ponto é tratado no capítulo seguinte.
[6] Louis Berkhof, Principles of Biblical Interpretation (Grand Rapids, Baker: 1950), p. 159-160. Esse é
um dos relativamente contemporâneos manuais de interpretação bíblica que incluem uma seção
sobre leitura “teológica” da Escritura.
[7] James Bannerman, The Church of Christ: A Treatise on the Nature, Power, Ordinances, Discipline,
and Government of the Christian Church (1868; reedição: Birmingham, Ala.: Solid Ground Christian
Books, 2009), 2:410. Preparei um resumo, esboço e guia de estudo para a obra magistral de
Bannerman sobre Eclesiologia, que está disponível em inglês.
[8] Uma das mais iluminadas abordagens de como a tradição Reformada desenvolveu
cuidadosamente regras de interpretação bíblica para evitar as alegorias é encontrada em Henry
Knapp, “Understanding the Mind of God: John Owen and Seventh-Century Exegetical Methodology”
(PhD. dissertação, Calvin Theological Seminary, 2002), p. 282-293.
[9] Explorarei esse ponto detalhadamente mais adiante. As mesmas observações seguem a mesma
estrutura com respeito a como os autores do Novo Testamento cedo usaram porções do Antigo
Testamento, mas como Palmer Robertson observa, muito poucos estudos foram dedicados a essa
questão. Veja Palmer Robertson Prophet of the Coming Day fo the Lord: The Message of Joel (Durham,
UK: Evangelical Press, 1995), p. 12.
[10] Quase todas as defesas que encontrei do “lógica e claramente deduzido” começam com uma
discussão dessa passagem. Para alguns exemplos, veja Berkhof, Principles of Biblical Interpretation,
159; Bannerman, A Igreja de Cristo (Editora Os Puritanos, 2014); Francis Turretin, Institutes of Elenctic
Theology, ed. James Dennison Jr., trad. de George Musgrave Giger (Phillipsburg: P&R, 1992), 1:39;
Benjamin Breckinridge Warfield, “The Westminster Doctrine of Holy Scripture”, em The Works of B. B.
Warfield (1932, reedição: Grand Rapids: Baker, 2003), 6:224-226.
[11] Ironicamente, os saduceus assumiram o princípio do lógica e claramente deduzido em sua linha
de argumentação. A resposta de Jesus ilustra simultaneamente tanto o uso inadequado feito pelos
saduceus quanto o uso correto feito pelo próprio Jesus.
[12] “A ressurreição da vida na qual os saduceus não acreditavam tinha sido concebida como marcada
por forte continuidade, com as características da vida presente. Entretanto, a visão da ressurreição da
vida que é rejeitada pelos saduceus como mais do que possível (daí o enigma) é rejeitada por Jesus
como menos do que é para ser antecipada.” John Nolland, The Gospel of Matthew: A Commentary on
the Greek Text (Grand Rapids: Eerdmans, 2005), p. 904.
[13] É provável que Jesus tenha escolhido responder com a passagem do Pentateuco porque era a
única parte do Antigo Testamento na qual os saduceus julgavam ter autoridade.
[14] Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 2.
[15] William Hendriksen, New Testament Commentary: Exposition of the Gospel according to Matthew
(Grand Rapids: Baker, 1973), p. 807.
[16] Para um estudo sobre a centralidade da ressurreição na soteriologia de Paulo, veja Richard B.
Gaffin, Ressurrection and Redemption: A Study in Paul’s Soteriology (Phillipsburg, N. J.: P&R, 1987).
Veja também os comentários em Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids, Eerdmans, 2000), p. 1214-1222.
[17] Turretin, Institutes, 1:39. No século 19, Patrick Fairbain (1805–1874) observou que vários
estudiosos alemães haviam criticado o uso que Jesus fez desse texto para provar a ressurreição como
um exemplo de “preciosismo rabínico” e “exposição cabalística” do século I. Além da irreverência
envolvida nessa acusação, Fairbain observou a similaridade desses críticos com a audiência original de
Jesus: “Muitos dignos sucessores daqueles objetores saduceus que nosso Senhor buscou refutar —
são igualmente rasos em suas noções de Deus e igualmente falhos na leitura de sua palavra escrita!”.
Patrick Fairbain, Typology of Scripture (1900; reedição: Grand Rapids: Kregel, 1989), 1:366. Entretanto,
uma vantagem que os saduceus tinham sobre aqueles que adotaram seu espírito crítico em tempos
modernos é que ao menos eles foram capazes de ver a força do argumento de nosso Senhor.
[18] Turretin, Institutes, 1:39. Aliás, isso demonstra que mesmo verdadeiros discípulos do Senhor, que
o amam e aos quais ele ama, não compreenderam muitas coisas das Escrituras. Contudo, é
humilhante ter em mente que isso abonou a afirmação de Cristo de que eles eram néscios e tardos de
coração (Lc 24.25).
[19] O próprio livro de Hebreus poderia ser usado como um estudo de caso no uso da dedução nas
Escrituras, já que são usadas tão livre e frequentemente. Cf. Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 2.
Para uma abordagem mais antiga porém valiosa do uso do Antigo Testamento no livro de Hebreus,
que é sensível ao lógica e claramente deduzido, veja B. F. Westcott, “On the Use of O. T. in the
Epistle”, em The Epistle of Hebrews: The Greek Text with Notes and Essays (1892; reedição: Grand
Rapids: Eerdmans, 1977), p. 469-495. Westcott afirma: “Um estudo das citações do Antigo
Testamento na Epístola lança luz sobre todas as relações do Antigo Testamento com o Novo, e sobre a
maneira da educação divina no mundo” (p. 469).
[20] É possível que esse texto seja intencionalmente uma vaga referência a Isaías 9.1, na qual é dito
que o Messias primeiro trouxe luz a Zebulom e Naftali, já que eles foram os primeiros a sofrer com o
cativeiro. Mesmo que seja esse o caso, Nazaré não é mencionada pelo nome, mas somente a região
na qual Nazaré se encontrava. Veja o criterioso artigo de John Murray, “The Unity of the Old and New
Testaments”, em The Collected Writings of John Murray (Edimburgo: Banner of Truth, 1976), p. 23-26.
[21] Parcialmente por esse motivo, Wilheumus à Brakel (1635–1711), o teólogo holandês da pós-
Reforma, alertou seus leitores a que dependessem fortemente do contexto das Escrituras. Veja
Wilheumus à Brakel, The Christian’s Reasonable Service, org. Joel R. Beeke, tradução de Bartel Elshout
(Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 1992), 1:80.
[22] Warfield, “Westminster Doctrine of Scripture”, p. 226.
A Assembleia de Westminster

O propósito da série Explorations in Reformed Confessional Theology


é tratar de vários aspectos da confissão Reformada à luz da história, da
Escritura e de sua relevância para a atualidade. “Lógica e claramente
deduzido” foi sistematizado como um princípio no primeiro capítulo
da Confissão de Fé de Westminster.[23] Por esse motivo, é importante
colocar de modo resumido o modo pelo qual os teólogos de
Westminster e seus contemporâneos formularam e usaram esse
princípio no contexto da Assembleia de Westminster.
O contexto histórico do “lógica e claramente deduzido” e a
Assembleia de Westminster
A Assembleia de Westminster consistiu, em sua maioria, de
ministros ingleses, que foram convocados pelo parlamento da
Inglaterra para estabelecer a doutrina inglesa e a política da igreja
para as igrejas inglesas, em meio à Guerra Civil Inglesa.[24] Entretanto,
os padrões de Westminster continuam a servir como os “Padrões
Presbiterianos”[25] na Inglaterra, Escócia, na América e entre outros
grupos presbiterianos ao redor do mundo. Isso faz dos Padrões de
Westminster um conjunto de documentos de relevância contínua
tanto histórica quanto contemporânea. A despeito de seu contexto
decisivamente inglês, os teólogos de Westminster interagiram com
teólogos e igrejas do restante do mundo Reformado e eles tinham o
desejo de escrever uma confissão de fé e catecismos que os alinhasse
com a ortodoxia Reformada de modo geral.[26] Sua declaração sobre o
“lógica e claramente deduzido”, na Confissão de Fé de Westminster
I.VI diz respeito à interpretação bíblica (hermenêutica). Quanto a isso,
o direcionamento da ortodoxia Reformada é de igual importância ao
contexto inglês. Veremos de modo breve o contexto da hermenêutica
medieval com as modificações feitas pela Reforma, ilustrando o “lógica
e claramente deduzido” por meio da abordagem do princípio feita pelo
delegado escocês George Gillespie e apresentaremos alguns exemplos
do princípio na interpretação bíblica do século 19 por meio da
exposição dos Salmos feita por David Dickson.
O pano de fundo medieval
O Protestantismo buscou modificar alguns aspectos da doutrina
medieval das Escrituras e sua interpretação.[27] Desde os tempos de
Orígenes (185–254) a igreja adotou amplamente na interpretação
bíblica o que se conhece como quadriga. Essa visão afirmava que há
um sentido quádruplo de significado em qualquer texto da Escritura.
O sentido histórico (historia) diz respeito à intenção do autor no
contexto original. O sentido alegórico (allegoria) é um significado
espiritualizado do texto por meio do uso da alegoria, geralmente ligada
a Cristo e à igreja. O sentido tropológico (tropologia) extrai um
sentido moral ou ético do texto. E, por último, o sentido analógico
(anagoge) o interpreta em relação às coisas celestiais.[28] A Confissão
de fé de Westminster, em contraste, é representativa da rejeição
protestante desse método, quando afirma: “o verdadeiro e pleno
sentido da Escritura... não é múltiplo, mas único” (I.IX). O “verdadeiro
e pleno sentido da Escritura” pode incluir elementos complexos, como
um tipo do Antigo Testamento com seu antítipo no Novo Testamento
(como a interpretação que João faz de Moisés levantando a serpente
no deserto, em Jo 3.14). Os Reformados consideraram essa imposição
do sentido quádruplo das passagens bíblicas tanto arbitrária quanto
danosa ao sentido do texto.
Entretanto, no final da Idade Média, alguns expositores como Hugo
de São Vítor (1141), Tomás de Aquino (1274), e Alberto, o Grande
(1280), deram prioridade ao sentido histórico ou “literal” da Escritura.
Na visão deles, os outros três sentidos da quadriga eram válidos e
úteis, mas devem estar firmados no sentido “literal” do texto. Aquino
até mesmo argumentou que os outros três sentidos da quadriga não
eram necessários à fé e à prática.[29] Os sentidos alegórico, tropológico
e analógico foram inicialmente úteis na aplicação da Escritura. Esses
homens também criam que a Escritura era a autoridade máxima e
exclusiva em questões de doutrina e prática, em oposição àqueles que
criam que a autoridade repousa sobre uma combinação das Escrituras
com a tradição da igreja.[30] Teólogos medievais acrescentaram que
algumas conclusões doutrinárias (como a Trindade) não estão
declaradas expressamente na Escritura, mas devem ser deduzidas
como conclusões necessárias de vários textos da Escritura. A igreja
definiu e aceitou muitas dessas verdades por meio de concílios e
credos.[31] Ambos os temas se tornaram importantes na hermenêutica
Protestante.
Um dos problemas enfrentados pelos intérpretes bíblicos da Idade
Média (assim como pelos teólogos Reformados posteriores) estava
relacionado à leitura cristológica do Antigo Testamento.[32] Pelo fato
dos autores no Novo Testamento frequentemente afirmarem que
Cristo é o centro das Escrituras do Antigo Testamento (e.g. Lc 24.25-
27, 44-45) e porque eles geralmente aplicavam várias passagens do
Antigo Testamento a ele, de maneira tipológica, os expositores do
Antigo Testamento labutaram para compreender os textos do Antigo
Testamento, enquanto simultaneamente faziam justiça a todo o escopo
cristológico da Escritura. Em parte, a quadriga representou uma
tentativa de harmonizar algumas dificuldades. A Renascença acentuou
essa dificuldade com sua ênfase na exposição das Escrituras nas
línguas originais, ignorando grandemente a análise teológica dos
textos, que foi predominante na Idade Média.[33] Isso criou uma crise
em potencial para a teologia, já que se tentou separar (ou excluir) a
teologia da tarefa da exegese. Embora possamos ver a rejeição
Protestante da quadriga como uma mudança bem-vinda, seguindo a
Reforma, devemos ao menos simpatizar com o fato de os teólogos
medievais terem labutado seriamente com a questão de como nossa
compreensão do Novo Testamento deveria influenciar nossa exegese
do Antigo Testamento. Em resumo, a interpretação bíblica que seguiu
a Reforma se constituiu em uma ruptura significativa com a
hermenêutica medieval — mas não foi uma ruptura completa.
Modificações da Reforma à interpretação bíblica
Enquanto a Reforma reteve a ênfase da Renascença na exegese
bíblica nas línguas originais da Escritura, isso também reviveu a
conexão medieval entre exegese e teologia que o humanismo
renascentista havia ameaçado solapar. Como Richard Muller
observou, os teólogos Reformados tentaram manter a “tradição da
igreja da exegese teológica assim como os trabalhos críticos dos
estudiosos do texto”.[34] Até mesmo a quadriga recebeu variada
atenção no período medieval, o que serviu como um veículo para
conectar a exposição da Escritura com a teologia da igreja.
Formulações doutrinárias são “um grande passo além da exposição”.
[35] Os protestantes Reformados herdaram simultaneamente os
conceitos e as questões que estão por trás da formulação teológica
medieval, assim como a ênfase renascentista no ad fontes (retorno “às
fontes”). Além disso, enquanto a exposição Reformada da Escritura se
fundamenta no sentido literal do texto, a exposição sempre objetiva a
edificação da igreja.[36] Essa situação demandou uma reformulação da
própria hermenêutica bíblica.
Os princípios Reformados de interpretação bíblica foram tanto uma
correção quanto uma expansão dos primeiros métodos. A tipologia foi
conservada na exposição do Antigo Testamento com base no exemplo
de Cristo e seus apóstolos, mas regras meticulosas foram estabelecidas
para prevenir abusos e alegorizações grotescas.[37] A Escritura foi
comparada com a Escritura (analogia scriptura) para
harmoniosamente compreender a mente do singular Autor divino da
Bíblia. Passagens mais claras foram usadas para compreender as mais
obscuras e passagens que aparentavam, em princípio, ser conflitantes
com outras, foram combinadas em uma formulação teológica,
frequentemente equilibrando os dois lados da verdade.[38] A alegoria
foi grandemente rejeitada, a não ser que a Escritura a requeresse. Com
respeito à referência a Agar e Sara, em Gálatas 4, a alegoria foi o
instrumento necessário para conectar o texto a Cristo. O mesmo é
verdade com respeito ao Cântico dos Cânticos.[39] Ainda que haja um
sentido “literal” do texto da Escritura, a formulação doutrinária, assim
como a aplicação para a igreja, demandam que várias conclusões
teológicas e práticas possam ser legitimamente extraídas do sentido
literal.[40] Se a única coisa que um ministro ou comentarista tivesse
dado ao povo de Deus fosse o próprio sentido literal e histórico da
Escritura, então não haveria teologia e não haveria aplicação no
sermão ou comentário. Nesse sentido, a quadriga não desapareceu
por completo no Protestantismo Reformado. Em vez disso, foi
“reposicionada” dentro do sentido literal e alterada dentro do campo
da aplicação.[41]
Além disso, protestantes Reformados interpretaram as Escrituras
em termos de analogia da fé (analogia fidei). A analogia da fé se refere
ao fato de que a Escritura deve ser interpretada nos termos de um
corpo de doutrina pré-estabelecido. Inicialmente isso alude ao Credo
dos Apóstolos, à Oração do Senhor e ao Decálogo (como havia na
Idade Média), mas finalmente incluiu os posteriores catecismos e
confissões de fé da igreja.[42] A analogia da fé não foi considerada
como uma “grade doutrinária” recebida pela tradição e imposta ao
texto da Escritura, mas foi vista como um uso ampliado da analogia da
Escritura.[43] Em outras palavras, um texto da Escritura deve não
somente estar em harmonia com outras passagens da Escritura, mas
seus intérpretes devem furtar-se de ler um texto de modo que
contradiga o corpo doutrinário recebido, que foi derivado da Escritura.
Atualmente, fazemos uso dessa prática com frequência. Por
exemplo, se cremos, com base em Romanos 9 e Efésios 1, que Deus
soberanamente escolheu alguns para a vida eterna e deixou a outros,
entregando-os à condenação eterna, e que somente os eleitos são
objeto do amor salvador de Deus, nós provavelmente não
esqueceremos dessas doutrinas já firmadas quando lermos Ezequiel
18, que afirma que Deus não tem prazer na morte do ímpio. A ideia
não é impor formulações doutrinárias ao texto da Escritura, mas antes
harmonizar passagens individuais com a teologia da Bíblia como um
todo, com base na aceitação de que essas formulações doutrinárias são
exposições e resumos adequados da Escritura. A exposição é o
fundamento da teologia, mas a exposição também é auxiliada e
informada pela teologia. Isso não coloca os documentos doutrinários
acima de críticas, mas cria uma espiral hermenêutica interdependente,
na qual a exposição da Escritura é o fundamento para a teologia e na
qual a teologia informa a exposição da Escritura.
É aí que a questão do “lógica e claramente deduzido” se torna
importante. Teólogos Reformados, incluindo os autores da Confissão
de Westminster, reconheceram que, diferentemente dos autores
humanos, Deus está completamente consciente da lógica e da
consequência de suas palavras.[44] É à luz desse fato que “lógica e
claramente” devem se fazer deduções de uma exposição correta da
Escritura. O “lógica e claramente deduzido” utiliza a razão como
apropriadamente aplicada à Escritura, mas isso não significa que
estamos lidando com a verdade derivada da razão como oposta à
verdade derivada da Escritura. Em vez disso, o princípio permite ao
intérprete moderno aplicar o texto antigo ao contexto moderno.[45]
Quando uma doutrina necessária ou uma aplicação é legitimamente
extraída do texto da Palavra de Deus, então a doutrina ou a aplicação
tem o genuíno poder da autoridade de Deus para reforçá-la. Ao
contrário, se o “lógica e claramente deduzido” é negado, então a
aplicação é impossível. Além disso, intérpretes protestantes
reconheceram que sumários doutrinários extraídos da Escritura —
assim como a aplicação contemporânea para a igreja — podem se
tornar impossíveis sem o uso do “lógica e claramente deduzido”. Como
Muller observou, a dedução lógica é um dos “passos hermenêuticos
decisivos” para formular teologia da Escritura.[46]
Em resumo, o princípio do “lógica e claramente deduzido”, como
apresentado na Confissão de Fé de Westminster, representa o
resultado da busca protestante Reformada de justificar a tarefa da
teologia e de aplicar as Escrituras em um contexto contemporâneo
para a edificação da igreja. A hermenêutica Reformada tanto edificou
sobre quanto corrigiu métodos de interpretação bíblica medievais. A
quadriga medieval foi substituída por uma ênfase no sentido literal e
histórico do texto com aplicações doutrinárias, práticas e cristológicas
extraídas pelo “lógica e claramente deduzido”. Em grande parte, a
totalidade da tradição da doutrina e pregação Reformadas depende
desse ponto.
Exemplos históricos do princípio
Embora a Assembleia de Westminster deva ser entendida
principalmente como um ajuntamento inglês, aqueles teólogos
mantiveram seus princípios de interpretação bíblica em comum com a
tradição Reformada internacional. Por esse motivo, eu exporei o
princípio, tanto em sua formulação quanto em sua prática, a partir de
dois teólogos escoceses, George Gillespie e David Dickson.[47]
A formulação do princípio — George Gillespie
Delegado escocês na Assembleia de Westminster, George Gillespie
(1613-1648) forneceu uma das mais perfeitas exposições e defesas do
“lógica e claramente deduzido”.[48] Em primeiro lugar, ele observou
que os arminianos aceitavam somente textos prova explícitos para
declarar qualquer doutrina ou prática da Escritura. Ele respondeu com
a observação de que sem a dedução lógica a igreja Reformada não
poderia rejeitar os erros dos “arianos, antitrinitarianos e socinianos”.
[49] O “lógica e claramente deduzido” derivado da Escritura não faz
com que a Escritura se apoie sobre a razão. A razão é antes um
instrumento empregado para extrair conclusões legítimas da
Escritura. Uma consequência desse tipo “é não crer nem admitir pela
força da razão, mas porque é a verdade e a vontade de Deus”.[50] Existe
também uma distinção importante entre conclusões feitas por uma
razão natural corrompida, com base em meros princípios humanos, e
a razão regenerada dos cristãos, com base na Escritura e nos
princípios divinos.[51]
Gillespie acrescenta uma importante qualificação nesse estágio de
sua abordagem. Há uma diferença entre a dedução legítima extraída
da Escritura e a dedução lógica extraída da Escritura.[52] Essa é uma
distinção muito importante. Para expor o ponto de Gillespie, o dever
pessoal da leitura diária da Escritura é uma dedução lógica extraída
das afirmações da Escritura que descrevem uma pessoa piedosa como
alguém que medita na lei do Senhor dia e noite (Sl 1.2), que elogia os
santos por examinarem as Escrituras diariamente (At 17.11) e que
necessitam da leitura bíblica para a fé e a piedade (2Tm 3.16).
Entretanto, quanto da Bíblia um cristão deve ler a cada dia, a
quantidade de tempo que ele deve gastar com ela, e a(s) hora(s) que
deve usar para ler as Escrituras são aplicações (ou deduções) legítimas
que admitem variadas expressões. É uma dedução lógica que devemos
adorar ao Deus Triúno no dia do Senhor, mas o tempo da adoração
coletiva é uma dedução, ou aplicação, legítima. Essas conclusões são
concordantes com os princípios da Escritura, mas sua forma precisa
não se encontra necessariamente na Escritura.[53] Se deduções
extraídas da Escritura são “lógicas”, pois bem, elas devem carregar a
força do “Assim diz o Senhor”.
Gillespie fornece suporte bíblico para o uso do “lógica e claramente
deduzido”, primeiro, ao citar a apropriação que Cristo faz da passagem
da sarça que ardia e não se consumia (veja o capítulo 1), assim como
ao citar vários outros exemplos da maneira pela qual os autores do
Novo Testamento usaram o Antigo Testamento.[54] Segundo, a lei de
Deus no Antigo Testamento foi designada para ser um sumário dos
princípios a partir dos quais outras aplicações deveriam derivar do
“lógica e claramente deduzido”.[55] Terceiro, como as opiniões dos
homens são geralmente refutadas quando se mostra a eles as
consequências de suas palavras, devemos assumir que toda a
sabedoria de Deus é completamente consciente das consequências de
suas palavras. Negar que as consequências da Palavra de Deus
representam sua vontade é “blasfêmia”, pois, de acordo com Gillespie,
“isso é tornar o único sábio Deus em um homem tolo, que não
consegue prever todas as coisas que decorrerão de suas palavras.
Portanto, devemos nos manter apegados à mente de Deus, a qual
necessariamente segue das palavras de Deus”.[56] Quarto, se negarmos
a legitimidade do “lógica e claramente deduzido”, então muitos
absurdos resultarão, como negar que as mulheres possam participar
da Ceia do Senhor.[57] Quinto, na realidade, ninguém é capaz de se
esquivar de usar o “lógica e claramente deduzido” em discussões
teológicas. Todas as pessoas devem deduzir conclusões se elas
pretendem fazer qualquer declaração a respeito do que as Escrituras
ensinam. Toda controvérsia na história da igreja tem sido sobre o
“sentido da Escritura”, em vez de sobre suas expressas declarações.[58]
Sexto, até mesmo magistrados civis fazem deduções lógicas da lei civil
para provar que uma ofensa em particular é uma violação da lei, e [não
devemos] negar ao Grande Deus o que é um privilégio de “pequenos
deuses” ou magistrados.[59]
Como o tratamento de Gillespie indica, o princípio do “lógica e
claramente deduzido”, se explícito ou implícito em uma confissão de
fé, é o fundamento vital sobre o qual uma confissão se apoia. Letham
escreveu: “Essa é uma afirmação profundamente importante. Isso
aponta para a necessidade de continua meditação na leitura, pregação
e opinião sobre a Bíblia. Isso possibilita a teologia. Para começar a
compreender todo o conselho de Deus, devemos ser capazes de
produzir deduções legítimas da Bíblia (...) Em resumo, esse capítulo
controla a teologia sistemática”.[60] Quer os cristãos compreendam
isso ou não, a cada vez que citam uma passagem da Escritura para
aplicá-la a uma doutrina em particular ou questão prática, estão
assumindo que o texto da Escritura necessariamente implica a
doutrina ou prática em questão. O parágrafo 6 do capítulo primeiro da
Confissão de Westminster estabelece a única base sobre a qual a
Assembleia de Westminster poderia realizar seu trabalho.
O uso do princípio — David Dickson
David Dickson (1583–1662) foi um ministro escocês que produziu o
primeiro comentário à Confissão de Fé de Westminster, sob o título
Truth’s Victory over Error [A vitória da verdade sobre o erro].[61] O
comentário de Dickson sobre os Salmos provê exemplos claros e
concisos de como o princípio do “lógica e claramente deduzido” foi
usado para fornecer o germinar de pensamentos da doutrina e
aplicação na pregação do século 17. Essa obra não é tanto um
comentário sobre o significado do texto, mas uma breve série de
deduções lógicas extraídas da própria exposição do texto, os quais
foram largamente aceitos.[62] Ele esboçou uma série de inferências
doutrinárias e práticas de cada versículo do texto, seguidas de uma
citação de uma porção do texto do qual ele tirou cada inferência. Esse
procedimento é bem demonstrado por suas observações sobre o Salmo
2.7-8.[63]
No tempo em que Dickson escreveu seu comentário, a teologia da
aliança estava sob significativo desenvolvimento. Em particular, a
visão da aliança eterna intertrinitária da redenção, entre o Pai e o
Filho, estava obtendo ampla aceitação. O conceito de aliança da
redenção ensinava que, na eternidade passada, o Pai fez uma aliança
com o Filho, na qual o Filho concordou em se encarnar para comprar a
redenção dos eleitos e dar a eles o Espírito Santo.[64] Essa foi uma
tentativa de fazer justiça às implicações de textos como Tito 1.1-2, que
descreve a promessa da vida eterna ocorrendo antes do tempo
começar. A aliança da redenção, que era eterna, serviu como
fundamento da aliança da graça, que foi sua realização histórica,
incluindo sua aplicação aos crentes. Embora a aliança da redenção não
seja tratada de maneira explícita na Confissão e nos catecismos de
Westminster, era comum para a ortodoxia Reformada do século 17
inferir seu ensino de textos como Salmo 2.7-8.[65] Esse é o contexto
necessário para a compreensão do uso de Dickson do “lógica e
claramente deduzido” com referência a esse Salmo.
Dickson extraiu uma série de oito inferências desses versículos.
Primeiro, com base nas palavras “Proclamarei o decreto”, os santos
devem ter coragem em tempo de perseguição, já que a estabilidade da
igreja depende do decreto eterno de Deus.[66] Segundo, porque Cristo
é o Verbo eterno do Pai, ele revela “o conselho secreto da Trindade”
(“Proclamarei o decreto”).[67] Terceiro, Cristo é parte do decreto
eterno (aliança da redenção), e ele recebe as promessas do Pai em
favor dos eleitos (“Ele [o Senhor] me disse”). Quarto, a ressurreição de
Cristo publicamente proclamou que ele era o Filho de Deus (Rm 1.4) e
que ele cumpriu o ofício do Messias, particularmente por sua
ressurreição da morte. Nesse estágio descreve as preocupações
protestantes quanto à interpretação bíblica, para fazer justiça à leitura
cristológica que o Novo Testamento faz do Antigo Testamento. No
Novo Testamento, a frase “eu, hoje, te gerei” parece se referir à
ressurreição de Cristo, em vez da sua geração eterna. Porque o
contexto original do decreto de Deus sugere um tratado eterno entre o
Pai e o Filho, Dickson afirma que o Novo Testamento não implica que
Cristo foi gerado no tempo de sua ressurreição, mas, antes, que sua
ressurreição foi sua declaração principal e completa do tratado eterno
entre Pai e Filho.[68] Quinto, a manifestação do plano eterno de Deus
por meio da obra consumada de Cristo serve como uma nova base de
confiança para a igreja, a despeito de toda oposição. Essa conclusão é
derivada da quarta inferência.[69] Sexto, seguindo a declaração do
propósito eterno de Deus por meio de seu Filho, o Filho amplia seu
reino por meio de sua obra de intercessão (“Pede-me, e eu te darei as
nações por herança” [Sl 2.8]).[70] Oitavo, a oposição das nações não
será capaz de impedir a crescente expansão do reino de Cristo, já que o
Pai prometeu que as nações seriam, de fato, a herança de seu Filho.[71]
Por último, se de Cristo é dito que ora para que as nações possam ser
sua herança, então, por inferência, a igreja deveria também orar por
esse fim, em harmonia com o Pai e o Filho.[72]
Nem todos os exemplos do “lógica e claramente deduzido” do
comentário de Dickson são tão complexos quanto o que foi
apresentado aqui, mas esse exemplo demonstra bem como o princípio
foi colocado em prática e porque ele foi crucial. Todos os ministros em
alguma medida não se debatem com a questão de como pregar Cristo a
partir do Antigo Testamento? Não lutamos com frequência com o
deslindar da maneira pela qual Cristo e seus apóstolos interpretaram o
Antigo Testamento? Não precisamos extrair aplicações diretamente do
texto da Escritura em nossas pregações? O “lógica e claramente
deduzido” foi a ferramenta pela qual nossos antepassados na fé
Reformada cumpriram esses objetivos.
Conclusão
O “lógica e claramente deduzido” é o fundamento para a
compreensão de como a Assembleia de Westminster chegou às suas
conclusões e construiu sua teologia. “Todo o conselho de Deus”, como
é revelado na Escritura, não pode ser discernido pelo uso simplista de
textos prova ou pela mera exposição da Escritura. O fato de que
muitos cristãos têm contestado esse princípio de interpretação bíblica
explica porque muitos leitores de nível popular consideram os textos
prova dos Padrões de Westminster como um exemplo de distorção da
Escritura para que ela se encaixe em um corpo pressuposto de
doutrina (algo como forçar uma cavilha quadrada em um buraco
redondo). Entretanto, quando nos aproximamos dos textos prova
desses Padrões, devemos perguntar que implicações os teólogos
pretendiam que extraíssemos dos textos que eles citaram. Sem o
“lógica e claramente deduzido”, produzir uma confissão de fé seria
uma tarefa impossível. Por meio desse princípio, os teólogos de
Westminster buscaram se sentar aos pés de Jesus Cristo e aprender de
seu próprio uso da Escritura. A Confissão de Fé de Westminster e seus
Catecismos Maior e Breve são evidências de que eles aprenderam bem
de seu Mestre.
[23] A Confissão de Fé de Westminster é mais específica do que as suas predecessoras quanto a esse
ponto, incluindo os Artigos Irlandeses (1615) e os Trinta e Nove Artigos (1571) da Igreja da Inglaterra,
os quais influenciaram fortemente a Assembleia de Westminster. O adendo é mais um esclarecimento
e expansão do que uma correção.
[24] Para entender a importância do contexto inglês da Assembleia de Westminster, veja Robert
Letham, The Westminster Assembly: Reading its Theology in Historical Context (Phillipsburg, N. J.:
P&R, 2009), p. 47-61. O livro de Letham apresenta uma história clara e equilibrada da Assembleia, que
corrigiu vários estudos anteriores, muitos dos quais deram muita ênfase na influência dos delegados
escoceses da Assembleia e focaram sua atenção sobre os debates a respeito do governo da igreja,
negligenciando assim a teologia dos teólogos de Westminster como um todo.
[25] Essa frase foi retirada de Francis R. Beattie, The Presbyterian Standards: An Exposition of the
Westminster Confession of Faith and Catechisms (Richmond, Va. Southern Presbyterian Press, 1896).
[26] Letham, Westminster Assemlby, p. 84-98. Para o contexto internacional, veja Menna Prestwick,
org., International Calvinism, 1541–1715 (Oxford: Clarendon Press, 1985); Willem van Asselt e Eef
Dekker, orgs., Reformation and Scholasticism: An Ecumenical Enterprise (Grand Rapids: Baker, 2001);
Patrick Collinson, “England and International Calvinism, 1558–1640”, em From Cranmer to Sancroft
(Nova York: Hambledom Continuum, 2006), p. 75-100; Anthony Milton, “Puritanism and the
Continental Reformed Churches”, em The Cambridge Companion to Puritanism, orgs. John Coffey e
Paul C. H. Lim (Cambridge: Cambridge University Press, 2008), p. 109-126. Para uma abordagem única
e definitiva da expansão e desenvolvimento das igrejas Reformadas internacionalmente, durante os
períodos da Reforma e da Pós-reforma, veja Philip Dixon, Christ’s Church Purely Reformed: A Social
History of Calvinism (New Haven: Yale University Press, 2002).
[27] Por causa da brevidade, a discussão a seguir foi principalmente adaptada de Richard A. Muller,
Post-Reformation Reformed Dogmatics, vol. 2, Holy Scripture, The Cognitive Foundation of Theology
(Grand Rapids: Eerdmans, 2003). Para mais informações sobre a interpretação bíblica entre os
intérpretes medievais e Reformados, veja Richard A. Muller e John L. Thompson, orgs., Biblical
Interpretation in Handbook of Biblical Interpreters (Westmont, Ill.: InterVarsity, 1998). Para uma
abordagem popular útil da doutrina protestante da Escritura e sua interpretação, veja Keith A.
Matthison, The Shape of Sola Scriptura (Moscow, Idaho: Canon Press, 2001).
[28] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:35.
[29] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:36-37. Para alternar visões medievais sobre
autoridade, veja Heiko A. Oberman, The Harvest of Medieval Theology: Gabriel Biel and Late Medieval
Nominalism (Grand Rapids: Baker, 2000), p. 361-422.
[30] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:51. Muller acrescenta que, nesse período, os
teólogos tendiam a colocar a Escritura em primeiro lugar, mas os defensores do cânon argumentavam
por uma teoria de duas fontes composta de Escritura e tradição. A última se tornou oficialmente a
visão da Igreja Católica Romana, como sistematizada no Concílio de Trento. “Canones et Decreta
Dogmatica Concilii Tridentini”, 4.a sessão, em The Creeds of Christendom: With a History and Critical
Notes, org. Philip Schaff (1931, reedição, Grand Rapids: Baker, 1998) 2:80.
[31] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:54.
[32] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:58.
[33] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:60.
[34] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:61.
[35] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:442.
[36] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:35.
[37] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:453. Veja Knaap, “Understanding the Mind of
God”, p. 282-293. A regulação da tipologia continuou a ser uma preocupação para os teólogos
Protestantes bem depois do período da ortodoxia Reformada ter terminado. Para um verdadeiro
exemplo sóbrio e útil disso, veja, de Fairbairn, Typology of Scripture.
[38] Essas ênfases foram elaboradas no primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster, o que é
rapidamente verificado mesmo em uma leitura rápida do texto.
[39] Um excelente exemplo do uso limitado da alegoria Reformada e dos princípios sobre os quais ela
se apoia é encontrada na exposição de James Durham de Cântico dos Cânticos, com uma introdução
de John Owen. Tanto Durham quanto Owen justificam seu método em suas respectivas introduções.
Veja James Durham, Clavis Cantici, ou, An Exposition of Song of Solomon, with an Introduction by John
Owen, D. D. (Londres, 1668).
[40] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:473. Em conexão com isso, Muller observa a
importância de Disputations on Holy Scripture, de William Whitaker, para as discussões Protestantes
do século 17 sobre a interpretação bíblica.
[41] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:475, 479. Desde o final do século 18, a moderna
exegese histórico-crítica tem se preocupado exclusivamente com o texto em si e com o significado do
texto em seu cenário histórico. O resultado é que muitos comentários modernos são virtualmente
destituídos de teologia e oferecem muito pouco quanto a como aplicar para a igreja. Isso não tende a
desviar a Bíblia de seu propósito divino de servir à igreja? Em conexão com isso, veja David C.
Steinmetz, “The Superiority of Precritical Exegesis”, em A Guide to Contemporary Hermeneutics: Major
Trends in Biblical Interpretation, org. Donald K. McKim (Grand Rapids: Eerdmans, 1986) p. 65-77.
Embora eu não concorde com todas as conclusões de Steinmetz com respeito à quadriga, o valor
primário de seu artigo se fundamenta na observação de que, considerando que a exegese crítica está
interessada exclusivamente no autor humano da Escritura e no contexto histórico, a exegese pré-
crítica considera Deus como o autor primário da Escritura, encontrando significado no texto que
transcende o tempo. Ele conclui com a penetrante observação de que a exegese histórico-gramatical
isolada estará sempre restrita à academia, “onde o debate sobre a verdade pode ser infinitamente
protelado” (p. 77). Para as implicações dessa discussão com respeito à pregação, veja Ryan M.
McGraw, “A Pastor Analysis of Emphases in Preaching: Two False Dicotomies and Three Conclusions”,
Puritan Reformed Journal 2, nº 1 (Janeiro 2010): p. 266-276.
[42] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:493.
[43] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:494.
[44] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:498.
[45] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:499-500.
[46] Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, 2:501.
[47] Esse material é apenas explicativo. A maioria das fontes primárias comparativas para a teologia
da Reforma internacional quanto a esse ponto está confinada em grandes tomos em Latim. Eu decidi
omitir referências a esses volumes aqui buscando simplicidade e para assegurar que este material
permanecerá acessível a um público popular.
[48] George Gillespie. A Treatise of Miscellany Questions: Wherein Many Useful Questions and Cases
of Conscience are Discussed and Resolved; for the Satisfaction of Those, Who Desire Nothing More,
than to Search , for and Find out Precious Thrusts, in the Controversies of These Times (University of
Edinburgh, 1649) p. 238-245. Gillespie afirmou a doutrina da seguinte maneira: “Essas consequências
lógicas da Palavra escrita de Deus, provam de modo suficientemente forte a inferência ou conclusão,
no caso de ser teórica, de ser uma verdade divina evidente que deve ser crida, e no caso de ser
prática, de ser um dever necessário, ao qual estamos obrigados, jure Divino”.
[49] Gillespie, Miscellany Questions, 238.
[50] Gillespie, Miscellany Questions, 239.
[51] Por esse motivo, Tomás de Aquino não quis se referir à teologia como uma ciência, no mesmo
sentido que as outras ciências: “Vê-se que a sagrada doutrina não é uma ciência. Pois toda ciência
procede de princípios conhecidos de si mesmos [ou autoevidentes], mas a doutrina sagrada procede
de artigos de fé que não são conhecidos a partir de si mesmos e não podem ser submetidos a todos,
porque a fé não é de todos, como é dito em 2Ts 3. Portanto, a sagrada doutrina não é uma ciência”.
Tomás de Aquino, Summa Theologica (1274), q. 1, art. 2. Citado de
http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html (tradução do autor). Teólogos Reformados como
Gillespie compartilharam uma preocupação comum com alguns doutores medievais, como Tomás de
Aquino, para evitar a acusação de que o uso da razão na teologia prende a teologia à razão humana,
em vez de na autoridade da Escritura.
[52] Gillespie, Miscellany Questions, 240. Gillespie cita Aquino para dar apoio à sua afirmação.
[53] Gillespie, Miscellany Questions, 240. “Lógica e claramente deduzido” é frequentemente
confundido com uma ideia popular de que a Confissão de Fé de Westminster se refere a
“circunstâncias quanto ao culto a Deus e ao governo da igreja”, que têm de ser ordenadas de acordo
com “a luz da natureza e pela prudência cristã”, enquanto ainda se segue “as regras gerais da Palavra”
(CFW I.VI). Entretanto, “lógica e claramente” carrega todo o peso da autoridade divina, enquanto
“circunstâncias” (1) não são parte substancial da adoração e não carregam significado religioso (e.g.,
quando, onde, como, etc.); (2) não pode ser determinada pela Escritura; e (3) deve ser necessária para
levar a cabo os mandamentos de Deus. Citado em Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 1.
[54] Gillespie, Miscelany Questions, p. 240-241.
[55] Gillespie, Miscelany Questions, p. 240-243. Gillespie usa as assim chamadas leis de
consanguinidade (CFW XXIV.IV) de Levítico 18 como um exemplo de que, se relacionamentos sexuais
são proibidos em uma linhagem direta, então essas relações são proibidas para bisnetos, assim como
para netos, etc.
[56] Gillespie, Miscelany Questions, p. 243.
[57] Gillespie, Miscelany Questions, p. 244. Ele acrescenta vários exemplos similares.
[58] Gillespie, Miscelany Questions, p. 235. Mesmo os socinianos, que negavam o “lógica e claramente
deduzido” como princípio, foram forçados a usá-lo na defesa de suas doutrinas: “E geralmente pode
se observar, que mesmo aqueles que lamentam por causa das deduções a partir da Escritura, e
clamam por declarações expressas da Escritura, todavia, quando vão provar suas próprias doutrinas
das Escrituras, não fazem senão trazer provas deduzidas. Assim a sabedoria é justificada, não somente
para seus filhos, mas até mesmo para seus inimigos”.
[59] Gillespie, Miscelany Questions, p. 245.
[60] Letham, Westminster Assembly, p. 139. Posteriormente, Letham acrescentou que a exegese e a
teologia bíblica somente são insuficientes para definir e defender a fé cristã: “Há pouca dúvida de que
a teologia bíblica é uma disciplina útil, especialmente para a exegese de passagens do Antigo
Testamento. Entretanto, por si mesma ela é incapaz de defender a igreja contra as heresias, já que a
maioria das heresias faz uso da linguagem bíblica e assim não podem ser refutadas recorrendo-se a
ela somente” (p. 245).
[61] Essa obra se originou com as palestras de Dickson na Universidade de Edimburgo, na década de
1650. As circunstâncias que cercam a publicação original não são claras e outro autor a pirateou no
século 18. Ela foi reeditada recentemente como Truth’s Victory over Error: An Exposition of the
Westminster Confession of Faith (Edimburgo: Banner of Truth, 2007).
[62] Devido à natureza do comentário de Dickson, o contraste que Knapp faz entre Dickson e Owen é
muito forte. Ele argumenta que Dickson fez inferências extraídas do Salmo 2 se tornarem o significado
principal da passagem, negligenciando a exegese adequada. A negligência de Dickson de uma exegese
completa e explícita é mais bem compreendida à luz do propósito de seu comentário sobre os Salmos
do que em termos de uma aplicação inconsistente das regras exegéticas Reformadas. Veja Knaap,
“Understanding the Mind of God”, p. 223.
[63] Exemplos do uso do “lógica e claramente deduzido” na teologia do século 18 são muito
numerosos para listar aqui. Os oito princípios para a interpretação dos Dez Mandamentos, como
expostos no Catecismo Maior de Westminster (CMW), Pergunta 99, fornecem um exemplo profundo.
Para a fundamentação bíblica e aplicação desses princípios ao quarto mandamento, veja meu livro
The Day of Woship: Reassening the Christian Life in Light of the Sabbath (Grand Rapids: Reformation
Heritage Books, 2011), cap. 7. Esse capítulo foi impresso como um artigo em separado, com algumas
modificações, como “Principles of Sabbath Keeping: Jesus and Westminster”, em Puritan Reformed
Journal 3, n.o 1 (Janeiro 2011): 316-327. Muller, mais adiante, explora o uso do “lógica e claramente
deduzido” na teologia da aliança dos teólogos de Westminster em Muller e Ward, Scripture and
Worship, p. 59-82.
[64] Para o desenvolvimento da teologia da aliança nos séculos 16 e 17, veja David A. Weir, The
Origins of Federal Theology in Sixteenth Century Reformation Thought (Oxford: Clarendon Press,
1990); Lyle D. Bierna, “Law and Grace in Ursinus’ Doctrine of the Natural Covenant”, em Protestant
Scholasticism: Essays in Reassessment, org. Carl R. Trueman e R. Scott Clark (Carslile, UK: Paternoster
Press, 2005), p. 96-110; Brian J. Lee, Johannes Cocceius and the Exegetical Roots of Federal Theology
(Göttingen: Vandehoeck and Ruprecht, 2009).
[65] A “aliança da redenção” parece ser um pensamento implícito na Confissão de Fé de Westminster,
cap. 8, parágrafo 1, que declara: “o Senhor dignou-se fazer um segundo pacto, geralmente chamado
pacto da graça; neste pacto ele livremente oferece aos pecadores a vida e a salvação por Jesus Cristo”.
Nesse eterno propósito de Deus, o Filho toma sobre si mesmo os ofícios necessários para redimir seus
eleitos, e o Pai promete recompensá-lo com uma lista de bênçãos em retribuição. Significativamente,
a Declaração de Savoy sobre Fé e Ordem acrescenta “de acordo com a aliança que foi feita entre
ambos” imediatamente antes de “ser o Mediador” (Declaração de Savoy, 8.1). Para o
desenvolvimento da aliança da redenção no século 18, veja Carl R. Trueman, John Owen: Reformed
Catholic, Renaissance Man (Burlington, Vt.: Ashgate, 2007), p. 82ss. Trueman também traz a peculiar
importância de David Dickson nesse desenvolvimento.
[66] David Dickson, A Commentary on the Psalms (publicado primeiro em três partes, de 1653–1655;
reedição Edimburgo: Banner of Truth, 1959) p. 6-7.
[67] Dickson, Commentary on the Psalms, p. 7.
[68] Dickson, Commentary on the Psalms, p. 7. Para uma abordagem similar, mais ampla desse
argumento, veja o teólogo de Westminster Francis Cheynell (1608-1655), The Divine Triunity of the
Father, Son, and Holy Spirit (Londres, 1650), p. 192-195.
[69] Dickson, Commentary on the Psalms, p. 7-8.
[70] Dickson, Commentary on the Psalms, p. 8.
[71] Dickson, Commentary on the Psalms, p. 8.
[72] Dickson, Commentary on the Psalms, p. 8.
Sua Importância

Não somente as Escrituras requerem o princípio do “lógica e


claramente deduzido”, mas sua grande importância também se reflete
na teologia e prática da igreja através dos séculos. A seção histórica do
capítulo anterior demonstrou esse fato em algum grau, mas isto é
particularmente verdadeiro com respeito às formulações cristológica e
trinitariana produzidas nos cinco primeiros séculos da igreja. Além
disso, esse princípio carrega importantes implicações para a adoração
coletiva e os sacramentos. Esses exemplos demonstrarão a
necessidade vital do “lógica e claramente deduzido” para o bem-estar
e, em certo sentido, até mesmo a existência da igreja.
A doutrina da pessoa de Cristo
Hoje as denominações Protestantes ortodoxas assumem a validade
do princípio do “lógica e claramente deduzido” com respeito à
doutrina da pessoa do Senhor Jesus Cristo. Próximo do fim do século
IV e início do século V, a igreja afirmou, por meio de seus credos, que
o Senhor Jesus é tanto verdadeiro Deus quanto verdadeiro homem, e
que essas duas naturezas distintas são encontras em somente uma
personalidade, portanto o Senhor pode verdadeiramente ser chamado
de Deus-homem. Essas conclusões surgiram em meio à controvérsia e
foram apresentadas em resposta às doutrinas do Arianismo. Ário e
seus seguidores afirmaram que o Senhor Jesus não era da mesma
substância do Pai (homoousios), mas somente parecido com o Pai
(homoiousios).[73] Sua posição se apoiava no fato de que as Escrituras
não declaram explicitamente que Jesus e o Pai eram da mesma
substância. Por outro lado, as Escrituras claramente ensinam que o
Senhor Jesus Cristo foi um verdadeiro ser humano.[74]
As respostas, em forma de credo, dadas pela igreja, não resultaram
de meramente citar textos-prova. Além disso, para fazer declarações
afirmando a deidade de Cristo, como as de Romanos 9.5 e 1João 5.20,
a igreja fez uso de uma série de inferências para demonstrar que ele
era divino. Foram usadas passagens que apresentavam Jesus
aceitando adoração e outras que concediam a ele atributos e
conhecimento divinos.[75] No entanto, eles mantiveram com igual
vigor as declarações da Escritura que afirmam a humanidade de Jesus:
ele ficava cansado e tinha de dormir, comer e beber. Ainda que, como
Deus, ele conhecesse todas as coisas, Jesus se referiu a algumas coisas
como estando além de seu conhecimento (e.g., Mc 12.32). Esses dois
fatos não podem coexistir sem que se afirme a completa deidade e a
completa humanidade na mesma pessoa. Por um lado, as Escrituras
afirmam que o Senhor Jesus Cristo é o Senhor dos céus e da terra e o
único por quem e para quem foram feitas todas as coisas (Cl 1.16) e
que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder (Hb 1.3). De
outro lado, ele foi o indefeso bebê carregado no ventre da virgem
Maria. Ele foi homem em todos os sentidos, com a exceção de não
pecar (Hb 4.15; Rm 8.3). A igreja corretamente concluiu que se a Jesus
tivesse faltado ou ele tivesse perdido qualquer aspecto da deidade,
então, por definição, ele não seria divino. Entretanto, se sua
humanidade possuísse atributos divinos, então ele não seria
verdadeiramente homem. Por esses motivos, o Credo Niceno, o Credo
Atanasiano, e principalmente a definição de Calcedônia declararam
consistentemente os sentimentos expressos pelo Breve Catecismo de
Westminster (BCW): “O único Redentor dos escolhidos de Deus é o
Senhor Jesus Cristo, que, sendo o eterno Filho de Deus, se fez homem,
e assim foi e continua a ser Deus e homem em duas naturezas
distintas, e uma só pessoa, para sempre” (Perg. 21).
A doutrina das duas naturezas de Cristo requer um vasto
conhecimento da Escritura e uma competente aplicação de seus
princípios. O que é mais necessário para a glória de Deus e a salvação
do homem do que a compreensão correta da pessoa e obra do
Salvador? Não se trata das vis ninharias retiradas da vida e
necessidades das pessoas. Jesus Cristo declarou que se os homens não
o identificassem como Iavé, eles morreriam em seus pecados (Jo 8.21;
cf. vs. 58-59). O autor de Hebreus insistiu que, para satisfazer a ira de
Deus, em interesse de seu povo, nosso grande Sumo Sacerdote teve de
ser participante da “carne e do sangue”, e ser semelhante a nós em
todos os aspectos, “mas sem pecado” (Hb 2.14, 17; 4.15). O Cristo tinha
de ser Deus, visto que somente o sacrifício de sua infinitamente justa
pessoa poderia pagar suficientemente o débito do pecado do homem e
suportar o infinito peso da ira de Deus na cruz. Sem a verdadeira
humanidade, ele não poderia ocupar o lugar de seu povo como o
segundo Adão (Rm 5.13-18; 1Co 15.22), e levar a eles justiça e vida, em
lugar do pecado e da morte trazidos pelo primeiro Adão.[76] Se a
humanidade de Jesus fosse mais do que humana, e se sua deidade
fosse menos do que divina, então nem uma única alma poderia ser
redimida. Essa conclusão não é exótica nem alegórica, mas inevitável e
vital. Pois as informações bíblicas com respeito à pessoa do Senhor
Jesus Cristo podem ser harmonizadas somente por meio do uso
cuidadoso do “lógica e claramente deduzido”.
A doutrina da natureza trina de Deus
Talvez a doutrina mais fundamental e comumente aceita entre
várias denominações cristãs é a da natureza trina de Deus.[77] A
doutrina da Trindade é um exemplo cardeal da importância vital da
aplicação correta do princípio do “lógica e claramente deduzido”. A
doutrina da Trindade é definida de modo conciso na Pergunta 6 do
Breve Catecismo: “Há três pessoas na Divindade: o Pai, o Filho e o
Espírito Santo, e estas três são um Deus, da mesma substância, iguais
em poder e glória (Dt 6.4; 1Co 8.4; BCW, Perg. 5). E as Escrituras
também afirmam claramente que o Pai, o Filho e o Espírito Santo,
cada um deles, é Deus. Essas três pessoas divinas são distintas uma da
outra. A presença simultânea das três pessoas no batismo de Jesus,
por exemplo, demonstra isso (Mt 3.16-17). Jesus ora ao Pai, em João
17, e o envio do Espírito Santo é atribuído tanto ao Pai quanto ao Filho
(Jo 14.16; 15.26). Cada uma das três pessoas é Deus, ainda que haja
somente um Deus. Cada uma das três pessoas tem personalidade
distinta e cumpre um propósito específico na consumação e aplicação
da redenção. Como podemos conciliar o ensino de passagens como
essas?
Embora o homem esteja infinitamente abaixo de seu Criador e não
possa compreender a natureza trina de Deus, a histórica doutrina da
Trindade faz justiça a toda a evidência bíblica. As Escrituras não
ensinam que há um Deus e três Deuses mais do que ensinam que Deus
é uma pessoa e três pessoas. O “lógica e claramente deduzido” aceito
por praticamente todas as igrejas cristãs através dos séculos tem sido o
de que Deus é um em essência e três em pessoa, as quais não são três
seres separados nem um ser manifestando a si mesmo em três
diferentes funções. Essa doutrina sempre separou os verdadeiros
ramos da igreja daqueles que apostataram da fé que de uma vez por
todas foi entregue aos santos (Jd 3). Todos aqueles que afirmam a
natureza trina de Deus assumem a indispensável necessidade do
“lógica e claramente deduzido”. A própria existência da igreja depende
disso.
A doutrina da Trindade talvez seja o mais complexo exemplo do
“lógica e claramente deduzido”. Entretanto, como W. G. T. Shedd
escreveu: “Aquelas igrejas que têm seguido a Escritura mais
implicitamente, e têm temido a maioria das especulações humanas,
são as igrejas autênticas, que têm inserido em seus credos a mais alta
declaração analítica, da qual foi também feita a doutrina da Trindade”.
[78]

Adoração
As doutrinas das duas naturezas de Cristo e da triunidade de Deus
demonstram que a igreja depende do princípio do “lógica e claramente
deduzido” em suas formulações teológicas mais fundamentais.
Entretanto esse princípio é vital em muitas outras áreas da teologia e
da prática. O “lógica e claramente deduzido” é especialmente
importante em determinar que práticas de adoração são requeridas na
Escritura. Quando a igreja negligencia ou nega o “lógica e claramente
deduzido”, ela corre o risco de violar a santidade da adoração coletiva,
distanciando-se dos mandamentos de Deus (Dt 12.32).
Isso é evidente no relato da morte de Nadabe e Abiú, os dois filhos
de Arão, em Levítico 10.1-3. Após já ter desfrutado de grandes
privilégios e bênçãos entre o povo de Deus, Nadabe e Abiú receberam
a honra de ser consagrados sacerdotes. Ao final do capítulo 9, desceu
fogo do céu e consumiu o sacrifício do altar. O capítulo 10 começa com
Nadabe e Abiú se aproximando de Deus com seu primeiro ato de
serviço sacerdotal. Quando trouxeram seus incensários com fogo para
adorar ao Senhor, o mesmo fogo do céu que havia consumido
previamente os sacrifícios saiu do altar e consumiu os sacerdotes. A
natureza de seu pecado foi declarada com clareza: eles ofereceram
“fogo estranho [ou profano]” perante o Senhor, “o que lhes não
ordenara” (v. 1). O que quer de verdadeiro que esteja relacionado a
esse “fogo estranho”, a única falta enfatizada no texto foi de que ele
não foi aceito porque Deus não havia ordenado.
Esse exemplo é significativo porque não há um lugar na lei anterior
a esse momento no qual tenha sido dada uma ordem explícita aos
sacerdotes de que deveriam oferecer somente determinado tipo de
fogo. Deus nunca proibiu aos sacerdotes diretamente de oferecer mais
de um tipo de fogo. Naquele momento, ele não havia nem mesmo
ordenado expressamente que tipo de fogo seria aceitável diante dele.
Ainda assim, a acusação de que eles ofereceram fogo “que lhes não
ordenara” justificou a pena de morte. Quando os leitores ignoram as
divisões do capítulo, o texto dá a impressão de que Nadabe e Abiú
inferiram a vontade de Deus com base em suas ações imediatamente
anteriores. O Senhor testificou sua boa vontade quanto à consagração
do sacerdócio e do altar, que foram feitos de acordo com suas
ordenanças, pelo envio de fogo sobrenatural vindo do céu para
consumir os sacrifícios (Lv 9.24). Esse fogo deveria ser mantido
queimando perpetuamente daí em diante. Jeremiah Burroughs
(1600–1646), que foi membro da Assembleia de Westminster,
observou: “Eles deveriam ter raciocinado consigo mesmos: ‘Deus
enviou fogo do céu sobre o altar e ordenou que o fogo deveria ser
preservado sobre o altar para cultuá-lo? Certamente essa deve ser a
disposição de Deus, de que, então, devemos fazer uso desse fogo em
vez de qualquer outro fogo’”.[79] A falha em extrair o “lógica e
claramente deduzido” da ação de Deus provou ser fatal nesse caso.
Deus tratou Nadabe e Abiú como se o “lógica e claramente
deduzido” de suas palavras e ações fosse tão obrigatório para as
práticas de adoração de seu povo como seus mandamentos explícitos.
Como Burroughs relembra a seus leitores:
Eu disse a vocês que, quanto a questões referentes à adoração, devemos ter autorização da
Palavra, mas isso não significa que devamos ter uma autorização expressa e direta para
tudo. Como muitas vezes ocorre em certos tipos de pintura, a verdadeira arte está no
arranjo do visual. Não é possível dizer que está em uma pincelada em uma linha ou em
outra, mas em todo o conjunto. Portanto, na Escritura você não pode dizer que esta única
linha ou outra prova isso, mas coloque todas juntas e teremos algo como a mente de Deus.
Podemos ver que esse é o pensamento de Deus e não outro, e estamos unidos para seguir
por esse caminho.[80]

Caso esse princípio seja excluído, muitos elementos do culto que são
comumente aceitos serão excluídos com ele. Não haveria autorização
para práticas como o chamado à adoração, o uso do batismo no culto,
a oferta, e a bênção sem o uso do “lógica e claramente deduzido”.[81]
Negar a dedução lógica poderia até mesmo excluir as mulheres de
participar da Ceia do Senhor, pois não há uma ordem expressa ou
exemplo indicando que elas devam participar. Se a única base para
excluir certas práticas de adoração é a de que não há mandamento
expresso na Escritura para elas, então a igreja inevitavelmente irá
ofender ao Senhor por omitir partes de sua vontade revelada, como
fizeram Nadabe e Abiú. Entretanto, se a igreja continua a incluí-las,
apesar de não haver fundamento bíblico para elas, então ela também
será culpada do pecado de Nadabe e Abiú, pelo fato de
conscientemente oferecer o que Deus não ordenou.
Se objetarmos que esse foi um princípio de interpretação do Antigo
Testamento, não mais aplicável à igreja de hoje, então devemos
perguntar se esse princípio é ou não similar ao procedimento que
Jesus usou para refutar os saduceus. A igreja tem usado
continuamente alguns de seus elementos de adoração simplesmente
por costume por muito tempo, assim fazendo as coisas certas pelas
razões erradas. A igreja não pode permitir o uso de qualquer elemento
de culto que não tenha autorização bíblica. É pouco proveitoso ter
elementos bíblicos de adoração se a igreja não os inclui como
fundamentados biblicamente. Embora Deus não execute a pena de
morte contra seu povo a cada vez que ele falha em adorá-lo
perfeitamente, é prejuízo para a igreja — e, às vezes, um risco — se ela
não busca o “lógica e claramente deduzido” da vontade de Deus como
revelado na Escritura. O peso da responsabilidade cai mais
pesadamente sobre aqueles a quem foi confiado o ministério da
Palavra de Deus e de conduzir o culto público a Deus. O “lógica e
claramente deduzido” é indispensável para a prática da adoração
bíblica.
Sacramentos
Há outro exemplo que é digno de menção. Ao menos tacitamente
(ou seja, com respeito à Trindade e às duas naturezas de Cristo), a
maioria dos batistas Reformados admite que algumas coisas
necessárias à fé e à prática não são expressamente declaradas na
Escritura, mas antes são dela deduzidas pelo princípio do “lógica e
claramente deduzido”.[82] Entretanto, embora os batistas admirem
inferências e deduções com respeito à Trindade, eles frequentemente
decidem colocá-las de lado quando se trata de questões relacionadas
ao pedobatismo. Os batistas geralmente exigem um exemplo definido
de batismo infantil no Novo Testamento ou uma ordem expressa para
o batismo de crianças. Isso estabelece uma limitação não bíblica sobre
a discussão. Os socinianos e os unitaristas não rejeitaram a doutrina
da Trindade nesses mesmos termos? Seria mais apropriado dizer que
se a doutrina do batismo infantil fosse requerida da Escritura pelo
“lógica e claramente deduzido”, então ela deve ser crida e praticada do
mesmo modo como se tivesse sido revelado por mandamento expresso
ou exemplo aprovado.
Aqui não é o lugar para uma defesa do batismo infantil, mas um
breve resumo do argumento em seu favor esclarece o ponto em
questão.[83] O motivo para batizar os filhos dos crentes repousa
essencialmente sobre a unidade da aliança da graça no Antigo e no
Novo Testamentos, assim como o fato de o batismo ter substituído a
circuncisão como sinal da mesma aliança (Cl 2.11-12). Deus ordenou
que os filhos dos crentes deveriam receber o sinal da aliança, e ele
nunca revogou essa ordem, mesmo tendo o sinal mudado da
circuncisão para o batismo. O apelo de Pedro, em Atos 2.38-39
(“Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus
Cristo para remissão de vossos pecados... Pois para vós outros é a
promessa, para vossos filhos e para todos que ainda estão longe, isto é,
para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar”) é quase um paralelo
exato com a aliança da circuncisão dada a Abraão, em Gênesis 17.4, 7:
“será contigo a minha aliança, serás pai de numerosas nações...
Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no
decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e o da
tua descendência”. A inferência de tudo isso é que, assim como as
crianças receberam a circuncisão, que foi o selo da justiça que veio
pela fé e a circuncisão do coração (Rm 2.28-29; 4.11; Dt 10.16; Jr 4.4),
assim os filhos dos crentes devem continuar a ser contados como
herdeiros da promessa sob o sinal da nova aliança, o batismo. Tanto a
circuncisão quanto o batismo são sinais espirituais e selos da fé, dados
a um povo espiritual, em um contexto de aliança espiritual da graça.
Uma coisa é se um batista nega que o pedobatismo seja uma
dedução lógica do ensino da Escritura, mas negar a validade do
pedobatismo somente baseado em que não há exemplos explícitos no
Novo Testamento é, em princípio, a mesma coisa que negar a Trindade
com base em que não há passagens explícitas em que ela seja
declarada. Se nossos irmãos batistas rejeitam o “lógica e claramente
deduzido” como categoria para argumentação nesse caso, então, para
serem consistentes, eles devem negá-lo da mesma maneira em
qualquer outro caso.[84]
Em sua defesa da prática do batismo infantil, Pierre Marcel destaca:
“A teologia que segue de deduções legítimas das normas da Escritura é
tão exata quanto a que é explicitamente afirmada... Se assim não fosse,
o exercício do ministério pastoral, a cura de almas, a pregação, a
disciplina, e assim por diante, seriam absolutamente impossíveis”.[85]
Essa afirmação serve como uma conclusão geral de tudo o que foi dito
neste capítulo. O “lógica e claramente deduzido” é importante não
somente com respeito a doutrinas nas quais cristãos piedosos podem
divergir (como a questão de quem deve ser batizado), mas ela é
também basilar para algumas das doutrinas fundamentais da fé cristã,
assim como para as práticas de culto. Como Bannerman resume:
...fica evidente que é tanto impróprio como perigoso estabelecer como regra de
interpretação das Escrituras que se não houver uma ordem expressa e explícita, com tais e
tais palavras, exigindo que um dever seja cumprido, tal necessidade é ilícita, ou no mínimo
não ordenada. Isso não tem fundamento legal, pois não temos o direito de limitar Deus
quanto à maneira pela qual ele quer tornar conhecida a sua vontade, e como, de uma forma
ou de outra, ela se torna conhecida. Isso é perigoso quanto a nós mesmos; porque não
existe posição mais perigosa do que assumir a atitude de rejeição com respeito à vontade de
Deus a nós declarada, pelo fato de não ter sido declarada da forma que talvez consideremos
a mais clara e melhor.[86]

[73] Para o desenvolvimento histórico e a fundamentação bíblica da doutrina da pessoa de Cristo, veja
Herman Bavinck, Reformed Dogmatics, org. John Bolt, trad. John Vriend (Grand Rapids: Baker, 2004)
p. 223-322; e Donald MacLeod, The Person of Christ (Westmont, Ill.: InterVarsity, 1998).
[74] Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 2. Não quero sugerir que as controvérsias cristológicas
devam ser pensadas de modo simplista nos termos da controvérsia ariana somente. Os ensinos de
Êutico, Nestório e Apolinário, assim como as decisões de vários concílios posteriores da igreja, deram
a forma final na qual a igreja formulou a doutrina da pessoa de Cristo. Eu cortei muito do material,
buscando simplicidade, para exemplificar o ponto em questão. Para obter mais informações, veja J. N.
D. Kelly, Early Christian Doctrines (Nova York: Harper Collins, 1960). Para um esboço da complexa
história dos desenvolvimentos posteriores em Cristologia, veja Robert Letham, Union with Christ: In
Scripture, History, and Theology (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2011) p. 23-35.
[75] Posteriormente o Catecismo Maior de Westminster forneceria um resumo útil sobre esses
critérios: “Pergunta 11: Donde se infere que o filho e o Espírito Santo são Deus, iguais ao Pai?
Resposta: As Escrituras revelam que o Filho e o Espírito Santo são Deus igualmente com o Pai,
atribuindo-lhes os mesmos nomes, atributos, obras e culto, que só a Deus pertencem”.
[76] As perguntas 38 a 40 do Catecismo Maior de Westminster contêm uma declaração incomparável
do por que nosso Mediador deveria ser Deus e homem, em uma mesma pessoa. Veja as Escrituras
citadas ali para mais detalhes.
[77] Apresento aqui somente o mais simples esboço de dados bíblicos relevantes sobre a Trindade.
Para conhecer duas defesas contemporâneas da doutrina da Trindade, veja Robert Letham, The Holy
Trinity: In Scripture, History, Theology, and Worship (Phillipsburg, N.J.: P&R: 2004), e Peter Toon, Our
Trinue God: A Biblical Portrayal of the Trinity (Vancouver: Regent College Publishing, 1996). Como
muito da evidência para a doutrina da Trindade vem do Evangelho de João, veja também Andreas J.
Kostenberger e Scott R. Swain, Father, Son, and Spirit: The Trinity and John’s Gospel (Westmont, Ill.:
InterVarsity, 2008). Entretanto, pelo fato de Kostenberger e Swain se preocuparem principalmente
com a teologia bíblica, em vez da teologia sistemática e histórica, a abordagem deles sofre limitações
nessas duas últimas áreas. Para uma abordagem da centralidade da Trindade na teologia sistemática,
veja Douglas F. Kelly, Systematic Tehology, vol. 1, Grounded in Holy Scripture and Understood in Light
of the Church: The God Who Is; The Holy Trinity (Ross-shire, UK: Christian Focus, 2008). Quanto às
falhas nesse trabalho, veja minha resenha em Wesminster Theological Journal 72, n. 1 (Primavera
2010), p. 193-197.
[78] A Introdução de W. G. T. Shedd, Augustine on the Trinity, em Nicene and Psot-Nicene Fathers, org.
Philip Schaff, 1st series (1887, reedição: Peabody, Mass: Hendrickson, 2004) 3:3.
[79] Jeremiah Burroughs, Gospel Worship, org. Don Kistler (1648, reedição: Morgan, Pa.: Soli Deo
Gloria, 1990), p. 18.
[80] Burroughs, Gospel Worship, p. 19.
[81] Para autoridade escriturística para cada um desses elementos na adoração corporativa, veja
McGraw, “Consequeces of Reformed Worship”.
[82] Por exemplo, a Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, a qual foi intencionalmente
modelada após a Confissão de Westminster, afirma que todas as coisas necessárias para a glória de
Deus, a salvação, fé e a vida são “ou expressamente declaradas ou necessariamente contidas na Santa
Escritura” (1.6). A expressão “necessariamente contida” parece ser sinônima de “lógica e claramente
deduzido”, uma vez que ambas contrastam com as afirmações “expressas” da Escritura. Rowland
Ward aponta que, como a Confissão de Londres foi modelada após a Confissão de Westminster e
alterou sua linguagem somente nos pontos com os quais discordavam, seus autores deviam ter tido a
intenção de rejeitar o “lógica e claramente deduzido”. Veja Muller e Ward, Scripture and Worship, p.
97. Assim como J. V. Fesko, Word, Water, and Spirit: A Reformed Perspective on Baptism (Grand
Rapids: Reformation Heritage Books, 2010), p. 148, n.o 61. Essa observação deveria ser devidamente
valorizada. No entanto, a afirmação não tem de ser necessariamente corretiva. Isso pode ter mudado
a força da declaração de que doutrina e prática que são deduzidas adequadamente da Escritura
possuem completa autoridade divina porque estão “necessariamente contidas” na Escritura. Ao
menos foi assim que o teólogo batista Samuel E. Waldron entendeu essa mudança: “A expressão ‘ou
necessariamente contida na Santa Escritura’ é equivalente à expressão da Confissão de Fé de
Westminster e procura esclarecê-la: ‘lógica e claramente deduzido dela’. O que pode soar como
logicamente deduzido da Escritura, ou seja, que está necessariamente contido nela, como a própria
autoridade da Escritura”. Samuel E. Waldron, A Modern Exposition of the the 1689 Baptist Confession
of Faith (Webster, N.Y.: Evangelical Press, 2005), p. 42-43. Essa questão requer mais pesquisa nas
fontes primárias, mas à luz do fato que rejeitar o “lógica e claramente deduzido” no século 17 era
comumente associado a heresia, parece improvável que os batistas quisessem correr o risco de tal
associação. Para saber mais sobre esse ponto, veja o capítulo 4.
[83] Em minha opinião, as três melhores abordagens sobre o pedobatismo são: Pierre Marcel, The
Biblical Doctrine of Infant Baptism: Sacrament of the Covenant Grace, trad. de Philip Edgcumbe
Hughes (1951, Nova York: Westminster Publisher House, 2000); Bannerman, A Igreja de Cristo; e João
Calvino, Institutas da Religião Cristã, IV.8.16. Fora do dilúvio de literatura sobre o sacramento do
batismo, uma das abordagens mais minuciosas e úteis, de uma perspectiva Reformada, é a de Fesko,
Word, Water, and Spirit.
[84] Meu ponto nesta seção é apresentar princípios em vez de doutrina. Entretanto, a afirmação de
que os exemplos de batismo do Novo Testamento envolvem apenas adultos que fizeram sua profissão
de fé não é completamente correta. Os batismos de famílias, em Atos 16 e 1Coríntios 1 se encaixam
na prática da circuncisão familiar do Antigo Testamento, a qual explicitamente incluía crianças, algo
melhor do que a explicação batista. Seria possível para um judeu cristão do primeiro século
compreender essas coisas de outra maneira que não fosse a continuidade da maneira pela qual Deus
já havia lidado com seu povo por milhares de anos?
[85] Marcel, Biblical Doctrine of Infant Baptism, p. 189-190.
[86] Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 2. Aliás, a legitimidade da teologia sistemática como uma
disciplina fica de pé ou cai sob o princípio do “lógica e claramente deduzido”. Veja Richard B. Gaffin,
“The Vitality of Reformed Systematic Theology”, em The Faith Once Delivered: Essays in Honor of
Wayne R. Spear, org. Anthony T. Selvaggio (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2007), p. 29.
Objeções

A ideia do “lógica e claramente deduzido” tem sido atacada desde os


primeiros séculos da igreja cristã. As três principais objeções a esse
princípio são: (1) doutrinas derivadas desse princípio não podem ser
impostas à consciência dos crentes; (2) ele torna a fé e a prática
dependentes da racionalização dos homens, em vez de estar sob a
Palavra de Deus; e (3) ele tira a Bíblia das mãos das pessoas e a coloca
nas mãos dos peritos, que agem como sacerdotes entre o crente e as
Escrituras.[87]
O “lógica e claramente deduzido” não pode ser imposto
Walter Kaiser é um bom representante das duas primeiras objeções:
Impor à consciência dos fiéis aquilo que não é diretamente ensinado na Escritura é estar
perigosamente próximo de fazer surgir uma nova maneira de tradição que disputa um
reconhecimento de igualdade com a própria Escritura. Nós corretamente objetamos
quando cultos e seitas acrescentam conceitos meramente humanos às Escrituras. Devemos
igualmente protestar quando interpretações humanas da Bíblia são elevadas ao nível da
Escritura. Além disso, tal inferência é uma transgressão à nossa liberdade em Cristo.[88]

Kaiser se refere aqui a qualquer doutrina ou mandamento que não


deriva de modo explícito das afirmações das Escrituras. Ele sugere que
formular doutrinas ou práticas por deduções ou inferências, seja qual
for o caso, é anular os mandamentos de Deus, ensinando como
doutrinas as ordenanças de homens (Mt 15.9). Na visão de Kaiser,
inferências não são “o lógica e claramente deduzido”, mas “simples
ideias humanas”. Suas preocupações são parcialmente válidas.
Somente Deus é o Senhor da consciência, e ele a deixou livre das
doutrinas e mandamentos de homens.[89] Todo homem deve
permanecer de pé ou cair diante de seu próprio mestre (Rm 14.4). O
próprio Jesus pronunciou pesadas acusações contra aqueles que
elevaram a tradição dos homens ao nível da Palavra de Deus, e os
cristãos devem ser cuidadosos contra esse perigoso erro. Eles devem
sempre clamar a Deus que os livre de cair nesses enganos. Entretanto,
é fácil constatar, a partir do que já foi dito, que a afirmação de Kaiser
não só é contrária ao exemplo de Jesus e seus apóstolos, mas que isso
também descartaria doutrinas fundamentais, como a da encarnação de
Cristo e a da Santíssima Trindade. É estranho que Kaiser possa fazer
declarações tão severas, pois ele é um protestante ortodoxo, que tem
essas doutrinas como sendo preciosas ao seu coração e fundamentais
para a fé. Se Kaiser fosse consistente, então ele seria forçado a
concordar que a doutrina da Trindade não deveria ser imposta a
ninguém. Ela “não é diretamente ensinada na Escritura”, e seria,
portanto, em suas palavras, “perigosamente próxima de fazer surgir
uma nova maneira de tradição que disputa um reconhecimento de
igualdade com a própria Escritura”.
A referência de Kaiser a “cultos e seitas” como culpadas de
acrescentar às Escrituras é um pouco irônica. Ele tem em mente
grupos como os mórmons, que adicionaram seus próprios livros e
ensinos aos livros da Bíblia. E ainda, como observou Bannerman: “O
desafio tem sido lançado vez após vez, por hereges em todos os
tempos: ‘Nos dê um texto da Escritura que contradiga expressamente
nossos pontos de vista e assevere os seus. Nós recusamos nos
submeter a meras inferências humanas em lugar da afirmação da
Escritura’”.[90] Essas heresias incluíram o Arianismo e seus derivados,
assim como o socinianismo e outras formas de antitrinitarianismo.[91]
Muitas seitas, na verdade, são culpadas de acrescentar “simples ideias
humanas” ao ensino da Escritura. Historicamente, entretanto, a
rejeição do “lógica e claramente deduzido” não tem sido uma marca da
ortodoxia, mas da heresia. Além disso, é questionável se a comparação
de Kaiser às práticas de cultos e seitas são adequadas, em qualquer
nível. Esses cultos e seitas frequentemente falham em (ou sequer
tentam) deduzir suas próprias doutrinas exclusivamente das
Escrituras. Eles geralmente postulam uma interpretação infalível da
Escritura, que não pode ser reproduzida por aqueles que não são
iniciados em seus grupos. Mais comumente, eles reivindicam uma
forma suplementar de revelação, que é vista como superior à Bíblia, e
sob a qual apoiam a maioria de suas alegações. Tais seitas, como os
mórmons, se recusam a admitir a lógica da Escritura, a ponto de negar
a simples dedução de que se Jesus aceitou adoração divina, ele era
Deus, igual ao Pai.
Entretanto, como o próprio Jesus tanto usou quanto requereu o
princípio do “lógica e claramente deduzido”, ele não pode ser “uma
transgressão à nossa liberdade em Cristo”, como Kaiser afirmou. Se
inferências são ilegitimamente extraídas da Escritura e impostas à
consciência dos homens, então isso é uma transgressão de nossa
liberdade de consciência. Entretanto, isso não é o mesmo que dizer
que inferências necessariamente violam a liberdade do povo de Cristo.
Que tipo de “liberdade” Kaiser pretende preservar? Aparentemente, é
a liberdade de crer e obedecer somente o que é diretamente afirmado
na Escritura e rejeitar livremente as deduções e inferências necessárias
ao texto. Além disso, teriam os cristãos então a liberdade de ignorar o
exemplo de Cristo e de seus apóstolos no uso que fizeram das
Escrituras? Se Cristo e seus apóstolos não podem servir como modelo
de interpretação bíblica, então isso não nos coloca à mercê de um
modelo que deriva de mera invenção humana? Isso também não nega
a afirmação feita pelo Novo Testamento de que a exegese apostólica
significava ser convincente para uma audiência de descrentes? Os
cristãos têm a liberdade de rejeitar a cuidadosa seleção da passagem
da sarça ardente para provar a doutrina da ressurreição? Os cristãos
têm a liberdade de rejeitar as doutrinas da encarnação e da Trindade?
A verdadeira liberdade é a liberdade do poder condenador da lei e da
morte eterna resultante dela. A liberdade cristã é liberdade para
obedecer a Deus espontaneamente e em serviço voluntário,
alegremente submeter-se à sua vontade em gratidão pela graça do
evangelho. A liberdade do cristão não é uma liberdade para rejeitar a
vontade de Deus como revelada na Escritura, sem levar em conta a
forma como sua vontade é revelada.
O “lógica e claramente deduzido” colocaria a fé sob a razão,
em vez de a Escritura
Outra objeção é a de que o princípio do “lógica e claramente
deduzido” faz com que a fé dos fiéis se torne dependente das
racionalizações dos homens, em vez de depender da Palavra de Deus.
Essa objeção tem sido levantada por séculos. Muitos argumentam que
se doutrinas são derivadas da Bíblia por meio do uso da razão, então
elas se fundamentam sobre a razão humana em vez da Palavra de
Deus. Essa objeção geralmente é o fundamento da objeção de que
inferências das Escrituras não podem ser impostas à consciência dos
homens. O erro mais óbvio dessa objeção é que toda formulação de
doutrina é obtida por meio do processo de raciocinar e deduzir, seja de
afirmações expressas da Escritura ou de outro modo. Conceber
conclusões teológicas não faz da razão o fundamento da fé e teologia
mais do que observar e descrever o mundo natural torna o homem o
criador do mundo. Na verdade, as palavras da Escritura não têm
significado a menos que tiremos conclusões delas. Como William
Whitaker (1548–1595) escreveu: “A Escritura não consiste em palavras
vazias, mas no sentido, interpretação e significado das palavras”.[92] O
papel da razão não é criar teologia da leitura da Escritura. A razão é
uma ferramenta necessária, que é usada para receber as doutrinas já
firmadas e sugeridas na Palavra de Deus. Warfield, de modo
competente, observou que “se esse apelo é válido, ele destrói, de uma
só vez, nossa confiança em todas as doutrinas, pois nenhuma delas é
certificada sem a ajuda da lógica humana”.[93] Em certo sentido, a
defesa do uso do “lógica e claramente deduzido” é idêntica à defesa do
estudo da teologia sistemática, que é rejeitada por muitos sobre a
mesma base.[94]
O “lógica e claramente deduzido” tira a Bíblia das mãos das
pessoas
A terceira objeção contra o princípio do “lógica e claramente
deduzido” é o de que ele tira a Bíblia das mãos das pessoas medianas
da igreja para colocá-la nas mãos de especialistas. Essa é uma
acusação séria, já que a própria Escritura declara ser ela mesma tanto
suficiente quanto necessária para a salvação por meio da fé em Jesus
Cristo, assim como para tornar o homem completo e perfeitamente
habilitado para toda boa obra (2Tm 3.16-17). Entretanto, mesmo que
todos os crentes possam entender as Escrituras suficientemente para a
salvação, uma vez que o Espírito de Deus aplica a Palavra a seus
corações, nem todos os crentes entenderão todas as coisas da Bíblia
igualmente.[95] Com respeito aos dons, todos os homens não foram
criados iguais. Cada pessoa redimida tem diferentes habilidades
naturais, assim como diferentes dons, concedidos pela graça. Essa
diversidade não é resultado de defeitos individuais dos crentes, mas é
parte do plano sábio de Deus para o seu povo. Entre os dons que
Cristo deu para o bem-estar de seu povo, após ascender aos céus, estão
aqueles próprios para tornar homens em “pastores e mestres” (Ef
4.11). Por meio de conceder o dom a certos homens para ensinar, o
propósito de Deus é que possam prevenir seu povo de ser “como
meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo
vento de doutrina” (v. 14). Isso afirma que a menos que Cristo tivesse
dotado alguns homens para laborar na Palavra e na doutrina, para
compreender e ensinar as Escrituras a seu povo, então eles estariam
sujeitos a todo tipo de erro, tão instáveis quanto um mar agitado,
atingido por poderosos ventos.
Isso significa, portanto, que a fé dos fiéis depende de instrumentos
humanos falíveis e que os homens são senhores sobre a consciência de
outros? Certamente não. Paulo elogiou os cristãos de Bereia por que
eles “examinavam as Escrituras” (At 17.11). Além disso, o que é
geralmente ignorado é que eles examinavam as Escrituras em resposta
à pregação de Paulo e Silas na sinagoga (v. 10). O modelo bereano nos
ensina a testar o que ouvimos daqueles que foram dotados para
compreender e pregar as Escrituras. Uma leitura individual da Bíblia
não deve ser desvinculada do ensino e pregação da Bíblia. Que os
crentes precisam de mestres para auxiliá-los a mais bem compreender
o completo significado da Escritura não significa que são deficientes
na fé ou pobres intelectualmente; em vez disso, Cristo deu pastores e
mestre à igreja para o seu bem-estar. Os cristãos são designados pelo
Espírito Santo para possuir alguns dons e habilidades e ter carência de
outros para que possam ser edificados juntos, como um corpo
interdependente. Whitaker deu o seguinte conselho sobre o uso de
cristãos que receberam o dom de mestre: “Devemos fazer uso de seus
trabalhos, conselhos, prudência e conhecimento; mas devemos fazer
uso deles sempre cautelosa, modesta e discretamente, de modo a
manter nossa própria liberdade”.[96]
Pela natureza e pela graça, Deus designou seu povo para que os seus
membros fossem dependentes uns dos outros. Isso inclui aqueles que
ensinam assim como aqueles que são ensinados. Pierre Marcel
afirmou corretamente “que cada crente, qualquer que seja, não pode
viver sozinho a vida de fé, permanecendo na estrutura estreita de sua
própria subjetividade, e que ele deve participar ativamente da igreja,
uma instituição divina, é um decreto que depende da natureza do
evangelho e da obra de Cristo, assim como da natureza do homem”.[97]
Quando alguém se converte e se une à igreja, não é como se ele
imediatamente compreendesse doutrinas como a das duas naturezas
de Cristo ou a da Trindade. Ele estará grandemente confuso para
poder unir os pedaços do que a Escritura revela sobre essas doutrinas.
Além disso, a igreja levou vários séculos, diante de muitos falsos
ensinos, para definir essas doutrinas com precisão. Bons mestres
ensinarão essas doutrinas às pessoas e as direcionarão à Escritura, na
qual elas devem ser encontradas. Aprender as doutrinas da Escritura é
como aprender uma nova língua. Por meio de um processo gradual, o
que certa vez foi estranho ou obscuro, gradualmente se torna claro e
fácil de usar.[98] Os mestres na igreja não estarão certos em todos os
pontos. Entretanto, de acordo com a Palavra de Deus, é possível que
precisemos de mestres para nos instruir em questões obscuras, sem
que nossa fé se torne dependente deles.[99] Pela sabedoria de Deus,
tais questões são tanto obscuras para requerer explicação quanto
claras para serem compreendidas por meio de instrução própria.
Oremos durante nossos estudos na Escritura, e façamos uso dos
mestres que Deus deu à sua igreja, seja em pessoa ou por meio de seus
escritos, para compreender o “lógica e claramente deduzido” da
Palavra de Deus.
[87] Objeções ao princípio também resultam de muitos estudos modernos da Bíblia que assumem
princípios de exegese que se baseiam em modernos padrões acadêmicos em vez de sobre os
exemplos encontrados na Escritura. Os primeiros teólogos Reformados tentaram aplicar a suficiência
das Escrituras em todas as áreas de estudo teológico, incluindo a hermenêutica. Enquanto a exegese
moderna foca quase que exclusivamente no significado histórico da Escritura, os primeiros escritores
Reformados, incluindo os teólogos de Westminster, embora colocassem pesada ênfase sobre o
significado histórico da Escritura, do mesmo modo focaram sobre a interpretação teológica da
Escritura. Veja o capítulo 2 para ter mais detalhes.
[88] Walter Kaiser e Moisés Silva, An Introduction to Biblical Hermeneutics (Grand Rapids: Zondervan,
1994), p. 204, grifo nosso.
[89] Conforme a Confissão de Fé de Westminster XX.2. Para uma proveitosa exposição da liberdade
cristã em relação à lei de Deus, veja Samuel Bolton (1606–1654), The True Bounds of Christian
Freedom, or a Treatise wherein the Rights of the Law Are Vindicated, the Liberties of Grace
Maintained, and the Several Late Opinions against the Law Are Examined and Confuted (Londres,
1656).
[90] Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 2, grifo nosso. É interessante ler Turrentin quanto a esse
ponto, pois ele argumenta que a lógica da Escritura deve ser usada principalmente na formulação de
teologia, por meio da tarefa negativa de refutar o erro. Esse princípio, em certo sentido, é o
fundamento de toda a sua obra, que foi designada para ser uma teologia “elêntica”, ou uma teologia
que tenta ensinar a verdade pela refutação de posições errôneas.
[91] Para saber mais sobre o socinianismo, veja Joel L. Heflin, “Omnipotent Sweetness? Puritanism
Versus Socinianism”, Puritan Reformed Journal 1, n.o 2 (julho 2009): p. 64-95; e especialmente Philip
Dixon, Nice and Hot Disputes: The Doctrine of the Trinity in the Seventeenth Century (Londres: T&T
Clarck, 2003).
[92] William Whitaker, Disputations on Holy Scripture, trad. de William Fitzgerald (1588, reedição:
Orlando, Fla.: Soli Deo Gloria Publications, 2005) p. 402.
[93] Warfield, “Westminster Doctrine”, p. 227. Várias das últimas páginas dessa seção do proveitoso
artigo de Warfield são compostas de vários blocos de citações úteis quanto a esse princípio,
Começando com Tomás de Aquino, mas especialmente extraídos dos escritos dos teólogos de
Westminster.
[94] Para uma defesa útil da teologia sistemática como disciplina, veja B. B. Warfield, “The Right of
Systematic Theology”, em Selected Shorter Writings on Benjamin B. Warfield, org. John E. Meeter
(Phillipsburg, N.J.: P&R Publicantions, 1970), p. 219-279.
[95] Veja a Confissão de Fé de Westminster I.VII: “Na Escritura não são todas as coisas igualmente
claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos, contudo, as coisas que precisam ser
obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão
claramente expostas e aplicadas, que, não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos
meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas”.
[96] Whitaker, Disputations on Holy Scripture, p. 473.
[97] Pierre Marcel, The Relevance of Preaching, org., William Childs Robinson, trad. Rob Roy McGregor
(Grand Rapids: Baker, 1963), p. 21.
[98] Veja o meu artigo “Retaining Scripture in Our Minds and in Our Hearts”, onde eu amplio a
maneira como devemos crescer em nosso conhecimento e compreensão das Escrituras. Katechomen:
The Online Journal of Greenville Presbyterian Theological Seminary, abril 1, 2010; disponível em:
http://katekomen.gpts.edu/2010/04/retaining-scripture-in-our-minds-and-in.html.
[99] Várias passagens da Escritura são relevantes para essa discussão. Nenhuma tanto quanto aquela
em que o apóstolo Pedro declara que algumas coisas nos escritos de Paulo eram difíceis de
compreender (2Pe 3.16); o etíope não poderia entender o rolo de Isaías, a menos que alguém o
ensinasse (At 8.31); Daniel e Zacarias não entenderiam várias de suas visões; e os exemplos de má
compreensão dos discípulos do próprio Senhor Jesus são muito numerosos para ser citados.
Conclusões Práticas

A importância do princípio do “lógica e claramente deduzido” tem sido


grandemente negligenciada. Não é nada acidental que tenhamos visto
se espalhar simultaneamente o criticismo contra a teologia
sistemática, assim como contra a teologia dos Padrões de
Westminster. À luz dos capítulos precedentes, seguem algumas
conclusões práticas.
O uso que o Novo Testamento faz do Antigo Testamento
Primeiro, em casos similares aos vistos no capítulo 1, o princípio do
“lógica e claramente deduzido” nos ajuda a mais bem compreender o
uso que o Novo Testamento faz das Escrituras do Antigo Testamento.
Por sua vez, isso fornece um modelo potencial de como devemos
realizar nosso próprio uso da Escritura.[100] Cristo e seus apóstolos
esperavam que suas deduções da Escritura fossem convincentes,
mesmo para um público descrente. Eles estão ao menos convencendo
a nós? Se os autores do Novo Testamento não podem servir de modelo
para o nosso uso da Bíblia, então que modelo nos restará? É verdade
que devemos dar atenção primeiro à exposição da Escritura em seu
contexto original, ainda que a Bíblia tenha sido dada pelo Deus Trino,
que conhece as consequências de suas próprias palavras. Além disso,
ele nos deu exemplos demonstrando que espera que reconheçamos e
conectemos essas consequências em nosso estudo da Bíblia.
Aprendamos com os métodos contemporâneos de exegese, mas
deixemos que nossa exegese se apoie primariamente sobre o modelo
fornecido pelas próprias Escrituras.
Talvez a maior força da exegese pré-crítica (i.e., pré-iluminismo e
pré-método histórico-crítico) seja que ela busca aplicar a doutrina
Protestante da suficiência da Escritura à própria Bíblia. Estamos
querendo admitir argumentos deduzidos de ensinos gerais da Palavra
de Deus? Você rejeitou certas doutrinas e práticas somente com base
em que não há declarações expressas ou exemplos dados na Escritura
para estabelecê-las? Que nos acautelemos ao menos da acusação de
Cristo contra os saduceus: “Errais, não conhecendo as Escrituras” (Mt
22.29).
Aplicação na pregação
Segundo, o “lógica e claramente deduzido” torna a aplicação na
pregação tanto possível quanto efetiva. A menos que a aplicação do
sermão seja legitimamente deduzida das afirmações e doutrinas do
texto da Escritura, ela falhará em ter a força da autoridade divina para
apoiá-la.[101] O apóstolo Tiago deduziu, do exemplo do Antigo
Testamento, da oração fervorosa de Elias por chuva que “muito pode,
por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.16-17). Todos os apóstolos,
semelhantemente, basearam suas doutrinas e aplicações em
inferências extraídas das Escrituras do Antigo Testamento. Somente
quando utilizamos esse modelo é que nossa aplicação do sermão terá
consigo a força da autoridade divina. Quando pregamos o texto: “Crê
no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa” (At 16.31), nossos
ouvintes têm de deduzir, pelo “lógica e claramente deduzido” da
Escritura, que se crerem no Senhor Jesus Cristo, então eles, também
— como o carcereiro a quem Paulo primeiramente se dirigiu — serão
salvos. Precisamos exortá-los com essas inferências em nossa
pregação. Se a condição para se obter a salvação é a fé em Jesus Cristo,
e todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (Jl 2.32), então
nossos ouvintes devem invocar o nome do Senhor em fé para serem
salvos. Sem uma inferência simples como essa, a certeza da salvação
seria impossível. A Bíblia nos ordena a “com diligência cada vez maior,
confirmar a vossa vocação e eleição” (2Pe 1.10), apesar dela nunca nos
identificar nominalmente como os eleitos. Todos os que são eleitos vão
a Cristo, e Cristo prometeu não lançar fora a nenhum dos que forem
até ele (Jo 6.37). Se vamos a Cristo, fomos dados a Cristo. Se vamos a
Cristo, então podemos ter certeza de que ele nos guardará e preservará
em fé (v. 39). Se vamos a Cristo com fé sincera, então podemos estar
certos de que nosso nome foi escrito no Livro da Vida do Cordeiro
desde a fundação do mundo, o que é exatamente tão verdadeiro
quanto se lêssemos nossos nomes na Sagrada Escritura.[102] Esse tipo
de aplicação seria impossível sem o “lógica e claramente deduzido”.
Credos e Confissões
Terceiro, o “lógica e claramente deduzido” é o fundamento dos
credos e confissões de fé. Sem o “lógica e claramente deduzido”, a
própria série, Explorations in Reformed Confessional Theology, seria
inútil para a igreja. Formulações doutrinárias não seriam
inerentemente bíblicas sem esse princípio. Isso está relacionado de
maneira próxima às primeiras afirmações de que, nesse princípio,
encontramos a justificativa para fazer teologia sistemática. O
propósito de uma confissão de fé, seja de um indivíduo ou de uma
igreja, não é simplesmente citar o que a Bíblia diz, mas explicar o que
ela significa. Com respeito à necessidade de credos e confissões, James
Bannerman escreveu:
A linguagem da Escritura é a melhor linguagem para expressar a mente de Deus. Mas não
segue daí que seja a melhor linguagem para expressar a minha mente, mesmo quando
desejo expressar a outro homem, de modo que não haja equívocos entre nós, as próprias
verdades que Deus expressou. Com a mudança no significado da linguagem, que acontece
de geração a geração — com as diferentes interpretações na verdade colocadas sob os
termos da Escritura às multidões —, com os vários e até mesmo opostos sentidos que a
razão, ou preconceito, ou erro têm sido associados com essa fraseologia; as reais palavras
da Bíblia podem não ser as melhores palavras para declarar minha mentalidade e fé a outro
homem, de modo que entre mim e ele não haja equívoco, ou reserva, ou engano... A igreja
precisa tomar a Bíblia em suas mãos, e elevá-la à vista do mundo como única profissão de
sua fé; mas fazer isso significa simplesmente exibir a mente de Deus, não declarar a sua
própria.[103]

É nosso dever confessar nossa fé aos outros, assim como para o


mundo perdido e agonizante. Não podemos fazer isso a menos que
concluamos que a Bíblia na verdade significa algo e a menos que
contemos às pessoas o que cremos que isso significa. Tanto hereges
quanto ortodoxos podem citar as mesmas Escrituras um para o outro e
visando resultados muito diferentes dos daqueles textos. Sem extrair o
“lógica e claramente deduzido” da Escritura, seremos absolutamente
incapazes de discernir o que cremos do que os outros creem. Vamos
então usar esse princípio cuidadosamente, mantendo-o próximo da
Palavra de Deus, mas não o negligenciemos. Quer reconheçamos ou
não, o princípio do “lógica e claramente deduzido” está entranhado
dentro do próprio coração de nossa profissão de fé e prática cristã.

[100] Um livro particularmente interessante com respeito a isso é D. A. Carson e G. K. Beale, orgs.,
Commentary on the New Testament Use of the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 2007). Os vários
autores desse volume abordam a questão de variadas perspectivas.
[101] A melhor abordagem que li a respeito de como fundamentar a aplicação de um sermão no
próprio uso da Escritura é a de John Carrick, The Imperative of Preaching: A Theology of Sacred
Rhetoric (Edimburgo: Banner of Truth, 2002).
[102] O puritano Joseph Alleine (1634–1668) deu o seguinte sensato conselho quanto à eleição e
conversão: “Você começa pelo lado errado se primeiro entra em disputa quanto à sua eleição. Prove a
sua conversão, e então nunca duvide de sua eleição”. Joseph Alleine, A Sure Guide do Heaven,
publicado originalmente como An Alarm to the Unconverted, in a Serious Treatise (1671; reedição:
Edimburgo: Banner of Truth, 1989), p. 30.
[103] Bannerman, A Igreja de Cristo, volume 1. Observe, do mesmo modo, o seguinte comentário:
“Confissões de fé não são imediatamente destinadas a dar um relato do que o Espírito Santo diz a
respeito de determinado artigo, mas do que uma pessoa ou igreja crê; e assim as palavras de um
credo ou confissão não são expressões da vontade do Espírito Santo, mas de nossa fé, e da mente
daquele que a subscreve”. William Dunlop, The Uses of Creeds and Confessions of Faith, org. James
Buchanan (Edimburgo: Johnstone, Hunter, and Co., 1857), p. 141.
Bibliografia

Alleine, Joseph. A Sure Guide to Heaven. Edimburgo: Banner of Truth Trust, 1989.
Publicado em 1671 como An Alarm to the Unconverted, in a Serious Treatise.
Bannerman, James. The Church of Christ: A Treatise on the Nature, Power, Ordinances,
Discipline, and Government of the Christian Church. Edimburgo: T&T Clarck, 1868.
Reeditado: Birmingham, Ala.: Solid Ground Christian Books, 2009.
Bavinck, Herman. Reformed Dogmatics. Org. John Bolt. Trad. John Vriend. 4 vols. Grand
Rapids: Baker, 2004.
Beattie, Francis R. The Presbyterian Standards: An Expositions of the Westminster
Confession of Faith and Catechisms. Richmond Va.: Southern Presbyterian Press, 1896.
Berkhof, Louis. Principles of Biblical Interpretation. Grand Rapids: Baker, 1950.
Bierna, Lyle D. “Law and Grace in Ursinus’ Doctrine of the Natural Covenant”. Protestant
Scholasticism: Essays in Reassessment, org. por Carl R. Trueman e R. Scott Clarck, p. 96-
110. Carlisle, UK: Paternoster Press, 2005.
Bolton, Samuel. The True Bounds of Christian Freedom, or a Treatise wherein the Rights of
the Laws Are Vindicated, the Liberties of Grace Maintained, and the Several Late Opinions
against the Law Are Examined and Confuted. Londres, 1656.
Brakel, Wilhelmus. The Christian’s Reasonable Service. Org. Joel R. Beeke. Trad. Bartel
Elshout. Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 1992.
Burroughs, Jeremiah. Gospel Worship. Org. Don Kistler. Morgan, Pa.: Soli Deo Gloria
Publications, 1990. Publicado inicialmente em Londres, 1648.
Calvin, John. Institutes of the Christian Religion [Institutas da Religião Cristã]. Ed. John T.
McNeill. Trad. Ford Lewis Battles. Filadélfia: Westminster Press, 1960.
Carrick, John. The Imperative of Preaching: A Theology of Sacred Rhetoric. Edimburgo:
Banner of Truth, 2002.
Carson, D. A. e G. K. Beale, orgs. Commentary on the New Testament Use of the Old
Testament. Grand Rapids: Baker, 2007.
Cheynell, Francis. The Divine Trinity of the Father, Son, and Holy Spirit. Londres, 1650.
Collinson, Patrick. “England and International Calvinism, 1558–1640”. Em From Cranmer
to Sancroft: Essays on english Religion in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 75-100.
Nova York: Hambledon Continuum, 2006.
Dickson, David. A Commentary on the Psalms. Edimburgo: Banner of Truth, 1959.
Publicado originalmente em três partes, em 1653 e 1655.
—. Truth’s Victory Over Error: An Exposition of the Westminster Confession of Faith.
Edimburgo: Banner of Truth, 2007.
Dixon, Philip. Christ’s Church Purely Reformed: A Social History of Calvinism. New
Heaven: Yale University Press, 2002.
—. Nice and Hot Disputes: The Doctrine of the Trinity in the Seventeenth Century. Londres:
T&T Clark, 2003.
Dunlop, William. The Uses of Creeds and Confessions of Faith. Org. James Buchanan.
Edimburgo: Johnstone, Hunter, and Co., 1857.
Durham, James. Clavis Cantici, or, An Exposition of the Song of Solomon, With an
Introduction by John Owen, D. D. Londres, 1668.
Fairbairn, Patrick. Tipology of Scripture: Viewed in Conexion with the Entire Scheme of
Divine Dispensations, Second Edition, Much Enlarged and Improved, Two Volumes in
One. Nova York: Funk & Walgnalls, 1900; reedição: Grand Rapids: Kregel, 1989.
Fesko John V. Water, Word, and Spirit: A Reformed Perspective on Baptism. Grand Rapids:
Reformation Heritage Books, 2010.
Gaffin, Richard B. Ressurrection and Redemption: A Study in Paul’s Soteriology.
Phillipsburg, N.J.: P&R, 1987.
—. “The Vitality of Reformed Systematic Theology”. Em The Faith Once Delivered: Essays
in Honor of Wayne r. Spear, org. Anthony T. Selvaggio. Phillipsburg, N.J.: P&R, 2007.
Gillespie, George. A Treatise of Miscellany Questions: Wherein Many Useful Questions and
Cases of Conscience Are Discussed and Resolved; for the Satisfaction of Those, Who Desire
Nothing More, Than to Search for and Find Out Precious Truths, in the Contorversies of
These Times. University of Edinburgh, 1649.
Heflin, Joel L. “Omnipotent Switness? Puritanism Versus Socinianism”. Puritan Reformed
Journal 1, n.º 2 (julho 2009): 64-95.
Hendriksen, William. New Testament Commentary: Exposition of the Gospel according to
Matthew. Grand Rapids: Baker, 1973.
Kaiser, Walter e Moisés Silva. An Introduction to Biblical Hermeneutics. Grand Rapids:
Zondervan, 1994.
Kelly, Douglas. Systematic Theology, vol. 1, Grounded in Holy Scripture and Understood in
Light of the Chruch: The God Who Is; The Holy Trinity. Ross-shire, UK: Christian Focus,
2008.
Kelly, J. N. D. Early Christian Doctrines. Nova York: Harper Collins, 1960.
Knapp, Henry. “Understanding the Mind of God: John Owen and Seventeenth-Century
Exegetical Methodology”. PhD diss., Calvin Theological Seminary, 2002.
Kostenberger, Andreas J. A Theology of John’s Gospel and Letters. Grand Rapids:
Zondervan, 2009.
Kostenberger, Andreas J. e Scott R. Swain. Father, Son and Spirit: The Trinity and John’s
Gospel. Westmont, Ill.: Intervarsity, 2008.
Lee, Brian. Johannes Cocceius and the Exegetical Roots of Federal Theology. Göttingen,
Alemanha: Vandenhoeck and Ruprecht, 2009.
Letham, Robert. The Holy Trinity: In Scripture, History, Theology and Worship.
Phillipsburg, N.J.: P&R, 2004.
—. Union With Christ: In Scripture, History, and Theology. Phillipsburg, N.J.: P&R,
Publishing, 2011.
—. The Westminster Assembly: Reading Its Theology in Historical Context. Phillipsburg,
N.J.: P&R Publishing, 2009.
MacLeod, Donald. The Person of Christ. Westmont,, Ill.: InterVarsity, 1998.
Marcel, Pierre. The Biblical Doctrine of Infant Baptism: Sacrament of the Covenant Grace.
Trad. Philip Edgcumbe Hughes. Nova York: Westminster Publishing House, 1951. Reedição,
2000.
—. The Relevance of Preaching. Org. William Childs Robinson. Trad. Rob Roy McGregor.
Grand Rapids: Baker, 1963.
Matthison, Keith. The Shape of Sola Scriptura. Moscow, Idaho: Canon Press, 2001.
McGraw, Ryan M. “The Consequences of Reformed Worship: The Call to Worship, Baptism,
the Offering, and the Benediction in Corporate Worship”. Thm thesis, Greenville
Presbyterian Theological Seminary, 2008.
—. The Day of Worship: Reassessing the Christian Life in Light of the Sabbath. Grand
Rapids: Reformation Heritage Books, 2011.
—. “A Pastor’s Analysis of Enphases in Preaching: Two Falses Dichotomies and Three
Conclusions”. Puritan Reformed Journal 2, n.º 1 (janeiro 2010): 266-276.
—. “Principles of Sabbath Keeping: Jesus and Westminster”. Puritan Reformed Journal 3,
n.º 1 (janeiro 2011): 316-327.
—. “Retaining Scripture in Our Minds and in Our Hearts”. Kathechomen: The Online
Journal of Greenville Presbyterian Theological Seminary. Disponível em:
<http://katekomen.gtps.edu/2010/04/retaining-scripture-in-our-minds-and-in.html>.
Acesso em: 1.º abril 2010.
—. “A Review of Douglas F. Kelly’s Systematic Theology Volume One”. Westminster
Theological Journal 72, n.º 1 (primavera 2010): 193-197.
McKim, Donald K. Historical Handbook of Biblical Interpreters. Westmont, Ill.:
InterVarsity, 1998.
Milton, Anthony. “Puritanism and the Continental Reformed Churches”. Em The Cambridge
Companion to Puritanism. Org. John Coffey e Paul C. H. Lim, p. 109-126. Cambridge:
Cambridge University Press, 2008.
Muller, Richard A. Post-Reformation Reformed Dogmatics. Vol. 2, Holy Scripture, The
Cognitive Foundation of Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 2003.
Muller, Richard A. e John L. Thompson, orgs. Biblical Interpretation in the Era of
Reformation. Grand Rapids: Eerdmans, 1996.
Muller, Richard A. e Rowland S. Ward. Scripture and Worship: Biblical Interpretation and
the Directory for Worship. Phillipsburg, N.J.: P&R, 2007.
Murray, John. “The Unity of Old and New Testaments”. Em The Collected Writings of John
Murray, p. 23-26. Edinburgh: Banner of Truth, 1976.
Nolland, John. The Gospel of Matthew: A Commentary on the Greek Text. Grand Rapids:
Eerdmans, 2005.
Oberman, Heiko A. The Harvest of Medieval Theology: Gabriel Biel and Late Medieval
Nominalism. Grand Rapids: Baker, 2000.
Packer, J. I. “Is Systhematic Theology a Mirage? Na Introductory Discussion”. Em Doing
Theology in Today’s Word: Essays in Honor of Kenneth S. Kantzer. Org. John D.
Woodbridge e Thomas Edward McKomisky. Grand Rapids, Zondevan, 1991.
Prestwick, Mena. International Calvinism, 1541–1715. Oxford: Clarendon Press, 1985.
Robertson, O. Palmer. Prophet of the Coming Day of the Lord: The Message of Joel.
Durham, UK: Evangelical Press, 1995.
Schaff, Philip. “Canones et Decreta Dogmatica Concilii Tridentini”. Em vol. 2 de The Creeds
of Christendom: With a History and Critical Notes, p. 77-206. Grand Rapids: Baker, 1998.
Publicado originalmente em Nova York pela Harper and Row, 1931.
Shedd, W. G. T. Introduction to Augustine on the Trinity. Em Nicene and Post-Nicene
Fathers, org. Philip Schaff. 1º série, vol. 3, 1887. Reedição: Peabody, Mass.: Hendrickson
Publishers, 2004.
Steinmetz, David C. “The Superiority of Precritical Exegesis”. Em A Guide do Contemporary
Hermeneutics: The Trends in Biblical Interpretation, org. Ronald K. McKim, p. 65-77.
Grand Rapids: Eerdmans, 1986.
Thiselton, Anthony C. The First Epistle to the Corinthians, New International Greek Text
Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 2000.
Tomás de Aquino. Summa Theologica, 1274. Disponível em:
<http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html>.
Toon, Peter. Our Triune God: A Biblical Portrayal of the Trinity. Vancouver: Regent College,
1996.
Trueman, Carl. John Owen: Reformed Catholic, Renaissance Man. Burlington, Vt.: Ahsgate,
2007.
Van Asselt, Willem e Eef Dekker, orgs. Reformation and Scholasticism: An Ecumenical
Enterprise. Grand Rapids: Baker, 2001.
Waldron, Samuel E. A Modern Exposition of 1689 Baptist Confession of Faith. Webster,
N.Y.: Evangelical Press, 2005.
Warfield, Benjamin Breckinridge. “The Right of Systematic Theology”. Em Select Short
Writings of Benjamin B. Warfield, org, John E. Meeter, p. 219-279. Phillipsburg, N.J.: P&R,
1970.
—. “The Westminster Doctrine of Holy Scripture”. Em The Works of Benjamin B. Warfield.
Nova York: Oxford University Press, 1932. Reedição: Grand Rapids: Baker, 2003.
Weir, David A. The Origins of Federal Theology in Sixteenth Century Reformation Thought.
Oxford: Clarendon Press, 1990.
Westcott, B. F. The Epistle to the Hebrews: The Greek Text With Notes and Essays. 1892.
Reedição: Grand Rapids: Eerdmans, 1977.
Whitaker, William. Disputations on Holy Scripture. Trad. William Fitzgerald. Londres,
1588. Reedição: Orlando: Soli Deo Gloria, 2005.
Williams, C. J. “Good and Necessary Consequence in the Westminster Confession”. Em The
Faith Once Delivered: Essays in Honor of Wayne R. Spear, org. Anthony T. Selvaggio, p.
171-190. Phillipsburg, N.J.: P&R, 2007.
ADQUIRA JÁ OS NOSSO LIVROS NA AMAZON OU LOJA CLIRE!

• A Igreja Apostólica (Thomas Witherow)

• A Igreja de Cristo (James Bannerman)

• A Família na Igreja (Joel Beeke)

• As Três Formas de Unidade

• Catecismo Maior de Westminster Comentado (J. Geerhardus Vos)

• Cristianismo e Liberalismo (J. Gresham Machen)

• Governo Bíblico de Igreja (Kevin Reed)

• João Calvino era Assim (Thea B. Van Halsema)

• Neocalvinismo — Uma avaliação crítica (Cornelis Pronk)

• O Espírito Santo (John Owen)

• O Modernismo e a Inerrância Bíblica (Brian Schwertley)

• Quando o Dia Nasceu (Pieter Jongeling)

• Reforma Ontem, Hoje e Amanhã (Carl Trueman)

Livros impressos e preços especiais, você encontra na loja Clire.

Acesse loja.clire.org
Instale nosso aplicativo clicando aqui. É de graça!

Projeto Os Puritanos

www.ospuritanos.org

Você também pode gostar