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1ª edição, 2020
O reino
Deus criou o mundo em seis dias. Por que seis dias? Porque sua obra na
criação estabelece ao homem um padrão a ser seguido, trabalhar seis dias e
descansar um dia (Êx 20.9-11). Além disso, a obra do homem deveria ser a
continuação da obra de Deus. O mundo era escuro, sem forma e vazio no
princípio (Gn 1.2). Por seis dias Deus trabalhou para dar ao mundo luz, forma
e seres viventes. A coroa da sua criação foi o homem, que foi encarregado de
dar continuidade à obra que Deus iniciou (Gn 1.26-28).
Quando Deus criou o homem, ele criou Adão, o cabeça da raça,
primeiro. Então, Deus criou o lar de Adão, o Jardim do Éden, enquanto Adão
assistia (Gn 2.8), dando a ele um exemplo de como deveria trabalhar. O
Jardim foi organizado com duas árvores especiais no centro, um muro ao
redor delas e um portão em frente. Foi permitido ao homem comer livremente
de qualquer árvore do Jardim, exceto da árvore do conhecimento do bem e do
mal (Gn 2.16-17). O homem tinha duas responsabilidades principais: proteger
o Jardim e cultivá-lo para que produzisse ainda mais frutos (Gn 2.15).
Deus treinou Adão para a vida familiar trazendo todos os animais
diante dele e deixando que ele lhes desse nome (Gn 2.19-20). Nomear os
animais significou mais do que pronunciar um som. Significou determinar
um “rótulo” para cada animal, que os descrevesse apropriadamente. Adão
aprendeu sobre cada um deles e entendeu o propósito de cada um no reino de
Deus. Ele também viu que os animais lembravam a si mesmo de muitas
formas, mas que havia uma distância biocultural imensurável entre ele e os
animais. Adão percebeu que todos eles tinham pares, mas que ele estava
sozinho. Ele estava pronto para receber uma esposa que pudesse amar. Sua
oração não pronunciada foi respondida e Deus lhe deu Eva (Gn 2.21-23).
O mundo que Adão e Eva governavam estava dividido em três partes.
O Jardim do Éden era seu lar. Era também um santuário no topo da
montanha, onde eles encontravam Deus diretamente. A terra do Éden era a
terra do santuário, perto de Deus. O resto do mundo estava mais afastado do
Santo Lugar onde Deus se manifestava. Havia outras três divisões no mundo.
Os céus estavam acima deles, governados pelo sol durante o dia e pela lua e
as estrelas à noite (Gn 1.14-18). A terra era o seu lar. O grande oceano estava
abaixo deles. Essa é a fonte do simbolismo do mundo como uma estrutura
tripla, refletida mais tarde no tabernáculo e no templo.
O pacto
O reino
Em muitos aspectos a situação do reino é imutável. Adão é o líder da
raça: profeta, sacerdote, rei e pai. A Terra é dividida em três áreas distintas: o
Jardim do Éden, a terra do Éden e o resto do mundo. A responsabilidade de
Adão é cultivar a terra e adorar a Deus da forma certa. Ainda que o novo
ambiente apresente novos desafios, a definição fundamental de bem e mal
não muda. Deus ainda é o Senhor sobre todas as coisas, determinando tudo de
acordo com sua perfeita vontade. De qualquer maneira, houve uma mudança
pactual fundamental que é abrangente em seus efeitos. Adão se preparou para
a rebelião de Satanás contra Deus, colocando o mundo sob a autoridade de
Satanás, não em um sentido próprio (de jure), mas praticamente falando (de
facto). A partir desse momento Satã é chamado de “príncipe desse mundo”
(Jn 12.31). Adão está com Satã até ser repudiado por ele. Os filhos de Adão
também estão abertos à influência e ao ataque de Satanás.
A distinção entre o Éden e o mundo antes da queda era simplesmente
uma questão de proximidade de Deus, mas agora que Adão pecou, o Jardim
do Éden se tornou o lugar santo onde o homem não podia entrar, o Éden se
tornou a terra santa e o resto do mundo se transformou em uma terra suja. O
foco não é uma nova substância ter sido introduzida no mundo e o tornado
mau. O mal não é uma substância, é ter uma relação pactual errada com
Deus. Após a queda, o mundo sob Adão se tornou pactualmente separado de
Deus — contaminado ou impuro — pois foi amaldiçoado com Adão. Onde
Deus manifestou sua presença, tornou tal área um “santo lugar”,
temporariamente livre da maldição por meio da virtude da presença graciosa
de Deus.
Paulo diz que a morte entrou por causa do pecado (Rm 5.12). A morte é
uma realidade sempre presente e inescapável no mundo caído em decorrência
da maldição. Em outras palavras, após a queda, o mundo foi contaminado
pela maldição sobre o homem. Somente na graça de Deus há esperança de
salvação.
O pacto
O reino
O mundo mudou radicalmente depois do dilúvio. Isso provavelmente
incluiu as mudanças geográficas que causaram o movimento dos continentes.
Se as teorias sobre uma “expansão de água” estiverem corretas — a ideia de
que o mundo pré-dilúvio foi coberto por uma camada nebulosa que produziu
um efeito estufa, mantendo o mundo aquecido — mudanças radicais no clima
e na superfície da Terra seriam evidentes. Em qualquer acontecimento, Noé e
sua família seriam conscientes do fato que viveram em um novo mundo.
De qualquer forma, a maior mudança foi a perda do Jardim do Éden. O
santuário de Deus não estava mais com os homens. Não havia mais um
centro do mundo divinamente ordenado aonde os homens viriam para se
encontrar com Deus e nem uma terra santa próxima ao santuário. Nesses
termos, o mundo pós-dilúvio é um mundo sem Deus. De certo modo isso
quer dizer que a recriação do mundo é incompleta, pois faltam duas ou três
partes do mundo do Éden. Na criação original Deus criou o mundo (Gn 1.1),
então a terra do Éden e, por último, todo o Jardim (Gn 2.8). Depois do dilúvio
passou a existir um novo mundo, mas não uma nova terra santa. Esta não foi
recriada até Israel conquistar Canaã. O santuário não está realmente completo
até o templo de Salomão, o novo Éden. Isso significa que a recriação do
mundo começou após o dilúvio e continua por séculos até os dias de
Salomão, quando há um Jardim-Templo no centro pactual do mundo, cercado
pela terra santa.
Noé era o novo Adão, incompleto como a situação de Noé, o líder do
pacto da nova raça. De qualquer maneira, nesse novo mundo, Noé não estava
sozinho com sua esposa. (Nós nem ao menos sabemos o nome dela.) Seus
três filhos, Jafé, Sem e Cão, e suas respectivas esposas (novamente, não
sabemos seus nomes), também estavam com Noé no novo mundo. Em vez de
uma família de dois, o novo mundo teve início com uma extensa família de
oito indivíduos, que na verdade eram quatro famílias.
O reino
Antes do chamado de Abraão, o mundo daquele dia, como o mundo de
Noé, não tinha um centro mundial designado por Deus. Faltava também um
sistema sacerdotal unificado. A própria família de Abraão adorava a ídolos
(Js 24.2), mas alguns eram verdadeiros sacerdotes. Havia pelo menos um real
sacerdote de Deus, Melquisedeque, o rei-sacerdote de Salém (Gn 14.18-20) e
provavelmente outros — em um período posterior, Jetro, sogro de Moisés, foi
um verdadeiro sacerdote (cf. Ex 3.1, 18.1-24). As tribos foram espalhadas
pelo mundo como resultado do julgamento de Babel. A multiplicidade de
diferentes línguas e religiões entre eles levou à desconfiança e ao conflito.
Também houve lugares, como Sodoma e Gomorra, em que a depravação
extrema do pré-dilúvio foi vista.
Nessas circunstâncias, Abraão foi escolhido para ser o progenitor da
raça de sacerdotes que culminaria no Salvador do mundo. Desde a época em
que foi escolhido, foi exigido que os homens se relacionassem com Deus por
meio de Abraão. Aqueles que abençoaram Abraão seriam abençoados e
aqueles que o amaldiçoaram seriam amaldiçoados (Gn 12.1-3). Ainda que um
centro do mundo não estivesse estabelecido, um sacerdócio para a
humanidade já estava. Onde Abraão se encontrasse, ele cavava poços e
construía altares (Gn 12.7-8; 13.4; 18; 21.33; 26.15), estabelecendo tais locais
como “santuários”, versões simplificadas do Éden e centros temporários do
mundo. Mais importante, o pacto prometeu a “descendência de Abraão”, o
centro do plano de Deus, que traria bênçãos para o mundo todo.
Não foi coincidência que o Egito veio a ser governado por um Faraó
“que não conhecera a José” (Êx 1.8). Assim como a era do pacto noaico
terminou em fracasso e na rebelião da torre de Babel, a era dos patriarcas
também terminou com a rebelião dos filhos de Israel. Moisés não menciona
isso diretamente no livro de Êxodo, mas Josué, em seu último sermão aos
israelitas, lembrando-os que eles serviram outros deuses no Egito (Js 24.14) e
avisando-os que se eles servissem outros deuses novamente, Deus os julgaria
(Js 23.1). Os filhos de Israel tornaram-se escravos no Egito por causa dos
seus pecados. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus.
Deus deu a Israel um novo pacto.
Assim como as administrações dos pactos anteriores, o novo pacto que
foi dado por meio de Moisés não anulou os mais antigos, mas foi construído
sobre eles. A lei de Moisés não era oposta à promessa (Gl 3.17-18). Ela foi
instituída sobre a base da promessa abraâmica a fim de promover a
concretização histórica dessa promessa (Êx 2.24; 6.8; Lv 26.42; Dt 1.8; 6.10;
9.5; 29.13; 30.20).
Ele era, além disso, o primeiro pacto em um novo ciclo de pactos. O
pacto adâmico foi sacerdotal, o noaico foi real e o abraâmico foi profético. O
ciclo começou mais uma vez com o pacto mosaico, o novo pacto sacerdotal
que trouxe maior graça do que já havia sido visto em qualquer um desde a
queda. Deus habitaria novamente com o homem. Um novo santuário e o
acesso ilimitado ao mesmo foram a essência da graça de Deus garantida na
lei de Moisés. Não foi o ofício de profeta ou rei que constituía o centro da
administração mosaica; o tabernáculo com seus levitas, sacerdotes e o
sistema sacrificial eram o centro.
O reino
Pela primeira vez na história desde a queda o povo de Deus garantiu
sua própria terra separada e um santuário. Não havia reino estabelecido pela
administração de Moisés, ainda que as leis que anteciparam um reino futuro
fossem parte da lei (Dt 17.14-20). A maior ênfase da lei é sacerdotal, não
política. Atenção especial é dada à construção do tabernáculo (Êx 35-40), os
sacrifícios e leis de pureza (Levítico). Deus lida com Israel como uma nação
sacerdotal (Número) e os abençoa quando eles o adoram em verdade
(Deuteronômio).
O sistema de adoração do tabernáculo, incluindo os levitas e
sacerdotes, são a preocupação central da lei e a característica mais importante
da nova situação pactual. O sistema levítico incluía primeiramente o ofício de
sacerdote, mais importante na administração mosaica do que o ofício de rei,
ainda não estabelecido contudo, ou de profeta, uma figura ocasional, não um
ofício permanente. Sacerdotes, como juízes da suprema corte, lidavam com
casos difíceis que as cortes locais não lidavam (Dt 17.8-13). Questões de
pureza ritual, uma preocupação maior da lei, eram todas julgadas por
sacerdotes (Lv 13) e o sistema sacrificial, o verdadeiro centro da lei, também
estava comprometido com os sacerdotes. Eles também foram importantes na
administração do sistema de bem-estar de Israel (cf. Dt 14.28-29; 26.12).
Um importante aspecto da lei frequentemente esquecido é a provisão às
cidades levíticas. Em vez de receber terras cultiváveis como as outras tribos,
os levitas receberam quarenta e oito cidades (Nm 35.1-5). Essas cidades
seriam centros culturais e comerciais de educação, música e direito. As seis
cidades mais importantes do período de Moisés foram as seis cidades de
refúgio, que teriam significado especial como lugares de julgamento em
adição ao seu significado normal, como as cidades levitas (Nm 35.6-8, cf. Js
20.1-9). A localização central e acessibilidade dessas seis cidades em
particular e as cidades levitas em geral, indica a intenção da lei para a cultura
israelita para ser claramente levita e bíblica. Israel, a nação dos sacerdotes,
seria sacerdotal na sua vida cultural.
Assim como o povo de Deus foi oprimido por um Faraó “que não
conhecia José” no fim da era patriarcal, eles também foram oprimidos por um
rei que aparentemente não conhecia o Senhor no fim da era mosaica. Saul era
uma figura transitória — o primeiro rei de Israel, e mesmo assim, por causa
do seu pecado, não era um verdadeiro rei — não tão mau como o Faraó de
muitas formas, mas sob outra perspectiva, ainda pior que Faraó, pois pecou
contra uma luz maior. Além disso, como rei de Israel ele massacrou oitenta e
cinco sacerdotes e destruiu a cidade de Nobe, matando homens, mulheres e
crianças em Israel (1Sm 22.18-19), apesar de ter tido misericórdia do rei
pagão Agague (1Sm 15). Ele também procurou destruir Davi, que ele sabia
ser o ungido de Deus.
Foi apenas com Davi que Israel teve um rei verdadeiramente do
Senhor, um homem “segundo seu próprio coração” (1Sm 13.14), alguém para
quem o Senhor deu um novo pacto. O novo pacto de Deus com Davi não
anulou a lei de Moisés ou a promessa a Abraão. Pelo contrário, ele ampliou e
cumpriu ambos, especialmente em três questões: a conquista final da terra, o
estabelecimento do reino hereditário e a provisão de um novo lugar de
adoração. A primeira dessas é frequentemente esquecida, ainda que a
Escritura chame atenção especificamente para isso. Deus disse a Abraão:
“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua
descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates”
(Gn 15.18). Finalmente, após centenas de anos, a promessa foi cumprida:
“Dominava Salomão sobre todos os reinos desde o Eufrates até à terra dos
filisteus e até à fronteira do Egito; os quais pagavam tributo e serviram a
Salomão todos os dias da sua vida” (1Rs 4.21).
O reinado foi mencionado na lei de Moisés, mas não foi dado rei
algum. Isso acontece em parte por causa da maldição de Deus na
descendência de Judá, cuja maioria eram filhos de bastardos (cf. Gn 38), e
portanto, não estavam qualificados para o reinado até a décima geração (cf.
Dt 23.2). Mesmo se a família de Judá estivesse qualificada, Israel não estava
maduro o suficiente para a instituição do reinado durante a era mosaica.
Somente quando se desenvolveu, cultural e espiritualmente, seriam
estabelecidos o reinado, o governo centralizado e um lugar central de
adoração.
Além disso, o mesmo pacto que estabeleceu a família de Davi como
família real, também deu a Israel um lugar central de adoração, a cidade de
Davi, Jerusalém. A lei de Moisés faz alusão a um santuário principal, mas só
com o pacto davídico ele foi realmente providenciado. Planejado por Davi e
construído por Salomão, o sistema do templo trouxe mudanças importantes
na lei e na adoração de Israel. Novamente, isso é frequentemente esquecido.
Os aspectos cerimoniais do sistema mosaico, com exceção dos detalhes
éticos, são mudados consideravelmente para se adequarem à situação do novo
pacto.
Em adição ao cumprimento de certas promessas dos pactos abraâmico
e mosaico, mais adiante o pacto de Davi desenvolveu o aspecto mais
importante do pacto, a doutrina do Messias. O pacto abraâmico tinha
prometido que a descendência de Eva que salvaria o mundo seria da família
de Abraão. A profecia de Jacó indicou a tribo de Judá (Gn 49.8-11). O pacto
mosaico previu um profeta como ele (Dt 18.15). Agora o novo pacto real
desenvolveu a promessa declarando que o Messias seria um descendente real
de Davi por meio do seu filho Salomão (2Sm 7.8-29; Sl 89).
O reino
Nos dias de Davi e Salomão o mundo destruído pelo dilúvio de Noé foi
finalmente reconstruído. Mais uma vez havia um santuário no centro do
mundo onde os homens poderiam ir para adorar a Deus. Aparentemente Davi
entendeu do livro de Gênesis que Jerusalém, o lar de Melquisedeque, rei-
sacerdote, como o Messias, deveria ser a cidade certa para ser o templo de
Deus (cf. Hb 7 e Sl 110, escrito por Davi). Na cidade santa o rei habitava
perto da casa de Deus, trazendo a ideia de que o rei humano é uma
representação do rei divino. Havia uma terra sagrada ao redor do santuário
pela qual a influência do lugar santo deveria fluir para todo o mundo. Com o
restabelecimento da divisão tríplice de santuário, terra e mundo, o mundo foi
finalmente reconstruído. A destruição do dilúvio foi superada pela graça de
Deus.
A provisão de um rei para governar a terra santa e para servir como um
símbolo e representação do rei celestial evidenciou o crescimento do pacto. O
reino de Deus era muito mais visível e poderoso nos dias de Salomão do que
tinha sido desde a queda.
Davi, um rei piedoso, era naturalmente responsável por promover a
reconstrução do sistema de adoração que tinha ruído por causa do pecado do
sacerdote Eli, que desonrou Deus ao não disciplinar seus filhos ímpios (1Sm
2.22-36; 3.11-14). Deus garantiu graciosamente a Davi a honra de preparar a
construção da sua casa e ao filho de Davi a bênção de construir o santuário do
novo templo, um modelo de Éden mais maduro e glorioso que o tabernáculo.
Deus também dirigiu Davi e Salomão a mudarem o sacerdócio para se
adequarem à situação do novo pacto (cf. Hb 7.12). Primeiramente Davi
replanejou o sacerdócio ao nomeá-los para servirem o templo em turnos (1Cr
23-24; 28.11-13; 20-21). Em segundo lugar, Salomão expulsou o sumo
sacerdote Abiatar e nomeou Zadoque em seu lugar, em cumprimento da
profecia contra a casa de Eli (1Rs 2.27, 35).
Um novo templo no centro da terra que foi prometida a Abraão e um
rei glorioso para representar o verdadeiro Deus: essa é a situação do reino nos
dias de Davi e Salomão. Israel estava no auge do seu poder e glória quando
Deus graciosamente cumpriu as promessas do pacto que ele fez aos seus pais.
O reino
O período de restauração é a última era da história de Israel como povo
de Deus e o período climático do antigo pacto. O reino de Deus cresceu além
de Israel e se espalhou pelas nações, que são as protetoras apontadas por
Deus para o seu povo sacerdotal. A perda de independência de Israel e a
submissão aos poderes gentios não foi um movimento negligente no
programa do reino de Deus. Abraão foi escolhido por Deus de modo que por
meio dele todas as nações do mundo pudessem ser abençoadas (Gn 12.3). Na
era da restauração, isso foi cumprido mais que em qualquer outra época da
história de Israel. Com a dispersão, os judeus se espalharam por todo o
mundo e trouxeram com eles o conhecimento do verdadeiro Deus.
Ainda que Daniel tenha passado a maior parte de sua vida servindo ao
Deus da Babilônia durante o tempo do cativeiro, ele ainda é uma boa imagem
da era da restauração, pois serviu também a “Dario, o medo”. O trabalho de
Daniel era o de aconselhar, ele era o conselheiro supremo do rei da Babilônia
e então dos sátrapas e presidentes do reino da Pérsia (Dn 6.1-3). O rei
pretendia essencialmente designar Daniel como governador da Pérsia, como
José foi no Egito: “e o rei pensava em estabelecê-lo sobre todo o reino” (Dn
6.3). Esse não foi um chamado secular. Aconselhar o rei e o auxiliar nos
negócios diários do governo era uma das funções de um profeta, como por
exemplo, o profeta Natã fez com Davi (cf. 2Sm 7).
Em outras palavras, durante a era da restauração, Israel enquanto nação
não tinha mais poder civil, mas ele foi nomeado por Deus para servir como
uma testemunha profética para o mundo. Era habilidade profética de Israel
dar conselhos religiosos aos líderes dos impérios Babilônico, Persa, Grego e
Romano, que o protegeram e apesar da sua posição no império, espalharam o
conhecimento do verdadeiro Deus. A era final da história de Israel foi uma
era profética em que a palavra de Deus foi mais abrangente que em qualquer
época da história de Israel.
Seu novo templo em Israel carecia da glória do templo de Salomão (cf.
Ag 2.3), mas como era apropriado para um povo profético em uma época
internacional, seu novo templo real era o templo “celestial” que foi revelado a
Ezequiel (40-48). Os judeus dessa época receberam uma visão gloriosa da
adoração de Israel e seu significado global que explicitou o propósito do
tabernáculo e do templo. Por meio da adoração ao verdadeiro Deus, a nação
sacerdotal deveria trazer bênçãos para todos os homens.
O reino
Na situação original do reino, o homem foi colocado em um santuário
em um jardim e recebeu o domínio sobre o mundo. Havia uma distinção entre
o Jardim do Éden e o resto do mundo, mas a diferença entre as três esferas
originais não era uma questão de santo versus impuro, mas de santidade
versus mais santidade e santíssimo. A função de domínio do homem era
preencher o mundo e transformá-lo em um Jardim de Deus, que manifestaria
os louvores do seu Rei-Criador. A queda de Adão trouxe ruína. O mundo foi
maculado. O homem foi afastado da presença de Deus e Satanás tomou
realmente o controle sobre as questões cotidianas entre a raça de Adão.
Assim, a criação original foi julgada e o mundo foi refeito nos dias de Noé,
mas o problema do pecado de Adão ainda não estava resolvido. Somente a
vinda do Messias, a descendência prometida da mulher, poderia trazer
mudanças decisivas.
Quando Jesus nasceu, o mundo do pacto da restauração havia se
deteriorado ao ponto do julgamento final. A terra foi maculada com os
pecados de um povo rebelde. O templo foi manchado com os pecados de um
sacerdócio também rebelde. O povo de Deus foi escravizado por um poder
estrangeiro, mas de uma forma mais nova e sutil que antes, pois estavam em
sua própria terra e desfrutavam de meios de liberdade externa e tolerância por
suas instituições religiosas, ainda que mescladas a desprezo e opressão.
Externamente eles estavam sujeitos a Roma e muitos dos seus líderes,
particularmente os saduceus, eram escravos espirituais da visão de mundo
romana.
Oss primeiros dias da era dos gentios foram muito diferentes do seu
fim. A época dos gentios começou com homens como Daniel, Esdras e
Neemias desempenhando a função de conselheiros proféticos para os reis dos
gentios. Nos tempos dos gentios, o relacionamento ideal entre os judeus e
seus reis gentios pode ser ilustrado no livro de Ester. Os gentios eram os
guardiões da terra nomeados por Deus, mas os judeus deveriam governar
com eles como uma rainha, com homens judeus sábios fornecendo conselhos
à corte. Enquanto os judeus foram fiéis a Deus, os reis gentios o favoreceram
e levaram a sério seus conselhos.
Na época em que Cristo veio, contudo, o tempo dos gentios já tinha
quase chegado à sua conclusão. Como em eras anteriores de rebeldia, o povo
de Deus foi oprimido. Mas os judeus dos dias de Jesus abraçaram sua
escravidão como se estivessem em liberdade. Quando Pôncio Pilatos
perguntou a eles: “Hei de crucificar o vosso rei?”, os principais sacerdotes, os
líderes oficiais da terra, responderam: “Não temos rei, senão César!” (Jo
19.15).
Eles falaram mais verdadeiramente do que pretendiam, pois os filhos
de Abraão e seus líderes, os supostos herdeiros de Esdras e Neemias,
degeneraram em críticos legalistas que estavam mais preocupados com
honras e riquezas mundanas do que com o reino de Deus. Os líderes reais dos
judeus eram os fariseus, que eram primariamente responsáveis por desviar os
judeus. Assim, desde o início do seu ministério, nosso Senhor usou
testemunho profético contra eles pela sua rejeição à palavra de Deus. Sua
palavra primária para eles era hipocrisia (Mt 6.2, 5, 16; 15.7; 16.3; 22.18;
23.13-15, 23, 25, 27; Lc 13.15), visto que não eram o que fingiam ser.
Os fariseus não só enganaram o povo nos seus próprios dias, mas
também nos nossos, ironicamente confundindo-os como se fossem seguidores
zelosos de Moisés. Ao contrário, a essência da acusação de Cristo contra eles
era que eles abandonaram a lei de Moisés e foram seguir as tradições dos
homens. Para expor a sua hipocrisia antibíblica Jesus repetidamente lhes
pergunta: “Não lestes?” (Mt 12.3, 5; 19.4; 21.16, 42; 22.31; Mc 12.10, 26).
As tradições dos seus ancestrais judeus, sem dúvida, tinham originalmente a
intenção de auxiliar na interpretação da palavra de Deus, mas essas tradições
passaram a substituir a autoridade da palavra de Deus. Essa era a essência da
acusação de Jesus contra eles: “Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais a tradição dos homens… Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus
para guardardes a vossa própria tradição… invalidando a palavra de Deus
pela vossa própria tradição, que vós mesmos transmitistes…” (Mc 7.8, 9, 13).
Foi essa escravidão a palavra de homens que constituiu o verdadeiro
cativeiro dos judeus nos dias de Jesus, assim como foi a escravidão aos
deuses das terras pagãs que constituiu o real cativeiro das eras anteriores. O
poder de Roma representou a palavra do homem em sua forma mais
impressionante. Os judeus odiavam Roma, mas eles não conheciam a
liberdade que se pode encontrar na obediência a Deus. De fato, por mais que
tivessem odiado Roma, eles preferiam escravidão prática ao seu poder do que
culto verdadeiro ao Deus vivo.
Os judeus mostraram claramente que a escravidão ao homem, não
menos que a escravidão aos ídolos, significa escravidão aos demônios.
Assim, embora os judeus fossem governados por um poder essencialmente
secular para quem a adoração do imperador não era religião, mas um meio de
subjugar o povo, eles não estavam meramente sem Deus no desprezo secular.
A terra estava cheia de demônios. Nos relatos do Evangelho sobre o
ministério de Jesus, nós lemos que onde quer que Jesus fosse ele era
confrontado por demônios que clamavam contra ele. Repetidamente Jesus
afasta os demônios para salvar os oprimidos, mas isso não cura
verdadeiramente os homens que não recorrem a Deus, como Jesus disse para
os judeus:
Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, procurando
repouso; e, não o achando, diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E, tendo voltado,
a encontra varrida e ornamentada. E, tendo voltado, a encontra varrida e ornamentada.
Então, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam
ali; e o último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro. (Lc 11.24-26)
Israel era apóstata como um todo. Seus líderes eram hipócritas. Ainda
que não adorasse ídolos como nos dias de Jeremias, sua adoração era vã (Mc
7.7). Jesus veio a Israel como um profeta chamando ao arrependimento e
prometendo a graça de Deus, mas Israel rejeitou seu testemunho, assim como
fez com o ministério de Jeremias.
Contudo, mesmo nessa época de apostasia demoníaca, Jesus foi capaz
de encontrar um remanescente que acreditasse em Deus e o seguisse. Esse
remanescente deveria ser tirado do Egito — que é o que Israel se tornou —
para uma nova terra, a igreja de Jesus Cristo. Primeiro, ele foi perseguido
pela falsa igreja — a circuncisão segundo a carne —, mas Jesus prometeu
que por fim eles seriam justificados por Deus e tornados primícias da colheita
do reino que se estende para todas as terras e tribos.
A vinda do Messias é o próprio centro da história, o ponto de virada no
programa do reino de Deus. Mesmo que todo pacto antes disso tenha acabado
em fracasso por causa da pecaminosidade do homem, no final da era dos
gentios, nos “últimos dias”, Deus garantiu um novo pacto, que mudou a
história, visto que trouxe a verdadeira redenção dos pecados. De um modo
radicalmente diferente de qualquer outra época, o novo pacto em Cristo
inaugurou um novo mundo, criou uma nova raça de homens e estabeleceu um
novo santuário com um novo sacerdócio.
Para trazer um pacto verdadeiramente novo em que o homem fosse
mais uma vez restaurado ao favor de Deus e pudesse ser seu filho amado,
Jesus teve que cumprir perfeitamente as exigências do velho pacto. A lei
exigia a morte pelo pecado de Adão e sua posteridade (Rm 6.23). Se o preço
do pecado não fosse pago, não haveria possibilidade de um novo pacto:
“derramamento de sangue, não há remissão” (Hb 9.22b). O antigo sistema
sacrificial do pacto prometia redenção por meio de sacrifício substitutivo.
Jesus cumpriu a promessa e então retirou a condenação da lei:
Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o
maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação,
não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou
no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o
sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os
contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de
Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus,
purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! (Hb
9.11-14)
Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo
santificados. (Hb 10.14)
Ao mesmo tempo, o novo pacto pode ser visto como uma renovação do
antigo pacto, já que ele não o anula simplesmente, mas o cumpre (cf. Mt
5.17-18). O novo pacto em Cristo restaura o que Adão perdeu e torna
possível para os seus descendentes o cumprimento da obra que ele se tornou
incapaz de finalizar. Assim como cada renovação do pacto adâmico original
nas eras do antigo pacto envolve continuidade, assim acontece com a
recriação do mundo em Cristo. Em Cristo, o homem ainda tem a
responsabilidade de subjugar o mundo para a glória de Deus (cf. Mt 28.18-
20).
O que é chamado de “Antigo Testamento” não é abolido como verdade
de Deus para ser substituído pelo chamado “Novo Testamento”. Na verdade
há um livro apenas, cujo todo o conteúdo é relevante e aplicável à vida cristã,
como os livros do “Novo Testamento” deixam bem claro. “Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17).
A boa obra que a nova humanidade é chamada a fazer é dupla. A
construção do reino de Deus agora não significa apenas o cumprimento da
tarefa pactual original da criação que Deus deu a Adão e Eva, frequentemente
chamada de mandado cultural (Gn 1.26-28), como também envolve o
cumprimento da Grande Comissão (Mt 28.18-20). A primeira comissão foi
dada à família, que ainda é a instituição social primária para o seu
cumprimento. A dádiva dos filhos é para a família, a educação dos filhos é
primariamente uma responsabilidade familiar, e a atividade econômica
pertence à família. Contudo, a grande comissão de Cristo foi dada à Igreja, a
quem pertence a responsabilidade de pregar o Evangelho, ensinar e batizar.
Ao ensinar a palavra de Deus a indivíduos e famílias, a Igreja traz o
poder salvador de Deus para o mundo, pois o Espírito Santo trabalha por
meio da Palavra. As famílias são renovadas pelo seu poder. Enquanto a Igreja
e a família cumprirem seus chamados dados por Deus, nações inteiras serão
transformadas e o reino de Deus será espalhado até que o mundo acredite em
Cristo. “Lembrar-se-ão do Senhor e a ele se converterão os confins da terra;
perante ele se prostrarão todas as famílias das nações. Pois do Senhor é o
reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.27-28).
[1]
O esboço original de Sutton não traz a grafia da palavra THEOS como aqui, mas os pontos são os
mesmos. Conferir Ray Sutton, That You May Prosper (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics,
1987).
[2]
James B. Jordan, Covenant Sequence in Leviticus and Deuteronomy (Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1989), p. 3-6. Jordan também sugere uma aproximação tripla ao pacto em The
Law of the Covenant (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1984), p. 7: “Em linhas gerais o
pacto tem três aspectos. Há uma ligação lícita. Há um relacionamento pessoal. Há uma estrutura que
permeia a comunidade”. Ele desenvolve uma abordagem de quatro pontos e uma de doze pontos em
Through New Eyes, p. 130-131.
[3]
Covenant Sequence in Leviticus and Deuteronomy, p. 6, 9-10.
[4]
Gary North, The Sinai Strategy: Economics and the Ten Commandments (Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1986).
[5]
Op. cit. p. 214-24.
[6]
Op. cit. p. 10-13.
[7]
Covenant Sequence in Leviticus and Deuteronomy, p. 14.
[8]
A tradução correta de Oseias 6.7a é: “Mas eles como Adão transgrediram o pacto…”. Veja,
Benjamin B. Warfield, “Hosea VI.7: Adam or Man?”, em Shorter Collected Writings, vol. 1, p. 116 ss.