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A estrutura pactual da Bíblia

Ralph Allan Smith


Copyright @ 2006, de Ralph Allan Smith
Publicado originalmente em inglês sob o título
The Covenantal Structure of the Bible
pela Covenant Worldview Institute,
Tóquio, Japão.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2020

Tradução: Felipe Sabino de Araújo e Paulo José Benício


Revisão: Felipe Sabino de Araújo
SUMÁRIO
Capítulo Um: O tema central da Bíblia
Capítulo Dois: O que é um pacto? (parte 1)
Capítulo Três: O que é um pacto? (parte 2)
Capítulo Quatro: A história dos pactos (parte 1)
Capítulo Cinco: A história dos pactos (parte 2)
Capítulo Seis: O pacto edênico
Capítulo Sete: A promessa pós-queda
Capítulo Oito: O pacto noaico
Capítulo Nove: O pacto abraâmico
Capítulo Dez: O pacto mosaico
Capítulo Onze: O pacto davídico
Capítulo Doze: O pacto da restauração
Capítulo Treze: O novo pacto
Sobre o autor
CAPÍTULO UM: O TEMA CENTRAL DA BÍBLIA

Qual é o tema central da Bíblia? Para responder a essa questão


devemos considerar uma que é ainda mais fundamental: a Bíblia tem um
tema central? Se a Bíblia é um livro, é aparente que a resposta deve ser sim.
Certamente essa é a resposta que tem sido dada pelos cristãos de todas as
terras, línguas e culturas, que por quase 2000 anos confessam ser a Bíblia a
única revelação unificada de Deus.
Mais importante ainda, a própria Bíblia confirma esse testemunho.
Apesar de ter sido escrita por mais de 40 autores diferentes em um período de
aproximadamente 1500 anos, a Bíblia apresenta uma visão de mundo
integrada em sua doutrina sobre Deus, o homem, a lei, a história e a salvação.
A harmonia do ensino bíblico é a mais maravilhosa, pois representa um
crescimento orgânico da revelação na realização histórica do relacionamento
pactual de Deus com seu povo desde a criação original até o fim do mundo.
Os cristãos de todas as épocas têm confessado a unidade da mensagem
bíblica, mas não encontraram a unidade da Bíblia nos mesmos temas. Eles
não concordaram sobre qual tema é central. Alguns, por exemplo, têm
sugerido a ideia de redenção. Ora, a história bíblica é, com certeza, o
desdobramento de um drama redentor. A Bíblia nos conta como o homem
caiu no pecado e como Deus em sua graça salvou o homem (Gn 3.1-15). Ela
nos fala do grande amor de Deus pelos pecadores e da morte de Jesus para
redimir o homem (Jo 3.16). A Bíblia nos ensina que o Espírito Santo foi
enviado ao mundo para aplicar a obra redentora de Jesus (Rm 8.1-14). No
clímax da história, veremos o mundo ser redimido e a plena manifestação da
glória de Deus (1Co 15.22-28).
A redenção é certamente um dos grandes temas da Bíblia, mas ela não
parece ser um tema amplo o suficiente para incluir todos os outros. Para ser
específico, ela não parece ser um tema amplo o suficiente para incluir tópicos
como a criação, que aconteceu antes que houvesse qualquer necessidade de
redenção e parece ser mais importante na Bíblia do que uma simples
informação de pano de fundo para a redenção. Seria difícil, com um tema
central tão restrito como a redenção, encontrar um lugar apropriado para
outros temas como anjos, Satanás, anjos caídos, inferno e assim por diante.
Outros sugeriram que o tema principal da Bíblia é o próprio Cristo.
Isso deve ser verdade de alguma forma, pois Cristo é o Criador do mundo e a
Palavra de Deus encarnada (Jo 1.1-3). Da queda até a consumação da
redenção, a mensagem bíblica está centrada na pessoa de Cristo enquanto
Salvador do mundo. Ele está representado previamente em tipos e predito em
profecia (Lc 24.25-27). Qualquer resposta que possa ser dada à questão do
tema principal da Bíblia, Cristo deve ser parte dela. Mas é possível encontrar
uma resposta mais concreta? Em que sentido nós devemos pensar em Deus
como o centro?
A ideia do pacto também é sugerida como o tema mais importante da
Bíblia. Mais uma vez, o pacto é definitivamente um tema fundamental. A
Bíblia conta a história dos pactos de Deus com Adão e Cristo (Rm 5.12). Ela
nos conta como Adão quebrou o pacto e trouxe a raça humana, que ele
representava, para o pecado e julgamento. Noé, Abraão, Moisés e Davi
receberam promessas pactuais que representavam uma renovação do pacto
feito com Adão e a promessa de um pacto melhor ainda por vir. Esse pacto
melhor, claro, é o novo pacto em Cristo. Ele veio para ser o nosso novo
representante, para ter sucesso onde Adão falhou. Por meio da sua morte na
cruz ele nos redimiu do pecado e do julgamento, a maldição de Adão. Na sua
ressurreição nós recebemos a vida. Portanto, da criação à redenção, toda a
mensagem bíblica é pactual.
Assim como a redenção, o pacto é definitivamente um tema unificador
da Bíblia, mas também parece ser inadequado para juntar a abrangência
completa da revelação bíblica. A noção de pacto tende a ser abstrata e difícil
de ser definida por si só. O que é necessário é um tema amplo o suficiente
para envolver todas as ideias essenciais da Bíblia, um tema que inclua
redenção, dê honra apropriada a Cristo como o Criador e Salvador e também
faça justiça à centralidade da ideia pactual.
Um tema assim é o reino de Deus. Nele estão incluídos todos os outros
temas fundamentais sugeridos e cada um recebe o espaço adequado. Além
disso, o reino de Deus inclui outros temas importantes para a nossa
compreensão da Bíblia, como a criação, os ensinamentos bíblicos acerca dos
anjos e demônios, a doutrina do julgamento final e da punição eterna. O
próprio Cristo é um tema central da Bíblia, porque enquanto rei ele é o centro
do reino, é a sua essência. A redenção como um tema central é entendida
como o drama de Deus restaurando o reino ao seu propósito original, pois
após Deus ter criado seu reino, o homem o levou ao pecado por meio da
rebelião pactual.
O tema do pacto encontra o seu lugar apropriado quando se percebe
que o pacto é a constituição do reino, a definição da relação do reino celestial
com o seu povo. Na história bíblica o reino e o pacto são quase sinônimos e
ao menos concepções mutuamente dependentes. O pacto define e estabelece
o reino. O reino na sua essência é uma relação pactual ampliada.
Gênesis começa com a criação do reino de Deus e a rebelião do homem
sob Satanás. O resto da Bíblia conta como Deus restaura o seu reino para si
mesmo e traz de volta o homem à posição de glória do reino que Deus
designou originalmente para ele. A história é a estória da guerra de Deus
contra Satanás. Deus derrota-o e reconstrói seu reino por meio de Cristo,
trazendo sua proposta original para a criação.
O evangelho que Cristo pregou foi o evangelho do reino de Deus:
“Percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o
evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o
povo” (Mt 4.23; 9.35; 4.17; 5.3,10; 6.33; 10.7; 12.28; 13.11; 16.19,28; 18.3-
4; 19.14; 21.43; 24.14; 25.34). Paulo, o grande apóstolo, pregou a mensagem
do reino: “Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que alugara,
onde recebia todos que o procuravam, pregando o reino de Deus, e, com toda
a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as coisas referentes ao
Senhor Jesus Cristo” (At 28.30-31; 14.22; 19.8; 20.25; 28.23). O último livro
da Bíblia celebra o estabelecimento eterno do reino de Deus: “O sétimo anjo
tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: O reino do mundo
se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos
séculos” (Ap 11.15; 1.9; 12.10). O final do livro de Apocalipse descreve a
Nova Jerusalém, a cidade celestial, o cumprimento do propósito da criação de
Deus e a manifestação final do reino de Deus (Ap 21-22).
Como o “cabeça” do novo pacto, Cristo traz o reino de Deus,
cumprindo as promessas feitas a Abraão e Davi, realizando tudo o que Deus
designou para o homem na criação original. A tentativa de Satanás de destruir
o reino é derrotada pelo Messias, que salva o mundo e estabelece o reino
eterno.
Portanto, o reino pactual de Deus é o tema central da revelação bíblica.
Todos os outros temas sugeridos são incluídos naturalmente nele, visto que o
pacto é a constituição do reino. Cristo é o rei e a redenção é a obra de Deus
para restaurar o reino, de forma que enquanto vice-regente de Deus, o homem
pode cumprir o seu propósito original.
CAPÍTULO DOIS: O QUE É UM PACTO? (PARTE 1)
Quando nós dizemos que o reino de Deus é um reino pactual, nos
referimos ao fato de que o pacto define a relação de Deus com o homem, e
assim, o pacto é a “constituição” do reino. Mas nós devemos considerar mais
especificamente o que vem a ser um pacto. Para começar, é importante
entender a essência do pacto, pois ela é frequentemente mal interpretada. Às
vezes até mesmo estudiosos da Bíblia dizem erroneamente que a ideia bíblica
do pacto é essencialmente a mesma de um contrato. Isso não é verdade. O
pacto não é um tipo contratual de relacionamento que dura somente enquanto
as duas partes conseguem algum tipo de benefício mútuo.
Para discernir a essência de uma relação pactual nós precisamos apenas
considerar o livro de Deuteronômio, um dos primeiros livros da Bíblia e que
enfatiza o pacto. Deuteronômio mostra claramente que a essência do pacto é
o amor. O amor de Deus por seu povo é a base do seu chamado. Eles são
compelidos a responder com amor, expresso pela lealdade ao pacto
estabelecido entre eles.
Porque tu és povo santo ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu Deus, te escolheu, para
que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra. Não vos
teve o SENHOR afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que
qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, as porque o SENHOR vos amava
e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão
poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito. Saberás,
pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a
misericórdia até mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos; e dá
o pago diretamente aos que o odeiam, fazendo-os perecer; não será demorado para
com o que o odeia; prontamente, lho retribuirá. Guarda, pois, os mandamentos, e os
estatutos, e os juízos que hoje te mando cumprir. Será, pois, que, se, ouvindo estes
juízos, os guardares e cumprires, o SENHOR, teu Deus, te guardará a aliança e a
misericórdia prometida sob juramento a teus pais; ele te amará, e te abençoará, e te
fará multiplicar; também abençoará os teus filhos, e o fruto da tua terra, e o teu cereal,
e o teu vinho, e o teu azeite, e as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas, na terra que,
sob juramento a teus pais, prometeu dar-te. (Dt 7.6-13)

Nesses versículos nós vemos que a origem do pacto é o amor de Deus


por Abraão e sua descendência. Deus determinou abençoar os filhos de Israel
e fazer deles seu próprio povo. Ele não os escolheu como se tivesse fazendo
um bom negócio. Não há nada contratual aqui. Em graça ele se determinou a
amá-los e a conceder-lhes a sua bênção.
Mas o amor requer mutualidade. É uma via de mão dupla. Assim, Deus
pede que os filhos de Israel também o amem .
Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu
Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. (Dt 6.4-5)
Agora, pois, ó Israel, que é que o SENHOR requer de ti? Não é que temas o SENHOR, teu
Deus, e andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao SENHOR, teu Deus, de
todo o teu coração e de toda a tua alma, para guardares os mandamentos do SENHOR e
os seus estatutos que hoje te ordeno, para o teu bem? (Dt 10.12-13)

Diferente de um pacto, um contrato persiste apenas se ambas as partes


desfrutam os benefícios do relacionamento. A condição de ser proveitosa
para as duas partes as mantém ligadas. Por outro lado, um pacto é um
compromisso de amor. Desde que ele cria um relacionamento
fundamentalmente diferente da relação que só busca benefícios mútuos de
um contrato, ele deve ser estabelecido de uma maneira diferente. Na Bíblia,
um pacto apenas pode ser feito e selado com um juramento, o que geralmente
envolve uma cerimônia como uma circuncisão (ou seja, no Antigo Israel, o
ato de circuncidar uma criança é constituído com um pacto de juramento). O
juramento é tão importante em um pacto que a própria palavra é algumas
vezes empregada como sinônimo de pacto (cf. Dt 29.12, 14).
Então o que vem a ser um juramento? É uma promessa auto-
amaldiçoadora. Quando alguém faz um juramento, promete preservar a
relação pactual e sela a promessa com palavras que lhe traz uma maldição se
ele falhar em mantê-la. A maldição do pacto é a morte.
Muitos cristãos podem não perceber que uma maldição é parte dos
votos tradicionais de um casamento cristão. “Até que a morte nos separe”
significa “até a morte”, mas inclui a ideia que nada além da morte pode
quebrar um pacto, implicando a maldição da morte para aquele que for
desleal ao juramento. Outro aspecto dos votos tradicionais de um casamento
ilustra o tipo de compromisso demandado em um pacto. Por exemplo: nós
dizemos “na saúde e na doença”, “para o melhor e para o pior”, o que
testemunha o fato que até mesmo um relacionamento pode ser não proveitoso
para nós. Nós não abandonaremos nosso parceiro por causa da economia ou
outras dificuldades. O amor matrimonial é autosacrificial. Não há base para
dissolver uma relação, exceto quando uma das partes que fez os votos os trai
e questiona toda a relação. A doença, a pobreza ou uma personalidade
desagradável não podem desfazer um juramento. No casamento cada pessoa
faz um juramento de se doar sacrificialmente para o outro, sem pensar em
proveito pessoal.
A ilustração do casamento é especialmente apropriada, pois a relação
de Deus com Israel é comparada à de marido e mulher (Ez 16). Enquanto
Israel for fiel ao amor do pacto — e fiel aqui não significa perfeição sem
pecado, e sim fidelidade e amor de arrependimento — Deus nunca o deixará
ou abandonará. Seu compromisso de abençoá-lo não pode se abalar.
Mas não é no relacionamento de Deus com Israel que nós vemos o
significado completo do amor, pois a Bíblia não revela o significado total do
amor pactual até a vinda de Cristo. É na relação entre Cristo e o Pai que nós
vemos primeiramente que o amor pactual é a eterna sociedade do Pai, do
Filho e do Espírito Santo.
Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste,
para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação
do mundo… Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o
amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja. (Jo 17.24, 26)
Na relação de Cristo com o Pai nós entendemos que as palavras de João
“Deus é amor” tem um significado trinitariano. Deus é amor porque o Pai, o
Filho e o Espírito Santo compartilham um amor eterno uns pelos outros. Cada
uma das três pessoas da Trindade é inteiramente dedicada a abençoar e
glorificar umas às outras (cf. Jn 7:18; 8:50, 54; 11:4; 12:28; 13:31-32; 14:13;
16:14;17:1, 4, 5, 22, 24). Na sociedade do amor trinitariano o próprio Deus é
o rei absoluto e a relação entre as Pessoas da Trindade é o verdadeiro pacto.
Isso tem um significado profundo para a história bíblica da criação e da
redenção. Deus criou o mundo como o seu reino a fim de manifestar a sua
glória (cf. Sl 8, 19). Desde que as três pessoas da Trindade constituem um
reino pactual de amor, assim também o mundo criado é um reino pactual em
que Deus mandou Adão e Eva para governar. O seu governo deveria ser
baseado no amor a Deus e um pelo outro. Eles deveriam proteger o mundo
criado e cuidar dele de modo que ele fosse o fruto da glória de Deus (Gn
2.15). A queda do homem foi uma rejeição ao amor de Deus e uma rejeição
do caminho do amor entre os homens. A violência do mundo pré-dilúvio é o
clímax da rebelião da queda e da consequência lógica da rejeição do amor de
Deus.
Redenção significa a restauração do propósito pactual de Deus. O
homem é restaurado ao seu chamado original segundo a imagem de Deus, ou
seja, o homem é chamado de volta à sociedade do amor pactual do Pai, do
Filho e do Espírito. O mundo criado também deve ser restaurado ao seu
propósito original da revelação da glória de Deus por meio da organização
pactual da imagem de Deus. O reino da justiça e do amor deve chegar à
realização histórica para que a mentira de Satanás e a tentação no Jardim
possam ser totalmente derrotadas para a glória de Deus. A redenção é
cumprida no reino de Deus. Deus derramou seu amor pactual sobre nós em
Jesus para que por meio da fé nele nós possamos ser recriados como seus
filhos e trazidos para uma sociedade de amor eterno.
A Bíblia é a história do reino pactual de Deus — sua criação, sua
corrupção pelo pecado e pela loucura, e a redenção graciosa de Deus desse
reino para o louvor e glória da sua graça. O tema central da Bíblia, o reino
pactual de Deus, revela a natureza do Deus Triúno como um Deus de amor,
que chamou o homem para compartilhar com ele uma sociedade de amor.
CAPÍTULO TRÊS: O QUE É UM PACTO? (PARTE 2)

A essência do pacto de Deus é o amor, mas a ideia de um pacto também


implica em um relacionamento formal. O compromisso mútuo de uma
relação de amor pode ser expresso de uma forma legal, que torna as
obrigações do amor explícitas. Um pacto é um compromisso formal de amor.
Novamente a analogia do casamento é útil. O fato de que um voto de
casamento é uma cerimônia legal não difama o amor expresso aqui. Pelo
contrário. Se um homem professa amor a uma mulher, mas se recusa a
assumir obrigações legais, a realidade do seu amor é muito questionável. O
amor de Deus pelo homem é expresso na forma legal de um pacto em que
Deus assume obrigações para si mesmo e convoca o homem a ser leal ao
pacto. Portanto, o mesmo tem uma estrutura clara e pode ser expresso em
uma linguagem formal e legal.
O livro de Deuteronômio, o livro do pacto de amor, nos fornece nossa
compreensão sobre ele. O livro inteiro é um documento pactual, estruturado
nos termos do plano de cinco pontos que é usado em toda a Bíblia para
definir o pacto. Ray Sutton explica o esboço de Deuteronômio da seguinte
maneira:
Transcendência (Dt 1.1-5). O pacto começa com um reconhecimento
do senhorio absoluto de Deus. Ele garante o pacto. Ele é o rei absoluto.
Hierarquia (Dt 1.6; 4.49). Nessa seção de Deuteronômio, Moisés
descreve a história de Israel nos termos da liderança e das bênçãos de
Deus. Deus deu a Israel líderes, representantes do pacto. Quando Israel
foi fiel a Deus, ele obedeceu aos seus líderes.
Ética (Dt 5-26). A seção central do pacto define como o povo de Deus
deve viver para que possa ser a sua nação santa. O relacionamento de
Deus com seu povo é ético. Eles devem ser justos para desfrutar as
bênçãos do pacto.
Juramento (Dt 27-30). O pacto promete bênçãos para aqueles que
obedecerem à lei e maldições para quem se rebelar. Quando o povo de
Deus faz o juramento do pacto, ele clama para que Deus o amaldiçoe
se ele desobedecer e o abençoe se ele obedecer.
Sucessão (Dt 31-34). A seção final do pacto diz respeito aos herdeiros
das bênçãos do pacto. Deus pretende que o pacto continue de geração
em geração nas famílias religiosas. Treinar as crianças para que elas
sigam a Deus e trabalhar para prosseguir com as bênçãos no futuro é
essencial para a obediência verdadeira ao pacto.[1]
É claro que o plano de cinco pontos é agora o único plano do pacto com
validade bíblica. Em um estudo indutivo de Levítico e Deuteronômio, James
Jordan sugere que organizações triplas (Trindade), quádruplas (fundações
mundiais), quíntuplas (construção de casas), sêxtuplas (homem), séptuplas
(sábado), décuplas (lei) e duodécuplas (pessoas pactuais) do material pactual
também são possíveis.[2] De qualquer forma, ainda que Jordan não acreditasse
que a divisão do pacto em cinco partes tivesse qualquer prioridade real sobre
quaisquer outros planos possíveis, ele mostra que o plano de cinco pontos é
usado com maior frequência por Moisés e não é uma invenção arbitrária dos
expositores.[3]
Além disso, de acordo com North,[4] Sutton[5] e Jordan,[6] os Dez
Mandamentos são estruturados como uma repetição dupla do plano de cinco
pontos do pacto.
1. O primeiro mandamento, ao ensinar que só Deus deve ser adorado,
chama-nos a honrar o transcendente Criador e Redentor. Proibindo o
assassinato, o sexto mandamento protege a imagem do Deus
transcendente.
2. O segundo e o sétimo mandamentos podem ser encontrados em toda a
Bíblia na conexão entre a idolatria e o adultério. Ambos os pecados
são perversões da submissão do Deus decretado.
3. A terceira seção do pacto, a ética, trata de limites, que também são o
assunto do oitavo mandamento, “Não furtarás”. O terceiro
mandamento exige que nós usemos o nome de Deus justamente, é um
chamado à obediência da sua lei, segundo a qual nós mostramos a
glória do seu nome nas nossas vidas.
4. O quarto e o nono mandamentos são ambos relacionados às sanções
visto que o sábado é um dia de julgamento em que o homem traz suas
obras para serem avaliadas por Deus. A ordem de não dizer falso
testemunho nos coloca no tribunal participando do processo judicial.
5. O quinto e décimo mandamentos correspondem à quinta parte do
pacto, a herança e continuidade. No quinto, os filhos, os futuros
herdeiros, são aconselhados a como obter uma herança no Senhor. No
décimo nós somos proibidos de cobiçar, um pecado que leva à
destruição da herança de vários modos.
Nós vimos que o plano de cinco pontos do pacto é: 1) Na verdade o
esboço de Deuteronômio, 2) repetidamente usado em Levítico e
Deuteronômio e 3) o plano estruturado dos Dez Mandamentos. Portanto, ele
pode ser utilizado como uma ferramenta para a exegese bíblica e um relato do
pacto para os detalhes concretos da vida cotidiana. Jordan lista os cinco
pontos em termos amplos que esclarecem as implicações gerais de cada
ponto.
1. Iniciação, anúncio, transcendência, vida e morte, idolatria pactual.
2. Reestruturação, ordem, hierarquia, idolatria litúrgica, proteção da
noiva.
3. Distribuição de uma garantia, incorporação, propriedade, lei em geral
como manutenção da garantia.
4. Implementação, bênçãos e maldições, testemunhas, julgamentos
sabatinais.
5. Sucessão, aperfeiçoamentos artísticos, respeito pelos líderes, cobiça.[7]

Nós usaremos o plano de cinco pontos do pacto para ajudar a analisar


os vários pactos na Bíblia de maneira que possamos obter uma compreensão
detalhada de cada era pactual. Embora a estrutura geral do pacto seja a
mesma, as relações pactuais crescem com o tempo. Para ver as implicações
do pacto para cada era e observar o crescimento do pacto é importante
considerar cada ponto em todos os pactos existentes na Bíblia.
Como podemos ver, o primeiro ponto, o senhorio do Deus Triúno, é
essencialmente o mesmo em todos os pactos. De qualquer forma, Deus se
revela em cada um deles de maneiras tão diferentes que o seu povo chega a
uma compreensão profunda dele. O segundo ponto diz respeito ao sistema
representativo estabelecido na Terra. Em cada época existem representantes
na igreja, no Estado e na família que são líderes apontados por Deus para o
seu povo, mas os detalhes do sistema mudam nas diferentes épocas. O
terceiro ponto cobre os mandamentos detalhados para a vida diária que Deus
dá ao seu povo. Esses também variam de acordo com o tempo, mesmo que o
cerne da justiça exigida pela lei de Deus seja imutável. O quarto, bênçãos e
maldições, varia dependendo da situação atual do povo de Deus. Além disso,
o quarto ponto lida com as cerimônias pactuais, a nossa renovação do
juramento, os detalhes que mudam muito de pacto para pacto. O quinto
ponto, que trata da herança, varia com o segundo e o quarto pontos de acordo
com a situação pactual do povo.
Antes de considerar cada era pactual em detalhes, é importante entender
um pouco da estrutura pactual completa da Bíblia.
CAPÍTULO QUATRO: A HISTÓRIA DOS PACTOS (PARTE 1)
A doutrina do pacto é o que dá estrutura para a história bíblica. A
relação de Deus com o homem era pactual desde o início, mas Adão quebrou
o pacto logo no primeiro Sabá. Esse poderia ter sido o fim da história, mas
Deus é um Deus de graça. Ele renovou seu pacto com o homem e prometeu
estabelecer um pacto totalmente novo por meio de um novo Adão (Gn 3.15).
O Salvador prometido seria a cabeça da nova humanidade, que cumpriria o
propósito de Deus em criar o mundo como seu reino (cf. Rm 5.12-25).
Quando lemos sobre o pecado original em Gênesis 1-3, vemos como o
homem se rebelou contra Deus ao quebrar o seu pacto — ainda que a palavra
“pacto” não seja usada de fato nesses capítulos. Nós entendemos que o
relacionamento original era pactual porque vemos todos os elementos do
pacto na narrativa e Oseias se refere a esse arranjo como um pacto (Os 6.7).[8]
Mais adiante, quando a palavra “pacto” é usada pela primeira vez na Bíblia
em Gênesis 6.18 e 9.9-17, fica claro que o pacto com Noé é uma renovação
redentora do pacto original com Adão.
Abençoou Deus a Noé e aos seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e
enchei a terra. Pavor e medo de vós virão sobre todos os animais da terra e sobre todas
as aves dos céus; tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar nas vossas
mãos serão entregues. Tudo o que se move e vive ser-vos-á para alimento; como vos
dei a erva verde, tudo vos dou agora. Carne, porém, com sua vida, isto é, com seu
sangue, não comereis. Certamente, requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida;
de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim, da mão do
próximo de cada um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do
homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua
imagem. Mas, sede fecundos e multiplicai-vos; povoai a terra e multiplicai-vos nela.
(Gn 9.1-7)
O pacto original com Adão é o pacto básico para toda a era que começa
com a Criação e perdura até a Encarnação de Cristo. Paulo aponta isso
quando explica a história completa do mundo nos termos de dois homens:
Adão e Cristo (Rm 5.12-21; 1Co 15.22-49). Adão era o “cabeça” do antigo
pacto. Cristo é o “cabeça” do novo pacto. Adão era o vice-gerente de Deus,
mas falhou e levou os seus filhos ao pecado (Rm 5.12). Cristo é o vice-
gerente de Deus e guardou o pacto e ganhou as bênçãos, tanto para si mesmo
quanto para a sua descendência (Rm 5.19; cf. Is 53.10-12).
Desde a época da queda de Adão até a vinda de Cristo a Bíblia traz seis
pactos secundários adicionais. Esses pactos são renovações e extensões do
pacto com Adão, sendo que cada um ressalta um aspecto particular da
responsabilidade do homem como imagem de Deus. No Jardim, Adão era um
sacerdote cuja responsabilidade era proteger o Jardim e sua esposa, Eva. Ele
era também um rei a quem foi dado domínio sobre o mundo. E ele era um
profeta com quem Deus falou. Os pactos que seguem após a era do antigo
pacto mostram o crescimento da humanidade redimida em um
relacionamento pactual com Deus. Em graça redentora Deus leva o homem
da imaturidade no Jardim ao processo de crescimento pactual, levando à
maturidade em Cristo.
Os seis “subpactos” na era do antigo pacto desenvolvem-se em dois
ciclos do sacerdócio ao reinado e ao profético. Esses “subpactos” são novas
versões do pacto original de Adão, e não pactos inteiramente novos ou
independentes. Cada um deles renova o pacto de Adão e acrescenta uma
promessa de redenção, uma promessa que desenvolve e cresce de pacto em
pacto. Ainda que esses não tragam uma “nova criação”, eles fazem mudanças
significativas na administração divina dos assuntos do homem no sistema-
mundo adâmico. Eles guiam a história na direção de Cristo até que ele venha
para cumprir todas as promessas da salvação (2Co 1.20). Eles mostram o
progresso histórico do propósito de Deus para a criação. Satanás tentou o
homem a pecar e o arruinou enquanto vice-gerente de Deus, mas em Cristo, a
graça de Deus restaurou o homem de forma que ele pode trabalhar na história
pelo poder do Espírito Santo para trazer o reino de Deus.

O primeiro pacto sacerdotal: O pacto adâmico


O primeiro entre esses pactos pós-queda não é explicitamente chamado
de pacto no texto da Escritura. Como o pacto original com Adão, ele deve ser
deduzido do contexto. Após o pecado de Adão e Eva, Deus apareceu no
Jardim e confrontou-os pela sua rebelião, mas ele não instituiu a maldição do
pacto na sua totalidade. A morte pactual, física e judicial começou, mas foi
dado também o tempo e a promessa de salvação. Adão e Eva morreram
pactualmente, pois foram expulsos do Jardim, para longe de Deus. De
qualquer forma, a graça é vista no fato de que eles foram aparentemente
permitidos a oferecer sacrifícios perto do Jardim (cf. Gn 4.3). Eles também
começaram a morrer fisicamente, mas pela graça de Deus foram permitidos a
viver tempo suficiente para ter descendentes. Deus prometeu que a semente
da mulher traria salvação (Gn 3.15).
A graça de Deus pode ser vista também em Deus fazer vestimentas de
peles para cobri-los (Gn 3.21). A pele de animal aponta para o fato de Adão e
Eva morrerem judicialmente perante seus representantes pactuais: os animais
mortos. Isso estabeleceu o sistema sacrificial do velho pacto que prevalece
até Cristo. Nós não sabemos os detalhes dos arranjos pactuais dessa época,
mas parece estar claro que Caim e Abel sabiam que deveriam oferecer
sacrifícios animais. Gênesis diz explicitamente que Deus não aceitou Caim
ou suas ofertas sem derramamento de sangue, enquanto ele aceitou Abel e
sua oferta (Gn 4.4-5; cf. Hb 11.4). Noé também entendeu a ideia de sacrifício
animal e até fez distinção entre animais puros e impuros (Gn 7.1-2).
O primeiro pacto enfatizou a responsabilidade sacerdotal do homem,
pois a obra primária de Adão no início era proteger o Jardim. Após ter
falhado nessa tarefa, ele foi afastado. De qualquer forma, seus filhos
continuaram a ter essa responsabilidade, que Caim e sua descendência
abandonaram. Por outro lado, os seguidores de Sete são caracterizados pela
sua adoração a Deus (Gn 4.26). A linhagem piedosa de Sete apostatou ao se
casar com mulheres incrédulas e abandonar a adoração ao Deus verdadeiro
(Gn 6.1-5).
A primeira era pactual chega ao fim com o dilúvio. Deus trouxe
julgamentos pactuais contra um mundo de homens que, com exceção de Noé
e sua família, tornaram-se como Caim e Lameque. Assim como no princípio,
quando trouxe o julgamento, ele também concedeu graciosamente um novo
pacto.

O primeiro pacto régio: O pacto noaico

O pacto com Noé é a segunda renovação pactual do mundo de Adão


após a queda. O que ele traz de novo é que é dado ao homem o direito de agir
como um juiz (Gn 9. 5-6), algo não permitido anteriormente, quando Caim
matou Abel (Gn 4.15). Esse pacto enfatiza a responsabilidade do homem
enquanto rei. Não que as obrigações sacerdotais sejam esquecidas. Mas, pela
primeira vez na história, é exigido do homem que ele administre a punição
capital. Isso é uma bênção e indica crescimento histórico. De qualquer forma,
tal era pactual também termina ferindo precisamente a área em que o homem
era abençoado: a autoridade de governar. O homem tentou elevar seu trono à
altura do céu por meio da torre de Babel (Gn 11.1). Deus julgou o pecado do
homem destruindo a torre e dispersando os homens por todo o mundo.

O primeiro pacto profético: O pacto abraâmico


Mais uma vez, após o julgamento, Deus graciosamente renovou seu
pacto com o homem, de forma que pudesse cumprir a promessa da salvação e
restaurar o reino que Satanás tentava arruinar tentando o homem a se rebelar.
Deus elegeu Abraão e estabeleceu a sua descendência como o seu povo
sacerdotal do pacto. Desse ponto da história até a chegada do novo pacto o
homem deve se aproximar de Deus por meio do povo de Abraão — “a
salvação vem dos judeus” (Jo 4.22b). O mundo de Adão continua, mas
mudou significativamente, pois o pacto com Abraão se expande pela
promessa da salvação mais do que a promessa pós-queda ou o pacto com
Noé. É dada a Abraão a visão de um mundo redimido do pecado e restaurado
por Deus: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3b; cf. Gn
18.18; 26.4; 28.14).
A possibilidade da bênção global é a característica do período profético.
Abraão é certamente visto como um sacerdote e como um rei, visto que ele
oferece sacrifícios, lidera um exército e tem a promessa de domínio sobre as
nações e reis e a sua descendência (Gn 22.3; 14.13; 17.5-6). Mais importante,
Abraão é o primeiro homem da Bíblia a ser chamado de profeta: “ele é
profeta” (Gn 20.7). As bênçãos proféticas de Isaque e Jacó são características
relevantes na história de Gênesis. O patriarca José era um homem de
sabedoria profética que trouxe as bênçãos de Abraão para os egípcios.
Assim como os pecadores antes deles, a descendência de Abraão
quebrou o pacto e tornou-se idólatra no Egito (Js 24.14). Portanto, Deus
trouxe o julgamento pactual sobre seu povo e eles foram vendidos como
escravos para Faraó. Quando eles clamaram a Deus, ele graciosamente ouviu
suas orações e libertou-os por meio de Moisés e Arão.
CAPÍTULO CINCO: A HISTÓRIA DOS PACTOS (PARTE 2)
O segundo pacto sacerdotal: O pacto mosaico

Embora os hebreus, como Adão, tenham se rebelado contra o pacto de


Deus, ele mais uma vez buscou o homem graciosamente e garantiu a ele um
novo pacto. O pacto dado por meio de Moisés era consideravelmente mais
avançado que qualquer outro até aquela época, em parte porque Israel era
agora uma nação que precisava de uma declaração mais detalhada e completa
do pacto. A promessa a Abraão que a sua descendência seria como as estrelas
do céu estava sendo cumprida (Dt. 1.10; 10.22; cf. Hb. 11.12).
O pacto mosaico deu a Israel não só a promessa da salvação e um
sistema sacrificial, como também providenciou uma declaração dos
mandamentos e estatutos de Deus que incluíam suas aplicações ao governo
civil, algo que seria necessário na nova terra. De qualquer forma, seria errado
pensar na lei civil teocrática como sendo a característica primária do pacto
mosaico, quando ela claramente não é. São dedicados mais espaço e
preocupação ao tabernáculo, às leis de limpeza, ao sistema sacrificial e ao
calendário festivo do que às leis civis. As próprias leis civis também contêm
muita coisa que é “sacerdotal” em caráter. Com a lei de Moisés nós
alcançamos um novo estágio de desenvolvimento pactual. As
responsabilidades de rei e de profeta do homem foram reveladas nos pactos
passados, de modo que todos os três aspectos da obra do homem, enquanto
imagem de Deus, aparecem na lei, mas o sacerdotal é o mais importante.
Acima de tudo, o pacto mosaico diz respeito à dádiva do tabernáculo —
o lugar da habitação de Deus entre a nação de Israel. Pela primeira vez na
história pós-queda Deus habitou entre os homens, e estes, representados pelo
sumo sacerdote, tinham permissão para estar em sua presença. De qualquer
forma, a nação de Israel nunca foi realmente fiel ao pacto mosaico. Nos dias
de Josué eles guardaram a lei do Senhor, mas após a morte dele, eles
constantemente vagaram para longe dos mandamentos de Deus, como
mostram os livros de Juízes e 1 Samuel. Seu fracasso em guardar o pacto foi
especialmente uma falha no sentido de adoração ao verdadeiro Deus de
acordo com os seus mandamentos. Isso é visto no julgamento final dessa era,
que veio depois que o sacerdote Eli e seus filhos macularam extremamente a
adoração a Deus (1Sm 2.22-36; 3.11-14).
O julgamento pactual, contudo, veio de forma misericordiosa. Por
causa de apostasias anteriores, os israelitas foram repetidamente oprimidos
por diferentes nações e se arrependeram da sua idolatria pecaminosa (cf. Jz
2.1-23). Porém, dessa vez, o próprio Deus, simbolicamente falando, mandou
os filisteus para o cativeiro quando a arca tomada durante uma batalha (1Sm
4 ss.). A arca de Deus não retornou ao seu lugar apropriado até que um novo
pacto fosse feito.

O segundo pacto de rei: O pacto davídico


Saul, líder de Israel, foi uma figura transitória de uma falha
transparente. Seu reino foi o fim do pacto antigo e a preparação para um mais
novo. A era do pacto mosaico terminou quando Deus trouxe um novo líder
pactual, Davi, e um novo pacto, que incluiu a promessa davídica do Messias
(2Sm 7). A era monárquica também trouxe uma forma mais gloriosa de
adoração, o templo. Salomão tornou-se o maior rei da antiga era pactual, o
maior “Adão” desde o homem original do Jardim. Mas assim como seu pai,
Salomão caiu. Ele desobedeceu a todas as três proibições mosaicas em
relação aos monarcas: contra a criação de um exército agressivo, a poligamia
e a cobrança opressiva de impostos (Dt 17.16-17). Não há dúvidas de que
Salomão também esqueceu o mandamento de que o rei deve escrever sua
própria cópia da lei e lê-la diariamente (Dt 17.18-20). Tudo isso levou
Salomão a se comprometer de fato com o que ele já havia se comprometido
em seu coração: idolatria (1Rs 11.10). Como resultado do pecado de
Salomão, o reino foi dividido em norte e sul (1Rs 11.11; 12.22-25).
O reino do norte não teve sequer um líder piedoso. Desde o início, todo
rei foi idólatra e desobediente a Deus (1Rs 12.26-33; 15.34; 16.2-3; 16.18-19,
25-26, 31; 22.51-52; 2Rs 3.1-3; 10.29, 31; 13.1-2, 10-11; 14.23-24; 15.8-9,
17-18, 23-24, 27-28; 17.20-23). Eventualmente a grande maioria das pessoas
piedosas do reino do norte migrara para Judá, de forma que todas as doze
tribos foram preservadas (2Cr 11.13-17; 15.8-9; 30.1-11, 18). Por volta do
ano 720 a.C., o reino apóstata do norte foi carregado para o cativeiro para se
tornar escravo em um novo Egito, a Assíria (2Rs 17.5-6; 18.9-12).
Assim como sua irmã, Judá gradativamente abandonou o pacto e foi
carregada para o cativeiro (2Rs 24.1-5; 25.1-21; 2Cr 36.6, 15-21). Os
descendentes de Abraão voltaram para o lugar de onde partiram: escravidão
em uma terra estrangeira. Assim como eles nunca foram abandonados no
Egito, na Babilônia Deus permaneceu com eles. E quando eles se
arrependeram, Deus ouviu as suas orações e após setenta anos, libertou-os e
restaurou-os à sua terra (Dn 9.1-27; 2Cr 36.22-23; Ez 1.1-4).

O segundo pacto profético: O pacto da restauração


Pela última vez, na era do antigo pacto, Deus garantiu uma renovação
do pacto adâmico, que adiou o julgamento final e expandiu a promessa da
salvação. Esse pacto de restauração prevaleceu até a vinda de Cristo. Deus
prometeu aos israelitas que eles voltariam para sua terra após setenta anos de
cativeiro (cf. Jr 25.11-12; 29.10). Nessa época ele faria um novo pacto com
eles (Ez 37.21-28). A era do novo pacto da restauração foi inaugurada pelos
profetas Ageu e Zacarias (cf. Es 5.1). Assim como outros novos pactos, havia
uma nova casa de Deus (Es 1.3; 3.1; 5.1) e um novo sacerdócio (Es 2.62-63;
3.8-10; 6.18, 20; 7.11). A visão do templo de Ezequiel (40-48) ensinou ao
povo de Deus que havia um templo celestial de grande glória que era
meramente simbolizado pelo templo terreno. Mas, pela primeira vez na sua
história, esse templo celestial foi aberto para que todos pudessem falar e ver.
Os filhos de Abraão também receberam um novo nome. A partir desse
momento, eles foram chamados de judeus.
Também houve certas mudanças na administração do pacto de Deus.
Por exemplo, a terra de Israel não poderia ser restaurada às famílias de acordo
com os lotes dos dias de Josué (Js 11.23; 13.1; 15.20), nem haveria mais rei
em Israel. Daniel instruiu os judeus que eles estariam sob o domínio de reinos
gentios até a vinda do Messias (Dn 2.7). Tudo isso significa que esses muitos
aspectos da lei de Moisés não poderiam mais ser literalmente aplicados.
Como no primeiro período profético, a obra de evangelizar entre as
nações do mundo também era essencial aqui. Dois livros inteiros são
dedicados ao ministério dos gentios: Jonas (escrito na verdade no fim do
período de Davi) e Ester. Esdras e Neemias compartilham uma perspectiva
internacional que é significativamente diferente dos tempos dos reis. Os
livros proféticos desse período — Ageu, Zacarias e Malaquias — buscam o
estabelecimento do reino global de Deus por meio do testemunho de Israel
(cf. Ag 2.5-7; 2.21-23; Zc 2.11; 4.12; 8.22-23; Ml 4.2).
O novo pacto: Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei

Incluindo a era do pacto adâmico pré-queda, existem sete eras pactuais


no antigo pacto. Em todas elas existem certas características. Todas lidam
com “o mundo de Adão”, a primeira criação. A vinda de Cristo traz um novo
pacto e um novo mundo. “As coisas antigas já passaram; eis que se fizeram
novas” (2Co 5.17b).
Jesus, o novo Adão, cumpre as exigências justas do pacto de Deus e
traz bênçãos para uma nova humanidade. Não há mais necessidade de
sacrifícios animais porque o seu sacrifício resolveu o problema do pecado de
uma vez por todas (Hb 10.1-14). O próprio mundo, que “está sujeito à
vaidade” por causa do pecado de Abraão (Rm 8.20), foi reconciliado com
Deus pela obra expiatória de Cristo (Cl 1.20) e foi restaurado para a sua
pureza cerimonial original. Portanto, não podem mais existir terras impuras
ou lugares santos. Também há uma nova raça humana para ocupar o novo
mundo. Essa nova raça, incluindo mulheres e gentios, é formada por
sacerdotes de Deus. Todos têm acesso igual ao trono de Deus (Ef 2.12-22; Gl
3.28; Cl 3.11), pois Cristo é o Grande Sumo Sacerdote que traz seu povo para
Deus.
Agora que o mundo foi redimido e o homem foi salvo pela morte e
ressurreição de Jesus Cristo, o homem pode herdar a glória originalmente
pretendida pelo Pai celestial. Na pessoa de Cristo, um Homem glorificado
senta-se à destra de Deus, governando o mundo até que “haja posto todos os
inimigos debaixo dos pés” (1Co 15.25; Sl 110.1; Ef 1.22; Hb 1.13). Somente
assim, quando a igreja, seu corpo, tiver conquistado todas as nações por meio
da pregação do evangelho (Mt 28.18), Jesus poderá retornar em glória para o
julgamento final (1Co 15.23-28). A nova raça, convertida à fé em Cristo, não
está sem pecado, mas é justa pela graça de Deus e pelo poder do seu Espírito.
Eles foram salvos em Cristo para cumprir a comissão original de Adão para
submeter todas as coisas à glória de Deus. O mundo será preenchido com
homens e cada deserto será transformado em um jardim e o potencial da
criação será desenvolvido para o louvor do Criador. Então a história pode
chegar a um fim quando Satanás for totalmente derrotado, o homem
verdadeiramente salvo e Deus glorificado tanto como Criador quanto
Redentor.
O reino que começou no Jardim será cumprido e uma era totalmente
nova, a era do reino eterno, terá início. A nova humanidade herdará seus
corpos ressurretos e viverá com Deus em glória eterna. Quando o pacto da
criação e da redenção forem cumpridos, o homem será glorificado com Cristo
na Nova Jerusalém (Ap 21-22), mas isso não é o fim. É o começo de algo
novo, algo mais glorioso e maravilhoso do que podemos imaginar.
CAPÍTULO SEIS: O PACTO EDÊNICO
O pacto pré-queda com Adão governa toda a era desde a criação até a
vinda de Cristo. O novo pacto em Cristo é mais um cumprimento do que uma
substituição do pacto original. Em outras palavras, toda a história bíblica do
crescimento do reino é baseada no pacto do Éden dado em Gênesis 1-3. Se
nós não entendemos esses capítulos adequadamente, não estamos aptos a
entender o restante da Escritura. Para começar nosso estudo, devemos
considerar primeiro a condição do reino na época da criação, os cinco pontos
do pacto do edênico e a responsabilidade do homem no pacto e no
julgamento de Deus.

O reino

Deus criou o mundo em seis dias. Por que seis dias? Porque sua obra na
criação estabelece ao homem um padrão a ser seguido, trabalhar seis dias e
descansar um dia (Êx 20.9-11). Além disso, a obra do homem deveria ser a
continuação da obra de Deus. O mundo era escuro, sem forma e vazio no
princípio (Gn 1.2). Por seis dias Deus trabalhou para dar ao mundo luz, forma
e seres viventes. A coroa da sua criação foi o homem, que foi encarregado de
dar continuidade à obra que Deus iniciou (Gn 1.26-28).
Quando Deus criou o homem, ele criou Adão, o cabeça da raça,
primeiro. Então, Deus criou o lar de Adão, o Jardim do Éden, enquanto Adão
assistia (Gn 2.8), dando a ele um exemplo de como deveria trabalhar. O
Jardim foi organizado com duas árvores especiais no centro, um muro ao
redor delas e um portão em frente. Foi permitido ao homem comer livremente
de qualquer árvore do Jardim, exceto da árvore do conhecimento do bem e do
mal (Gn 2.16-17). O homem tinha duas responsabilidades principais: proteger
o Jardim e cultivá-lo para que produzisse ainda mais frutos (Gn 2.15).
Deus treinou Adão para a vida familiar trazendo todos os animais
diante dele e deixando que ele lhes desse nome (Gn 2.19-20). Nomear os
animais significou mais do que pronunciar um som. Significou determinar
um “rótulo” para cada animal, que os descrevesse apropriadamente. Adão
aprendeu sobre cada um deles e entendeu o propósito de cada um no reino de
Deus. Ele também viu que os animais lembravam a si mesmo de muitas
formas, mas que havia uma distância biocultural imensurável entre ele e os
animais. Adão percebeu que todos eles tinham pares, mas que ele estava
sozinho. Ele estava pronto para receber uma esposa que pudesse amar. Sua
oração não pronunciada foi respondida e Deus lhe deu Eva (Gn 2.21-23).
O mundo que Adão e Eva governavam estava dividido em três partes.
O Jardim do Éden era seu lar. Era também um santuário no topo da
montanha, onde eles encontravam Deus diretamente. A terra do Éden era a
terra do santuário, perto de Deus. O resto do mundo estava mais afastado do
Santo Lugar onde Deus se manifestava. Havia outras três divisões no mundo.
Os céus estavam acima deles, governados pelo sol durante o dia e pela lua e
as estrelas à noite (Gn 1.14-18). A terra era o seu lar. O grande oceano estava
abaixo deles. Essa é a fonte do simbolismo do mundo como uma estrutura
tripla, refletida mais tarde no tabernáculo e no templo.

O pacto

Os cinco pontos do pacto não são apresentados na ordem simples


pactual, mas todos eles aparecem no texto.
1. A passagem inteira (Gn 1-3) mostra claramente o senhorio absoluto
de Deus, que cria todas as coisas de acordo com a sua vontade e planos. A
soberania de Deus na criação é especialmente vista em todas as coisas que ele
criou por meio da sua palavra. O discurso feito dez vezes na história da
criação (Gn 1.3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26, 28, 29) corresponde à palavra dita
dez vezes por Deus no pacto mosaico: os Dez Mandamentos. Existe até
mesmo um conselho da Trindade na criação de Adão e Eva, ambos no
conselho divino: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança” (Gn 1.26) e no fato de que a sociedade humana é a imagem de
Deus, não menos que o indivíduo humano.
2. Adão é o senhor da criação abaixo de Deus. Ele é o rei original do
mundo, apesar de não haver declaração em um sentido formal. Adão e sua
rainha recebem o domínio sobre toda a criação (Gn 1.28). Ele é também o
sacerdote e profeta original, visto que Deus fala com Adão, que então ensina
à sua esposa a palavra de Deus (Gn 2.16-18). Sua responsabilidade sacerdotal
é vista no mandamento de proteger o santuário do Jardim (Gn 2.15), pois
tempos depois, eles foram os guardiões do templo. Sua responsabilidade
como o primeiro marido e pai incluía cultivar o Jardim (Gn 2.15) e ter filhos
para encher a Terra para glória de Deus (1.28).
3. De certa maneira, essas responsabilidades constituíram os
mandamentos do pacto também, mas o cerne ético deste é encontrado na
ordem de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.17).
Como o mandamento foi declarado, Adão inferiu que a proibição era
temporária. Pois a ênfase está claramente na provisão divina graciosa de
todas as árvores do Jardim (2.16). O fato que existiam duas árvores no meio
do Jardim com nomes (Gn 2.9), sendo uma delas proibida, constituiu
virtualmente um convite divino para comer da outra, a árvore da vida.
A essência do mandamento de não comer da árvore do conhecimento
do bem e do mal não era uma questão de comer ou não comer. O ponto era:
Adão e Eva confiavam em Deus e lhe obedeciam simplesmente por ele ser
Deus? Testar a obediência de Adão em algo que ele entendesse ser uma
questão de justiça teria sido um teste. Mas Deus deu a Adão um teste ainda
mais difícil. A obediência ao mandamento de não comer da árvore do
conhecimento do bem e do mal não tem o tipo de significado ético óbvio
como um mandamento “não matarás”. Se Adão tivesse obedecido a Deus
quando foi testado, ele teria manifestado a fé e o amor que estão no coração
obediente. Por esse motivo, Deus testou Adão no que pode parecer uma
questão arbitrária.
A bênção e maldição do pacto foram colocadas nas duas árvores. A
árvore da vida traria bênçãos se Adão e Eva escolhessem-na em vez da árvore
do conhecimento do bem e do mal. Se eles escolhessem a árvore proibida, de
qualquer forma enfrentariam a maldição da morte. É como se o Senhor
dissesse a Adão o que Moisés disse posteriormente a Israel: “Os céus e a terra
tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a
bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua
descendência” (Dt 30.19).
Se Adão tivesse escolhido a vida, ele e sua posteridade teriam herdado
o mundo e Satanás teria sido expulso. Aparentemente isso teria incluído
herdar o direito de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal
também, pois se Adão tivesse repelido a tentação de Satanás, ele teria
entendido o verdadeiro significado do bem e do mal, a própria coisa que a
árvore e o teste pretendiam ensinar-lhe. Em outras palavras, a proibição da
árvore do conhecimento do bem e do mal era pedagógica. Se a lição tivesse
sido aprendida, Adão e Eva teriam sido elevados a um status mais alto.

A resposta pactual de Adão


Satanás apareceu no Jardim sob a forma de serpente. Isso foi permitido
por Deus com o intuito de testar Adão e ensiná-lo o significado essencial do
bem e do mal. Dar a Adão meramente uma lição sobre a filosofia do bem e
do mal não teria lhe fornecido a compreensão que ele precisava. Logo quando
Deus quis lhe dar uma esposa, primeiramente providenciou um projeto que
seria significativo para ele por toda a sua vida e, ao mesmo tempo, falou a
Adão sobre a necessidade de uma esposa, da mesma maneira que, quando
Deus quis lhe ensinar sobre o bem e o mal, enviou Satanás para testá-lo. Isso
exigiu que Adão protegesse o Jardim do mal. Se ele tivesse defendido o
Jardim com sucesso do ataque de Satanás, a parte difícil do seu trabalho de
vigilância teria terminado.
Quando Satanás se aproximou de Adão e Eva, Adão deveria ter
entendido, pelo desafio de Satanás, qual era o significado real de bem e mal.
Bom é obedecer à voz de Deus e mau é se rebelar contra ele. Bem e mal não
são entidades ou coisas. São palavras que descrevem nossa reação pactual a
Deus. Se Adão tivesse aprendido essa verdade pela submissão à vontade de
Deus, ele teria se confirmado em santidade ao comer da árvore da vida. Nós
podemos dizer que Adão teve uma escolha de sacramentos, o ritual mágico
de Satanás, que prometeu poder através da desobediência a Deus ou o
sacramento pactual de Deus, que prometeu vida e todas as coisas boas pela
submissão a ele.
O que Adão realmente fez foi usar sua esposa como cobaia para ver o
que aconteceria se alguém comesse da árvore. Quando Satanás se dirigiu a
Eva, Adão, que estava ao leu lado, não disse nada. Ele permitiu
intencionalmente que Eva fosse enganada para comer do fruto com a intenção
de ver o que sucederia a ela (cf. 1Tm 2.14). Se ela não morresse, então
saberia se era seguro para ele comer também. Nada aconteceu a Eva, de
modo que Adão deduziu que era seguro comer. Porém, a queda já tinha
acontecido quando Adão deixou Eva comer.

O julgamento pactual de Deus

Deus apareceu em pessoa para expulsar Adão e Eva do Jardim. Eles


ouviram o som de Deus, que era provavelmente o som da nuvem de glória
(cf. Êx 19.16; 20.18; 1Sm 22.8-16; Ez 1.4, 24), como o som de um trovão.
Nada no Gênesis indica um som gentil e suave. Como a nação de Israel no
Monte Sinai, Adão e Eva ficaram apavorados com o que ouviram e se
esconderam (Gn 3.10). Deus falou com Adão primeiro porque ele era o líder
do pacto. Ele logo pronunciou o julgamento da serpente por ela ser a fonte da
tentação, e em tal julgamento é encontrada a primeira promessa de salvação,
a base de um novo pacto: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua
descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o
calcanhar” (Gn 3.15).
Adão e Eva morreram naquele mesmo dia, como Deus disse que
aconteceria. Eles morreram pactualmente por meio do seu representante, o
sacrifício animal oferecido em seu lugar, que sofreu a maldição do pacto por
eles (Gn 3.21). Esse é o começo do sistema sacrificial da Bíblia. O
julgamento inclui a promessa de vida em um novo pacto que fornece um
representante que realmente poderia levar o pecado embora.
Ser expulsos do Jardim foi outra forma de morte, pois Adão foi criado
para ter uma sociedade com Deus. Afastado do Jardim, Adão e a raça humana
após ele têm fome do verdadeiro Jardim de Deus, sem realmente saber o que
estão buscando: “Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem
a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6.35).
Além disso, os processos de decadência física, a “morte” gradual dos
seus corpos, começou naquele dia. A doença, a dor, a fatiga e os sofrimentos
do corpo no processo de envelhecimento não faziam parte da criação original.
Desde o dia em que pecaram, Adão e Eva “começaram a morrer” fisicamente.
Além da morte física que experienciaram, o mundo ao redor deles começou a
morrer também. A própria Terra foi “sujeita à vaidade” (Rm 8.20) por causa
do pecado de Adão. Todo o mundo animal e físico foi trazido para o
“cativeiro da corrupção” (Rm 9.21).
Mas no julgamento também havia graça. Deus não anulou meramente o
pacto original e destruiu a raça que criou à sua imagem, ainda que fosse
direito dele fazer isso. Ele trouxe o homem para uma forma de julgamento de
provisão para a redenção. Isso envolveu dois aspectos. Em primeiro lugar,
Deus trouxe provisão para a continuação do velho pacto, um adiamento do
julgamento final, para se dizer assim. Em segundo, Deus garantiu ao homem
a promessa de um novo pacto — a descendência da mulher viria e destruiria a
serpente. Ademais, a situação pactual estabelecida pelo julgamento de Deus
de Adão e Eva era uma extensão temporária do pacto original que incluía
uma promessa de um pacto novo e melhor no futuro.
CAPÍTULO SETE: A PROMESSA PÓS-QUEDA
O próprio mundo mudou com a queda. Um novo relacionamento
pactual entre Adão e Deus também significou que as relações entre Adão e
seu ambiente, Adão e Eva, e Adão e sua condição subjetiva interna foram
drasticamente alteradas. Essa nova situação pactual poderia ser apenas
temporária. Era claro que o problema fundamental da queda só poderia ser
resolvido por um sacrifício redentor que poderia levar o pecado totalmente
embora. Enquanto isso, o homem continuaria o projeto que Deus determinou
para ele na criação.

O reino
Em muitos aspectos a situação do reino é imutável. Adão é o líder da
raça: profeta, sacerdote, rei e pai. A Terra é dividida em três áreas distintas: o
Jardim do Éden, a terra do Éden e o resto do mundo. A responsabilidade de
Adão é cultivar a terra e adorar a Deus da forma certa. Ainda que o novo
ambiente apresente novos desafios, a definição fundamental de bem e mal
não muda. Deus ainda é o Senhor sobre todas as coisas, determinando tudo de
acordo com sua perfeita vontade. De qualquer maneira, houve uma mudança
pactual fundamental que é abrangente em seus efeitos. Adão se preparou para
a rebelião de Satanás contra Deus, colocando o mundo sob a autoridade de
Satanás, não em um sentido próprio (de jure), mas praticamente falando (de
facto). A partir desse momento Satã é chamado de “príncipe desse mundo”
(Jn 12.31). Adão está com Satã até ser repudiado por ele. Os filhos de Adão
também estão abertos à influência e ao ataque de Satanás.
A distinção entre o Éden e o mundo antes da queda era simplesmente
uma questão de proximidade de Deus, mas agora que Adão pecou, o Jardim
do Éden se tornou o lugar santo onde o homem não podia entrar, o Éden se
tornou a terra santa e o resto do mundo se transformou em uma terra suja. O
foco não é uma nova substância ter sido introduzida no mundo e o tornado
mau. O mal não é uma substância, é ter uma relação pactual errada com
Deus. Após a queda, o mundo sob Adão se tornou pactualmente separado de
Deus — contaminado ou impuro — pois foi amaldiçoado com Adão. Onde
Deus manifestou sua presença, tornou tal área um “santo lugar”,
temporariamente livre da maldição por meio da virtude da presença graciosa
de Deus.
Paulo diz que a morte entrou por causa do pecado (Rm 5.12). A morte é
uma realidade sempre presente e inescapável no mundo caído em decorrência
da maldição. Em outras palavras, após a queda, o mundo foi contaminado
pela maldição sobre o homem. Somente na graça de Deus há esperança de
salvação.

O pacto

1. Deus permaneceu sendo o Senhor sobre o mundo, mas Adão não


poderia mais se aproximar dele como outrora. O homem não poderia ter uma
sociedade íntima com ele como tinha no Jardim. De qualquer modo, ainda há
esperança, pois Deus revelou-se de uma nova maneira. Ele é não somente o
Senhor absoluto da Criação, como também o Redentor do homem. Deus fez
uma promessa a Eva, de que sua descendência conquistaria Satã e libertaria o
homem. Ele também fez “casacos de pele” para Adão e Eva e os vestiu (Gn
3.21), ensinando-os um futuro sacrifício substitutivo que cobriria sua
vergonha.
2. A posição de Adão no mundo foi comprometida. Ele ainda era
responsável perante Deus por sua liderança nos deveres sacerdotais, régios e
paternais, mas também estava aberto para a tentação satânica de um novo
modo. Agora ele tinha uma simpatia interna pela rebelião pecaminosa de Satã
contra Deus. Portanto, o fato de Adão permanecer com Deus significa uma
guerra com Satanás a vida inteira, bem como uma guerra contra o pecado em
seu próprio coração. A partir daí o trabalho de Adão incluía também a luta
para recuperar para Deus o que Satã tinha roubado. Adão ter autoridade em
um mundo caído significava ter que lutar, por Deus ou contra ele. A
autoridade também incluía a dor da perseverança em um mundo amaldiçoado
pelo pecado. Adão teria que trabalhar mesmo se não tivesse pecado, mas após
a queda, seu trabalho deixou de ser o grande prazer que deveria ter sido.
3. A essência da justiça não pode mudar, mas a instrução muda à
medida em que a situação pactual muda. Antes da queda não havia
necessidade de ensinar Adão a não matar ou roubar porque ele não estava
inclinado a cometer pecados por natureza. Depois da queda, a obrigação do
homem deve ser explicada em alguns detalhes. Nós não sabemos o quanto ou
precisamente que tipo de revelação Adão tinha além do que está registrado na
Bíblia. É dito que seu descendente Enoque andou com Deus (Gn 5.24), o que
implica mais do que “sociedade espiritual” e pode incluir revelação profética.
Mesmo sem revelação divina especial, o homem enquanto imagem de
Deus, sabia em seu coração que assassinato era pecado. Caim, por exemplo,
não precisava de explicação do seu crime. Ao mesmo tempo Deus proibiu
que qualquer pessoa se vingasse pelo assassinato de Abel (Gn 4.15). O
homem não era maduro o suficiente para compartilhar um ofício judicial, ao
menos não com referência à punição capital.
O verdadeiro herdeiro da natureza de Caim, Lameque, comprometeu-se
com o pecado da poligamia (Gn 4.19), proibida implicitamente na doutrina
original do casamento: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua
mulher, tornando-se os dois uma só carne” (Gn 2.24). Sua violência excedeu
a de Caim em sua intensidade e orgulho. Não pode haver dúvida de que ele
não adorava o verdadeiro Deus.
O outro grande pecado da era está gravado em Gênesis 6. “Vendo os
filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si
mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram” (Gn 6.2). Os “filhos de
Deus” aqui são a linhagem religiosa de Sete. Esse versículo nos dá uma
explicação do que aconteceu ao justo antes do dilúvio. Nós lemos em Gênesis
5 acerca das muitas gerações de homens que eram descendentes cristãos de
Adão. Como seus filhos puderam desaparecer? A resposta é que eles não
desapareceram, mas sim apostataram. Como Salomão, seus corações se
afastaram de Deus por causa das mulheres descrentes com quem se casaram,
pois tomaram como esposas as filhas da família de Caim. De todos os filhos
de Sete, apenas Noé permaneceu fiel a Deus nesse tempo de infidelidade
global (Gn 6.8).
4. A maldição do pacto, já vista na expulsão de Adão e Eva do Jardim,
foi progressivamente aplicada aos homens pecadores. Caim foi levado para
leste, mais longe do Éden do que Adão e Eva. Mas a expulsão da presença de
Deus alcançou seu clímax no julgamento do dilúvio. Aqui os descendentes
rebeldes de Sete, junto aos descendentes ímpios de Caim, foram levados da
face da Terra e o mundo teve um novo começo.
A bênção do pacto foi revelada de um modo especial na vida de
Enoque. A retidão exemplar de Enoque obteve para ele a bênção de ser
levado para a presença de Deus sem morrer. Isso mostrou aos homens que a
bênção do pacto era o perdão dos pecados e a vida eterna com Deus no céu.
5. O homem deveria herdar o mundo como reino de Deus, mas o
pecado o privou de desfrutar totalmente tal herança. A graça de Deus ter
interferido em benefício do homem preservou para ele um certo nível das
bênçãos originais dessa vida, até mesmo para aqueles que não se arrependem
dos seus pecados. Caim se tornou um morador da cidade e seus descendentes
foram usados por Deus para desenvolver instrumentos musicais (Gn 4.21),
pois até mesmo os ímpios servem aos propósitos de Deus na história.
Quando a linhagem religiosa de Sete se rebelou, eles perderam tudo.
Somente Noé encontrou graça e foi preservado do julgamento. Noé, sua
esposa e filhos viveram para se tornar a primeira nova família em um novo
mundo, herdando também o conhecimento e a tecnologia das eras mais
antigas: “a riqueza do pecador é depositada para o justo” (Pv 13.22).
A resposta pactual do homem
Do pecado de Caim ao de Lameque a descendência da serpente imitou
seu pai espiritual. Assassinato, poligamia, orgulho e tirania caracterizavam a
sua linhagem familiar. Por outro lado, os descendentes de Sete foram
religiosos por muitas gerações. Enos, o primeiro filho de Sete, tornou-se um
sacerdote e levou os homens à verdadeira adoração a Deus (Gn 4.26). A
descendência de Sete continuou aparentemente a ser religiosa até a época de
Noé, que foi nomeado na esperança que os homens encontrassem conforto
nele (Gn 5.29). Mas a semente da mulher foi enganada pela semente da
serpente e foi desviada. Os filhos de Deus, de Sete, a “descendência da
mulher”, casou-se com a não religiosa semente da serpente e de Caim. Seus
filhos se tornaram homens poderosos (Gn 6.1-4). Mas esses homens se
corromperam e encheram a Terra com violência (Gn 6.11). Toda a raça, com
exceção da família de Noé, juntou-se à rebelião da serpente contra Deus. Isso
naturalmente levou ao ódio mútuo e destruição entre eles, já que Satanás
pode promover unidade apenas nos que odeiam a Deus, que odeiam também
toda a criação.

O julgamento pactual de Deus


Os filhos de Sete quebraram o pacto, como Adão fez antes deles. Eles
transformaram a bênção em maldição. Deus destruiu toda a Terra e trouxe de
volta a raça humana para o seu estado original de apenas uma família. O
julgamento do dilúvio foi a destruição da criação, um juízo de “descriação”.
Quando as águas do dilúvio cobriram a Terra, o mundo pareceu com o que
era no princípio: “A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas
sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas” (Gn
1.2).
No julgamento, Deus foi misericordioso: “Lembrou-se Deus de Noé e
de todos os animais selváticos e de todos os animais domésticos que com ele
estavam na arca” (Gn 8.1a). Noé e sua família foram preservados de maneira
que o homem pudesse ter um novo começo após o dilúvio. Os animais foram
preservados na arca de forma que pudesse existir um novo mundo animal
também. Em outras palavras, no “julgamento final” do dilúvio, a redenção
estava incluída. Deus traria um novo mundo.
Nenhum outro julgamento na história é tão parecido com o juízo final
como o dilúvio. Este quase-julgamento-final é o paradigma bíblico para o
juízo final do pacto. Quando uma era pactual termina, a figura literária do
discurso recorda a grande tempestade com a linguagem de uma catástrofe
global. O julgamento pactual é sempre uma “des-criação” teológica, mesmo
que nenhum juízo histórico subsequente seja tão espetacular como o dilúvio.
Depois do dilúvio Deus estabeleceu seu pacto com Noé: um novo pacto
que era uma renovação daquele de Adão, com adições redentoras (Gn 9.1-
17). Noé se tornou o primeiro Adão para o novo mundo. O primeiro período
pactual após a queda de Adão terminou em um grande fracasso e pecado.
CAPÍTULO OITO: O PACTO NOAICO

O pacto com Noé marca um novo começo. Sendo claro em relação à


missão dada a ele por Deus, Noé é respeitado como um novo Adão.
“Abençoou Deus a Noé e aos seus filhos e lhes disse: Sede fecundos,
multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn 9.1). A destruição do mundo pelo
dilúvio trouxe um fim para a era edênica e para o sistema de adoração
centrado no Jardim do Éden. Mas assim como Deus deu ao homem um novo
pacto após a queda, Deus graciosamente deu ao homem outro pacto após o
dilúvio. Esse novo pacto, como todos da era do antigo pacto, era uma
extensão do pacto edênico. Como os pactos posteriores, o pacto noaico
adicionou nova revelação que ampliou ainda mais a promessa do novo pacto.
Assim como na era pré-dilúvio, cada “novo pacto” na era do antigo pacto
terminava com o julgamento de Deus sobre o pecado do homem, porque “em
Adão” o homem não pode escapar do pecado. Ao mesmo tempo, contudo, os
julgamentos de Deus na história nunca foram meramente negativos. Cada
juízo avança o propósito do reino de Deus ao conduzir a história para Cristo,
o Segundo Adão que salva o homem.

O reino
O mundo mudou radicalmente depois do dilúvio. Isso provavelmente
incluiu as mudanças geográficas que causaram o movimento dos continentes.
Se as teorias sobre uma “expansão de água” estiverem corretas — a ideia de
que o mundo pré-dilúvio foi coberto por uma camada nebulosa que produziu
um efeito estufa, mantendo o mundo aquecido — mudanças radicais no clima
e na superfície da Terra seriam evidentes. Em qualquer acontecimento, Noé e
sua família seriam conscientes do fato que viveram em um novo mundo.
De qualquer forma, a maior mudança foi a perda do Jardim do Éden. O
santuário de Deus não estava mais com os homens. Não havia mais um
centro do mundo divinamente ordenado aonde os homens viriam para se
encontrar com Deus e nem uma terra santa próxima ao santuário. Nesses
termos, o mundo pós-dilúvio é um mundo sem Deus. De certo modo isso
quer dizer que a recriação do mundo é incompleta, pois faltam duas ou três
partes do mundo do Éden. Na criação original Deus criou o mundo (Gn 1.1),
então a terra do Éden e, por último, todo o Jardim (Gn 2.8). Depois do dilúvio
passou a existir um novo mundo, mas não uma nova terra santa. Esta não foi
recriada até Israel conquistar Canaã. O santuário não está realmente completo
até o templo de Salomão, o novo Éden. Isso significa que a recriação do
mundo começou após o dilúvio e continua por séculos até os dias de
Salomão, quando há um Jardim-Templo no centro pactual do mundo, cercado
pela terra santa.
Noé era o novo Adão, incompleto como a situação de Noé, o líder do
pacto da nova raça. De qualquer maneira, nesse novo mundo, Noé não estava
sozinho com sua esposa. (Nós nem ao menos sabemos o nome dela.) Seus
três filhos, Jafé, Sem e Cão, e suas respectivas esposas (novamente, não
sabemos seus nomes), também estavam com Noé no novo mundo. Em vez de
uma família de dois, o novo mundo teve início com uma extensa família de
oito indivíduos, que na verdade eram quatro famílias.

Os cinco pontos do pacto


O pacto com Noé é referido muito explicitamente como um pacto (Gn
6.18), mas não há explicação do que seja um pacto. Em outras palavras, um
pacto não parece de jeito nenhum ser uma nova ideia para Noé. A linguagem
do pacto em Gênesis 9, além disso, deixa clara além de dúvida razoável que o
pacto com Noé era simplesmente uma continuação do arranjo com Adão.
Agora, contudo, o pacto foi dado para uma nova raça que era pecadora desde
o começo.
1. Deus, como Criador, Redentor e Juiz do mundo, concede o pacto a
Noé e sua família. A iniciativa divina e a graça são importantes em qualquer
lugar. A bênção de Deus estabelece o pacto e dá ao homem um novo começo.
É importante notar que cada pacto inicia, assim como o pacto do Jardim, com
Deus abençoando o homem (cf. Gn 1.28). O pacto nunca é neutro, nem é
baseado nas obras do homem.
2. Ao homem como profeta, sacerdote e rei, são dadas novas
responsabilidades. Noé foi claramente a principal autoridade humana no novo
mundo e era o “rei” da raça. Ele age como um sacerdote ao oferecer
sacrifícios (Gn 8.20) e como um profeta ao pronunciar bênçãos e maldições
sobre seus filhos (Gn 9.25). Mas a diferença primária na autoridade do
homem é judicial. Antes do dilúvio, a autoridade judicial do homem foi
limitada a casos que não fossem de punição capital (Gn 4.14-15). Com o
pacto de Noé veio a autoridade para executar assassinos (Gn 9.6). Isso não
era uma mera permissão para executar, era ordem de Deus. Assim como no
dilúvio o próprio Deus executou toda a raça por causa da violência (Gn 6.11-
13), ele mandou Noé matar os homens violentos e ímpios. Isso é algo
misericordioso, principalmente porque a execução individual de homicidas
impede a violência antes que ela se espalhe a ponto de chegar ao julgamento
de uma sociedade inteira. Isso também representa crescimento histórico: foi
dada à descendência da mulher, à imagem de Deus, uma parcela na
autoridade judicial de Deus a fim de proteger o mundo da violência de forma
que a missão histórica do homem pudesse ser realizada.
3. Assim como Deus proibiu o fruto da árvore do conhecimento do
bem e do mal no Jardim, agora ele proíbe que se beba sangue (Gn 9.4). De
qualquer maneira, pela primeira vez, foi especificado que o homem pode
comer a carne dos animais (Gn 9.3), mas aparentemente não pode comer os
sacrifícios animais. Os sacrifícios oferecidos por Noé foram “holocaustos”,
onde o animal inteiro era oferecido a Deus no altar. Noé não só conhecia o
sacrifício, ele também entendia a distinção entre animais puros e impuros (Gn
7.2-3). Além desses poucos pontos, porém, não sabemos muito sobre como
ele conduzia a adoração a Deus. Falando de um modo geral sobre ética, os
mandamentos de Deus eram os mesmos para Adão e Eva. Noé e seus filhos
deveriam encher a Terra (Gn 9.1) e governá-la (Gn 9.2) para que o reino de
Deus pudesse ser concretizado na história.
4. A bênção do pacto é enfatizada quando Deus dá o pacto a Noé:
“Estabeleço a minha aliança convosco: não será mais destruída toda carne por
águas de dilúvio, nem mais haverá dilúvio para destruir a terra” (Gn 9.11). O
arco-íris, símbolo do pacto, foi colocado no céu para lembrar Deus — não o
homem — da promessa do pacto (Gn 9.13-16). Deus prometeu que jamais
amaldiçoaria novamente todo o mundo (Gn 8.21). Ele preservaria os padrões
comuns da criação para que o homem soubesse como viver e construir o
reino de Deus (Gn 8.22). Essa promessa de regularidade na criação é o
fundamento da ciência.
Mas a nova raça em Noé foi uma continuação da antiga raça em Adão.
O homem continua a se rebelar contra Deus, invocando a maldição sobre a
raça por sua apostasia.
5. Noé e seus filhos ganharam um novo mundo como herança. A graça
de Deus estava sobre eles. Se tivessem mantido seu pacto, a bênção somente
teria crescido. Regozijando-se em Deus, Noé plantou uma vinha. Ele parece
ter sido o primeiro homem a descobrir o vinho. Ele bebia o vinho a qualquer
momento, um símbolo de bênção e descanso na Bíblia. Era perfeitamente
legítimo para Noé beber vinho e descansar na sua tenda porque seu trabalho
estava feito. Era o tempo certo de desfrutar a bênção de Deus. A Bíblia nunca
condena Noé por sua bebida. Seu filho, Canaã, que tentou roubar autoridade e
bênção, simbolizados na túnica de Noé, foi condenado. Sua rebelião foi
apenas uma amostra do que os descendentes de Noé fariam mais tarde.

A resposta pactual do homem


O homem pecador não estava satisfeito em herdar a benção do pacto e
trabalhar pacientemente para a glória de Deus. Em vez de buscar a Deus em
um templo ou local de adoração, o homem tentou construir seu próprio Éden,
a torre de Babel (Gn 11.4). A nova raça queria um centro do mundo para
preservar a unidade religiosa e política entre eles mesmos. Mais que isso, o
homem queria um novo centro do mundo para glorificar a si próprio.
Portanto, a torre de Babel era uma declaração de independência de Deus.
Agora o homem determinava o caminho para o céu. Na verdade, a torre de
Babel era toda a raça formada pelos descendentes de Noé imitando o pecado
de Canaã, que pode ser descrito como um plano para roubarem a autoridade
do seu pai e se estabelecerem como reis. O verdadeiro herdeiro de Canaã,
Ninrode, o grande caçador, liderou os homens a uma rebelião contra o pai
celestial, a fim de “roubar sua túnica” e estabelecer um reino rival.

O julgamento pactual de Deus


Deus “visitou” a torre de Babel. Ele viu que os homens estavam
unificados, mas que essa era uma unidade que trabalhava contra o reino de
Deus. O sistema Babel permitia que homens ímpios como Ninrode
estabelecessem uma tirania política sobre a base de uma falsa religião da qual
seria difícil para qualquer um fugir. O resultado só poderia ter sido uma
repetição dos dias anteriores ao dilúvio, uma era de corrupção universal. Para
preservar os restantes e confundir os propósitos rebeldes dos homens, Deus
confundiu a língua do homem. Isso significa mais do que simplesmente
usarem palavras diferentes para os mesmos objetos. Tal confusão levou à
desconfiança mútua e à destruição da organização de Babel.
Os homens se dispersaram por todas as partes da Terra, mas a qualquer
lugar que fossem, seus líderes imitavam Ninrode, construindo suas próprias
pequenas Babeis, cada um querendo que fosse o centro do mundo. Todo
grupo tribal declarou ser o verdadeiro herdeiro da glória do homem. Aqui
está o ponto inicial para as falsas religiões do mundo antigo, todas variações
do “babelismo”. Cada tribo construiu suas próprias torres, zigurates e
pirâmides. Cada uma tinha seu próprio sacerdócio, que supostamente poderia
se comunicar com os deuses e frequentemente declarava ser descendente dos
deuses. As semelhanças e diferenças das sociedades arcaicas e suas religiões
originavam a Babel.
A dispersão dos homens significava que aqueles que se rebelaram
contra Deus também odiavam uns aos outros, de forma que o reino de
imitação de Satanás não poderia substituir nem superficialmente. O
julgamento de Deus na torre de Babel leva o mundo a uma nova
administração do pacto em que Deus escolheria um povo especial para ser
seu representante sacerdotal entre os homens. Mais uma vez, o julgamento
preparou o caminho para uma nova manifestação da graça.
CAPÍTULO NOVE: O PACTO ABRAÂMICO

O pacto abraâmico revelou o plano da salvação com uma clareza maior


do que antes. Na promessa pós-queda e no pacto com Noé a graça salvadora
de Deus é revelada, mas o plano da salvação ainda é obscuro. Com Abraão, a
promessa do novo pacto é consideravelmente engrandecida, dando uma visão
muito mais clara da futura salvação. Por isso, o pacto abraâmico se tornou o
“pacto de referência” para o restante dos pactos na era do antigo pacto. Os
pactos mosaico, davídico e da restauração são todos explicitamente baseados
no pacto abraâmico. O pacto de Noé e a promessa pós-queda funcionam mais
como um “fundamento oculto”. Eles realmente se referem a isso, mas no
geral indiretamente, fazendo alusão e com linguagem figurativa, com menos
freqüência que no pacto abraâmico.
O novo pacto também aponta especialmente para Abraão. Duas das
mais importantes doutrinas de Paulo proclamam o cumprimento do pacto
abraâmico: a doutrina da justificação pela fé (Rm 4) e a doutrina do dom do
Espírito como a essência da graça do novo pacto (Gl 3). Um terceiro tema
desenvolvido nos escritos de Paulo, a compreensão da Igreja como o novo
povo de Deus, os filhos adotivos de Abraão, é essencial para o entendimento
do novo pacto (Gl 3.7-9, 14, 29). Portanto, entender o pacto abraâmico é vital
para entender toda a Bíblia.

O reino
Antes do chamado de Abraão, o mundo daquele dia, como o mundo de
Noé, não tinha um centro mundial designado por Deus. Faltava também um
sistema sacerdotal unificado. A própria família de Abraão adorava a ídolos
(Js 24.2), mas alguns eram verdadeiros sacerdotes. Havia pelo menos um real
sacerdote de Deus, Melquisedeque, o rei-sacerdote de Salém (Gn 14.18-20) e
provavelmente outros — em um período posterior, Jetro, sogro de Moisés, foi
um verdadeiro sacerdote (cf. Ex 3.1, 18.1-24). As tribos foram espalhadas
pelo mundo como resultado do julgamento de Babel. A multiplicidade de
diferentes línguas e religiões entre eles levou à desconfiança e ao conflito.
Também houve lugares, como Sodoma e Gomorra, em que a depravação
extrema do pré-dilúvio foi vista.
Nessas circunstâncias, Abraão foi escolhido para ser o progenitor da
raça de sacerdotes que culminaria no Salvador do mundo. Desde a época em
que foi escolhido, foi exigido que os homens se relacionassem com Deus por
meio de Abraão. Aqueles que abençoaram Abraão seriam abençoados e
aqueles que o amaldiçoaram seriam amaldiçoados (Gn 12.1-3). Ainda que um
centro do mundo não estivesse estabelecido, um sacerdócio para a
humanidade já estava. Onde Abraão se encontrasse, ele cavava poços e
construía altares (Gn 12.7-8; 13.4; 18; 21.33; 26.15), estabelecendo tais locais
como “santuários”, versões simplificadas do Éden e centros temporários do
mundo. Mais importante, o pacto prometeu a “descendência de Abraão”, o
centro do plano de Deus, que traria bênçãos para o mundo todo.

Os cinco pontos do pacto


1. Com o novo estágio do desenvolvimento pactual, a revelação de
Deus de si mesmo também avançou. Deus se manifesta repetidamente aos
patriarcas e àqueles que são próximos a eles de várias maneiras: de forma
humana (Gn 16.9; 17.1; 18.1; 22.11, 15; 26.2, 24; 32.24; 35.9), em “um
fogareiro fumegante e uma tocha de fogo” (Gn 15.17), em sonhos (Gn 15.1;
20.3; 28.12; 31.11, 24; 35.7; 41.1; 46.2) e pela sua palavra (Gn 12.1; 21.12;
22.1; 25.23; 31.3; 35.1). Além disso, há uma dica da Trindade no Anjo do
Senhor, que é o Senhor, mas aparentemente também se distingue do Senhor
(Gn 16.7; 21.17; 22.11, 15; 24.7, 40; 31.11; 48.16). O nome de Deus é
principalmente “Todo-Poderoso” (Gn 17.1; 28.3; 33.20; 35.11; 43.14; 48.3;
49.24, 25), mas ele também é o Deus que vê (Gn 16.13) e o Senhor que provê
(Gn 22.14).
2. Abraão, Isaque e Jacó, os pais da raça dos sacerdotes, são
naturalmente sacerdotes também (Gn 12.7; 13.4, 18; 22.9; 26.25; 33.20; 35.1,
3, 7). Abraão é também o primeiro homem da Bíblia a ser chamado de
profeta (Gn 20.7) e Isaque e Jacó têm a função profética (cf. Gn 27, 49; Sl
105.15). Como conselheiro do rei e homem que via o futuro em seus sonhos,
José foi o profeta clássico da era. Em um sentido secundário eles também são
reis. Abraão julga reis (Gn 14), Isaque é tão rico e poderoso que um rei
declarou ter medo dele porque seu poder era maior que o do rei (Gn 26.16),
Jacó abençoou o Faraó (Gn 47.7) e José tornou-se governador de todo o Egito
(Gn 41.40). Talvez sua responsabilidade sacerdotal tenha alcançado
consequências mais altas: “em ti serão benditas todas as famílias da terra”
(Gn 12.3; cf. 18.18; 22.18; 26.4; 27.29; 28.14), mas acima de tudo, esses
homens foram os primeiros profetas de Deus em uma nova era de revelação
profética.
3. A lei de Deus foi revelada aos patriarcas em detalhes maiores do que
sabemos. Abraão, por exemplo, ofereceu aves de acordo com as regras
registradas mais tarde em Levítico (cf. Gn 15.10 e Lv 1.17) e Judá conhecia
as leis do Levirato (Gn 38.6). Apesar de Deus ter escolhido Abraão e ter feito
dele o que ele era pela graça, também é verdade que Deus abençoou Abraão
por causa da sua justiça: “Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e
a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e
pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que
tem falado a seu respeito” (Gn 18.19). Quando o Senhor falou sobre isso com
Isaque, ele disse que Isaque seria abençoado “porque Abraão obedeceu à
minha palavra e guardou os meus mandados, os meus preceitos, os meus
estatutos e as minhas leis” (Gn 26.5). Quaisquer que fossem os detalhes
precisos, está claro que Abraão teve uma revelação da lei de Deus e
obedeceu.
4. Abraão foi abençoado por Deus e foi escolhido para ser uma bênção
para o mundo. Como sempre, Deus tomou a iniciativa de dar sua bênção. Ele
chamou Abraão e o selecionou como um canal de bênçãos para o mundo.
Abraão recebeu a bênção pela fé (Gn 15.6) e mostrou a realidade da sua fé
pela obediência (Gn 26.5). Isaque e Jacó também receberam a bênção do
pacto e passaram-na para os filhos de Jacó (Gn 26.3; 27.28; 28.3; 49). O livro
de Gênesis termina com uma imagem profética da bênção do pacto
abraâmico estendida a todas as famílias da Terra: os filhos de Israel vivem na
melhor parte do Egito (Gn 47.6, 11) e José está no trono do Egito provendo
pão para o mundo (Gn 41.57).
5. A promessa de Deus para Abraão é bem conhecida: “De ti farei uma
grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!
Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em
ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.2-3). De qualquer forma,
Abraão não veria essas bênçãos durante a sua vida, ao menos não
completamente. A bênção fundamental do pacto abraâmico foi a final: “em ti
serão benditas todas as famílias da terra”. Paulo estava se referindo a isso
quando escreveu: “Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua
descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a
justiça da fé” (Rm 4.13).
A promessa de que aqueles que abençoaram Abraão seriam abençoados
e aqueles que o amaldiçoaram seriam amaldiçoados significava que, no final,
apenas as nações que acreditassem no Deus de Abraão sobreviveriam, e as
outras desapareceriam. Ao mesmo tempo, é prometido que a benção de
Abraão se estenderia a “todas as famílias da Terra”, ou seja, todo o mundo
deveria ser convertido. Nós não enfrentamos um futuro de muitas nações
desaparecendo gradualmente, e sim de nações se convertendo a Cristo.
Visto que todos os convertidos se tornam filhos de Abraão, abraâmico
herda o mundo por meio da propagação do evangelho, como Paulo explicou:
“Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura
previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a
Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são
abençoados com o crente Abraão, para que a bênção de Abraão chegasse aos
gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito
prometido. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e
herdeiros segundo a promessa” (Gl 3.7-9, 14, 29).

A resposta pactual do homem


Até serem guiados ao Egito no final de Gênesis, os patriarcas foram
fiéis a Deus. Ainda que tenham pecado de alguma forma, foram grandes
líderes de fé. Os filhos de Jacó foram menos impressionantes, mas claramente
se arrependeram também do seu pecado contra José (Gn 42.21) e o livro de
Gênesis termina com todos eles vivendo em harmonia e fé (Gn 50.18-21). No
início de Êxodo, os filhos de Israel são escravizados (Êx 1.8). O Faraó era
certamente ímpio, mas a verdadeira razão para os hebreus serem escravizados
é haverem quebrado o pacto e cometido idolatria (Js 24.14; cf. Lv 17.7),
ficando assim sob a maldição do pacto. Eles tiveram que ser disciplinados por
Deus para serem trazidos de volta para ele. Como antes, a era pactual
terminou em fracasso e pecado no que se refere ao homem, e mais uma vez,
isso levou a uma revelação ainda maior da graça de Deus.

O julgamento pactual de Deus


Deus abençoou os patriarcas pela sua fidelidade e disciplinou-os
quando eles pecaram. Ele os guiou em caminhos misteriosos e operou
milagres maravilhosos neles: “Então, eram eles em pequeno número,
pouquíssimos e forasteiros nela; andavam de nação em nação, de um reino
para outro reino. A ninguém permitiu que os oprimisse; antes, por amor
deles, repreendeu reis, dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem
maltrateis os meus profetas” (Sl 105.12-15). Abraão, Isaque e Jacó
aprenderam sobre o poder e bondade de Deus por meio das suas experiências.
Quando os descendentes deles se afastaram de Deus no Egito, Deus
mesmo os vendeu como escravos — e ele faria isso posteriormente na
história de Israel — para fazer com que voltassem para si mesmo. Em sua
tribulação, os filhos de Israel clamaram a Deus e ele enviou Moisés e Arão
para salvá-los. Deus lhes garantiu um novo pacto com maiores revelações e
maior graça.
CAPÍTULO DEZ: O PACTO MOSAICO

Não foi coincidência que o Egito veio a ser governado por um Faraó
“que não conhecera a José” (Êx 1.8). Assim como a era do pacto noaico
terminou em fracasso e na rebelião da torre de Babel, a era dos patriarcas
também terminou com a rebelião dos filhos de Israel. Moisés não menciona
isso diretamente no livro de Êxodo, mas Josué, em seu último sermão aos
israelitas, lembrando-os que eles serviram outros deuses no Egito (Js 24.14) e
avisando-os que se eles servissem outros deuses novamente, Deus os julgaria
(Js 23.1). Os filhos de Israel tornaram-se escravos no Egito por causa dos
seus pecados. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus.
Deus deu a Israel um novo pacto.
Assim como as administrações dos pactos anteriores, o novo pacto que
foi dado por meio de Moisés não anulou os mais antigos, mas foi construído
sobre eles. A lei de Moisés não era oposta à promessa (Gl 3.17-18). Ela foi
instituída sobre a base da promessa abraâmica a fim de promover a
concretização histórica dessa promessa (Êx 2.24; 6.8; Lv 26.42; Dt 1.8; 6.10;
9.5; 29.13; 30.20).
Ele era, além disso, o primeiro pacto em um novo ciclo de pactos. O
pacto adâmico foi sacerdotal, o noaico foi real e o abraâmico foi profético. O
ciclo começou mais uma vez com o pacto mosaico, o novo pacto sacerdotal
que trouxe maior graça do que já havia sido visto em qualquer um desde a
queda. Deus habitaria novamente com o homem. Um novo santuário e o
acesso ilimitado ao mesmo foram a essência da graça de Deus garantida na
lei de Moisés. Não foi o ofício de profeta ou rei que constituía o centro da
administração mosaica; o tabernáculo com seus levitas, sacerdotes e o
sistema sacrificial eram o centro.

O reino
Pela primeira vez na história desde a queda o povo de Deus garantiu
sua própria terra separada e um santuário. Não havia reino estabelecido pela
administração de Moisés, ainda que as leis que anteciparam um reino futuro
fossem parte da lei (Dt 17.14-20). A maior ênfase da lei é sacerdotal, não
política. Atenção especial é dada à construção do tabernáculo (Êx 35-40), os
sacrifícios e leis de pureza (Levítico). Deus lida com Israel como uma nação
sacerdotal (Número) e os abençoa quando eles o adoram em verdade
(Deuteronômio).
O sistema de adoração do tabernáculo, incluindo os levitas e
sacerdotes, são a preocupação central da lei e a característica mais importante
da nova situação pactual. O sistema levítico incluía primeiramente o ofício de
sacerdote, mais importante na administração mosaica do que o ofício de rei,
ainda não estabelecido contudo, ou de profeta, uma figura ocasional, não um
ofício permanente. Sacerdotes, como juízes da suprema corte, lidavam com
casos difíceis que as cortes locais não lidavam (Dt 17.8-13). Questões de
pureza ritual, uma preocupação maior da lei, eram todas julgadas por
sacerdotes (Lv 13) e o sistema sacrificial, o verdadeiro centro da lei, também
estava comprometido com os sacerdotes. Eles também foram importantes na
administração do sistema de bem-estar de Israel (cf. Dt 14.28-29; 26.12).
Um importante aspecto da lei frequentemente esquecido é a provisão às
cidades levíticas. Em vez de receber terras cultiváveis como as outras tribos,
os levitas receberam quarenta e oito cidades (Nm 35.1-5). Essas cidades
seriam centros culturais e comerciais de educação, música e direito. As seis
cidades mais importantes do período de Moisés foram as seis cidades de
refúgio, que teriam significado especial como lugares de julgamento em
adição ao seu significado normal, como as cidades levitas (Nm 35.6-8, cf. Js
20.1-9). A localização central e acessibilidade dessas seis cidades em
particular e as cidades levitas em geral, indica a intenção da lei para a cultura
israelita para ser claramente levita e bíblica. Israel, a nação dos sacerdotes,
seria sacerdotal na sua vida cultural.

Os cinco pontos do pacto


Deus revelou sua glória a Israel no Monte Sinai em um esplendor
assustador (cf. Dt 5.1-5, 23-29), dando a eles os Dez Mandamentos, a
essência do “novo pacto” mosaico. A libertação do Êxodo como um
cumprimento da promessa de Abraão de que seus descendentes seriam
trazidos de volta à terra de Canaã (Gn 15.13-16) foi uma nova revelação do
caráter de Deus. Abraão e os outros patriarcas conheciam o Senhor como El
Shaddai, o Deus de poder, mas não viveram para vê-lo manter sua promessa
do pacto de dar a terra de Canaã à descendência de Abraão. Deus se revelou
como Senhor a Moisés e Israel do seu tempo, de maneira que o significado
completo do nome pactual de Deus foi manifestado como nunca havia sido
antes (Êx 6.2-8; 34.5-7).
A lei falava dos profetas (Dt 18.9), reis (Dt 17.14) e sacerdotes,
principalmente dos sacerdotes. Deus estabeleceu limites para a terra e um
sistema de cidades, cortes, adoração e bem-estar. Israel tinha uma
“constituição” dada por Deus para direcioná-lo no seu ofício sacerdotal para
o mundo. A família era fortalecida enquanto instituição por um presente da
terra, que não poderia ser tomada por fronteiras ou impostos e por limites de
autoridade dos magistrados e sacerdotes.
Pela primeira vez na história a autoridade dos sacerdotes e reis é
claramente dividida. O sacerdócio pertence à tribo de Levi, nenhuma outra
tribo poderia assumir legitimamente os privilégios garantidos a ela. Os
profetas podem ser de qualquer tribo e apesar de serem apenas ofícios
ocasionais, eles tinham uma autoridade especial transcendendo sacerdotes e
reis se necessário, ainda que tanto os sacerdotes quanto os reis pudessem ser
profetas. Os reis viriam eventualmente da tribo de Judá (Gn 49.8-12; cf. Nm
24.17). Desse ponto em diante, portanto, homem algum poderia ser ao
mesmo tempo sacerdote e rei.
A revelação dada nos Dez Mandamentos e no comentário das leis
casuísticas (Êx 21-24; Dt 6-26), que expunham o significado religioso, civil e
cultural mais completo dos Dez Mandamentos, deu a Israel uma ética distinta
que seria a essência da sua sabedoria nesse mundo (Dt 4.5-6). A lei era uma
unidade. O real significado dos Dez Mandamentos não poderia ser visto à
parte das aplicações mais amplas dadas nas leis detalhadas de Êxodo a
Deuteronômio. Em particular, o sistema sacrificial estabelecido em Levítico
expôs a ordem de cultuarmos no segundo mandamento, o que significa
honrar o nome de Deus na adoração, o terceiro mandamento, e como guardar
o Sabá.
A lei revelou a justiça de Deus em seus mandamentos e sua graça em
seus sacrifícios. Isso ultrapassou todas as revelações prévias. Israel recebeu
uma revelação ética — sacerdotal na sua preocupação principal, mas
aplicável a cada aspecto da vida — que o guiaria em sabedoria de modo que
ele pudesse conduzir o mundo a Deus (Dt 4.1-8).
4. Como qualquer outra administração pactual, a lei de Moisés incluía a
ameaça da maldição por desobediência e a promessa da bênção por
obediência, mas não era e não poderia ser um pacto “legalista”. A
interpretação da lei feita pelos fariseus era que Jesus e Paulo haviam ensinado
claramente uma perversão do significado verdadeiro. A lei foi dada como
uma bênção para Israel a fim de conduzi-la no caminho da alegria,
prosperidade e paz (Dt 6.10-11, 24; 8.7; 10.13; 12.7, 12, 18; 14.26; 16.11, 14,
15; 26.11; 29.9; 30.5, 9, 15). A maior bênção da lei foi o tabernáculo, dado
por Deus como um santuário, sua moradia entre seu povo. A promessa do
pacto de que Deus estaria com seu povo cumpriu-se na dádiva do santuário-
tabernáculo. Contudo, isso também era claramente temporário, visto que a lei
apontava para um santuário mais permanente a ser estabelecido no futuro, em
um local não especificado (Dt 12.5, 11, 14, 18, 21, 26; 14.23-25; 16.11, 15,
16; 17.8, 10; etc).
É claro que a lei de Moisés também incluía a maldição. Ainda que a lei
fosse uma bênção para o povo e uma manifestação de graça, nesse ponto da
história ela também foi a revelação mais enfática da justa ira de Deus contra o
pecado já dada ao homem. A definição profunda de pecado e a punição justa
exigida pela lei pretendiam impressionar os israelitas com sua necessidade da
graça de Deus. Além disso, a lei advertia repetidamente que se Israel se
afastasse dos caminhos de Deus, ela seria rejeitada da sua posição de
liderança e privilégios pactuais (Dt 28.15 ss.).
Mas isso não é “legalismo” por qualquer definição razoável. A
maldição da lei é aplicada àqueles que não perseveram no relacionamento da
bênção que o pacto estabeleceu. Em outras palavras, a maldição é aplicada
àqueles que rejeitam a bênção do pacto, visto que o pacto é um
relacionamento de via dupla. O que deve ser entendido com clareza é que a
maldição e a bênção não são colocadas diante de Israel como dois possíveis
destinos iguais que ele escolhe por livre vontade ou determina por suas obras.
Israel foi abençoado por Deus. Foi assim que começou sua vida pactual com
Deus. A bênção do pacto seria dada se Israel perseverasse nele, ou seja, se
respondesse ao amor de Deus com amor. Mas, a maldição advertia, se traísse
esse amor, Israel herdaria a ira de Deus.
5. A lei estabeleceu um sistema elaborado para a continuação do
sacerdócio e a herança da terra. O mais importante é enfatizado na
preocupação central da herança — a herança de fé — ordenando que os pais
educassem seus filhos no pacto, incluindo seu dever como uma expressão da
lealdade e amor dos pais a Deus. “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o
único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno
estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado
em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.4-
7).
Israel recebeu a terra de Canaã como sua herança pactual, mas o que
foi dado como um presente da graça e recebido pela fé tinha que ser
conquistado por obras difíceis da fé. Foi exigido que Israel lutasse por sua
herança, mas a batalha foi do Senhor. Ele lhes daria a vitória. Não só foi
prometida a Israel a terra de Canaã, Deus reafirmou a promessa de Abraão do
domínio evangélico (baseado no Evangelho) mundial. Se guardasse o pacto,
Israel conduziria as nações do mundo a bênçãos e, ao trazer bênçãos ao
mundo todo, herdaria a terra (cf. Dt 4. 6-8; 28.1, 7, 10, 13).

A resposta pactual do homem


Apesar de Israel ter tido um início ruim, a próxima geração sob a
liderança de Josué conquistou a maior parte da terra de Canaã e começou a
estabelecer uma nação temente a Deus com a lei pactual dele servindo como
a lei acima da lei. Após a morte de Josué, a rebeldia repetitiva trouxe a
disciplina pactual repetitiva. Israel não prestou atenção ao aviso final de
Josué (Js 24). Israel contraiu matrimônio misto com nações não cristãs e caiu
na idolatria (Jz 2.1-3; 11-15). Por meio do compromisso espiritual ele
contestou sua própria autoridade como nação sacerdotal de Deus e foi
vendido como escravo, assim como aconteceu no Egito.
Quando Israel clamou a Deus, ele enviou salvadores, juízes para
libertá-lo dos seus inimigos (Jz 2.16-18). Portanto, períodos de fidelidade
relativa foram seguidos por períodos de rebeldia em ciclos de pecado,
julgamento e arrependimento até o tempo de Samuel, quando um tipo de
julgamento final foi trazido sobre a nação. Saul foi dado como uma espécie
de “juiz permanente”, mas ele também, como a nação que conduziu, se
afastou de Deus e trouxe julgamento sobre si mesmo e sobre o seu povo.

O julgamento pactual de Deus


A bênção suprema do pacto mosaico, o tabernáculo, foi destruída
depois que Israel trouxe a arca de Deus para a batalha, como se ela tivesse um
poder mágico para lhe dar vitória (1Sm 4). Deus entregou a arca, o símbolo
da sua presença, nas mãos dos filisteus (1Sm 4.11). Com efeito, o próprio
Deus foi para o cativeiro no lugar do seu povo, trazendo julgamento para seus
inimigos, bem como disciplina do pacto em Israel (1Sm 5.1; 6.18). Assim
como os egípcios antes deles, os filisteus foram aterrorizados com o
julgamento de Deus e enviaram a arca de volta para Israel. A arca, então, saiu
do “cativeiro” com o ouro dos filisteus, como Israel saiu do Egito com
espólios.
Mas o sistema do tabernáculo nunca voltou ao “normal”. A arca foi
separada do tabernáculo e jamais se uniram novamente. O sistema mosaico
terminou com a destruição do seu centro. Além disso, a exigência prematura
de Israel por um rei, motivada pelo seu desejo de ser “como as nações” (1Sm
8.5) conseguiu um rei para eles, que era verdadeiramente como os reis das
nações e uma reflexão sobre a sua desobediência nacional. A loucura de Saul
atingiu seu clímax no assassinato de Abimeleque e dos sacerdotes de Nobe
(1Sm 22.16-19). Apesar de ele ter preparado o caminho para o próximo
reinado do pacto, Saul atraiu a ira de Deus com a sua rejeição do pacto. Israel
não manteve o pacto melhor que Saul. O pecado mais grave, que arruinou
Israel mais que qualquer outra coisa, foi o pecado de Eli e seus dois filhos,
que mancharam o sacerdócio (1Sm 3.11). A nação de sacerdotes falhou na
sua responsabilidade central, mas Deus permaneceu fiel. Ele continuaria
manifestando sua graça ao dar a eles um novo pacto com um novo rei.
CAPÍTULO ONZE: O PACTO DAVÍDICO

Assim como o povo de Deus foi oprimido por um Faraó “que não
conhecia José” no fim da era patriarcal, eles também foram oprimidos por um
rei que aparentemente não conhecia o Senhor no fim da era mosaica. Saul era
uma figura transitória — o primeiro rei de Israel, e mesmo assim, por causa
do seu pecado, não era um verdadeiro rei — não tão mau como o Faraó de
muitas formas, mas sob outra perspectiva, ainda pior que Faraó, pois pecou
contra uma luz maior. Além disso, como rei de Israel ele massacrou oitenta e
cinco sacerdotes e destruiu a cidade de Nobe, matando homens, mulheres e
crianças em Israel (1Sm 22.18-19), apesar de ter tido misericórdia do rei
pagão Agague (1Sm 15). Ele também procurou destruir Davi, que ele sabia
ser o ungido de Deus.
Foi apenas com Davi que Israel teve um rei verdadeiramente do
Senhor, um homem “segundo seu próprio coração” (1Sm 13.14), alguém para
quem o Senhor deu um novo pacto. O novo pacto de Deus com Davi não
anulou a lei de Moisés ou a promessa a Abraão. Pelo contrário, ele ampliou e
cumpriu ambos, especialmente em três questões: a conquista final da terra, o
estabelecimento do reino hereditário e a provisão de um novo lugar de
adoração. A primeira dessas é frequentemente esquecida, ainda que a
Escritura chame atenção especificamente para isso. Deus disse a Abraão:
“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua
descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates”
(Gn 15.18). Finalmente, após centenas de anos, a promessa foi cumprida:
“Dominava Salomão sobre todos os reinos desde o Eufrates até à terra dos
filisteus e até à fronteira do Egito; os quais pagavam tributo e serviram a
Salomão todos os dias da sua vida” (1Rs 4.21).
O reinado foi mencionado na lei de Moisés, mas não foi dado rei
algum. Isso acontece em parte por causa da maldição de Deus na
descendência de Judá, cuja maioria eram filhos de bastardos (cf. Gn 38), e
portanto, não estavam qualificados para o reinado até a décima geração (cf.
Dt 23.2). Mesmo se a família de Judá estivesse qualificada, Israel não estava
maduro o suficiente para a instituição do reinado durante a era mosaica.
Somente quando se desenvolveu, cultural e espiritualmente, seriam
estabelecidos o reinado, o governo centralizado e um lugar central de
adoração.
Além disso, o mesmo pacto que estabeleceu a família de Davi como
família real, também deu a Israel um lugar central de adoração, a cidade de
Davi, Jerusalém. A lei de Moisés faz alusão a um santuário principal, mas só
com o pacto davídico ele foi realmente providenciado. Planejado por Davi e
construído por Salomão, o sistema do templo trouxe mudanças importantes
na lei e na adoração de Israel. Novamente, isso é frequentemente esquecido.
Os aspectos cerimoniais do sistema mosaico, com exceção dos detalhes
éticos, são mudados consideravelmente para se adequarem à situação do novo
pacto.
Em adição ao cumprimento de certas promessas dos pactos abraâmico
e mosaico, mais adiante o pacto de Davi desenvolveu o aspecto mais
importante do pacto, a doutrina do Messias. O pacto abraâmico tinha
prometido que a descendência de Eva que salvaria o mundo seria da família
de Abraão. A profecia de Jacó indicou a tribo de Judá (Gn 49.8-11). O pacto
mosaico previu um profeta como ele (Dt 18.15). Agora o novo pacto real
desenvolveu a promessa declarando que o Messias seria um descendente real
de Davi por meio do seu filho Salomão (2Sm 7.8-29; Sl 89).

O reino
Nos dias de Davi e Salomão o mundo destruído pelo dilúvio de Noé foi
finalmente reconstruído. Mais uma vez havia um santuário no centro do
mundo onde os homens poderiam ir para adorar a Deus. Aparentemente Davi
entendeu do livro de Gênesis que Jerusalém, o lar de Melquisedeque, rei-
sacerdote, como o Messias, deveria ser a cidade certa para ser o templo de
Deus (cf. Hb 7 e Sl 110, escrito por Davi). Na cidade santa o rei habitava
perto da casa de Deus, trazendo a ideia de que o rei humano é uma
representação do rei divino. Havia uma terra sagrada ao redor do santuário
pela qual a influência do lugar santo deveria fluir para todo o mundo. Com o
restabelecimento da divisão tríplice de santuário, terra e mundo, o mundo foi
finalmente reconstruído. A destruição do dilúvio foi superada pela graça de
Deus.
A provisão de um rei para governar a terra santa e para servir como um
símbolo e representação do rei celestial evidenciou o crescimento do pacto. O
reino de Deus era muito mais visível e poderoso nos dias de Salomão do que
tinha sido desde a queda.
Davi, um rei piedoso, era naturalmente responsável por promover a
reconstrução do sistema de adoração que tinha ruído por causa do pecado do
sacerdote Eli, que desonrou Deus ao não disciplinar seus filhos ímpios (1Sm
2.22-36; 3.11-14). Deus garantiu graciosamente a Davi a honra de preparar a
construção da sua casa e ao filho de Davi a bênção de construir o santuário do
novo templo, um modelo de Éden mais maduro e glorioso que o tabernáculo.
Deus também dirigiu Davi e Salomão a mudarem o sacerdócio para se
adequarem à situação do novo pacto (cf. Hb 7.12). Primeiramente Davi
replanejou o sacerdócio ao nomeá-los para servirem o templo em turnos (1Cr
23-24; 28.11-13; 20-21). Em segundo lugar, Salomão expulsou o sumo
sacerdote Abiatar e nomeou Zadoque em seu lugar, em cumprimento da
profecia contra a casa de Eli (1Rs 2.27, 35).
Um novo templo no centro da terra que foi prometida a Abraão e um
rei glorioso para representar o verdadeiro Deus: essa é a situação do reino nos
dias de Davi e Salomão. Israel estava no auge do seu poder e glória quando
Deus graciosamente cumpriu as promessas do pacto que ele fez aos seus pais.

Os cinco pontos do pacto

1. Transcendência: quando Davi derrotou seus inimigos e estabeleceu


sua autoridade, ele chamou o profeta Natã e declarou sua intenção de
construir uma casa para Deus. Mas Deus tinha um plano diferente. Ele
construiria uma casa para Davi: “Porém a tua casa e o teu reino serão
firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre”
(2Sm 7.16). Deus tomou a iniciativa de colocar Davi como líder da dinastia
de reis que culminaria em Cristo, o Messias, Rei dos reis e Senhor dos
senhores.
2. Hierarquia: Davi e sua descendência foram estabelecidos como
líderes representantes humanos do reino de Deus. O sistema levítico,
estabelecido pela lei de Moisés, continuaria a funcionar, ainda que fosse
modificado para se adequar à situação do novo reino e à nova casa de Deus.
Vinte e quatro séries de sacerdotes foram nomeados para servirem o templo
em turnos. O sumo sacerdócio foi tirado da família de Eli e dado a Zadoque,
de acordo com a palavra profética de julgamento dita por meio de Samuel.
O sistema de herança de famílias e terras permaneceu como era sob a
lei de Moisés, ainda que no tempo de Davi, com o aumento da população
rural, a migração natural de famílias das fazendas e vilas para cidades
maiores deve ter começado. A cultura religiosa alcançou seu auge com Davi
e Salomão. Posteriormente, quando o reino do norte se afastou de Deus nos
dias de Jeroboão e depois disso, as famílias devotas do norte foram
transferidas para o sul, preservando um remanescente de cada tribo.
O reino de Israel era governado por um rei dado por Deus, que ainda
que tenha cometido vários pecados sérios contra Deus, buscou sinceramente a
glória de Deus e o crescimento do seu reino. O rei Davi e seu filho, Salomão,
foram profeticamente inspirados a escrever a Sagrada Escritura segundo suas
disposições particulares e dons: Davi, Salmos, e Salomão, a literatura sobre
Sabedoria.
3. Ética: A lei de Deus dada por meio de Moisés foi significativamente
modificada. Um novo santuário em um lugar fixo com uma nova família
como sumo sacerdotes não são mudanças pequenas. Um coro também foi
nomeado. De qualquer forma, nos seus aspectos civis, houve poucas
mudanças na lei de Moisés. O rei, como juiz supremo da terra, deveria
manifestar o espírito da lei no seu governo, para que a lei se tornasse mais
clara para o povo de Deus através dos tempos. Davi comeu dos pães da
proposição, que eram reservados somente para os sacerdotes, um ato aparente
de desobediência que Deus não só abençoou, mas nosso Senhor ensinou aos
fariseus o verdadeiro significado da lei (Mc 2.25-27). Salomão, o juiz
supremo da terra demonstrou sabedoria na aplicação da lei de Deus, tanto que
a rainha de Sabá viajou a Jerusalém para encontrá-lo.
4. Juramento: O rei em Israel representava Deus para o povo, assim
como o profeta e o sacerdote. Assim como Deus lidou com a terra
primeiramente por meio dos sacerdotes durante a era sacerdotal de Moisés,
ele também lidou com ela por meio dos reis ao longo da era real de Davi.
Quando os reis eram justos, eles traziam bênçãos de Deus para toda a nação,
e quando pecavam, traziam maldições. O pecado de Davi ao contar o seu
povo não foi visto como um pecado particular (2Sm 24), nem o pecado
idólatra de Salomão (1Rs 11). Contudo, os reis de Judá eram frequentemente
melhores que seu povo, raramente piores! Quanto mais a nação se tornava
corrupta, o povo era amaldiçoado com governantes maus, cujo caráter e
moral refletiam o caráter do povo.
5. Sucessão: O ofício do rei deveria ser herdado pelos descendentes de
Davi, sucedendo no Messias. Mas a idolatria de Salomão destruiu o reino
unido, dividindo a terra em norte e sul. O reino do norte adorou desde o
princípio o Deus verdadeiro de Israel por meio de um ídolo, como fizeram os
israelitas no deserto. Eles por fim caíram nas formas mais grotescas de
perversidade idólatra. O norte nunca desfrutou sequer de um rei piedoso. O
reino do sul, pela graça de Deus, teve alguns reis piedosos, mas no fim, foi
sobrepujado com iniquidade e idolatria piores que do norte. Por causa dos
seus pecados, a casa de Davi parecia ter perdido a promessa messiânica. Deus
amaldiçoou a linhagem real, jurando que nenhum dos descendentes de Conias
jamais governaria a terra (Jr 22.28-30). A herança do reino foi perdida,
aparentemente para sempre.

A resposta pactual do homem


A mesma história de rebeldia e julgamento seguida de arrependimento
que nós vimos nas eras anteriores ocorreu durante o período da monarquia. O
próprio Davi pecou cometendo adultério com Bate-Seba e matando Urias, o
heteu. Mesmo ele tendo se arrependido, mais tarde ele pecou ao recensear seu
povo. Salomão pecou casando-se com mulheres não cristãs, que o afastavam
de Deus. Então, o filho do rei mais sábio de Israel, ouvindo os conselheiros
jovens em vez dos homens mais velhos e sábios, tolamente insistiu na sua
autoridade quando deveria ter sido gracioso (1Rs 12). Por causa do pecado e
loucura, o reino foi dividido em dois: Israel e Judá.
A história remanescente de ambos os reinos é de apostasia progressiva.
Tanto Israel no norte quanto Judá no sul se afastaram de Deus: Israel
rapidamente após a divisão do reino, Judá mais gradativamente depois de um
longo período de tempo. No fim, eles eram o mesmo. Ambos se tornaram
apóstatas, reinos idólatras que trouxeram sobre si mesmos a ira de Deus.

O julgamento pactual de Deus


Deus retirou o status de Israel como reino independente. Nunca mais
ele recuperou a glória do reino de Salomão. Levado em cativeiro para a
Assíria, os apóstatas do reino do norte desapareceram da história. O reino do
sul foi levado à Babilônia por setenta anos, mas pela graça de Deus, Judá —
cujo tempo de exílio já incluía em seus limites um remanescente de todas as
doze tribos —, teve permissão para retornar à terra e reconstruir o templo. O
povo de Deus quebrou uma vez mais o pacto, mas a graça de Deus o trouxe
de volta para a terra para lhe dar um novo e mais glorioso começo.
CAPÍTULO DOZE: O PACTO DA RESTAURAÇÃO

Os setenta anos em cativeiro foram a disciplina de Deus pela


negligência de Israel à sua lei, particularmente em relação ao ano sabático
(2Cr 36.21). Esse foi precisamente o julgamento de que ele foi prevenido na
lei de Moisés:
Se ainda assim com isto não me ouvirdes e andardes contrariamente comigo, eu
também, com furor, serei contrário a vós outros e tornarei a castigar-vos sete vezes
mais por causa dos vossos pecados. (Lv 26.27-28)
Assolarei a terra, e se espantarão disso os vossos inimigos que nela morarem.
Espalhar-vos-ei por entre as nações e desembainharei a espada atrás de vós; a vossa
terra será assolada, e as vossas cidades serão desertas. Então, a terra folgará nos seus
sábados, todos os dias da sua assolação, e vós estareis na terra dos vossos inimigos;
nesse tempo, a terra descansará e folgará nos seus sábados. Todos os dias da assolação
descansará, porque não descansou nos vossos sábados, quando habitáveis nela. (Lv
26.32-35)
A transgressão do descanso começou aparentemente no tempo da
construção do templo de Salomão, indicando o fracasso de Israel em seguir a
lei desde o começo da era do reino. Novamente, onde abundou o pecado,
superabundou a graça de Deus ainda mais. Ao fim dos setenta anos de
cativeiro profetizados por Jeremias (Jr 25.11-12; 29.10), Deus levantou um
Messias gentio, como prometeu em Isaías (Is 44.28-45.4). Ciro, o persa,
derrotou a Babilônia e pronunciou o decreto que restaurou Israel à sua terra
(Es 1.1-4).

O reino
O período de restauração é a última era da história de Israel como povo
de Deus e o período climático do antigo pacto. O reino de Deus cresceu além
de Israel e se espalhou pelas nações, que são as protetoras apontadas por
Deus para o seu povo sacerdotal. A perda de independência de Israel e a
submissão aos poderes gentios não foi um movimento negligente no
programa do reino de Deus. Abraão foi escolhido por Deus de modo que por
meio dele todas as nações do mundo pudessem ser abençoadas (Gn 12.3). Na
era da restauração, isso foi cumprido mais que em qualquer outra época da
história de Israel. Com a dispersão, os judeus se espalharam por todo o
mundo e trouxeram com eles o conhecimento do verdadeiro Deus.
Ainda que Daniel tenha passado a maior parte de sua vida servindo ao
Deus da Babilônia durante o tempo do cativeiro, ele ainda é uma boa imagem
da era da restauração, pois serviu também a “Dario, o medo”. O trabalho de
Daniel era o de aconselhar, ele era o conselheiro supremo do rei da Babilônia
e então dos sátrapas e presidentes do reino da Pérsia (Dn 6.1-3). O rei
pretendia essencialmente designar Daniel como governador da Pérsia, como
José foi no Egito: “e o rei pensava em estabelecê-lo sobre todo o reino” (Dn
6.3). Esse não foi um chamado secular. Aconselhar o rei e o auxiliar nos
negócios diários do governo era uma das funções de um profeta, como por
exemplo, o profeta Natã fez com Davi (cf. 2Sm 7).
Em outras palavras, durante a era da restauração, Israel enquanto nação
não tinha mais poder civil, mas ele foi nomeado por Deus para servir como
uma testemunha profética para o mundo. Era habilidade profética de Israel
dar conselhos religiosos aos líderes dos impérios Babilônico, Persa, Grego e
Romano, que o protegeram e apesar da sua posição no império, espalharam o
conhecimento do verdadeiro Deus. A era final da história de Israel foi uma
era profética em que a palavra de Deus foi mais abrangente que em qualquer
época da história de Israel.
Seu novo templo em Israel carecia da glória do templo de Salomão (cf.
Ag 2.3), mas como era apropriado para um povo profético em uma época
internacional, seu novo templo real era o templo “celestial” que foi revelado a
Ezequiel (40-48). Os judeus dessa época receberam uma visão gloriosa da
adoração de Israel e seu significado global que explicitou o propósito do
tabernáculo e do templo. Por meio da adoração ao verdadeiro Deus, a nação
sacerdotal deveria trazer bênçãos para todos os homens.

Os cinco pontos do pacto


1. Transcendência: a soberania de Deus controlando as nações foi
revelada nesse período do antigo pacto mais que em qualquer outro. Daniel
previu toda a história do mundo desde a época da Babilônia até os tempos do
estabelecimento do reino do Messias (Dn 2.27; 7.1). Os reinos desse mundo
estavam claramente nas mãos dele e ele estava guiando a história de acordo
com sua vontade. Para os judeus enquanto nação, essa maior revelação do
reinado de Deus foi importante pois aparentemente eles estavam nas mãos de
governadores incrédulos nesse período. Mas o fato de que Deus predisse a
história de toda a era desde o começo colocou tudo isso numa luz diferente.
Os judeus aprenderam que “como ribeiros de águas assim é o coração do rei
na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21.1).
2. Hierarquia: o governo civil foi tomado dos judeus e dado aos
impérios gentios, mas os gentios foram designados como protetores, não
como perseguidores. Enquanto os judeus fossem fiéis a Deus eles
perceberiam que os governantes gentios os favoreciam em relação a outras
nações, como, por exemplo, o rei da Pérsia que favoreceu os judeus nos dias
de Esdras, Neemias, Ester e Mordecai. O templo tinha um novo sacerdócio
examinado e aprovado por Esdras (Es 2.62). Jerusalém foi reconstruída não
mais como um centro civil, mas como o centro do mundo para a adoração do
verdadeiro Deus, o que é muito mais importante. Além disso, perto do início
dessa era os escribas e fariseus aparentemente desenvolveram um ministério
de lei “profético” para ensinar ao povo a palavra de Deus. No princípio eles
eram, sem dúvida, fiéis a Deus.
3. Ética: a lei civil dada a Israel por meio de Moisés não podia mais ser
aplicada literalmente, pois os judeus deveriam se conformar às ordens civis
do império. O exemplo mais óbvio de leis que tiveram que mudar foram os
regulamentos de Moisés concernentes ao rei, mas outras leis também foram
afetadas. Em alguns casos, isso pode incluir a definição de crime, já em
outros pode ser a imposição de um julgamento diferente daquele especificado
na lei de Moisés. Nós sabemos, por exemplo, que os judeus sujeitos aos
romanos não tinham permissão para executar criminosos e o pecado da
idolatria não foi definido como um crime contra o Estado. As leis territoriais
também tinham que ser modificadas, pois após o retorno do exílio nem todas
as famílias podiam provar suas identidades e, sem dúvida, muitas das famílias
originais não existiam mais. Além disso, diferentes limites e claramente a
divisão das terras nos dias de Josué já não seriam mais relevantes. Em suma,
várias mudanças das leis civis e sociais foram exigidas, mas a essência da lei,
a exigência justa desta, permaneceu imutável.
4. Juramento: durante essa era os líderes mais evidentes da nação eram
os profetas e os mestres da Escritura: os escribas e os fariseus. Se esses
homens fossem fiéis a Deus, teriam conduzido a nação com justiça e o reino
dos gentios mostraria favor aos judeus, que é o que nós vemos nos livros de
Esdras, Neemias e Ester. A soberania de Deus levou os reis da Pérsia a
mostrarem bondade especial ao povo judeu. Os judeus seriam abençoados por
Deus enquanto mantivessem sua lei e se submetessem à autoridade dos
gentios, que Deus colocou sobre eles. Durante grande parte dessa era os
judeus eram oprimidos, não por causa da loucura dos impérios dos gentios,
mas por causa da sua própria infidelidade a Deus.
5. Sucessão: a promessa de Adão de bênção global não seria impedida,
e sim facilitada pelo fato de que os judeus estavam sob o governo dos
impérios gentios. Mais do que em qualquer outra época da sua história, os
judeus tiveram oportunidade de comercializar e viajar, espalhando o
conhecimento de Deus nas terras dos gentios. Não é coincidência que as
reformas das religiões do mundo ganharam espaço nesse período. As
mudanças nas religiões da Grécia, Índia e outras nações podem ter sido
impostas, pelo menos em parte, pela influência dos embaixadores enviados
por Daniel da corte da Babilônia, comerciantes do império Persa e outros
judeus, que trouxeram o conhecimento do verdadeiro Deus com eles por onde
fossem.
Mas Paulo se queixa de que os judeus falharam em sua missão como
embaixadores do reino de Deus: “Se, porém, tu, que tens por sobrenome
judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus... Tu, que te glorias na lei,
desonras a Deus pela transgressão da lei? Pois, como está escrito, o nome de
Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa” (Rm 2.17, 23, 24). No
fim dessa era em vez de herdar o mundo, os judeus, ganharam para si
mesmos ignomínia por causa da sua hipocrisia.

A resposta pactual do homem


Os judeus rejeitaram a graça do pacto de Deus nessa era como fizeram
nas anteriores. Assim como em cada era do antigo pacto, os filhos de Adão
imitaram seu pai na carne. Nos tempos do império romano, eles sofreram
novamente no cativeiro de um poder estrangeiro. Mas a pecaminosidade do
homem alcançou um nível alto na era da restauração, pois no fim dessa era o
Messias apareceu. Jesus Cristo, a encarnação de Deus, que veio para salvá-
los, viveu entre os judeus por 30 anos e ministrou-lhes por três anos. Sua
reação à graça de Deus era clara: eles odiavam o Salvador com paixão. E os
oponentes mais entusiásticos de Cristo eram os líderes do povo, em particular
os escribas e os fariseus, mas também os sacerdotes, visto que eles
expuseram sua hipocrisia e maldade.
A principal acusação de Jesus contra os fariseus e escribas é de que eles
se afastaram da Bíblia e a substituíram por tradições humanas. Eles
declararam que a autoridade de Deus por tradições foi adicionada à palavra
de Deus. Declararam ainda ser os verdadeiros intérpretes da palavra de Deus,
mas distorceram seu significado para seu próprio proveito: “Ai de vós,
escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato,
mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança” (Mt 23.25).
Quando os judeus entregaram Cristo para os romanos, para que fosse
morto, até mesmo Pilatos sabia que eles odiavam Jesus por causa de inveja, e
não por causa de qualquer crime que ele tenha cometido (cf. Mt 27.18).
Portanto, dada a escolha entre Barrabás, um criminoso, e Cristo, eles
preferiram Barrabás (Mt 27.20-22), uma decisão que manifestou
perfeitamente os padrões espirituais da nação. No final, o povo como um
todo, e não só os líderes, tomaram a responsabilidade pela morte de Jesus: “E
o povo todo respondeu: Caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos filhos”
(Mt 27.25)! Essa foi a rejeição final da graça de Deus e a manifestação
completa do pecado do homem. Nada em toda a História do mundo exibiu
tão claramente a verdade do que a essência do pecado do homem é o ódio a
Deus (cf. Rm 8.7).

O julgamento pactual de Deus


O julgamento de Deus contra o pecado dos judeus começou com a
ressurreição de Cristo, pois a ressurreição coloca a avaliação de Deus a
respeito de Cristo contra aquela dos judeus. A morte não poderia conter
Jesus, pois ele era o Filho de Deus sem pecado. A ressurreição deixou claro
para o mundo que Jesus foi aprovado por Deus e obteve vitória sobre o
pecado e a morte. Então, o julgamento de Deus começou com vindicação. Ele
ergueu Jesus da morte e o colocou à sua destra, concedendo ao Jesus
desprezado e rejeitado todo o poder no céu e na terra.
O homem que foi crucificado como rei dos judeus foi exaltado e se
tornou Rei dos reis e Senhor dos senhores (Ap 19.16).
A bênção de Deus no ministério dos apóstolos, fazendo milagres por
meio deles e defendendo suas afirmações como porta-vozes do verdadeiro
Deus e Messias, é outro aspecto do julgamento pactual de Deus. Pois esse foi
o início da criação de um novo Israel, uma nova descendência de Abraão que
seria nascida do Espírito, não da carne. Isso também significa uma nova lei,
um novo sacerdócio e um novo templo.
Mas antes que a Igreja pudesse ser totalmente estabelecida, o
julgamento pactual de Deus daqueles que foram responsáveis pela rejeição do
Messias teve que ser finalizado. Tal julgamento seria cumprido na destruição
de Jerusalém, que Jesus predisse que tomaria lugar durante a geração em que
ele morreu (Mt 24.34). Dentro de quarenta anos, em 70 d.C., Deus trouxe o
exército romano para Jerusalém, da mesma forma que trouxe os babilônios
em 605 a.C. e mais tarde, em 597 e 587 a.C. Os romanos destruíram a antiga
Jerusalém e seu templo, trazendo um julgamento final para o povo do antigo
pacto e trazendo um fim definitivo para a era do antigo pacto.
Mesmo desde o julgamento, os descendentes físicos de Abraão não
ofereceram os sacrifícios de sangue exigidos pela lei. A destruição do templo
em 70 d.C. trouxe um fim definitivo para a nação de Israel como povo
especial de Deus. Deus escolheu uma nova nação de descendentes de Abraão
de acordo com o nascimento espiritual pela fé (Gl 3.26-29). A nova nação
incluía os judeus e gentios restantes de cada terra e tribo. Mas o que faz dessa
nação fundamentalmente diferente do antigo povo de Deus é o novo líder, o
Último Adão, que como representante do seu povo satisfez totalmente a ira
de Deus contra o pecado e trouxe a bênção da vida eterna. Pela primeira vez
na história do mundo desde a queda, a raça humana é liberta do domínio do
pecado e do mal. O caminho da vida e da bênção foi aberto. É apenas uma
questão de tempo e obra do Espírito irá salvar o mundo e o conhecimento de
Deus encherá o mundo tanto quanto as águas cobrem o mar.
CAPÍTULO TREZE: O NOVO PACTO

Diferente dos “novos pactos” anteriores, o novo pacto em Cristo


verdadeiramente “recriou” o mundo (cf. 2Co 5.17). Desde a queda de Adão,
o pacto adâmico foi renovado várias vezes, cada um deles trazendo um novo
líder adâmico, um novo sacerdócio, um novo templo e um novo Éden, mas
nenhum trouxe a salvação do mundo. Em todo “novo pacto” anterior à vinda
de Cristo, o cabeça pactual era um mero filho pecador de Adão que
transgrediu a lei como seu pai. Dessa forma, a maldição do pacto,
pronunciada sobre Adão e sua raça, não pôde ser tirada, somente postergada.
Nenhum dos novos “Adãos” das eras do antigo pacto poderiam cumprir a
promessa de que a descendência da mulher esmagaria a cabeça da serpente,
porque eles mesmos foram esmagados, de novo e de novo.
Mas nos “últimos dias”, Jesus, o Cristo, apareceu (Hb 1.2) e trouxe um
pacto realmente novo. Esse pacto incluiu um novo sacrifício que tiraria os
pecados, um novo templo não feito pelas mãos do homem, um novo
sacerdócio chamado de cada tribo e nação e um novo povo de Deus nascido
de cima pelo Espírito. Cristo, portanto, é o verdadeiro antítipo de Adão, o
cabeça de uma raça inteiramente nova e uma nova ordem mundial,
estabelecida sobre a base da sua obra salvadora (cf. Rm 5.12-25).

O reino
Na situação original do reino, o homem foi colocado em um santuário
em um jardim e recebeu o domínio sobre o mundo. Havia uma distinção entre
o Jardim do Éden e o resto do mundo, mas a diferença entre as três esferas
originais não era uma questão de santo versus impuro, mas de santidade
versus mais santidade e santíssimo. A função de domínio do homem era
preencher o mundo e transformá-lo em um Jardim de Deus, que manifestaria
os louvores do seu Rei-Criador. A queda de Adão trouxe ruína. O mundo foi
maculado. O homem foi afastado da presença de Deus e Satanás tomou
realmente o controle sobre as questões cotidianas entre a raça de Adão.
Assim, a criação original foi julgada e o mundo foi refeito nos dias de Noé,
mas o problema do pecado de Adão ainda não estava resolvido. Somente a
vinda do Messias, a descendência prometida da mulher, poderia trazer
mudanças decisivas.
Quando Jesus nasceu, o mundo do pacto da restauração havia se
deteriorado ao ponto do julgamento final. A terra foi maculada com os
pecados de um povo rebelde. O templo foi manchado com os pecados de um
sacerdócio também rebelde. O povo de Deus foi escravizado por um poder
estrangeiro, mas de uma forma mais nova e sutil que antes, pois estavam em
sua própria terra e desfrutavam de meios de liberdade externa e tolerância por
suas instituições religiosas, ainda que mescladas a desprezo e opressão.
Externamente eles estavam sujeitos a Roma e muitos dos seus líderes,
particularmente os saduceus, eram escravos espirituais da visão de mundo
romana.
Oss primeiros dias da era dos gentios foram muito diferentes do seu
fim. A época dos gentios começou com homens como Daniel, Esdras e
Neemias desempenhando a função de conselheiros proféticos para os reis dos
gentios. Nos tempos dos gentios, o relacionamento ideal entre os judeus e
seus reis gentios pode ser ilustrado no livro de Ester. Os gentios eram os
guardiões da terra nomeados por Deus, mas os judeus deveriam governar
com eles como uma rainha, com homens judeus sábios fornecendo conselhos
à corte. Enquanto os judeus foram fiéis a Deus, os reis gentios o favoreceram
e levaram a sério seus conselhos.
Na época em que Cristo veio, contudo, o tempo dos gentios já tinha
quase chegado à sua conclusão. Como em eras anteriores de rebeldia, o povo
de Deus foi oprimido. Mas os judeus dos dias de Jesus abraçaram sua
escravidão como se estivessem em liberdade. Quando Pôncio Pilatos
perguntou a eles: “Hei de crucificar o vosso rei?”, os principais sacerdotes, os
líderes oficiais da terra, responderam: “Não temos rei, senão César!” (Jo
19.15).
Eles falaram mais verdadeiramente do que pretendiam, pois os filhos
de Abraão e seus líderes, os supostos herdeiros de Esdras e Neemias,
degeneraram em críticos legalistas que estavam mais preocupados com
honras e riquezas mundanas do que com o reino de Deus. Os líderes reais dos
judeus eram os fariseus, que eram primariamente responsáveis por desviar os
judeus. Assim, desde o início do seu ministério, nosso Senhor usou
testemunho profético contra eles pela sua rejeição à palavra de Deus. Sua
palavra primária para eles era hipocrisia (Mt 6.2, 5, 16; 15.7; 16.3; 22.18;
23.13-15, 23, 25, 27; Lc 13.15), visto que não eram o que fingiam ser.
Os fariseus não só enganaram o povo nos seus próprios dias, mas
também nos nossos, ironicamente confundindo-os como se fossem seguidores
zelosos de Moisés. Ao contrário, a essência da acusação de Cristo contra eles
era que eles abandonaram a lei de Moisés e foram seguir as tradições dos
homens. Para expor a sua hipocrisia antibíblica Jesus repetidamente lhes
pergunta: “Não lestes?” (Mt 12.3, 5; 19.4; 21.16, 42; 22.31; Mc 12.10, 26).
As tradições dos seus ancestrais judeus, sem dúvida, tinham originalmente a
intenção de auxiliar na interpretação da palavra de Deus, mas essas tradições
passaram a substituir a autoridade da palavra de Deus. Essa era a essência da
acusação de Jesus contra eles: “Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais a tradição dos homens… Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus
para guardardes a vossa própria tradição… invalidando a palavra de Deus
pela vossa própria tradição, que vós mesmos transmitistes…” (Mc 7.8, 9, 13).
Foi essa escravidão a palavra de homens que constituiu o verdadeiro
cativeiro dos judeus nos dias de Jesus, assim como foi a escravidão aos
deuses das terras pagãs que constituiu o real cativeiro das eras anteriores. O
poder de Roma representou a palavra do homem em sua forma mais
impressionante. Os judeus odiavam Roma, mas eles não conheciam a
liberdade que se pode encontrar na obediência a Deus. De fato, por mais que
tivessem odiado Roma, eles preferiam escravidão prática ao seu poder do que
culto verdadeiro ao Deus vivo.
Os judeus mostraram claramente que a escravidão ao homem, não
menos que a escravidão aos ídolos, significa escravidão aos demônios.
Assim, embora os judeus fossem governados por um poder essencialmente
secular para quem a adoração do imperador não era religião, mas um meio de
subjugar o povo, eles não estavam meramente sem Deus no desprezo secular.
A terra estava cheia de demônios. Nos relatos do Evangelho sobre o
ministério de Jesus, nós lemos que onde quer que Jesus fosse ele era
confrontado por demônios que clamavam contra ele. Repetidamente Jesus
afasta os demônios para salvar os oprimidos, mas isso não cura
verdadeiramente os homens que não recorrem a Deus, como Jesus disse para
os judeus:
Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, procurando
repouso; e, não o achando, diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E, tendo voltado,
a encontra varrida e ornamentada. E, tendo voltado, a encontra varrida e ornamentada.
Então, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam
ali; e o último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro. (Lc 11.24-26)
Israel era apóstata como um todo. Seus líderes eram hipócritas. Ainda
que não adorasse ídolos como nos dias de Jeremias, sua adoração era vã (Mc
7.7). Jesus veio a Israel como um profeta chamando ao arrependimento e
prometendo a graça de Deus, mas Israel rejeitou seu testemunho, assim como
fez com o ministério de Jeremias.
Contudo, mesmo nessa época de apostasia demoníaca, Jesus foi capaz
de encontrar um remanescente que acreditasse em Deus e o seguisse. Esse
remanescente deveria ser tirado do Egito — que é o que Israel se tornou —
para uma nova terra, a igreja de Jesus Cristo. Primeiro, ele foi perseguido
pela falsa igreja — a circuncisão segundo a carne —, mas Jesus prometeu
que por fim eles seriam justificados por Deus e tornados primícias da colheita
do reino que se estende para todas as terras e tribos.
A vinda do Messias é o próprio centro da história, o ponto de virada no
programa do reino de Deus. Mesmo que todo pacto antes disso tenha acabado
em fracasso por causa da pecaminosidade do homem, no final da era dos
gentios, nos “últimos dias”, Deus garantiu um novo pacto, que mudou a
história, visto que trouxe a verdadeira redenção dos pecados. De um modo
radicalmente diferente de qualquer outra época, o novo pacto em Cristo
inaugurou um novo mundo, criou uma nova raça de homens e estabeleceu um
novo santuário com um novo sacerdócio.
Para trazer um pacto verdadeiramente novo em que o homem fosse
mais uma vez restaurado ao favor de Deus e pudesse ser seu filho amado,
Jesus teve que cumprir perfeitamente as exigências do velho pacto. A lei
exigia a morte pelo pecado de Adão e sua posteridade (Rm 6.23). Se o preço
do pecado não fosse pago, não haveria possibilidade de um novo pacto:
“derramamento de sangue, não há remissão” (Hb 9.22b). O antigo sistema
sacrificial do pacto prometia redenção por meio de sacrifício substitutivo.
Jesus cumpriu a promessa e então retirou a condenação da lei:
Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o
maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação,
não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou
no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o
sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os
contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de
Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus,
purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! (Hb
9.11-14)
Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo
santificados. (Hb 10.14)
Ao mesmo tempo, o novo pacto pode ser visto como uma renovação do
antigo pacto, já que ele não o anula simplesmente, mas o cumpre (cf. Mt
5.17-18). O novo pacto em Cristo restaura o que Adão perdeu e torna
possível para os seus descendentes o cumprimento da obra que ele se tornou
incapaz de finalizar. Assim como cada renovação do pacto adâmico original
nas eras do antigo pacto envolve continuidade, assim acontece com a
recriação do mundo em Cristo. Em Cristo, o homem ainda tem a
responsabilidade de subjugar o mundo para a glória de Deus (cf. Mt 28.18-
20).
O que é chamado de “Antigo Testamento” não é abolido como verdade
de Deus para ser substituído pelo chamado “Novo Testamento”. Na verdade
há um livro apenas, cujo todo o conteúdo é relevante e aplicável à vida cristã,
como os livros do “Novo Testamento” deixam bem claro. “Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17).
A boa obra que a nova humanidade é chamada a fazer é dupla. A
construção do reino de Deus agora não significa apenas o cumprimento da
tarefa pactual original da criação que Deus deu a Adão e Eva, frequentemente
chamada de mandado cultural (Gn 1.26-28), como também envolve o
cumprimento da Grande Comissão (Mt 28.18-20). A primeira comissão foi
dada à família, que ainda é a instituição social primária para o seu
cumprimento. A dádiva dos filhos é para a família, a educação dos filhos é
primariamente uma responsabilidade familiar, e a atividade econômica
pertence à família. Contudo, a grande comissão de Cristo foi dada à Igreja, a
quem pertence a responsabilidade de pregar o Evangelho, ensinar e batizar.
Ao ensinar a palavra de Deus a indivíduos e famílias, a Igreja traz o
poder salvador de Deus para o mundo, pois o Espírito Santo trabalha por
meio da Palavra. As famílias são renovadas pelo seu poder. Enquanto a Igreja
e a família cumprirem seus chamados dados por Deus, nações inteiras serão
transformadas e o reino de Deus será espalhado até que o mundo acredite em
Cristo. “Lembrar-se-ão do Senhor e a ele se converterão os confins da terra;
perante ele se prostrarão todas as famílias das nações. Pois do Senhor é o
reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.27-28).

Os cinco pontos do pacto


1. Transcendência: a transcendência de Deus foi revelada em cada era
pactual desde a criação do mundo, mas nunca de forma tão completa e
poderosa como na chegada do novo pacto. Para começar, existe uma
revelação da soberania transcendental de Deus no cumprimento rico e
detalhado de toda a profecia messiânica do antigo pacto. Nós lemos sobre a
realização de centenas de profecias messiânicas que mostram os detalhes do
nascimento, vida e morte de Jesus.
Assim como outros “novos pactos” envolveram uma revelação maior
do caráter de Deus, o novo pacto revela quem é Deus de forma tão completa
que os ensinamentos anteriores sobre Deus parecem obscuros em
comparação. A revelação de Deus do novo pacto vem com a encarnação de
Cristo e o dom do Espírito Santo. O novo pacto nos ensina que Deus é uma
Trindade. Essa verdade está presente no antigo pacto, visto que o Anjo do
Senhor é diferenciado do Senhor ao mesmo tempo que é identificado com o
Senhor (cf. Gn 22.15-16; Êx 3.2-6; 1Cr 21.15; etc.) e é falado sobre o
Espírito Santo (Sl 51.11; Is 44.3; etc.). Mas a clareza da nova revelação é
incomparável. Como João disse: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus
unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18).
2. Hierarquia: Cristo fez-se homem e o Espírito Santo é dado a ele,
unindo assim Deus e o homem em um amor pactual e sociedade com uma
intimidade que ultrapassa tudo o que o homem possa imaginar. Os pagãos se
viam como deuses, mas os deuses dos pagãos não eram transcendentais, nem
justos. O Deus da Bíblia não nos torna “deuses” no sentido que os pagãos
sonharam, mas ele faz da Igreja sua noiva, trazendo-a para a sociedade
pactual da Trindade, que era o propósito original de Deus ao criar o homem.
Em Cristo, o homem não é apenas salvo do pecado, ele é um herdeiro de
Deus (Rm 8.17). A nova raça humana em Cristo está com Deus em termos
pactuais em uma sociedade eterna de amor.
Isso quer dizer que o povo que faz parte do pacto de Deus não pode
mais ser determinado por relação racial com Abraão, nem por rituais
sangrentos, como circuncisão. Jesus cumpriu todos os rituais relacionados a
sangue por meio da cruz. Ele abriu um novo caminho para chegar a Deus por
meio da fé na sua morte e ressurreição. O novo povo de Deus é então um
povo de fé (Rm 4.1-25). Não que o povo de Deus no antigo pacto fosse um
povo de obras ou descrenças. Pelo contrário, Abraão e Davi são grandes
exemplos da fé salvadora a que Paulo apela ao nos mostrar a justificação pela
fé (Rm 4.1-8). O ponto é que essa fé é mais enfatizada do que nunca porque a
graça é revelada como nunca foi antes. Desse modo, o novo povo de Deus é
definido pela fé.
Jesus cumpriu o significado do homem como profeta, sacerdote e rei,
ao se tornar tudo o que Adão deveria ter sido e ainda mais. Nele, a nova raça
de homens são feitos também profetas (At 2.16-18), sacerdotes (1Pe 2.5) e
reis (1Pe 2.9; Ap 1.6). Isso significa a transformação do indivíduo à imagem
de Cristo (Rm 8.29) e, por meio da obra de regeneração e santificação do
Espírito Santo nos indivíduos, a transformação da família (Ef 5.22-6.4), da
igreja (1Co 12.13) e do Estado (Rm 13.1-6). O Estado tem prioridade em
preservar a paz, que é uma responsabilidade primária. A família tem o direito
exclusivo de trazer filhos ao mundo e educá-los para Deus. Ela é também a
instituição responsável por ensinar a palavra de Deus e administrar as
cerimônias pactuais de batismo e da ceia do Senhor. Da perspectiva da
construção do reino de Deus por meio da Palavra e do Espírito, a Igreja tem
prioridade.
3. Ética: assim como Jesus trouxe uma nova revelação de Deus e uma
transformação do povo de Deus, ele também trouxe uma nova ética. Ele não
anula os ensinamentos éticos da lei de Moisés, embora traga um fim ao
sistema sacrificial, as leis acerca da divisão da terra, e outros aspectos
distintamente judaicos da lei de Moisés, tais como as restrições alimentícias e
os códigos de vestimentas. Mas a ética da lei de Moisés é ensinada com
maior profundidade que antes (cf. Mt 5-7). A essência da lei de Moisés como
amor a Deus e amor ao próximo é contrastada com a perversão farisaica da
lei em uma mera justiça cerimonial externa (Mt 22.34-40). Acima de tudo, a
vida perfeitamente sem pecado de Jesus manifestou o real significado da lei
de Deus como nenhum comentário fez.
Seu grande mandamento expressa o mandamento principal da lei de
Moisés com seu próprio exemplo adicionado como a manifestação dessa lei:
“Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu
vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que
sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.34-35). Paulo
segue o exemplo de Jesus e resume os Dez Mandamentos na palavra amor
(Rm 13.8-10). Os detalhes da lei de Moisés são proveitosos (2Tm 3.16-17).
Mas os detalhes da lei devem ser vistos nos termos do propósito da lei, que é
nos ensinar como amar Deus e nosso próximo. Cristo nos mostrou o
caminho.
4. Juramento: a maldição do antigo pacto, a morte dos pecadores, foi
completamente revelada e totalmente cumprida em Cristo. Ele suportou os
pecados do mundo (Jo 1.29), satisfez a ira de Deus (Rm 3.25; 1Jo 2.2) e
redimiu o mundo da maldição (Ti 2.14; Jo 3.16-17). A morte e a ressurreição
de Jesus constituíram um julgamento final contra o pecado e a vitória da
justiça sobre o pecado e a morte (cf. Rm 5.12; 1Co 15).
Por Jesus ter removido a maldição, o caminho para a bênção é aberto
para os homens que acreditam nele. A vida eterna, a bênção do pacto que
originalmente era simbolizada pela árvore da vida, é dada agora livremente
àqueles que simplesmente acreditam em Cristo (Jo 3.16). O Evangelho é a
declaração de que a maldição foi tirada e que Deus se reconciliou com o
homem. O mundo não está mais sob uma maldição e necessitando da
purificação, pois Jesus já o purificou uma vez. Todos os lugares estão limpos.
Todo o alimento está limpo. O caminho da salvação está aberto e, pelo poder
do Espírito Santo, Jesus salvará o mundo por meio do Evangelho (Mt 28.18-
20; Jo 3.17).
A Igreja segue a Cristo. É normal, mesmo que não necessariamente
sem exceção, que a Igreja, em qualquer nova área, passe por perseguição e
morte, assim como aconteceu com Jesus. A Igreja também ganha a bênção
através da maldição. Os primeiros cristãos obtiveram a vitória contra o
império romano, não por uma conquista militar, mas pelo derramamento do
seu próprio sangue e pelo testemunho de Jesus (cf. Ap 12.11, 17). A
confiança da Igreja em Deus e sua fé constante ao enfrentar a morte
eventualmente foram usadas pelo Espírito de Deus para condenar os
conquistadores dos seus pecados (Jo 16.7-11). Quando os cristãos tomam a
cruz e seguem a Cristo, o poder da sua vida ressurreta está com eles e eles
conquistam o mundo (cf. 2 Cr 4.10-12).
5. Sucessão: Jesus é o “herdeiro de todas as coisas” escolhido por Deus
(Hb 1.2), a verdadeira descendência de Abraão (Gl 3.16) a quem foi dada a
promessa do mundo (Rm 4.13). Porém, os judeus planejaram matar seu
herdeiro e roubar sua herança por si mesmos (Mt 21.38). O que eles
realizaram, ironicamente, foi a garantia de que Jesus pudesse herdar todas as
coisas, pois foi no que parecia ser sua maior derrota — a morte como um
criminoso — que Jesus obteve a vitória contra o pecado, a morte e o diabo
(Cl 2.14-15). A ressurreição de Cristo justificou Jesus e provou que ele é o
Messias, mas a maioria dos judeus não acreditou nesse evento. A destruição
de Jerusalém em 70 d.C. vindicou então publicamente Jesus como o profeta
verdadeiro que predisse a vinda da maldição pactual (Mt 23-25), assim como
Jeremias e seus profetas de outrora, e portanto demonstrou também que ele é
o Messias e seus seguidores o verdadeiro povo de Deus.
Na sua ascensão, Jesus sentou-se à destra de Deus como Rei dos reis e
Senhor dos senhores, mas seu governo não foi realmente um manifesto de
forma pública até a destruição de Jerusalém, que vindicou a sua pessoa e seus
ensinamentos. Agora que foi vindicado, ele conduz sua igreja na conquista do
mundo por meio da pregação do Evangelho (Ap 19.11-16). A Igreja é
chamada para viver como seguidora do Rei dos Reis. Seu Senhor ressuscitou,
ascendeu e sentou-se à destra de Deus. Isso aconteceu porque Jesus herdou
todas as coisas e Paulo pôde dizer aos coríntios: “Portanto, ninguém se glorie
nos homens; porque tudo é vosso: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o
mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras,
tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus” (1Co 3.21-23).
Israel recebeu a terra de Canaã como sua herança, mas teve que lutar
para torná-la sua. Portanto, quando a Igreja de Jesus Cristo recebeu o mundo
como herança, ela também teve que participar da batalha espiritual do
Evangelho para trazer o mundo para a sujeição ao seu mestre (Mt 28.18-20;
Ef 6.10-18; Ap 19.11-16). O mundo inteiro está sob o domínio de Jesus (Mt
28.28; Ef 1.20-23; etc.), mas ainda não o ama e obedece por completo. Por
sua própria obediência a Deus, por oração e pregação do Evangelho, a Igreja
de Cristo subjugará o mundo, de forma que um mundo redimido será capaz
de cumprir a comissão original que Deus deu a Adão e Eva no Jardim. A
glória de Deus será vista em todo o mundo e o propósito do homem dado por
Deus será cumprido.

A resposta pactual do homem


A resposta pactual do homem à graça de Deus é dupla. Primeiro há a
resposta de Cristo, o homem perfeito e o cabeça representativo da nova raça.
Jesus obedeceu a palavra de Deus perfeitamente em sua vida e subiu aos céus
para ficar à destra de Deus como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Pela
primeira vez desde a queda, existe um homem que amou a Deus e guardou
seus mandamentos para que o amor de Deus pudesse ser revelado na história
e uma nova humanidade pudesse ser criada pela graça de Deus.
A Igreja é conduzida pelo Espírito Santo a obedecer a Cristo e por fim
conquistará o mundo à fé em Cristo. Porém, ela nunca será perfeita até a
Segunda Vinda de Cristo. Portanto, a história sempre será caracterizada por
uma luta contra o pecado, pela loucura humana, egoísmo e orgulho. De fato,
a última geração do homem apostatará em grande medida e rejeitará o
Evangelho. Quando os homens que odeiam a Deus dessa geração tentarem
destruir a Igreja fazendo uso de violência, Cristo retornará e trará o
julgamento final (Ap 20.7-10).

O julgamento pactual de Deus


O julgamento pactual de Deus sobre Cristo na cruz abriu o caminho
para a salvação de forma que a raça humana é salva da ira eterna de Deus.
Ainda que muitos homens rejeitem o Evangelho, a maioria será salva (Jo
3.17). Na história, o julgamento pactual de Deus de indivíduos, famílias e
nações que rejeitam o Evangelho produz o crescimento da Igreja e sua vitória
final. Mas Deus julga e purifica a própria Igreja por meio da disciplina
pactual (Hb 12.4-13). A perseguição e o sofrimento vêm de Deus para
espalhar o Evangelho e purificar seu povo, como pelo fogo (1Pe 1.6-7).
O final da presente era pactual acontecerá com o julgamento final e o
estado eterno do céu e do inferno (Mt 25.31-46; Ap 20.11-15). O juízo final é
um julgamento de obras (Ap 20.13) porque são as obras do homem que
manifestam sua fé e declaram publicamente no que ele realmente acredita.
Trata-se também de um julgamento segundo as obras pois as recompensas da
bênção eterna e o grau de maldição eterna são determinados pelas vidas que
os homens vivem nesse mundo.
O julgamento pelas obras e a salvação pela fé não entram em conflito,
pois a verdadeira fé trabalha pelo amor (Gl 5.6). Ela sempre se manifesta por
meio de atos (Tg 2.14-26). A falsa fé e a hipocrisia também se manifestam
pelos atos e isso nunca foi mostrado com tanta clareza como na cruz de
Cristo, já que foram os líderes religiosos dos seus dias, que declararam ter fé
no verdadeiro Deus, que o mataram. Então o juízo final trará à luz a
verdadeira atitude de coração dos homens e mostrará como ela foi
manifestada em suas obras. Deus julgará e recompensará todos os homens
com justiça perfeita. Mas para seu povo ele dará mais do que justiça, pois o
recompensará por seus bons atos, que nunca foram perfeitos e jamais
poderiam merecer qualquer recompensa.
Na eternidade, a Igreja glorificará a Deus e desfrutará dele para
sempre. Ela crescerá em conhecimento, amor e sabedoria à medida que vê
para sempre novos aspectos da beleza e glória de Deus. O próprio Deus e
toda a maravilha da sua infinita grandeza são o que tornam o céu um lugar da
mais perfeita felicidade. Nós não sabemos que obras Deus nos reserva na
eternidade, mas sabemos que a Igreja de Cristo olha para o tempo incontável
de novas tarefas a serem cumpridas com e por Cristo, que ela desfrutará em
atividade com seu bendito Salvador (Ap 22.1-5).
Para aqueles que odeiam Deus, o próprio céu seria um inferno, pois
nada é mais repugnante para eles que Deus. A maioria dos homens, ou seja,
aqueles que se rebelaram teimosamente contra a sua bondade passarão a
eternidade no inferno, padecendo um sofrimento sem fim. Eles odiarão a si
mesmos pela loucura que se tornará inescapavelmente clara à medida que
odeiam Deus por deixar isso claro para eles. Nós não reconheceremos mais
os nossos antigos amigos ali. Pois todo o pecado e a impiedade que estão em
seus corações, que foram graciosamente reprimidos pelo Espírito Santo
durante suas vidas terrenas, serão agora totalmente desenvolvidos e
manifestos o máximo possível dentro dos confins da prisão eterna.
A história do pacto de Deus é trazida ao fim no que concerne à tarefa
do homem na terra. Mas a relação de Deus com o homem continua sendo
uma relação pactual e a eternidade trará eras sem fim de glória e maravilhas.
A essência do pacto é o amor e o propósito final do pacto que Deus deu ao
homem é que o homem seja levado à comunhão das Pessoas Triúnas. Isso é
onde a Bíblia termina — uma visão do homem no céu com Deus, vivendo em
uma cidade-santuário cheia de toda sorte de bênçãos conhecidas ao homem.

Nunca mais haverá qualquer maldição.


Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro.
Os seus servos o servirão,
contemplarão a sua face,
e na sua fronte está o nome dele.
Então, já não haverá noite,
nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol,
porque o Senhor Deus brilhará sobre eles,
e reinarão pelos séculos dos séculos.
(Ap 22.3-5)
SOBRE O AUTOR

Ralph Allan Smith se formou com honras na Universidade de Ohio em


1967, com especialização em psicologia. Em 1976 casou-se com sua esposa
Sylvia. Em 1978 ambos terminaram o mestrado em teologia, no Grace
Theological Seminary. Em 1981, após anos de experiência em plantação de
igrejas nos Estados Unidos, eles se mudaram para Tóquio, Japão. O casal
serve desde então a Mitaka Evangelical Church, fundada em 1981 e afiliada à
Communion of Reformed Evangelical Churchs. Autor de diversos livros,
Ralph é diretor do Covenant Worldview Institute.

[1]
O esboço original de Sutton não traz a grafia da palavra THEOS como aqui, mas os pontos são os
mesmos. Conferir Ray Sutton, That You May Prosper (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics,
1987).
[2]
James B. Jordan, Covenant Sequence in Leviticus and Deuteronomy (Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1989), p. 3-6. Jordan também sugere uma aproximação tripla ao pacto em The
Law of the Covenant (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1984), p. 7: “Em linhas gerais o
pacto tem três aspectos. Há uma ligação lícita. Há um relacionamento pessoal. Há uma estrutura que
permeia a comunidade”. Ele desenvolve uma abordagem de quatro pontos e uma de doze pontos em
Through New Eyes, p. 130-131.
[3]
Covenant Sequence in Leviticus and Deuteronomy, p. 6, 9-10.
[4]
Gary North, The Sinai Strategy: Economics and the Ten Commandments (Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1986).
[5]
Op. cit. p. 214-24.
[6]
Op. cit. p. 10-13.
[7]
Covenant Sequence in Leviticus and Deuteronomy, p. 14.

[8]
A tradução correta de Oseias 6.7a é: “Mas eles como Adão transgrediram o pacto…”. Veja,
Benjamin B. Warfield, “Hosea VI.7: Adam or Man?”, em Shorter Collected Writings, vol. 1, p. 116 ss.

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