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A Coragem de Crer

5a Edição

São Paulo
2017
Manual de discipulado para novos membros

A coragem de Crer

Secretário de Educação Cristã:


Rev. Adilson de Souza Filho

Revisão:
Mary Ferreira

Capa:
André Lima
© Konstantin Yuganov | Fotolia

Editoração Eletrônica:
Rev. Giovanni Alecrim

Impressão e Acabamento:
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5ª edição — maio/2017
São Paulo, SP
APRESENTAÇÃO
DA 4A EDIÇÃO
Esta revista foi editada pela primeira vez, em 1994,
com 18 lições, sob a coordenação dos reverendos Ger-
son Correia de Lacerda e Leonildo Silveira Campos.
Quatro anos mais tarde, 1998, uma segunda edição foi
produzida, sob a coordenação do Rev. Júlio Paulo Tava-
res Zabatiero, com algumas modificações que reduzi-
ram o número de lições para 13, a fim de que a revista
toda pudesse ser estudada num trimestre.
Esta 4a edição também passou por algumas mudan-
ças, pois, foram extraídas algumas lições e inseridas ou-
tras, conjugando as mudanças e necessidades de nosso
tempo. Dentre as novas lições adicionadas, destaca-se a
de número 9 sobre Ceia para crianças. Vale lembrar de
que a lição 3 é uma adaptação de duas lições da antiga
revista A Semente, sob o título: O Deus da justiça. É
importante dizer que esta revista, em suas três edições
anteriores já vendeu 15 mil unidades. Isto nos mostra
que nossas igrejas locais têm valorizado tanto a impor-
tância do discipulado aliado ao ensino de nossas dou-
trinas básicas quanto a utilização do material didático
produzido por nossa amada IPIB.
Outra novidade que esta 4a edição apresenta é a
nova capa, inspirada a partir de ícones e vitrais de nossa
Tradição Reformada. A intenção desta capa é ilustrar
ao discipulando, que almeja ser membro de nossa IPIB,
a identidade Protestante que já se aproxima de seu 5º
centenário.
Com toda certeza esta nova fase da revista “A Co-
ragem de Crer“ irá contribuir ainda mais para o

3
enriquecimento da vivência cristã dos novos membros
de nossa Igreja, além de inspirar aos pastores e pasto-
ras e ainda, outros professores (as) no preparo de novos
membros, o cuidado especial em lhes transmitir a nossa
rica Tradição Reformada.

Pela Coroa Real do Salvador

4
ÍNDICE
UNIDADE I
A BÍBLIA COMO PALAVRA DE REVELAÇÃO
1. A Bíblia e sua importância para nós .........................11
Rev. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
2. A Unidade entre o Antigo
e o Novo Testamentos .................................................17
Rev. Dirceu Ramos Teixeira
3. A Carta aos Romanos como
manual da graça de Deus ...........................................25
Rev. Timóteo Carriker

UNIDADE II
DOUTRINAS BÁSICAS
DO PRESBITERIANISMO
4. Deus: conhecemos o que Ele
nos permite conhecer ...................................................37
Rev. Abival Pires da Silveira
5. O ser humano: afastado de Deus,
mas alvo de sua graça redentora .................................43

Rev. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
6. A sedutora graça divina ..............................................49
Rev. Adilson de Souza Filho
7. Os sacramentos: Comunhão,
Memória e Esperança...................................................57
Rev. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
8. Ceia para crianças: cremos na promessa ...................65
Rev. Roberto Mauro de Souza Castro

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UNIDADE III
NOSSA HERANÇA HISTÓRICA
9. O sistema presbiterianismo de governo....................75
Rev. Leonildo Silveira Campos
10. A Alta Idade Média: berço da
Reforma Protestante ....................................................83
Rev. Adilson de Souza Filho
11. Simonton: o primeiro missionário
presbiteriano em solo brasileiro...................................93
Rev. Marco Antônio Barbosa
12. O Presbiterianismo: dos EUA para o Brasil.............99
Rev. Gerson Correia de Lacerda

UNIDADE IV
VIVENDO AUTENTICAMENTE
A FÉ CRISTÃ HOJE
13. O Efeito da graça divina no ser humano ............... 111
Rev. Adilson de Souza Filho
14. Os deveres dos membros da Igreja ......................... 117
Rev. João Dias de Araújo
15. O Culto como experiência de fé.............................. 125
Rev. Eduardo Galasso Faria

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Unidade I

A BÍBLIA COMO
PALAVRA DE
REVELAÇÃO
Lição 1

A BÍBLIA E SUA
IMPORTÂNCIA
PARA NÓS
INTRODUÇÃO Texto básico:
A Bíblia é tão importante 2 Timóteo 3.14-17
que o cristianismo tem sido Ó Deus Eterno, a tua palavra
chamado de “religião do li- dura para sempre; ela é firme
vro”. Ou seja, as várias Igrejas como o céu (Salmo 119.89).
baseiam na Bíblia a sua com-
preensão da fé, do governo Leituras diárias:
eclesiástico, da escatologia, etc. Segunda: Salmo 1.1-6
Da mesma forma, várias sei- Terça: Salmo 19.7-14
tas cristãs usam a Bíblia para Quarta: Salmo 119.1-8
justificar sua existência e suas Quinta: Salmo 119.17-24
doutrinas. Sexta: Salmo 119.25-32
Também para a cultura oci- Sábado: Salmo 119.25-32
dental, a Bíblia é um livro im-
portante. Textos bíblicos são
conhecidos e recitados até por
pessoas que não são cristãs.
Algumas passagens e histórias
bíblicas têm servido de inspira-
ção para filmes, livros e canções populares. Tudo isso mos-
tra o fascínio que a Bíblia exerce sobre as pessoas, tenham
ou não a fé cristã.
Nesta lição vamos estudar a importância da Bíblia para
o povo de Deus, bem como os motivos pelos quais deve-
mos fazer da Bíblia a nossa companheira inseparável na
caminhada espiritual.

11
A BÍBLIA É A PALAVRA DE DEUS
O texto central de nossa lição, um versículo do mais
longo Salmo das Escrituras, fala da Bíblia como a palavra
eterna de Deus. Todo o Salmo 119 é um hino de louvor e
de meditação sobre o valor e o significado das Escrituras
para a vida espiritual. Desde os primórdios da história do
povo de Deus, homens e mulheres perceberam que a Pala-
vra de Deus é um guia seguro e firme para a vida. O povo
de Deus da antiga aliança, Israel, não só reconheceu isso,
como se esforçou para preservar os livros sagrados que hoje
compõem o nosso Antigo Testamento.
A Igreja Cristã nasceu tendo o Antigo Testamento
como sua Escritura. Os primeiros cristãos usaram o An-
tigo Testamento para anunciar a Cristo, para defender a
sua fé no Messias e para desenvolver a sua liturgia e espiri-
tualidade. Perceberam, porém, que precisavam ir além dos
livros da antiga aliança. Por isso, começaram a colecionar
cartas e evangelhos. Em poucos séculos, puderam definir a
sua própria coleção de livros sagrados. Foi assim que surgiu
o nosso Novo Testamento. Jamais, porém, a Igreja Cristã
rejeitou o Antigo Testamento, que continua sendo Palavra
de Deus.
Como Palavra de Deus, a Bíblia é o registro da reve-
lação de Deus. Ela é a mensagem escrita de Deus para a
humanidade. Na Bíblia, os atos de Deus a favor da huma-
nidade, a história de Deus com o seu povo, e as angústias
e lutas do ser humano estão registradas para a edificação
dos fiéis em Cristo. A Bíblia contém ensinos e advertências
sobre os mais variados temas da vida. Ela é um guia sufi-
ciente para a vida cristã.
Mas a Bíblia não é só um guia suficiente. É também
um guia confiável. Ou seja, não podemos duvidar das
Escrituras. Encontramos nelas o ensino firme e seguro
de que necessitamos para crer em Deus e viver segundo

12
a sua vontade. Nos primórdios TAREFA
da pregação cristã, judeus da 1. Leia o Salmo 119.89-104.
cidade de Bereia, depois de Depois, faça uma reflexão a
ouvirem a mensagem pregada respeito da importância da
por Paulo, “estudaram todos Bíblia à sua vida espiritual.
os dias as Escrituras Sagradas 2. Leia Atos 17.10-15. A se-
para saberem se o que Paulo guir, medite sobre as três
dizia era verdade mesmo” (At características da Bíblia
17.11). Diante da nova men- acima apresentadas e sua
sagem do Evangelho, os judeus importância no surgimento
voltaram às Escrituras para e desenvolvimento da fé.
ver se podiam crer que Jesus
era o Messias – e creram! (At
17.12)
Por fim, a Bíblia, além de suficiente e confiável, é tam-
bém um guia eficaz. Escrevendo a um de seus discípulos
na fé, Paulo lhe fez a seguinte lembrança: “Desde menino,
você conhece as Sagradas Escrituras, que lhe podem dar
sabedoria que leva à salvação, por meio da fé em Jesus Cris-
to” (2Tm 3.15). Como Palavra de Deus, a Bíblia é um meio
eficaz para despertar a fé em Jesus – o único caminho para
a salvação.

MOTIVOS PARA ESTUDAR AS ESCRITURAS


Vamos, agora, estudar o texto básico da nossa lição – 2
Timóteo 3.16-17 – procurando os motivos que ele apre-
senta para o estudo constante das Escrituras.

1. A BÍBLIA É PALAVRA INSPIRADA


POR DEUS (V. 16)
Sabemos que a Bíblia foi escrita por seres humanos. Vá-
rios homens e mulheres, no decorrer de vários séculos, tra-
balharam para que tivéssemos as Escrituras do Antigo e do
Novo Testamentos. Essas pessoas, porém, não escreveram

13
apenas por si mesmas. O próprio Deus cuidou para que
esses escritos fossem um testemunho confiável, suficiente
e eficaz de sua revelação. Como inspirada, a Bíblia é a res-
posta humana aos atos e palavras de Deus na sua revela-
ção. É o único registro escrito dessa revelação. Não precisa
de suplementos ou complementos. O próprio Jesus assim
apresentava as Escrituras em seus debates com os judeus.
Ele dizia: “Vocês estudam as Escrituras Sagradas porque
pensam que vão encontrar nelas a vida eterna. E são elas
mesmas que falam a respeito de mim” ( Jo 5.39).

2. A BÍBLIA, PALAVRA INSPIRADA


POR DEUS, É ÚTIL (V.16)
Deus não cuidou para que sua revelação ficasse regis-
trada apenas para que a humanidade pudesse especular
a respeito dele. A Bíblia não é uma coleção de livros eso-
téricos – que servem para discutir mistérios e revelações
místicas. Ela é uma biblioteca útil para a vida: “útil para en-
sinar a verdade, condenar o erro, corrigir as faltas e ensinar
a maneira certa de viver”. Aí estão as quatro dimensões da
Bíblia: ensinar, coordenar, corrigir e guiar. Temos, portan-
to, na Bíblia tudo de que precisamos para viver a fé cristã.
No Salmo 1o , encontramos uma expressão poética
dessa verdade sobre a Bíblia. Feliz é a pessoa que tem o seu
“prazer na lei do Deus eterno, e nessa lei medita dia e noite.
Essa pessoa é como uma árvore que cresce na beira de um
riacho; ela dá frutas no tempo certo, e as suas folhas não
murcham. E tudo o que essa pessoa faz dá certo” (Sl 1.2-
3). A Palavra de Deus é útil e eficaz para a vida feliz. Ela
é digna de ser meditada constantemente, de ser estudada
intensamente e de ser amada carinhosamente.

3. A BÍBLIA, PALAVRA INSPIRADA


E ÚTIL, NOS CONDUZ À MISSÃO (V. 17)

14
Finalmente, estudamos a Bíblia a fim de sermos capa-
citados para realizar a missão que Deus confiou à Igreja. A
utilidade da Bíblia conduz a um objetivo final: “E isso para
que o servo de Deus esteja completamente preparado e
pronto para fazer todo tipo de boas ações” (2Tm 3.17). Ao
instruir Timóteo no trabalho pastoral, Paulo preocupou-
-se em exortá-lo ao estudo das Escrituras, um guia sempre
presente na vida do cristão para a realização da vontade
missionária de Deus.
Se usarmos a Bíblia apenas para especulações teoló-
gicas e discussões doutrinárias, estaremos negando o seu
valor e objetivo. A Bíblia nos capacita à realização de boas
ações, ou seja, nos capacita
para fazer a vontade de Deus
– trabalharmos para a salvação TAREFA
da humanidade (1Tm 2.4-6). Explique, com suas pala-
A Bíblia é o manual missio- vras, as quatro dimensões da
nário de Deus para a Igreja e utilidade das Escrituras. De-
para o cristão. Vamos, portan- pois, discuta com a classe a
to, estudá-la com a motivação aplicação prática dessa verdade
adequada e seremos edificados em sua vida.
pelo próprio Deus.

CONCLUSÃO
A Bíblia é o mais importante presente de Deus para
a humanidade depois da salvação. Através dela, o Senhor
nos ensina, corrige, instrui, admoesta. Através dela, chega-
mos ao conhecimento de Cristo, à fé, à maturidade espiri-
tual. Portanto, é de fundamental importância que a nossa
caminhada na fé seja sempre guiada e iluminada pelas Es-
crituras Sagradas. Dessa forma, poderemos caminhar em
rumo seguro e direto ao alvo de nossa salvação.

15
PARA DISCUTIR EM CLASSE
1. Leia o texto de Romanos 10.9-17 e debata com a classe
a respeito do papel da Bíblia na evangelização e no de-
senvolvimento da fé.
2. À luz do texto de 2 Pedro 3.15-18, discuta as dificulda-
des que podem existir no estudo e ensino da Bíblia na
Igreja.
3. Explique, com suas próprias palavras, porque a Bíblia é
indispensável para o povo de Deus.

16
Lição 2

A UNIDADE ENTRE
O ANTIGO E O NOVO
TESTAMENTOS
INTRODUÇÃO Texto básico Êxodo 3.1-12
Ao estudarmos a unida- Disse ainda o Senhor:
de entre o Antigo e o Novo Certamente, vi a aflição do
Testamentos, nos deparamos meu povo, que está no Egito, e
com a importância de co- ouvi o seu clamor por causa dos
nhecer a formação da Bíblia, seus exatores. Conheço-lhe o
levando em conta o contexto sofrimento; por isso, desci a fim
em que foi escrita, o conteú- de livrá-lo da mão dos egípcios...
do que está sendo transmiti- (Êxodo 3.7-8a)
do, bem como a distribuição
estrutural dos respectivos Leituras diárias
livros. Segunda: Gênesis 12.1-9
Lembramos de que este Terça: Êxodo 3.1-10
estudo é de suma importân- Quarta: Jeremias 31.31-34
cia para o crescimento da Quinta: Hebreus 1.1-4
vida cristã, pois para com- Sexta: João 8.3-11
preendermos a revelação de Sábado: Marcos 12.28-34
Deus em nossos dias de ma-
neira eficaz, é necessário o
conhecimento de sua palavra
na história da humanidade.
Somos portadores de um grande tesouro que é a
Bíblia, através da qual temos informações de que Deus
falava com Moisés, como se fala a um amigo, e nos fala
hoje com a mesma intensidade através de Jesus. (Êx
33.11; Jo 15.15)

17
SIGNIFICADO DA PALAVRA BÍBLIA
O termo bíblia é de origem grega e significa “os livros”, refe-
rindo-se as Sagradas Escrituras que por sua vez é formada de
uma parte maior chamada de Antigo Testamento que narra a
experiência religiosa de Israel, povo eleito por Deus. A parte
menor chamada de Novo Testamento refere-se aos cristãos
que receberam o evangelho me-
diante o ministério de Jesus.
A Bíblia protestante é com-
TAREFA posta de 39 livros escritos na
Indicar a classificação dos forma original em hebraico
livros bíblicos: Antigo Testa- com algumas porções em ara-
mento – Pentateuco; Poéticos; maico (Antigo Testamento),
Históricos; Proféticos. Novo e 27 livros escritos na forma
Testamento – Evangelhos; His- original em grego (Novo Tes-
tórico; Cartas paulinas; Cartas tamento) totalizando 66 livros.
Universais; Profético. Há mais de 5 séculos a Bíblia
compõe o primeiro lugar da lista
dos livros mais impressos, tradu-
zidos, vendidos, lidos e comentados do mundo. É prazeroso
saber que a bíblia inaugurou a tipografia em Gutenberg, em
1450, e a partir daí o texto Bíblico já foi traduzido em mais de
300 idiomas. Este feito não é por acaso, mas devido a atuação
do Espírito Santo que ao longo dos séculos viabiliza um diá-
logo entre o texto bíblico e o leitor, motivo pelo qual a Palavra
de Deus se renova a cada manhã. (Lm 3.21-23).

CONTEXTO BÍBLICO NO ANTIGO


TESTAMENTO
O antigo Testamento é fruto de uma experiência com
Deus vivenciada por um povo. Cerca de 1300 anos antes
de Cristo no Oriente onde nações como Egito, Palestina,
Líbano, Síria, Turquia, estavam submetidas ao Faraó rei do
Egito. Entre estes povos subjugados estavam os “filhos de

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Israel”, descendentes do patriarca Jacó. Estes, não tinham
lei e nem sociedade e eram conhecidos como hebreus. O
Livro do Êxodo nos relata que debaixo da proteção de
Deus e a liderança de Moisés, os filhos de Israel saíram do
Egito (Êx 3.1-12).
Atravessaram o mar, (Êx 14.21-22) no qual pereceu o
exército de Faraó. Na travessia do deserto do Sinai, Deus
se revelou aos Hebreus oferecendo-lhes uma Aliança, dan-
do-lhes uma Lei. Agora os descendentes de Jacó tornaram-
-se um povo peculiar do Deus único conhecido pelo nome
de IAHWÊ.
No Antigo Testamento há várias experiências religiosas
referentes ao povo de Israel, que têm por objetivo intensi-
ficar o amor de Deus para com a humanidade. Faremos
um inventário de alguns personagens bíblicos que, através
de suas vidas, o Antigo Testamento foi forjado. O objetivo
desta relação é levar o aluno e a aluna a refletirem o que
cada nome elencado representa para a sua fé, bem como
associar o nome à história bíblica revelada. É claro que ou-
tros nomes poderão ser apontados pela classe.
Adão, Eva, Abel, Caim, Noé, Abraão, Sara, Agar, Isma-
el, Isaque, Rebeca, Quetura, Jacó, Esaú, Raquel, Lia, Ru-
ben, Simeão, Levi, Judá, Zebulom, Issacar, Dã, Gade, Aser,
Naftali, José, Benjamim, Faraó, Moisés, Arão, Calebe, Jo-
sué, os Juízes Otoniel, Débora, Gideão, Jefté, Sansão, Rute,
Samuel, Saul, Davi, Salomão, Elias, Eliseu, reis de Israel,
reis de Judá, Profetas, Ciro, Zorobabel, Esdras, Neemias,
Ester.
Através de cada persona-
gem Bíblico percebemos o Es- TAREFA
pírito de Deus conduzindo o Escolha uma história acima
povo bem como sua história representada, e faça uma rela-
objetivando o cumprimento de ção com algum acontecimento
suas promessas (Gn 9.9-13). vivenciado em nossos dias.

19
CONTEXTO BÍBLICO
NO NOVO TESTAMENTO
Conforme os evangelhos, Jesus Cristo inaugura a Nova
Aliança com a humanidade, pois ele mesmo na última
Ceia, faz do vinho o sinal de seu sangue como sendo a Nova
Aliança (Mc 14.24; Mt 26.28; Lc 22.20; 1Co 11,25). O
autor de Hebreus vê em Jesus o fundador da Nova Aliança
(Hb 8.6-7). Lemos também no Antigo Testamento refe-
rências sobre a Nova Aliança da parte dos profetas, espe-
cialmente na fala de Jeremias ( Jr 31.31-34).
Embora o Apóstolo Paulo em (2Co 3.6) e o autor de
Hebreus (Hb 8.6-7) dão grande ênfase ao Novo Pacto,
isso não quer dizer que a Antiga Aliança foi substituída
pela Nova Aliança. Jesus em (Mt 5.17-20) nos leva a
entender que a Nova Aliança não substitui a Antiga,
antes, porém, ela tem o objetivo de estender as pro-
messas de Deus de salvação até os nossos dias, pois a
Aliança de Deus é irrevogável. Em Jesus, ela alcança a
sua plenitude.
Da mesma forma que o Antigo Testamento, o Novo
Testamento nos revela a vontade de Deus. Encontramos
registrado no Novo Testamento: a) A história de João
Batista que o identifica como precursor de Jesus, tendo a
missão de preparar o seu caminho (Mc 1.2-4); b) A genea-
logia de Jesus, conforme (Mt 1.1). Jesus é da tribo de Judá,
raiz de Davi, filho de Abraão, cujo objetivo do seu envio
ao mundo, é de proclamar o reino de Deus aos cativos, aos
pobres, aos marginalizados, aos excluídos e a todos os que
sofrem (Lc 4.18-21; Mt 6.10).
Segundo relata Johan Konings em seu livro “A palavra
se fez livro” (p. 36) Jesus não entra em Jerusalém montado
num cavalo guerreiro, mas num jumento, como o Messias pa-
cífico e sofredor das profecias de (Zc 9 e 12). Para Jesus, ser
Messias era ensinar, pelo dom da própria vida, que Deus é fiel

20
e bom até o fim: ele é Messias ao modo do Servo Sofredor de
(Is 52.13-53,12; Mc 10.45).
Após o ministério terreno de Jesus, temos o relato de sua
morte e ressurreição (Mc 16.7-9). Em torno deste evento, nas-
ce a primeira comunidade cristã, cujo centro era a vida, mor-
te e ressurreição de Cristo, fato que impulsiona os primeiros
cristãos a construirem uma Igreja querigmática, ou seja, uma
Igreja anunciadora, missionária, pregadora das boas novas do
Reino de Deus. (1Co 15.3-5). Participaram deste momento
singular da Igreja primitiva os 12 Discípulos, Estevão, Filipe,
Paulo e muitos outros dirigidos pelo Espírito Santo de Deus.
E para que este evangelho chegasse até nós, o Espírito
Santo dirigiu homens e mulheres que com afinco divul-
garam a palavra de Deus, entregando muitas vezes, suas
próprias vidas à morte em amor e fidelidade ao evangelho.
Conforme registra a história, um homem chamado
Policarpo, Bispo de Esmirna, por volta do ano 155 d.C
foi preso e convidado a retratar-se, ou seja, negar a sua
fé em Cristo diante das autoridades. Como não temeu às
feras e nem ao fogo, sua sentença foi decretada, morte na
fogueira. Antes de ser queimado fez a seguinte oração: “...
Deus fiel e verdadeiro. Por esta graça e por todas as coisas, eu
te louvo, bendigo, e glorifico, em nome de Jesus Cristo, eterno e
sumo sacerdote, teu Filho amado. Por ele, que está contigo, e o
Espírito Santo, glória te seja dada agora e nos séculos vindou-
ros. Amém! Depois de Policarpo proferir este amém, os car-
rascos acenderam a fogueira e a
chama alçou-se alta e brilhante”
(H. Bettenson, Documentos PARA REFLETIR
da Igreja Cristã pg. 43). O que temos contemplado
E hoje, o que estamos fa- em nossos dias? Pessoas que
zendo para manter viva a pala- dão a vida em favor do evange-
vra de Deus que traz à huma- lho, ou pessoas que ganham a
nidade libertação e salvação? vida através do evangelho?

21
A RELAÇÃO ENTRE O ANTIGO
E O NOVO TESTAMENTOS
No contexto do Antigo Testamento percebemos o agir
de Deus na condução do povo Hebreu, e através dos profe-
tas é interpretado o presente e o futuro de Deus na história.
As profecias que falam da vinda do Messias se cumprem no
Novo Testamento, muito embora, um tanto diferente do
que o Antigo Testamento esperava, pois Jesus não vem como
um rei que restabeleceria a independência nacional de Israel.
Pelo contrário, ele morreu, morte vergonhosa na cruz.
Vemos claramente neste fato, a vontade de Deus na his-
tória da humanidade sendo cumprida. Mais do que ter a
independência de um governo terreno e temporal, Deus nos
dá em Jesus uma liberdade plena, onde todos os povos in-
dependente de cor, raça, sexo, ao despertarem para o modo
de vida ensinado por Jesus, se respeitarão, terão liberdade
terrena, espiritual, praticarão a justiça e velarão pela manu-
tenção da paz no meio da humanidade (1Co 12.13).
Existe um tipo de interpretação Bíblica chamada “tipo-
lógica”, que, se aplicada ao Antigo Testamento de forma in-
certa, com certeza estaria obscurecendo o agir de Deus na
história de seu povo. Esta forma procura enxergar Jesus em
todas as passagens Bíblicas de Gênesis a Apocalipse, sendo
assim, o que seria peculiar ao Antigo Testamento perderia
o seu momento vivencial.
Temos que tomar cuidado com a interpretação “tipológica”
do Antigo Testamento, pois o ponto de conexão entre o An-
tigo e o Novo Testamentos, reside justamente na revelação de
Deus na história de Israel até a vinda de Jesus Cristo.“Esta his-
tória de revelação é uma unidade. Jesus Cristo é seu fim, seu Alvo,
por isso uma completa a outra”, conforme disse Rolf Rendtorff
em seu livro “A Formação do Antigo Testamento” p. 47.
Faltando o Antigo Testamento, não se entende o Novo
Testamento, e em contra partida, faltando o Novo não se

22
entende o Antigo. Como disse Carlos Mesters, o Antigo Tes-
tamento dá som e volume às palavras novas do Evangelho.
O Antigo Testamento é a memória do povo de Deus,
pois bem sabemos que um povo sem memória não tem co-
nhecimento de suas raízes, e, consequentemente, perde a
direção, não sabe de onde veio, para que veio e para onde
vai. E na ressurreição de Jesus encontramos o despertar ple-
no desta memória. E podemos dizer com convicção que em
Jesus o pacto de Deus com Abraão é cumprido (Gn 12.3).
Graças a essa memória, a atitude inconsciente de so-
brepor o Novo ao Antigo Testamento ou vice versa, perde
o sentido, pois sabemos que o Pai, o Filho e o Espírito San-
to são um, e conforme diz o Apóstolo Paulo em (Cl l.15-
17), Jesus é antes de todas as coisas e nEle todas as coisas
subsistem. Logo, uma expressão usada por um dos Pais da
Igreja que diz: “O Novo está latente no Antigo, o Antigo
patente no Novo”, denota que o estudo sério da Bíblia leva
em conta a unidade do Antigo e do Novo Testamentos.

ANTIGO E NOVO TESTAMENTOS, FONTE


DE LIBERTAÇÃO
Jesus quando questionado pelos homens naquela pas-
sagem em que uma mulher é pega em adultério, não apli-
ca uma nova lei, mas faz uma releitura da lei baseado no
propósito para o qual Deus Pai o enviou ao mundo. Essa
releitura tem como primazia o amor a vida, a justiça e a co-
erência. A lei revelada a Moisés em nenhum momento se
contradiz, antes, porém, Jesus a interpreta no seio da comu-
nidade, e não de uma forma unilateral. Jesus diz: “... quem
não tem pecado que atire a primeira pedra ...” ( Jo 8,3-11).
Por que ninguém apedrejou aquela mulher? Por que sa-
íram um a um? Por que optaram por deixar aquela mulher
pecadora ir em liberdade? Por que o mesmo Antigo Testa-
mento que aponta para a memória da lei, aponta também

23
para a memória do livramento de Deus na história do povo.
Portanto, aqueles homens que questionaram Jesus re-
tomaram a memória de que eram pecadores, de que seus
pais pecaram e que mesmo assim Deus teve misericórdia
e os libertou do cativeiro. Neste acontecimento, visuali-
zamos a lei ensinada por Moisés sendo aplicada por Jesus
mediante a mais pura essência de Deus, que é o amor (Mc
12.30-31; 1 Jo 4,8).

CONCLUSÃO
A Bíblia, Antigo e Novo Testamentos, é uma unidade
divinamente inspirada. É um livro divino e humano ao
mesmo tempo, pois Deus se revelou na história da huma-
nidade a fim de trazer libertação, e para isso enviou Jesus,
que é Deus e homem, para completar a sua obra salvífica.
Quando levamos a sério o estudo Bíblico, passamos a
compreender a comunicação de Deus para com a nossa
era. Assim, não nos conformaremos com este século; en-
tenderemos perfeitamente que a palavra de Deus vai alem
de Gênesis a Apocalipse, pois alcançou o povo de Israel, a
Igreja primitiva; alcança as nossas vidas e alcançará todos
os povos que tiverem contato com a sua palavra.

PARA DISCUTIR EM CLASSE


1) Uma vez que a Bíblia, Antigo e Novo Testamentos é a
revelação de Deus para a humanidade. Pergunta: Na
escala de 1 a 10, qual lugar tem ocupado o Estudo Bí-
blico na sua Igreja? Quantas Bíblias foram distribuídas
no decorrer do ano? Sua Igreja tem o costume de doar
Bíblia ao recém nascido?
2) Como identificar quando um versículo Bíblico é inter-
pretado de maneira isolada de seu contexto?

24
Lição 3

A CARTA AOS ROMANOS


COMO MANUAL DA
GRAÇA DE DEUS
INTRODUÇÃO Texto básico:
A Carta aos cristãos de Romanos 5.18-21
Roma já recebera ao longo dos Porque se muitos morreram
séculos vários nomes. Con- pela falha de um, quanto mais a
tudo um nome de destaque é graça de Deus transbordou para
“A Carta Magna”. Diz-se que muitos pelo único ser humano,
a conversão de John Wesley Jesus Cristo (Romanos 5.15*).
se deu quando este lia um co-
mentário de Martinho Lutero Leituras diárias:
à Carta aos Romanos. Com Segunda: Romanos 5.12
toda certeza podemos afirmar Terça: Romanos 5.13-14
que esta carta adquiriu ao lon- Quarta: Romanos 5.15-16
go do cristianismo o status de Quinta: Romanos 5.17-18
manual doutrinário do povo de Sexta: Romanos 5.19
Deus. E podemos afirmar ain- Sábado: Romanos 5.20
da que Graça é a palavra que
sobressai nesta carta.
Ao considerarmos a pala-
vra Graça como chave textual, inevitavelmente passamos
a falar em pecado/salvação. Sendo assim, há dois grupos
humanos - um caracterizado pelo pecado e pela culpa e o
outro caracterizado pela graça e pela fé. O primeiro grupo
é proveniente de Adão e o segundo, de Cristo. A primeira
palavra da passagem, “portanto” (Rm 5.12 – RA), indica
o desenvolvimento lógico do trecho
anterior. Como Paulo havia atribuído *Tradução do autor

25
a nossa reconciliação e salvação à morte de Jesus (Rm 5.9-
10), a pergunta que se levanta naturalmente é: “Como o
sacrifício de uma só pessoa pode trazer benefícios para
tantas outras?” A resposta se encontra no contraste entre
Adão e Cristo, duas pessoas cujas ações foram determinan-
tes, não só para si mesmos, mas para todos os seus “descen-
dentes”. Todos os seres humanos, sem exceção, são sujeitos
às conquistas destas duas figuras (Adão e Cristo). E assim,
todos nós somos “escravos” ou de uma ou de outra.

1. DOIS TIPOS DE PESSOAS: OS HERDEIROS


DE ADÃO E OS HERDEIROS DE CRISTO
(RM 5.12-14)
As implicações destes três versículos são claras. Há apenas
duas possibilidades de condição humana e elas são exempli-
ficadas, e até mesmo determinadas, pelas pessoas de Adão e
Cristo. Através da primeira pessoa citada, o “primeiro Adão”,
a inclinação para o mal dominou a raça humana. Pela segun-
da, o “segundo Adão”, instalou-se um domínio de justiça.
Consideremos agora, mais detalhadamente, as conse-
quências do “primeiro Adão” para toda a raça humana.
Primeiro, Paulo nos disse que por um homem entrou o
pecado no mundo (Rm 5.12). Ele não nomeou o “homem”,
mas claramente se refere a Adão, inclusive porque a palavra
“Adão” na língua hebraica significa “homem”, não no sentido
do gênero macho, mas no sentido de “ser humano” ou “pes-
soa”. Isto significa que Eva também é implicada1, mas Paulo
não a menciona porque ele está querendo fazer uma analo-
gia entre Adão (o “primeiro”) e Cristo (o “segundo Adão”).
Como Paulo chegou a associar Cristo com Adão? Talvez
a explicação seja a seguinte: antes da sua conversão, Paulo,
então Saulo, era um fariseu convicto e
1Vejam 2 Coríntios 11.3; 1 Timóteo definitivamente não considerava que
2.13-14. O texto apócrifo de Eclesiásticus
25.24 também trata do assunto Jesus era o Messias prometido, como

26
os discípulos de Jesus alegavam. Digo “definitivamente não
considerava”, porque um fariseu que valorizasse como supre-
ma a Lei divina, entendia que um crucificado não poderia
ser o escolhido de Deus, pois fora “pendurado em madeiro”
(vejam Gl 3.13, que cita Dt 21.23). Mas a vida de Paulo mu-
dou. A visão de Jesus glorificado na estrada para Damasco o
convenceu de que Jesus era o “Filho do Homem” glorificado2
da tradição judaica3 e das próprias palavras de Jesus4. Por-
que o “Filho do Homem” é interpretado em Daniel como
uma figura coletiva que representa o povo de Deus (Dn
7.18, 22, 27), Paulo também concluiu que, assim como Jesus
representa o povo de Deus, de modo semelhante Adão, que
significa “homem”, representa a humanidade toda (caída).
Logo, ele poderia associar Jesus com aquele que, diferente de
Adão, obedeceu a Deus, cumprindo o seu propósito de exis-
tir. Por isso, Paulo o chamará de “último” Adão (1Co 15.45).
Segundo, pelo pecado entrou a morte no mundo (Rm
5.12), uma alusão a Gênesis 2.17 e 3.19. Isto quer dizer
que junto com a introdução do pecado por Adão, veio tam-
bém a morte. Veremos mais adiante que quando fala sobre
“morte”, Paulo se refere à inclinação inevitável para o peca-
do, mas também se refere à morte física.
Terceiro, como a morte veio ao mundo por meio do
pecado, ela veio a todos, “porque” todos pecaram (Rm
5.12-14). Qual será a razão do apóstolo utilizar a pala-
vra “porque”? A palavra “porque” pode indicar ou sequência
ou participação. Se entendermos no sentido de sequência,
“primeiro” Adão e “depois” todos, a ideia seria de imitação
(todos pecaram como Adão). Esta posição foi defendida
pelo monge “bretão” Pelágio, no iní-
cio do século V. Ele negou o pecado 2Vejam, por exemplo, 2 Coríntios 4.4-6
original e ensinou uma espécie de 3Ezequiel 1 e capítulos subsequentes;
auto-salvação. Entretanto, não se Daniel 7.9-14; Apocalipse 1
4Vejam ecos destas palavras em 1
deve entender a palavra “porque” (Rm Coríntios 15.23-28.

27
5.13 – RA) em termos de “sequência”, mas em termos de
“participação”, suscitando a ideia de co-responsabilidade:
todos pecaram em e com Adão. Esta posição foi defendida
por Agostinho, em oposição a Pelágio, e com base na refe-
rência feita a Adão no judaísmo antigo, como um modelo
para todo o mundo:
Esta interpretação (a da co-responsabilidade) faz mais
sentido no contexto da carta onde Paulo afirma, primeira-
mente, que antes da lei mosaica, o pecado já estava presente
no mundo (Rm 5.13); segundo, que o pecado não foi leva-
do em conta quando não havia lei (Rm 5.13) e, finalmen-
te, e mesmo assim, a morte reinou desde Adão até Moisés,
mesmo sobre aqueles que não pecaram por não quebrarem
um mandamento da Lei, como
Adão (Rm 5.14). Mais adiante,
TAREFA em cada um dos próximos cinco
Façam uma pesquisa na versículos (Rm 5.15-19), Paulo
Wikipédia sobre Pelágio. O afirma que o pecado ou a deso-
que você pode descobrir a res- bediência de um homem trouxe
peito das ideias dele e da refu- morte, julgamento e condena-
ta por Agostinho? Comparem ção para todos os homens.
com Romanos 5.12-14. Conforme a analogia entre
Adão e Cristo, da mesma manei-
ra que somos condenados pela
atitude de Adão, também somos
justificados pelo feito Cristo. A ideia da nossa participação no
pecado de Adão pode parecer estranha para nós hoje, mas não
era nem um pouco estranha para os judeus de antigamente5.

2. OS DOIS TIPOS DE PESSOAS SÃO


CONTRASTADOS (RM 5.15-17)
Cada uma das pessoas, Adão e
Cristo, estabelece uma consequência
5Comparem com Josué 7.1, 11; Atos
4.27; Hebreus 6.6; 7.9-10 diferente. A ofensa de Adão marca a

28
entrada da morte e o dom de Cristo introduz a vida no
mundo (Rm 5.15). Só que estas duas consequências não
são iguais. Paulo diz que a segunda ação, o dom de Cristo,
é muito maior. Portanto, ela é superior à primeira. Isto é
muito diferente da filosofia oriental, onde as forças do bem
e do mal são equilibradas e iguais (por exemplo, o ying e o
yang, do confucionismo).
As ações de cada um, o pecado de Adão e o dom
de Cristo, também levam a resultados diferentes (Rm
5.16). O resultado do dom
de Cristo é a justificação,
neste caso, o veredito de ino- TAREFA
cência no julgamento, isto é, Vamos dar uma pausa na
a retificação. O resultado do consideração do argumento de
pecado de Adão é condena- Paulo, para refletir sobre a sua
ção. Novamente, a proporção maneira de falar sobre o assun-
de cada ação é diferente, pois to. Podemos perceber, na pas-
a condenação veio de um só sagem estudada, como Paulo
pecado, enquanto a justifi- considera cada detalhe e argu-
cação foi aplicada a muitas mento de um jeito muito racio-
ofensas. Por isso, a ação de nal e metódico. Por que será? O
Cristo que resultou na jus- que isto sugere a respeito dos
tificação é muito superior à seus leitores ou do momento
ação de Adão, que resultou que Paulo enfrentava na sua
na morte. vida, antes de prosseguir para
Finalmente, mais um con- Jerusalém (Romanos 15.25)?
traste: se por meio de uma só Paulo sempre escreve deste
pessoa e de seu pecado, a mor- jeito? Podem dar exemplos de
te dominou a raça humana, lugares onde ele fala de modo
em contrapartida, aqueles que semelhante ou de modo bem
receberam a abundante graça diferente? Tirem um tempo
e o dom da justiça, muito mais para pesquisarem rapidamente
reinarão em vida por meio de nas cartas de Paulo e prestarem
Cristo (Rm 5.17). relatório do que encontraram.

29
3. FINALMENTE, AS DUAS PESSOAS
SÃO COMPARADAS, NÃO APENAS
CONTRASTADAS (RM 5.18-21)
A condenação veio por um, Adão, e a justificação tam-
bém veio por um, Cristo (Rm 5.18; comparem com Rm
5.16). Consequentemente, as ações causadoras da conde-
nação e da justificação vieram “por meio de um”, a desobe-
diência por Adão e a obediência por Cristo (Rm 5.19)
Nesta altura, Paulo considera o papel da Lei, pois havia
uma outra figura na história bíblica, entre Adão e Cristo,
associada com uma mudança no comportamento humano:
Moisés. A dúvida surge: e a Lei? Diante das ações de Adão
e de Cristo, o que podemos dizer a respeito do propósito
da Lei (Rm 5.20-21)? Paulo
responde: a Lei foi acrescenta-
TAREFA da para “intensificar o pecado”
Como a Lei intensifica o e, assim, também foi intensi-
pecado? E como a Lei inten- ficada a graça de Deus. Como
sifica a graça? Dêem exemplos a Lei intensifica o pecado? E
da vida diária, casos pessoais como a Lei intensifica a graça?
ou que a classe conhece. Podemos concluir que a Lei
não foi a “solução” para o peca-
do. Serviu e serve apenas para
nos conscientizar do pecado e,
assim, intensificar o pecado. Mas a graça de Deus em Jesus
foi e é a solução, pois faz o que a Lei não consegue: domi-
nar o pecado. E como resultado, a graça de Deus em Jesus
domina e efetua a justiça para a vida eterna - maravilhosa
graça, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor (Rm 5.21).

4. A SALVAÇÃO POR CRISTO É UNIVERSAL,


COMO A CONDENAÇÃO POR ADÃO É
UNIVERSAL?
Será que a salvação e a condenação são paralelas? Vamos

30
tentar responder esta pergunta do modo mais justo possí-
vel, sem a interferência imediata da nossa doutrina, princi-
palmente porque, por um lado, a resposta é “sim”. A salva-
ção é universal. Pelo menos esta é a linguagem que Paulo
usa (vejam o paralelo indicado pela frase “todos os homens”
(RA), que aparece duas vezes no verso 18 de Romanos 5, e
o paralelo indicado pela palavra “muitos”, que encontramos
também duas vezes no verso 19 do mesmo capítulo6.
Mas a resposta “sim” é apenas aparente. Quando olha-
mos para a nossa passagem com mais cuidado, concluímos
que a salvação, diferente da condenação, não é universal
(pelo menos não no mesmo sentido absoluto). A frase “to-
dos os homens” não pode se referir, absolutamente, a todos
os seres humanos, porque:
1) as duas comunidades de pessoas, referentes a Adão e a
Cristo, são relacionadas de maneiras diferentes. Esta-
mos “em Adão” por nascimento físico, mas estamos “em
Cristo” somente por um novo nascimento espiritual;
2) aqueles que reinam em vida (Rm 5.17) através de Cris-
to, claramente não são to-
das as pessoas, mas somen-
te “aqueles que recebem a
provisão abundante da gra- TAREFA
ça de Deus”; Se a salvação não é univer-
3) Paulo enfatiza, através das sal, por que, às vezes, Paulo
suas cartas, que a justifica- usa “linguagem universal” para
ção vem “pela fé”, e descrevê-la? A quem ele está
4) a carta aos Romanos con- se referindo? É necessário o
tém advertências sobre a ira anúncio do Evangelho para
de Deus, que se manifes- aqueles que não são seguidores
tará no dia final (Rm 2.5, de Cristo? Por quê?
8-10) sobre aqueles que
persistirem no pecado, os
6Semelhantemente, 1Coríntios 15.22 se
quais perecerão (Rm 2.12). refere ao tema

31
CONCLUSÃO
Em Romanos, Paulo está se preparando para prosse-
guir com a sua missão, visando a uma viagem para a Espa-
nha (Rm 15.24). Mas antes, ele terá que passar por Jeru-
salém a fim de entregar uma oferta que levantara há anos
com as igrejas gentílicas, em favor dos pobres da igreja mãe
de Jerusalém (Rm 15.26-29). Lá, o apóstolo enfrentará
oposição ao seu ministério, porque alguns cristãos judeus
acreditavam que os gentios convertidos deveriam ser cir-
cuncidados, conforme as Escrituras. Boa parte da Carta
aos Romanos é a resposta antecipada para esta situação.
O Evangelho é necessário para todos, tanto gentios quanto
judeus (Rm 1.18-3.20). Mas como este Evangelho se ma-
nifesta biblicamente (Rm 3.20-4.25)? Pela cruz de Cristo
(capítulo 3) e isto conforme o exemplo de Abraão (capí-
tulo 4). E quais são as consequências deste Evangelho na
vida das pessoas (capítulos 5 a 8)? Primeiro, temos vida e
paz com Deus. Segundo, o Evangelho nos liberta dos nos-
sos pecados (esta é a mensagem de Rm 5.12 até o final do
capítulo 7). A lição de hoje apenas introduz esta explica-
ção, dizendo-nos que há dois modos de viver conforme as
consequências da atitude de duas pessoas chaves para toda
a raça humana: Adão e Cristo. Prestemos atenção, pois a
lição continua na semana que vem!

32
Unidade II

DOUTRINAS
BÁSICAS DO
PRESBITERI-
ANISMO
Lição 4

DEUS: CONHECEMOS O
QUE ELE NOS PERMITE
CONHECER
INTRODUÇÃO Texto básico:
A doutrina de Deus é Efésios 4.4-6
muito importante na fé cristã. Vão a todos os povos do mundo
A sua afirmação fundamental e façam que sejam meus
é a de que Deus é um só, em seguidores, batizando esses
três pessoas. Este é o aspecto seguidores em nome do Pai,
peculiar da doutrina cristã a do Filho e do Espírito Santo
respeito de Deus: a crença na (Mateus 28.19).
Trindade. A Trindade perten-
ce à essência da fé cristã. Ela Leituras diárias:
distingue a concepção cristã Segunda: Efésios 4.1-6
de Deus das concepções das Terça: 2 Coríntios 13.1-13
outras religiões e filosofias. Quarta: 1 Pedro 1.1-12
Entretanto, é impossível ao Quinta: Salmo 46
ser humano entender plena- Sexta: Mateus 28.16-20
mente o ser trino de Deus. Sábado: 1 Coríntios 12.1-11

A FONTE BÍBLICA
DA DOUTRINA
DA TRINDADE
A Bíblia não ensina diretamente a doutrina da Trin-
dade. Não usa a palavra Trindade, nem expressões como
“um em três”, “três em um”, etc. A doutrina da Trindade
foi desenvolvida pela Igreja Cristã no decorrer de vários
séculos, como uma tentativa de explicar o mistério de

37
PARA MEDITAR Deus, revelado nas Escritu-
Ao tratarem da Trindade, ras de modo compreensível
dois teólogos do nosso tempo ao ser humano. Em outras
disseram as seguintes palavras palavras, apesar de não en-
para a nossa reflexão: contrarmos a doutrina da
“Depois de termos dito tudo Trindade pronta e acabada
aquilo que julgamos ser funda- na Bíblia, é nela que encon-
mental a respeito do Pai, do Fi- tramos as raízes dessa dou-
lho e do Espírito Santo, devemos trina, que forçaram a Igreja a
ir além e reconhecer que não dis- formulá-la, tal como a temos
semos nada” (Karl Barth). hoje. São essas raízes bíblicas
“Hoje falamos deste mistério, da doutrina da Trindade que
contornando-o de certo modo, passamos a analisar.
quase que com medo, para não 1) O Deus uno – “Escute,
inquietar o intelecto dos homens” povo de Israel! O Eterno, e so-
(Hugo Rahner). mente o Eterno, é o nosso Deus”
(Dt 6.4). Esse era o credo do
antigo Israel, numa época em
que imperava o politeísmo
(a crença em muitos deuses). Jesus, ao ser indagado
a respeito do primeiro e maior dos mandamentos,
simplesmente repetiu esse credo (Mc 12.29). A Igreja
Primitiva, em seus escritos, também afirmou a mesma
coisa: “Sabemos que há somente um Deus” (1Co 8.4).
Veja também o texto de Efésios 4.6.
2) Deus, o Filho – O Novo Testamento afirma claramen-
te que Jesus é Deus. Ele fala e age como Deus (Mt 9.2;
12.28; 19.3-9). Tomé dirigiu-se a Jesus, dizendo: “Meu
Senhor e meu Deus” ( Jo 20.28). O próprio Cristo afir-
mou: “Eu e o Pai somos um” ( Jo 10.30). Muitos outros
textos repetem essa afirmação. Assim, em Cristo, nós
nos encontramos com o próprio Deus. Ele não é um
homem enviado por Deus. Não é mais um dos profe-
tas ou dos anjos. Jesus é Deus mesmo. Se quisermos

38
saber como Deus é, devemos olhar para Jesus. Ele é
Emanuel, isto é, “Deus conosco”.
3) O Espírito Santo é Deus – O Novo Testamento afirma
também que Deus não é apenas o Deus acima de nós,
como Pai e Criador, ou o Deus conosco, na pessoa do
Filho. O Novo Testamento diz que Deus está “em nos-
sos corações” (Gl 4.6), como Espírito Santo. (Veja, ainda,
os capítulos 14, 15 e 16 do evangelho de João.) Por meio
do Espírito Santo, Deus está presente e age entre nós.
4) Pai, Filho e Espírito Santo são um – Como pode
Deus ser Pai, Filho e Espírito Santo e, ao mesmo
tempo, permanecer uno? Vários textos do Novo
Testamento afirmam esse
mistério: Mateus 28.19;
2 Coríntios 13.13; Efésios TAREFA
4.4-6; 1 Pedro 1.2. Qual é Leia Efésios 4.4-6 e Ma-
o significado desse “três” e teus 28.19-20. Depois, debata
desse “um”? Essa é a ques- com a classe o significado das
tão fundamental da dou- distinções entre Pai, Filho e
trina da Trindade. Espírito Santo no ser divino.

O DESENVOLVIMENTO
DA DOUTRINA DA
TRINDADE
A doutrina da Trindade foi desenvolvida aos poucos,
no decorrer de alguns séculos, em resposta a várias heresias
que surgiram na Igreja. Três interpretações erradas das ra-
ízes bíblicas da doutrina da Trindade foram as que mais se
destacaram na história da Igreja:
1) O Unitarianismo – interpretação que nega a existên-
cia de três pessoas distintas no ser divino. Com isso,
não consegue explicar a obra salvífica de Jesus Cristo;
2) O Subordinacionismo – doutrina que afirma a Trin-
dade, mas diminui a divindade de Cristo. Diz que

39
Jesus é subordinado ao Pai, tendo sido um homem,
mas não plenamente Deus;
3) O Modalismo – nega a existência de três pessoas no
ser divino, dizendo que a Bíblia fala apenas de três
modos diferentes de Deus se revelar e agir no mundo.

Em resposta a tais heresias, a Igreja Cristã Primitiva,


em dois grandes concílios, definiu a doutrina da Trinda-
de da seguinte forma:
a) Concílio de Niceia (325 d.C.) – Formulou um credo
com as seguintes palavras: “Cremos em um Deus, Pai
poderoso, que fez todas as coisas visíveis e invisíveis,
e no Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus...
Cremos no Espírito Santo”;
b) II Concílio de Constantinopla (381 d.C.) – acrescen-
tou a seguinte frase ao credo de Niceia: “Cremos no
Espírito Santo, que é o Senhor e doador da vida, que
procede do Pai, com o Pai e o Filho juntos é cultuado
e glorificado, e que falou pelos profetas”.

O DEUS NO QUAL CREMOS


A doutrina da Trindade foi, portanto, a resposta da
Igreja Cristã às heresias a respeito do ser divino. Sobre
essa doutrina, a Confissão de Fé de Westminster, adota-
da pela nossa Igreja, afirma: “Na unidade da divindade,
há três pessoas de uma mesma substância, poder e eter-
nidade – Deus, o Pai; Deus, o Filho; e Deus, o Espírito
Santo”.
Isto quer dizer que Deus é um só, ou seja, há uma só
essência ou substância divina. Contudo, Deus vive como
três pessoas em um só ser. É o mesmo Deus que age e vive
como Pai, como Filho e como Espírito Santo.
Muitas analogias, figuras e comparações têm sido fei-
tas para explicar este mistério de Deus. Por exemplo: o

40
Pai, o Filho e o Espírito Santo são como o sol, os raios
do sol e o calor por ele produzido. Entretanto, nenhuma
figura é suficiente para explicar plenamente o infinito e
inatingível ser de Deus.
Ao afirmar a doutrina da Trindade, a Igreja Cristã en-
fatiza a peculiaridade de sua fé, aquilo que a torna distin-
ta de todas as demais religiões:
a) Deus é o criador. Como tal, Deus não se confunde com
a sua obra, que é a criação (o chamado panteísmo). Ele
é o Senhor e sustentador de todas as coisas criadas;
b) Deus, o criador, fez-se homem, na pessoa de Jesus
Cristo, o Filho, a fim de salvar a humanidade do
pecado e suas consequências. Deus, em Cristo, es-
tava reconciliando o mundo consigo mesmo, e o Es-
pírito Santo concretiza a reconciliação na vida dos
indivíduos;
c) O mesmo Deus, que criou todas as coisas e que se fez
carne em Jesus Cristo, é o Espírito Santo, que move os
corações das pessoas e vivifica a Igreja.

CONCLUSÃO
É impossível definir Deus em sua plenitude. A dou-
trina da Trindade é a melhor resposta que a Igreja encon-
trou para explicar os dados bíblicos a respeito de Deus.
Entretanto, ainda é insuficiente para explicar a totalida-
de do ser de Deus. Por isso, devemos afirmar a nossa
fé no Deus Trino com espírito de reverência e adoração.
Saibamos, pois, que o Deus no qual cremos é infinito e,
ao mesmo tempo, misericordioso; grandioso e humilde;
exaltado e encarnado.
A melhor forma de concluir uma lição sobre a doutri-
na de Deus é repetir as palavras do apóstolo Paulo:
“Como são grandes as riquezas de Deus! Como são pro-
fundos o seu conhecimento e a sua sabedoria! Quem pode

41
explicar as suas decisões? Quem pode entender os seus pla-
nos? Como dizem as Escrituras Sagradas: Quem pode conhe-
cer a mente do Senhor? Quem é capaz de lhe dar conselhos?
Quem já deu alguma coisa a Deus para receber dele algum
pagamento? Pois todas as coisas foram criadas por ele, e tudo
existe por meio dele e para ele. Glória a Deus para sempre!
Amém” (Rm 11.33-36).

PARA DISCUTIR EM CLASSE


1. Por que é impossível ao ser humano explicar totalmen-
te o ser de Deus?
2. Por que não podemos aceitar o unitarianismo, o su-
bordinacionismo e o modalismo? Em que sentido essas
três heresias contrariam o ensino bíblico?
3. Aceitar a doutrina da Trindade não significa crer na
existência de três deuses. Não somos politeístas. Nós
cremos em um só Deus. Somos, portanto, monoteís-
tas. Qual a diferença entre o politeísmo e a crença na
Trindade?
4. Para falar a respeito da atuação de Deus, temos de
tomar como base a doutrina da Trindade, isto é, a
atuação de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo.
Nesse sentido, o que Deus já fez e continua a fazer
pela humanidade?

42
Lição 5

O SER HUMANO:
AFASTADO DE DEUS,
MAS ALVO DE SUA
GRAÇA REDENTORA
INTRODUÇÃO Texto básico
Na lição anterior, vimos um Salmo 8.1-9
pequeno lampejo da glória do No entanto, fizeste o ser
ser divino. Deus é tão grandioso humano inferior somente a ti
e sublime que nenhuma doutri- mesmo, e lhe deste a glória e a
na será capaz de explicá-lo em honra de um rei (Salmo 8.5).
sua plenitude. Contudo, Deus
decidiu, em sua misericórdia e Leituras diárias
soberania, criar o mundo e o ser Segunda: Gênesis 1.26-31
humano. A humanidade rece- Terça: Gênesis 2.4-17
beu um tratamento especial de Quarta: Romanos 1.18-32
Deus. Deus criou o ser humano Quinta: Romanos 3.9-23
“à sua imagem e semelhança” (Gn Sexta: Romanos 3.24-30
1.26). Portanto, somos seres Sábado: Romanos 4.1-12
privilegiados! Fomos criados à
imagem e semelhança de Deus!
O texto central da nossa lição
diz exatamente isso, quando afirma: “Fizeste o ser humano in-
ferior somente a ti mesmo” (Sl 8.5).
Por outro lado, porém, a história da humanidade mostra
que somos muito diferentes de Deus. Somos maus. Adoe-
cemos. Morremos. Quase nada em nós nos faz lembrar que
fomos criados “à imagem e semelhança de Deus”. O que foi

43
que aconteceu? Como a Bíblia explica o fato do ser humano
ser tão mau e, ao mesmo tempo, apresentar vislumbres de
amor, compaixão e fé?

CRIADOS POR DEUS,


MAS AFASTADOS DE DEUS
A história da humanidade começou de uma forma mui-
to bonita. Deus criou o ser humano “parecido com Deus”.
Homem e mulher são expressão do amor e do ser de Deus.
Deus abençoou o ser humano (Gênesis 1.28). Deus fez a
humanidade para que ela cuidasse do mundo criado e para
que lhe desse glória e louvor, vivendo em comunhão com Ele.
Todavia, o ser humano preferiu rejeitar a direção e a so-
berania divinas. Escolheu caminhar conforme sua própria
mente. Desobedeceu à vontade de Deus.
Essa escolha da humanidade teve, como resultado, a
morte, o afastamento de Deus, a alienação social, o sofri-
mento pessoal, o juízo eterno. A esse ato de desobediên-
cia, a Bíblia chama de pecado. Rejeitar a vontade de Deus,
desobedecer à sua vontade, fugir do plano divino – são
formas diferentes de falar da mesma realidade. O ser hu-
mano foi criado para viver em comunhão com Deus, mas
afastou-se dele e sofre as consequências dessa rebeldia.
É assim que a Bíblia explica as contradições da huma-
nidade. O ser humano é capaz de agir, ao mesmo tempo,
com bondade e com maldade. A mesma pessoa pode ser
cruel em uma situação e amorosa em outra. Somos capa-
zes de gestos nobres e de atos vergonhosos. Tudo isso su-
cede porque fomos criados por Deus, mas afastamo-nos
de Deus. Por causa disso, a morte continua sendo uma
realidade na vida humana. A morte representa o juízo vi-
sível de Deus contra o pecado. A morte também é o pre-
núncio do castigo eterno, isto é, de ficarmos totalmente
separados de Deus, sem possibilidade de retorno.

44
AFASTADOS DE DEUS, TAREFA
MAS AINDA AMADOS Leia Gênesis 3.1-24 e faça
POR DEUS uma avaliação da rebeldia hu-
A história da humanidade mana para com Deus e de suas
não terminou com o episódio consequências.
do pecado. A morte não tem a
última palavra. O castigo não
é o desejo de Deus para o ser
humano. O criador, apaixonado por sua criação, compade-
ceu-se da humanidade pecadora e foi, ao longo do tempo,
providenciando um caminho para a volta à comunhão com
Ele.
Deus escolheu algumas pessoas: Noé, Abraão, Isaque,
Jacó, etc. Escolheu um povo – Israel – a fim de usá-lo
para abençoar a toda a humanidade. Os eleitos de Deus
são pessoas e um povo, cuja responsabilidade é dar teste-
munho desse justo e misericordioso Deus. Israel, entre-
tanto, não conseguiu cumprir a sua vocação. Nenhum ser
humano seria capaz de consertar o estrago causado pelo
pecado. As pessoas e o povo eleito deram testemunho da
salvação, mas não puderam salvar.
A salvação só se tornou possível porque Deus enviou
seu próprio Filho ao mundo. E o enviou em forma huma-
na, como uma pessoa simples e mortal. Mas, ao mesmo
tempo, como pessoa divina entre nós. Deus e ser humano,
plenamente divino e plenamente humano. Assim Jesus vi-
veu entre nós.
Amada por Deus, a humanidade foi objeto de uma
ação maravilhosa de Deus: o seu auto-sacrifício, a fim de
que o pecado e a morte fossem destruídos, permitindo
que o ser humano voltasse à comunhão com o criador.
Por intermédio da vida, morte e ressurreição de Jesus,
Deus reabriu o caminho que tinha sido fechado pelo
pecado. Das trevas da morte, Deus fez brilhar a luz da

45
PARA MEDITAR salvação. Da solidão e da con-
Leia e reflita sobre os se- denação, Deus fez raiar a au-
guintes textos bíblicos: João rora da reconciliação (1 Pedro
1.10-14 e Hebreus 2.11-18. 2.9-10).
Depois, em classe, compartilhe
o que você aprendeu a respeito AMADOS POR DEUS E
da ação de Deus em Cristo para SALVOS POR DEUS
salvar a humanidade pecadora. A justiça de Deus exige a
condenação do pecador. Em
sua misericórdia, porém, Deus
providenciou um substituto
para a humanidade pecadora. O castigo de nosso pecado
recaiu sobre o Filho de Deus. Livre e voluntariamente, o
Filho assumiu a nossa culpa e carregou o nosso castigo na
cruz. Jesus é “o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”
( Jo 1.29). Através de sua morte, o Filho de Deus reabriu
o caminho para a comunhão com Deus. De fato, Ele é o
único caminho para a salvação da humanidade (At 4.12;
Jo 14.6).
Em resposta à ação misericordiosa de Deus, só uma
coisa é exigida do ser humano: a fé. A única forma de en-
trarmos no caminho aberto por Jesus é crer nele.
Contudo, crer não é apenas aceitar uma doutrina ou
mudar de religião. Crer em Cristo é comprometer-se com
Cristo. É colocar a vida nas mãos dele. É seguir a orienta-
ção do Deus soberano. Crer em Cristo é aceitar o reinado
de Deus em nossa vida e caminhar de acordo com sua von-
tade. Crer em Cristo é viver de acordo com seus ensina-
mentos, contidos nas Escrituras Sagradas.
Ser salvo é entrar em um novo caminho: o caminho de
Cristo até o Pai; o caminho iluminado pelo Espírito San-
to. Assim, o pecador, amado por Deus e salvo por Deus,
pode viver em comunhão com Deus, crescendo no conhe-
cimento de sua vontade e vencendo o pecado e a morte. A

46
salvação é um presente que dura toda a eternidade. Come-
ça em nosso dia-a-dia. É uma dádiva que vai sendo recebi-
da a cada instante, pela fé e pela obediência a Deus.
Sendo salvos por Deus em Cristo, o Espírito Santo
vai fazendo morrer em nós a força do pecado e da morte,
até aquele dia glorioso, quando Deus reinará sobre tudo e
sobre todos, na consumação da história.
A salvação é, ao mesmo tempo, privilégio e responsabi-
lidade. É vocação para receber a vida e para fazer a vontade
de Deus.
A salvação é, simultaneamente, justificação e santifica-
ção. Deus nos inocenta do pecado (justificação) e nos con-
duz no caminho da libertação
do pecado (santificação).
De uma só vez, a salvação TAREFA
é reconciliação e missão. Deus Leia o texto de Colossenses
nos faz novamente amigos dele 2.12-15 e explique, com suas
(reconciliação) e nos envia para próprias palavras, o significa-
que testemunhemos a sua obra do da morte e ressurreição de
salvadora ao mundo (missão). Cristo para a nossa salvação.

CONCLUSÃO
O ser humano foi criado
por Deus, contando com sua bênção e com seu amor.
Todavia, afastou-se do seu criador e preferiu viver por
conta própria. Por causa da desobediência à vocação
divina, o ser humano foi castigado com a morte física e
com a morte eterna. Contudo, amado por Deus, rece-
beu a promessa da salvação, que se cumpriu por meio
do próprio Filho de Deus. Deus demonstrou seu amor
pela humanidade através da vida e morte de seu único
Filho.
Pela fé, o pecador recebe a graça salvadora de Deus.
Recebe a ação do Espírito Santo, que nos justifica, nos

47
reconcilia com Deus, nos santifica e nos conduz à ressur-
reição final.
Dessa forma, temos o privilégio de voltar à comunhão
com o Pai Eterno e de viver de acordo com a sua vontade
e direção. A partir daí, recebemos a tarefa de testemunhar
essa salvação a toda a humanidade.
Ser salvo é voltar às origens e participar da nova criação
de Deus (2Co 5.17).

PARA DISCUTIR EM CLASSE


1. Compartilhe com a classe a sua experiência de conver-
são. Debata as consequências da conversão na sua vida
diária.
2. Defina, com suas próprias palavras, o que é pecado,
graça, salvação, justificação e santificação. Discuta sua
definição com os colegas de classe.
3. Como podemos dar testemunho da salvação a al-
guém que ainda não conhece a Cristo? Usando o
conteúdo da lição, elabore, com seus colegas de clas-
se, uma breve mensagem evangelística, que possa ser
usada no contato com outras pessoas.

48
Lição 6

A SEDUTORA GRAÇA
DIVINA
INTRODUÇÃO Texto básico
A abordagem que fare- Atos 9. 3-6
mos nesta lição, terá como Quem és tu, Senhor? E a
base a expressão Mysteríum resposta foi: Eu sou Jesus, a
Salutis (Mistério da Salva- quem tu persegues; mas levanta-
ção). Esse termo latino é de te e entra na cidade, onde te
vital importância para com- dirão o que te convém fazer.
preendermos a doutrina da (Atos 9.5-6)
graça, pois, como veremos, o
conceito bíblico-teológico da Leituras diárias
graça possui várias linhas de Segunda: Romanos 3.21-28
interpretação. Porém, vamos Terça: Romanos 5.12-21
dar maior atenção ao con- Quarta: Gálatas 4.1-7
ceito da graça na perspectiva Quinta: Efésios 1.3-14
das tradições calvinista e re- Sexta: Lucas 23.39-43
formada, e ainda na teologia Sábado: 1Pedro 2.1-10
contemporânea.

1- O CONCEITO DA
GRAÇA NA TRADIÇÃO CALVINISTA
A palavra “graça” é essencialmente bíblica. Só no
Novo Testamento o termo grego (charís - graça) aparece
155 vezes, sendo que 100 delas citadas pela literatura
paulina. A tradução mais comum de charís é favor. No
Antigo Testamento o equivalente da palavra graça é
(hen). Essa raiz hebraica traz um dado riquíssimo, pois
hen dá sentido de ação de via única; ou seja, a palavra hen

49
significa que Deus voluntariamente decide ser gracioso.
Deus é favorável ao seu povo de maneira independen-
te da vontade deste. É deste sentido que irá surgir todo
o emaranhado de interpretações acerca da graça divina.
Em geral o foco da discussão aponta para a necessidade
de se saber qual o grau de participação humana no ato de
favorecimento pela ação graciosa e voluntária de Deus.
A saída mais rápida que normalmente usamos é a de di-
zer que a resposta humana à graça divina é a fé; porém,
não encerra a discussão, pois até a fé é dom de Deus, Ef
2.8. Entretanto, a discussão continua, e por isso utilizei
o termo latino Mysteríum Salutis, pois falar da graça de
Deus é falar do mistério da salvação. Entendemos que
não existe dogma e nem doutrina capaz de dirimir todas
as dúvidas quanto ao mistério da salvação. É preciso en-
tão recorrer à teologia para tentar diminuir as dúvidas
acerca desse mistério.
O conceito da graça na tradição calvinista é demasia-
damente devedor à tradição agostiniana; e talvez esse seja
o seu maior problema. Houve grande controvérsia entre
Agostinho e Pelágio quanto ao conceito da graça. Agosti-
nho definiu que a graça é, em princípio, o agir interno de
Deus que revira a vontade do homem, fazendo-o passar do
pecado para Deus, mesmo diante do desinteresse humano1.
Para Agostinho, o ser humano caído em pecado não teria
nenhuma condição de liberdade sem a reviravolta em seu
interior causada pela ação graciosa de Deus.
A definição da graça feita por Pelágio contempla que
a obra graciosa de Deus é somente educativa. Disse Pe-
lágio: ao apresentar Deus ao pecador
1PESCH, Otto Hermann. In: Dicionário a sua lei e o seu Evangelho e o exemplo
de Conceitos Fundamentais de Teologia. de Cristo, virá da liberdade totalmente
São Paulo, Paulus, 1993, verbete: Graça,
p.330 por si o eco da adesão2. Entretanto, a
2PESCH; op.cit definição de Pelágio foi sobrepujada

50
pela definição de Agostinho. Somente cem anos depois
da morte de Agostinho cessou o eco da definição pela-
giana; foi no sínodo de Orange, em 429, que a Igreja de-
finiu o dogma agostiniano da predestinação.
A doutrina da graça ensinada por Calvino também
foi pronunciada pelo nome de predestinação. Como to-
dos sabemos, Calvino não só foi dependente da defini-
ção agostiniana, mas também fez questão de mencionar
em suas Institutas o seu apreço pela teologia de Agos-
tinho. Semelhante a Agostinho, Calvino ensinou que
a natureza humana decaída não dispõe de meios para
aproximar-se de seu criador. Para Calvino, Deus é quem
restaura em nós a vontade de nos aproximarmos do cria-
dor e redentor. Segundo Calvino, toda a obra da predes-
tinação partiu do próprio Deus, não considerando nada
que esteja no ser humano, nem mesmo a fé. Esse con-
ceito influenciou toda a tradição calvinista e é o mesmo
que foi adicionado à Confissão de Fé de Westminster;
e, portanto, é o mesmo que - em boa parte da tradição
presbiteriana - chegou até nós. Calvino repudiou dura-
mente a ideia de que o ser humano tenha condições de
responder ao chamado da conversão.
Contudo, o ponto de maior polêmica da doutrina da
graça/predestinação ensinada por Calvino - e por isso
o Mysteríum Salutis continua vivo - é o da dupla pre-
destinação; ou seja, Calvino chamou de pré-destinação
o eterno decreto de Deus pelo qual determinou o que fa-
zer de cada um dos seres humanos; pois, Deus não criou
a todos com a mesma condição, isto é, a uns ele ordenou
a vida eterna e a outros ordenou a condenação perpétua3.
Esse conceito da dupla predestina-
ção trouxe muito incômodo na his- 3CALVINO, Juan. Inslitucion de Ia
tória da tradição calvinista. Vários religion cristiana. Buenos Aires, Nueva
Creación, edición revisada em 1967, Libro
teólogos contestaram esse conceito III, Cap.XXI, p.724

51
calvinista; destes, destacamos, por exemplo, Armínio
(1560-1609), na Holanda, Amiraldo (1596-1664), na
França, Jonathan Edwards (1703-1758), na América do
Norte, Emil Brunner e Karl Barth, na Suíça4. Há afir-
mações segundo as quais a doutrina da dupla predesti-
nação incomodou tanto a Calvino que ao final de sua
vida, possivelmente, tenha repensado o conceito. Tillich,
teólogo alemão do século vinte, citou em sua obra “His-
tória do Pensamento Cristão5” o seguinte dito de Calvi-
no: fico me perguntando muitas vezes como é que a queda
de Adão, independente de qualquer remédio, envolveu tan-
tas nações arrastando até crianças à morte eterna, apenas
por causa da vontade de Deus (...) trata-se de um decreto
horrível, confesso! Tillich chegou dizer que é bem possí-
vel que Calvino tenha abrandado sua posição quanto à
predestinação ao final de sua vida. Portanto, isso nos faz
pensar que a doutrina da graça, realmente, aponta para
o mistério da salvação em Cristo. Talvez esse mistério
queira nos dizer que a graça divina deve ser sempre vivi-
da, experimentada, e nunca dogmatizada, pois qualquer
palavra será sempre incapaz de descrever a experiência
da conversão em Cristo na força do Espírito Santo. O
próprio texto de Atos 9.3-6 que narra a conversão de
Saulo nos deixa perplexos e cheios de interrogações. O
fato é que sempre conjeturamos, e sem sucesso, sobre o
grau de participação de Saulo diante da graça de Cris-
to revelada, causando sua conversão. Porém, temos de
ter humildade para reconhecer nossa limitação humana
frente às ações do Espírito de Deus.
4LEITH, John H. A Tradição
Resta-nos, portanto, crer que algo
Reformada. São Paulo, Pendão Real, de extraordinário realmente aconte-
1996, p. 158 ceu na vida de Saulo, que passou de
5TILLICH, Paul. História do perseguidor a anunciador das Boas
Pensamento Cristão. São Paulo, ASTE,
2a edição, 2000, p.265 Novas de Cristo.

52
2- O CONCEITO DA GRAÇA
NA TRADIÇÃO REFORMADA
As igrejas de tradição reformada que adotaram a
Confissão de Fé de Westminster, redigida em 1643, se-
guiram a linha calvinista da predestinação. Entretanto,
dos principais livros de confissões da tradição reformada
(Confissão Escocesa, Catecismo de Heidelberg, Segun-
da Confissão Helvética e a Confissão de 1967 da Igreja
Presbiteriana Unida dos USA), somente a Confissão de
Fé de Westminster manteve a visão calvinista da predes-
tinação. Com exceção desta, as demais confissões citadas
aqui trazem algo em comum: o critério de não especular
sobre a predestinação. Apenas apresentam que de Deus
é a graça salvífica revelada em Jesus Cristo. Apesar de
trazerem notas sobre os possíveis condenados, evitam a
ideia simétrica e dualista de que Deus já tenha o número
definido dos eleitos e condenados. A tentativa de definir
dogmática ou doutrinariamente algo que está dentro dos
mistérios de Deus, sempre suscitou problema. O pró-
prio Calvino dizia que os que querem saber os segredos da
predestinação penetram no santuário da sabedoria divina,
no qual todo aquele que entra ousadamente não encontrará
como satisfazer sua curiosidade e se meterá num labirinto
do qual não poderá sair6. Nem mesmo Calvino atendeu
o seu próprio conselho. Contudo, nós, à semelhança da
maioria das confissões de fé da tradição reformada, tal-
vez, devamos ouvir o conselho de Calvino.
Em geral, a insistência em definir a doutrina acer-
ca da graça salvífica de Deus, aponta, basicamente,
para três linhas de interpretação. A primeira é a da
predestinação, da qual já falamos acima. A segunda é
a defendida pelo teólogo suíço Karl
Barth, conhecida como “universa-
6CALVINO, Juan. Instiiucion de Ia
lismo”. Barth dizia ter orgulho em religion cristiana. op.cit, p.724

53
poder repetir e ensinar a teologia de Calvino; porém,
dizia também que é preciso ter hombridade para não ir
atrás de Lutero, Zwínglio e Calvino no que diz respeito
à predestinação7. Barth ensinou que a eleição de Deus
em Cristo não rejeita a ninguém, pois o próprio Cristo
em figura humana foi tanto o eleito quanto o rejeitado.
Barth citou o texto de Mc 15.34: “Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?”; com base nesse dito de Je-
sus, Barth ensinou que toda a humanidade foi redimida
na obra vicária de Cristo. Essa visão universalista não
foi popularizada na tradição reformada. A terceira li-
nha de interpretação acerca da graça salvífica é chamada
de arminiana. Reinterpretando a visão do padre Pelá-
gio, Armínio ensinava que Deus escolhe aqueles que o
escolheram. Os seguidores do arminianismo pelagiano,
dentro do protestantismo, se encarregaram de difundir
a ideia de que a graça de Deus é dirigida a todos, mas
a salvação só se torna real para os que decidem crer em
Cristo. Essa visão arminiana é perigosa, pois transfere
ao ser humano a responsabilidade de decidir sobre sua
salvação8.
Portanto, toda essa discussão teológica, essas várias
tendências de interpretação servem para nos dizer uma
única verdade: A graça divina é o Mysteríum Salutis.
Não há linguagem, nem há palavras para descrevermos
dogmaticamente o real mistério da salvação. Aos que já
passaram pela conversão, restam os limites da linguagem
para anunciar - e não convencer, pois
esta função é do Espírito Santo - o
7BARTH, Karl. A eleição de Deus em
graça. In: Dádiva e Louvor, São Leopoldo, mistério da experiência da graça re-
Sinodal, 1986, p.242 cebida. Somente as Escrituras e o
8MENDONÇA, António, Gouvêa. poder do Espírito Santo podem nos
Desafios missionários no Brasil. Uma transmitir tudo o que necessitamos
contribuição sociológica. Missão
Presbiteriana no Brasil, 1991, p.119 para a nossa redenção em Cristo.

54
3- O CONCEITO DA GRAÇA NA TEOLOGIA
CONTEMPORÂNEA
A sedutora graça divina. Com esse título, acredito
que é possível abrandar um pouco o conceito da cha-
mada “graça irresistível” ensinado pelo calvinismo. O
termo “irresistível” nos remete novamente ao paradoxo
teológico que acabamos de verificar. A graça é irresistí-
vel somente aos eleitos? Se for isso, caímos nas garras da
dupla predestinação. Se ninguém puder resistir à graça,
caímos no universalismo, O termo sedução ou persuasão
que encontramos, por exemplo, em Jr 20.7, indica o sen-
tido de convencer; aliás, convencer é missão exclusiva do
Espírito Santo, Jo 16.8. A teologia contemporânea (do
nosso tempo) vem evitando as intermináveis discussões
doutrinárias sobre a graça salvífica. Podemos dizer que a
teologia contemporânea vem priorizando a prálica cristã
em detrimento do dogmatismo. Na recente obra Gran-
des temas da tradição reformada, publicada pela Editora
Pendão Real, dos temas abordados, temos a questão da
predestinação/eleição. Por exemplo, o texto de Hendri-
kus Berkhof, sobre a vida cristã e perseverança, abordou
satisfatória e convincentemente a questão. Para Berkhof,
quando a eleição é analisada intelectualmente, evoca
uma série de questões que não podem ser respondidas
de maneira alguma. Berkhof define o tema da eleição
como mistério. Ele diz que não podemos saber como é
possível que a soberania divina de Deus não deprecie a
liberdade humana, mas, ao contrário, a evoque e a torne
possível. “Nós não conseguimos penetrar no como isso pode
ser feito, mas experimentamos e confessamos que é isso o que
acontece9”.
Finalmente, a palavra sedução, 9BERKHOF, Hendrikus. In: Grandes
figuradamente, pode ser utiliza- temas da tradição reformada. São Paulo,
Pendão Real, 1998, Tema: A Vida cristã:
da com muita propriedade, pois Perseverança e renovação, p. 140

55
significa “atrair”. Disse o profeta Jeremias: “seduziste-me,
ó Senhor, e seduzido fiquei; mais forte foste do que eu
e prevaleceste”, 20.7. E isso é tudo o que podemos dizer
sobre a sedutora graça divina.

CONCLUSÃO
Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem
foi o seu conselheiro? Com esta palavra do profeta Isa-
ías, dita também pelo apóstolo Paulo, podemos dizer
que a graça de Deus em Cristo é o meio exclusivo da
manifestação do amor divino; mesmo sem poder definir
dogmaticamente o tema, cremos que é de Deus, apenas,
o ato de ir ao encontro do ser humano, apesar também
de sabermos que, misteriosamente, nem todos reagem ao
ato gracioso de Deus.

56
Lição 7

OS SACRAMENTOS:
COMUNHÃO, MEMÓRIA
E ESPERANÇA

INTRODUÇÃO Texto básico:


Iremos conversar hoje so- Atos 2.38-47
bre os sacramentos da fé cristã. Assim também, todos nós,
O Novo Testamento ensina judeus e não-judeus, escravos e
que os salvos não devem viver livres, fomos batizados num só
isoladamente. Ao contrário, corpo pelo mesmo Espírito. E a
devem formar comunidades. todos nós foi dado de beber do
Por isso, nós nos reunimos em mesmo Espírito (1 Coríntios
igrejas locais e organizamos 12.13).
essas igrejas locais em deno-
minações. A fé gera uma vida Leituras diárias
nova e, também, uma nova co- Segunda: 1 Coríntios 1.10-17
munidade – a Igreja. Terça: 1 Coríntios 11.17-34
Os reformadores enfatiza- Quarta: Romanos 6.1-14
vam dois importantes aspectos Quinta: Marcos 14.22-26
da Igreja: a Palavra e os Sacra- Sexta: João 6.25-35
mentos. Ao agir assim, estavam Sábado: João 13.1-20
se referindo principalmente ao
culto cristão, que é centraliza-
do na pregação da Palavra de
Deus e na administração dos Sacramentos.
As igrejas reformadas reconhecem que existem dois
sacramentos: o Batismo e a Ceia. Na lição de hoje, vamos
focalizar o significado e a importância de cada um deles.

57
O BATISMO
Os cristãos não inventaram o batismo. Ele era um ritual
já praticado por outras religiões, especialmente pelos judeus
na época de Cristo. Para eles, porém, o batismo não era um
sacramento de “entrada” na aliança. Eles praticavam a circun-
cisão dos meninos, que era o sinal que marcava a entrada na
aliança com Deus. Na verdade, os judeus podiam ser batiza-
dos diversas vezes. Sempre, porém, o batismo era um símbo-
lo do arrependimento e da volta para Deus. João Batista, por
exemplo, era um profeta judeu que pregava o arrependimen-
to e a fé no Messias, que viria depois dele (Mc 1.1-8).
Os primeiros cristãos aproveitaram essa ideia judaica do
batismo de arrependimento, mas a aperfeiçoaram, à luz do
ensino de Jesus. Na Igreja Primitiva, o batismo era o sacra-
mento de entrada na nova aliança de Deus com a humani-
dade. Por isso, era praticado uma única vez, e levado muito
a sério. O livro de Atos narra vários episódios de batismo.
Todos eles têm uma característica em comum: os batizados
são pessoas que passam a pertencer à comunidade da nova
aliança, a Igreja. Veja, por exemplo, os seguintes textos: Atos
2.38-41; 8.12-13; 9.1-18; 16.11-15.
No decorrer da história da Igreja, o batismo continuou
sendo praticado com muita seriedade. Entretanto, foram
surgindo diferentes interpretações sobre o seu significado.
Por exemplo, no Catolicismo, desenvolveu-se a ideia de que
os sacramentos são “eficazes por si mesmos” (a expressão
latina usada para significar isso é “ex opere operato”). Ou
seja, o Catolicismo acredita que os sacramentos efetuam a
realidade que eles representam. No caso do batismo, diz-se
que o batismo é eficaz para a salvação, independentemente
da fé em Cristo Jesus.
Em reação a tal doutrina, os reformadores insistiam
na relação entre a fé e os sacramentos. No caso do batis-
mo infantil, eles insistiam que era necessário que os pais

58
apresentassem, com fé, as crianças para o batismo, bem
como se comprometessem com a educação cristã de seus
filhos. Além disso, exigiam que as crianças batizadas, ao
chegarem à adolescência, professassem ou confirmassem a
sua fé em Cristo. Por isso, nas igrejas presbiterianas, prati-
camos a profissão de fé, que indica o íntimo relacionamento
entre a fé e o batismo. (Nas igrejas luteranas, por exemplo,
a profissão de fé é chamada de confirmação).
Após a Reforma Protestante do Século XVI, algumas
denominações cristãs passaram a se recusar a batizar crian-
ças. Entendiam que só poderiam ser batizadas pessoas que
demonstrassem a sua fé no próprio ato do batismo. Contu-
do, as igrejas reformadas não ficaram convencidas pela argu-
mentação dessas denominações e mantiveram a doutrina do
batismo infantil e a profissão de fé.
Nós cremos que há suficiente base bíblica para o batis-
mo de crianças. Alguns dos argumentos que temos nesse
sentido são os seguintes:
a) O batismo de “casas”, narrado em Atos (por exemplo, At
16.15), referia-se ao batismo de famílias inteiras, incluin-
do-se as crianças;
b) A relação entre o batismo e a circuncisão (Cl 2.11-13).
Pela circuncisão, as crianças faziam parte do povo de
Deus, no Antigo Testamento. De igual modo, pelo batis-
mo, as crianças integram a Igreja, no Novo Testamento.
c) A santidade da família (1Co 7.12-14), pela qual os filhos
são considerados “santos” ou “puros”.
d) A fé na promessa divina (At 2.39), segundo a qual a pro-
messa de Deus é também “para os filhos”.
e) A afirmação de Jesus dizendo que “o Reino de Deus é das
crianças” (Mc 10.13-16). Se o Reino é das crianças, é cla-
ro que elas podem ser recebidas como membros da Igreja
pelo batismo.
O batismo é muito importante. Através dele, afirmamos

59
TAREFA nossa relação de compromis-
1. Leia os seguintes textos de so com Deus. Pelo batismo,
Atos que falam sobre o ba- passamos a integrar uma nova
tismo: Atos 2.38-41; 8.12- família, o corpo de Cristo
13; 9.1-18; 16.11-15. Ano- (1Co 12.13). Com o batismo,
te os principais ensinos que testemunhamos ao mundo a
você encontrar a respeito nossa fé.
do significado do batismo. O batismo possui três di-
2. Examine, cuidadosamente, mensões: passado, presente
os argumentos que temos a e futuro. O batismo refere-se
favor do batismo de crian- ao passado, ao nos remeter à
ças. Leia os textos bíblicos morte e ressurreição de Cris-
indicados acima. Escreva to. Refere-se ao presente, pois,
quais são os argumentos com ele, passamos a fazer
principais que temos para parte da comunidade da nova
a manutenção do batismo aliança. Refere-se ao futuro,
infantil. visto que temos a esperança
de que as crianças batizadas
irão professar sua fé em Cristo
e de que os cristãos batizados
perseverarão até o fim.

A CEIA OU EUCARISTIA
O segundo sacramento da fé cristã é a refeição eucarís-
tica ou Ceia. Como o batismo, os cristãos não “inventaram”
a Ceia como forma de celebrar a fé. Os judeus tinham vá-
rias festas religiosas. Entre elas, para lembrar e celebrar a
libertação do Egito, comemoravam a Páscoa. Nessa come-
moração, a família se reunia e fazia um jantar especial, em
memória da saída de seus antepassados do Egito, quando
foram libertados pela poderosa ação de Deus (Dt 16.1-8).
Esta era a festa religiosa mais importante para os judeus.
O próprio Senhor Jesus participou anualmente da Páscoa.

60
E foi numa celebração da Pás- PARA MEDITAR
coa que ele teve sua última re- Leia o texto de Marcos
feição com os discípulos aqui 14.22-25. Medite sobre o sig-
na terra (Mc 14.12-26). Du- nificado da nova aliança na sua
rante essa celebração da Pás- vida pessoal.
coa, Jesus estabeleceu a nova
aliança, o novo acordo de Deus
com a humanidade, que foi se-
lado com seu próprio sangue (Mc 14.22-25). Por isso, os
discípulos de Jesus substituíram a Páscoa judaica pela Ceia
cristã. Na Ceia, celebramos a memória da nossa salvação
em Cristo, a inauguração da nova aliança e a constituição do
Corpo de Cristo, que é a Igreja.
No texto de 1 Coríntios 11.17-34, Paulo escreveu o mais
completo ensino bíblico a respeito da Ceia. Em resposta a
problemas que estavam acontecendo na Igreja de Corinto, ele
explicou detalhadamente o significado e a forma da celebra-
ção da Ceia. Nesse texto, aprendemos que:
a) A Ceia é expressão do amor e da unidade da Igreja. Em
Corinto, porém, isso não estava acontecendo. Vários
membros da Igreja usavam a Ceia para demonstrar sua
riqueza e prestígio, esquecendo-se dos irmãos e irmãs que
precisavam trabalhar para viver (1Co 11.17-22). Paulo
censurou os coríntios por causa disso. Afinal de contas,
todos comemos do mesmo pão e bebemos do mesmo vi-
nho: Cristo (1Co 10.14-17).
b) A Ceia é expressão da memória de fé. Por meio dela,
relembramos, com espírito de adoração e compro-
misso, o sacrifício de Cristo na cruz e sua ressurrei-
ção pela salvação da humanidade (1Co 11.23-25).
Quando participamos da refeição simbólica do pão
e do vinho, celebramos a nossa libertação do pecado
e da morte, bem como a nossa inclusão na Igreja de
Cristo.

61
c) A Ceia é expressão de nossa esperança na volta de Cris-
to (1Co 11.26). Por meio dela, lembramos de que o
sacrifício de Cristo abriu uma nova fase na história da
humanidade. Através do Filho, Deus estabeleceu o seu
Reino, ainda que este Reino não tenha atingido a sua
consumação (1Co 15.20-28). E, na Ceia, nós celebra-
mos a esperança da consumação final, quando “Deus
reinará completamente sobre tudo” (1Co 15.28).

As três dimensões temporais da Ceia do Senhor são: co-


munhão, memória e esperança. Comunhão com Deus e com
o seu povo é a expressão da realidade presente da ceia. Me-
mória dos atos de Deus por nós é a expressão do passado que
nos alcança hoje. Esperança da volta de Cristo é a dimensão
futura, quando Cristo consumará a obra que iniciou.
As três dimensões eclesiais da Ceia são: relação com
Deus; relação com os irmãos e as irmãs; e relação com os
não-cristãos. Relação com Deus porque, na celebração da
Ceia, lembramos o que Ele fez por nós e rendemos graças
ao Senhor. Relação com os irmãos e as irmãs porque, na ce-
lebração da Ceia, somos unidos
uns aos outros no Corpo de
TAREFA Cristo. E relação com os não-
Leia o texto de 1 Corín- -cristãos porque, na celebração
tios 11.27-32. Faça um levan- da Ceia, “anunciamos a morte do
tamento dos pontos que você Senhor, até que Ele venha” (1Co
considera importantes para 11.26), o que representa um
serem praticados na celebração compromisso missionário.
da Ceia do Senhor. Na teologia cristã, existem
diferentes maneiras de se expli-
car o sentido espiritual do que
acontece na Ceia do Senhor.
Quatro conceitos teológicos são os principais usados na ten-
tativa de esclarecer o seu significado:

62
a) Transubstanciação – É a doutrina da Igreja Católica
Apostólica Romana. Afirma que o pão e o vinho se trans-
formam, realmente, no corpo e no sangue de Jesus. Isto é,
o pão e o vinho assumem uma nova substância e, assim,
aqueles que participam do sacramento participam direta-
mente de Cristo.
b) Consubstanciação – É a doutrina da Igreja Luterana sobre
a Ceia. Afirma que o pão e o vinho são similares ao corpo
e ao sangue de Jesus Cristo. É um conceito semelhante ao
católico romano, mas sem implicar em mudança da subs-
tância dos elementos da Ceia.
c) Ordenança – É a doutrina da Igreja Batista sobre a Ceia.
Afirma que a Ceia é mero símbolo e memorial. Trata-
-se somente de uma ordem que Jesus deu à Igreja e que
deve ser seguida fielmente. Na Ceia, porém, não acontece
nada que não aconteça, igualmente, em outras partes do
culto.
d) Presença Real – É a doutrina reformada sobre a Ceia.
Cremos que, na Ceia do Senhor, Cristo está presente
de forma mais intensa e real. Essa presença, porém, não
acontece automaticamente. Depende da nossa fé. Pela fé,
quando participamos da Ceia, somos alimentados espi-
ritualmente pelo corpo e pelo sangue do Senhor. Dessa
maneira, a Ceia possui um caráter sacramental, ou seja, é
um símbolo eficaz para transmitir a presença e a ação de
Deus na comunidade dos fiéis.

CONCLUSÃO
Nosso objetivo não é o de polemizar com outras formas
de compreensão dos sacramentos da fé cristã. Entretanto,
como somos uma igreja reformada, precisamos afirmar a
nossa maneira de compreender os sacramentos, sem medo
das comparações e sem nenhuma vanglória.
Mas, mais importante do que isso, precisamos vivenciar

63
adequadamente os sacramentos. É importante que partici-
pemos de forma consciente e reverente desses atos espe-
ciais da vida da Igreja – o Batismo e a Ceia do Senhor.
Passado, presente e futuro estão presentes na celebra-
ção desses sacramentos.
Comunhão com Deus, comunhão com os irmãos e as
irmãs na fé, e compromisso com o mundo são celebrados
no Batismo e na Ceia do Senhor – “até que Ele venha!”

PARA DISCUTIR EM CLASSE


1. Nas igrejas reformadas, só existem dois sacramentos: o
Batismo e a Ceia do Senhor. Será que o mesmo ocorre
em todas as igrejas?
2. Existem diferentes formas de se realizar batismo. Quais
são elas?
3. O batismo salva? A Ceia do Senhor salva? Se eles não
salvam, qual é a sua importância e valor na vida da
Igreja?
4. Será que, como Igreja, temos dado o devido valor à cele-
bração desses sacramentos? O que podemos fazer para
que os sacramentos sejam bem compreendidos e valori-
zados pelos membros de nossas igrejas?

64
Lição 8

CEIA PARA CRIANÇAS:


CREMOS NA PROMESSA
INTRODUÇÃO Texto central:
Sempre que nos deparamos 1 Coríntios 11.17-34
com uma questão que divide Portanto, que cada um examine
opiniões, dizemos que ela é a sua consciência e então
“polêmica”. Esta pode parecer, coma do pão e beba do cálice
à primeira vista, uma dessas (1Coríntios 11.28).
questões. Mas não é o caso.
A administração da Ceia aos Leituras diárias
membros não professos (crian- Segunda: Levítico 12.3
ças) foi aprovada em nossa Igre- Terça: Êxodo 12.24-28
ja em janeiro de 2007, na As- Quarta: Atos 16.30-33
sembleia Geral de Maringá. Da Quinta: Marcos 10.13-16
votação, participaram represen- Sexta Mateus 18.1-5
tantes de todos os presbitérios Sábado: Mateus 26.26-30
e sínodos da IPI do Brasil, que
aprovaram a administração da
Ceia do Senhor aos membros
não professos (crianças), com a grande maioria dos votos.
Portanto, sem maiores polêmicas. Isso deve ser dito
para que não haja a má compreensão de que a questão foi
aprovada de forma controvertida. Nesta lição, percorrere-
mos a fundamentação teórica que a Comissão Especial de
Ordenações Litúrgicas apresentou para chegar à conclusão
de que as crianças devem participar da Ceia do Senhor.
Esta comissão estudou o assunto previamente e levou o
seu parecer à Assembleia Geral, que o aprovou. Vamos,
portanto, às questões:

65
MAS QUE “INVENÇÃO” É ESSA?
O primeiro fato significativo para a nossa reflexão re-
fere-se à história. Oferecer Ceia aos membros menores
batizados não é algo novo na igreja de Cristo. Há teste-
munhos históricos que revelam a participação das crian-
ças na Santa Ceia por muito tempo na vida da igreja.
João Calvino, em suas Institutas, chega a reconhecer a
questão ao dizer: De fato, foi isto frequentemente praticado
na igreja antiga, como se constata de Cipriano a Agostinho;
mas esse costume, com razão, se fez obsoleto (Livro IV, Cap.
XVI, 30).
Esta não é uma informação decisiva para justificar
plenamente o ingresso das crianças no rol dos comun-
gantes; contudo, mostra-nos que a questão não é nova e
que, portanto, não é uma “invenção” do nosso tempo; ao
contrário, comprova uma preocupação em revisitar uma
prática que, com certeza, teve o seu lugar na vida da igre-
ja de Cristo, até o século XII. Diante deste fato histórico,
talvez fique uma pontinha de dúvida em nosso coração:
mas por que, então, pararam de dar a Ceia às crianças?
Na Idade Média, o vinho foi negado aos leigos de to-
das as idades, por medo de que eles pudessem derramar
o sangue de Cristo e, para a espiritualidade da época, isto
seria um grave problema. Aliado a esta ideia, ganhou
forma o argumento que defendia a importância do en-
tendimento. A partir de então, as crianças só poderiam
participar da Ceia quando chegassem à idade da razão,
a fim de compreenderem o que estava acontecendo em
tal celebração, o que se convencionou como a idade de 7
anos ( James White, Introdução ao Culto, página 160 –
Editora Sinodal).
Contudo, bem sabemos que a questão do “sangue de
Cristo/vinho” já está resolvida desde a época dos refor-
madores, pois, deles aprendemos e cremos na doutrina

66
da presença real de Cristo, espiritualmente e não tran-
substancial mente. Outra questão superada é a do enten-
dimento, haja vista que o mesmo critério não é aplicado
quando apresentamos nossas crianças ao sacramento do
batismo; assim, ambos os sacramentos são oferecidos para
as nossas crianças porque cremos na promessa da graça
divina oferecida a todos e todas. Veja mais detalhes no tó-
pico seguinte.

OS SACRAMENTOS
E O ANTIGO TESTAMENTO
A respeito dos sacramentos, a nossa Confissão de Fé
nos adverte: Os sacramentos do Velho Testamento, quan-
to às coisas espirituais por eles significadas e representadas,
eram, em substância, os mesmos que os do Novo Testamento
(Confissão de Fé de Westminster, capítulo XXVII, V).
Esta afirmação nos faz entender que, conceitualmente,
o batismo está para o Novo Testamento, assim como a
circuncisão está para o Antigo Testamento e, consequen-
temente, a Ceia do Senhor está para o Novo Testamento,
assim como a Páscoa judaica está para o Antigo Testa-
mento. Em outras palavras, o batismo substituiu a cir-
cuncisão e a Santa Ceia substituiu a Páscoa.
O que tentamos mostrar é que, assim como a circun-
cisão era o rito de inserção (incorporação) ao povo de
Deus no Antigo Testamento, o batismo possui a mesma
essência, no Novo Testamento. Logo, a mesma equiva-
lência pode ser verificada em relação à Ceia do Senhor.
No Antigo Testamento, toda a família, inclusive as crian-
ças, participava da Páscoa (Êx 12.1-6, 24-28) e, se esta
cede seu sentido à Ceia do Senhor, no Novo Testamento,
somos inclinados a também incluir as crianças neste sa-
cramento. Mas as crianças não precisam mesmo enten-
der? Um dos argumentos mais usados para não se dar a

67
Ceia para as crianças é o de que elas não possuem condi-
ções de examinarem a si mesmas e também não podem,
em função de sua falta de compreensão, discernir o corpo
de Cristo. Esta era, inclusive, a posição de João Calvino.
Tal ideia é fundamentada na seguinte expressão do
apóstolo Paulo: Cada um examine a sua consciência e en-
tão coma do pão e beba do cálice (1Co 11.28). Se olharmos
este texto sem nenhuma ferramenta histórica que nos
faça compreender a razão desta frase de Paulo, chegare-
mos mesmo à conclusão de que as crianças não podem
participar da Ceia, uma vez que não possuem ainda ma-
turidade para o auto-exame. E, se o mesmo argumento
for usado para o batismo, não poderíamos jamais batizar
nossas crianças.
Afinal, elas não possuem nenhuma compreensão do
que lhes acontece no ato do batismo. Não possuem o en-
tendimento da realidade sacramental. E mais, chegaría-
mos à conclusão de que não somente as crianças ficam
impedidas de se achegar à Ceia, mas nós mesmos, se não
fizermos o auto-exame, não poderemos participar deste
sacramento. Contudo, informações históricas e socio-
lógicas a respeito do contexto da igreja de Corinto nos
fazem compreender muito melhor a questão. Pois bem,
olhemos o texto de 1 Coríntios 11.17-34 (a leitura deve
ser feita em classe).

MAS, AFINAL, O QUE QUER DIZER “CADA


UM EXAMINE A SUA CONSCIÊNCIA”?
O texto é repleto de repreensões e orientações de Pau-
lo à igreja de Corinto. As orientações referem-se à noção
teológica da Ceia e as repreensões são acerca das atitudes
dos irmãos de Corinto, que estavam deturpando a Ceia
do Senhor. Aliás, Paulo chega a dizer que o que eles es-
tavam comendo não era a Ceia do Senhor, uma vez que

68
havia divisões entre eles. Tais divisões se manifestavam
na atitude egoísta reinante: cada um comia antecipada-
mente a sua ceia, enquanto outros ficavam com fome.
Ou seja, uns regalavam-se com comida e vinho (ao
ponto de ficarem bêbados), ao passo que outros ficavam
com fome e sem vinho. O que, de fato, estava acontecen-
do em Corinto era a reprodução dos padrões romanos
de status social, em banquetes. Nestas festas, era normal
que a um convidado rico fosse servida uma comida no-
bre e a outro convidado de situação social inferior, uma
comida mais “popular”.
A diferenciação entre os convidados, de acordo com
a sua classe social, não ficava restrita somente à qualida-
de da comida, mas também à sua quantidade – para os
ricos, mais e melhor; aos pobres, menos e pior. Numa
linguagem bem coloquial e atual, podemos dizer que
os irmãos de Corinto estavam “levando o mundo para
dentro da igreja”! Era exatamente isso que eles faziam
quando reproduziam na igreja o que era vivido na pagã
sociedade romana. Com estas informações em mente,
convém agora perguntarmos: nesse contexto, o que sig-
nificava comer o pão e beber o cálice indignamente?
O que significava comer e beber sem discernir o cor-
po? Torna-se claro que o apóstolo Paulo buscava a unida-
de entre os coríntios, uma vez que eram membros de um
só corpo e, desta forma, precisavam manifestar esta uni-
dade na Ceia. Por esta razão, adverte-os: “Portanto,meus
irmãos, quando vocês se reunirem para a Ceia do Senhor,
esperem uns pelos outros” (1Co 11.33). Portanto, nossa fa-
mosa expressão para o auto-exame (“cada um examine a
sua consciência” ou “examine-se, pois, o homem a si mesmo”)
tinha como objetivo, conduzir os coríntios à consciência
de que pertenciam a um “só corpo”. Na verdade, isso não
foi dito para excluir ninguém da ceia, mas, ao contrário,

69
para incluir. Paulo estava combatendo a exclusão reinante
entre os irmãos de Corinto. Os pobres estavam sendo ex-
cluídos e precisavam, ao contrário, ser incluídos na Ceia.
Os irmãos deveriam examinar-se a si mesmos e compreen-
der que todos faziam parte do Corpo de Cristo. Portanto,
o texto não pode ser aplicado para o impedimento das
crianças à Ceia do Senhor.

CEIA DO SENHOR – UM MEIO DE GRAÇA


O conceito de “meio de graça” atribuído aos sacra-
mentos (batismo e Ceia do Senhor) e à Palavra de Deus
são aceitos pela grande maioria dos teólogos reformados.
Os sacramentos são meios pelos quais o Espírito Santo
age na vida da Igreja, infundindo a graça de Deus aos
seus membros, fazendo, assim, com que sejam edifica-
dos. Contudo, tal edificação não acontece de forma má-
gica, mecânica, desprendida e independente de Deus.
Nesse sentido, os meios de graça nada mais são que os
modos pelos quais Deus manifesta seu amor e suas dá-
divas à igreja – os meios de graça são seus instrumentos.
Se os Sacramentos e a Palavra de Deus são a manifes-
tação da graça divina aos membros da igreja de Cristo e
as crianças pertencem a ela, logo, percebemos uma séria
contradição: ofertamos aos infantes o batismo, apresen-
tamo-lhes a Palavra de Deus, mas não lhes damos o aces-
so à Ceia do Senhor. Esta contradição foi corrigida pela
IPI do Brasil.

QUESTÃO PRÁTICA
Sempre que lidamos com o novo, surgem detalhes que
podem ser um grande desafio. Estamos conscientes das
dificuldades que todos encontraremos, quando adminis-
trarmos a Ceia às crianças. Uma das questões é a que trata
das crianças que não são membros de nossas igrejas, ou

70
seja, as crianças que não foram batizadas. Como fazer?
Muitos afirmam que isso será um problema e que poderá,
inclusive, criar traumas. Não podemos concordar com tal
argumentação. Se assim fosse, todas as crianças de nossas
igrejas seriam traumatizadas, pois, até o ano de 2006, nós
negávamos a Ceia às crianças e nenhuma delas ficou trau-
matizada por ter sido excluída. Às vezes, subestimamos a
compreensão das crianças. Quando explicávamos que elas
não podiam participar da Ceia e que aquela celebração
era apenas para os adultos, elas compreendiam. O mesmo
deve ser feito com as crianças que não são membros, que
não são batizadas. É fundamental explicar a elas que, pelo
fato de não terem sido batizadas, não poderão participar
da Ceia. Se isso for feito com carinho e respeito, certa-
mente elas compreenderão, assim como compreendiam
até 2006.

PARA DISCUSSÃO EM CLASSE


a) No Brasil, a Igreja Luterana, a Igreja Metodista e a Igreja
Presbiteriana Unida incluíram as crianças na Ceia do Se-
nhor. Quando também o fazemos, estamos retrocedendo
ou avançando em nossa compreensão bíblico-teológica?
b) Servir o pão e o vinho depois do culto às crianças que
não são batizadas (o que era feito em inúmeras de nos-
sas igrejas) não seria uma saída para a questão?
c) Como entender a expressão de Jesus referindo-se às
crianças: “Deixai vir a mim os pequeninos, não os em-
baraceis, porque dos tais é o reino de Deus” (Mc 10.14).

71
Unidade III

NOSSA
HERANÇA
HISTÓRICA
Lição 9

O SISTEMA
PRESBITERIANO
DE GOVERNO
AS VÁRIAS MANEIRAS Texto básico:
DE SE ORGANIZAR A Tito 1.5-9
IGREJA Não se descuide do dom que
Através dos tempos, os você tem, que Deus lhe deu
povos têm se organizado po- quando os profetas da Igreja
liticamente de diversas ma- falaram, e o grupo de presbíteros
neiras. Três são as principais: pôs a mão sobre a sua cabeça
1. Monarquia; 2. República para dedicá-lo ao serviço do
representativa; 3. Democracia Senhor (1 Timóteo 4.14).
direta.
De igual modo, na vida Leituras diárias
eclesiástica, os cristãos desen- Segunda: Êxodo 18.21-26;
volveram maneiras de se go-     Números 11.16-24
vernarem semelhantes a essas Terça: Deuteronômio 27.1-10
três formas básicas de gover- Quarta: 1 Timóteo 5.17-22
no. Foi assim que surgiram os Quinta: Tito 1.5-9
seguintes sistemas de governo Sexta : 1 Coríntios 12.12-30
da Igreja: Sábado: 1 Timóteo 4.11-16
a) Episcopal – Esse sistema
é semelhante a uma mo-
narquia. Nele, o poder se
centraliza nas mãos dos bispos, que governam apoiados
na ideia de que eles são os sucessores dos apóstolos. A
Igreja Católica Apostólica Romana adota essa forma
de governo.Também temos denominações protestantes

75
que a adotam, como a Igreja Anglicana, a Igreja Meto-
dista e algumas Igrejas Luteranas.
b) Congregacional – É o sistema em que todos os mem-
bros da Igreja participam diretamente de seu governo.
Todas as decisões são tomadas em assembleia local,
com a participação de todos os membros. Qualquer
problema exige uma assembleia ou um plebiscito para
ser resolvido. Não há hierarquia de concílios e cada
comunidade local estabelece suas próprias regras. É o
sistema seguido pela Igreja Congregacional, pela Igreja
Batista e por algumas Igrejas Pentecostais.
c) Presbiteriano – É conhecido como sistema representa-
tivo ou republicano. O povo governa, mas o faz de uma
maneira indireta, através de representantes eleitos em
assembleias convocadas para essa finalidade. O governo
é exercido através de concílios (colegiados), constituído
por representantes (delegados) do povo. As decisões to-
madas pelos concílios descem, então, para as bases com
força de lei. Esse tipo de governo é adotado pela Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil, bem como pelos
presbiterianos do mundo todo.
É claro que todos esses
TAREFA tipos de governo podem ser
Estude, cuidadosamente, corrompidos e todos eles têm
as três formas de governo, fa- seus pontos negativos e posi-
zendo uma comparação e uma tivos. Na lição de hoje, vamos
avaliação desses três sistemas analisar essa questão, depois
de governo eclesiástico. de um estudo mais detalhado
das características do governo
presbiteriano.

A IGREJA PRIMITIVA ERA PRESBITERIANA?


Buscar na Bíblia um modelo pronto de governo da
Igreja é exigir demais. Mesmo assim, podemos encontrar

76
na Bíblia indícios de formas de governo e argumentos
em defesa desta ou daquela maneira de organização do
povo de Deus. Nós, os presbiterianos, conseguimos en-
contrar no Novo e no Antigo Testamentos formas se-
melhantes de organização à adotada por João Calvino,
em Genebra, no século XVI.
Os hebreus, ainda no deserto, já valorizavam as pes-
soas mais idosas e experientes. A primeira menção que
se faz a isso está em Gênesis 50.7. Depois, encontramos
Moisés que, seguindo um conselho de Jetro, seu sogro,
se rodeou de “homens capazes, tementes a Deus” (Êx
18.21-26), para poder governar bem o povo na peregri-
nação. Mais adiante, Moisés passou a ser assessorado
por um grupo de 70 anciãos (Nm 11.16-24). As pessoas
escolhidas eram representes do povo e, até no ritual de
culto, exerciam esse papel, colocando as suas mãos so-
bre as cabeças dos animais a serem sacrificados, repre-
sentando o povo (Lv 4.13-15). Outras passagens fazem
referências à presença dos “mais idosos” no governo de
Israel ( Jz 8.14, 21.6; Rt 4.2, 4, 9, 11; 1Sm 16.4; 2Sm
3.17; 17.4, 15).
Nas sinagogas dos judeus, já nos tempos do Novo
Testamento, os anciãos ou presbíteros ocupavam um lu-
gar importante. Eles formavam um conselho, dirigido
por um deles, que era chamado de principal (Lc 7.3 e
At 18.8).
A Igreja Primitiva seguiu o modelo das sinagogas.
Nas primeiras Igrejas, havia uma pluralidade de oficiais
presbíteros (Tt 1.5) que, ao lado dos diáconos, exerciam
seus dons e ministérios. Os presbíteros eram também
chamados de bispos, palavra de origem grega que signi-
fica superintendente ou supervisor. Entretanto, é possí-
vel que, em diferentes lugares, as Igrejas locais seguis-
sem os costumes mais específicos de sua cultura. Afinal,

77
TAREFA a Igreja Primitiva ainda esta-
Leia o texto de Tito 1.5-9 va dando os seus primeiros
e destaque as características passos e não possuía ainda
espirituais que os presbíteros uma organização completa
devem apresentar. bem estruturada. Sobre isso,
veja também Filipenses 1.1-2
e Atos 20.17, 28.

CARACTERÍSTICAS
DO GOVERNO PRESBITERIANO
1. Governo Representativo – Nas Igrejas Presbi-
terianas, o governo é exercido por representantes
do povo (presbíteros regentes), os quais são eleitos
pela assembleia geral local, e pelos ministros da Pa-
lavra e dos Sacramentos (presbíteros docentes ou
pastores).
2. Presbíteros Regentes e Presbíteros Docentes – Os
pastores são os presbíteros docentes porque, além de
tomarem parte no governo da Igreja, têm a seu cargo o
ensino da Palavra e vivem de seu ministério. Os presbí-
teros regentes tomam parte no governo e organização
dos concílios, mas não têm a função de pregar nem vi-
vem do seu ofício. Essa distinção tem como base prin-
cipalmente a exortação apostólica que se encontra em 1
Timóteo 5.17.
3. Hierarquia dos Concílios (Conselho, Presbitério,
Sínodo e Assembleia Geral) – Essa característica
do presbiterianismo está baseada no princípio de re-
presentação e no exemplo encontrado no Concílio de
Jerusalém, convocado para resolver problemas de in-
teresse comum das Igrejas (At 15.1-31).
4. Diaconato – É uma ordem especial. Trata-se de um
ministério que a Igreja precisa desenvolver por causa
das necessidades materiais do ser humano. Teve sua

78
origem na instituição dos primeiros diáconos pelos
apóstolos (At 6.1-6). Observe-se, de passagem, que o
diácono, nas Igrejas Batistas, corresponde ao presbíte-
ro regente, nas Igrejas Presbiterianas.
5. Ausência de hierarquia clerical – O presbiterianis-
mo reconhece apenas duas ordens: o presbiterato e
o diaconato. Os presbíteros regentes e docentes re-
presentam duas classes de oficiais de uma mesma
ordem. Não existe, no presbiterianismo, as chama-
das ordens menores, como no catolicismo romano,
nem uma ordem episcopal, de nível superior. Bispos
e presbíteros são designações que, no Novo Testa-
mento, se equivalem.

DISTORÇÕES DO SISTEMA
PRESBITERIANO DE GOVERNO
Os três sistemas de governo (episcopal, congregacio-
nal e presbiteriano) têm bases bíblicas. Não podemos
afirmar que um deles é mais bíblico do que os outros.
Talvez possamos dizer, em defesa do sistema presbi-
teriano, que a virtude está no meio termo. O sistema
presbiteriano é o melhor por ser o intermediário entre o
episcopal (centralizador e tendente a ser autoritário) e o
congregacional (descentralizador e tendente a se dividir
em inúmeras facções e congregações novas). Pensamos
que o nosso sistema reúne as boas qualidades dos dois
outros sistemas.
Nosso sistema é democrático, pois os governantes são
eleitos pelos governados e, terminado o mandato, podem
ser substituídos.
Nosso sistema é também representativo, pois o go-
verno é exercido pelos concílios (conselho, presbitério,
sínodo e assembleia geral), os quais são integrados por
pessoas eleitas como representantes de seus eleitores.

79
Além disso, o nosso sistema é federativo. A Constitui-
ção da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil afirma:
“A comunhão presbiteriana é uma federação de igrejas lo-
cais”. Isso quer dizer que as igrejas são autônomas, têm go-
verno próprio, mas não tem soberania absoluta. As igrejas
locais sofrem restrições em benefício do todo, havendo a
necessidade de obediência aos concílios superiores por par-
te dos concílios inferiores.
O presbiterianismo contém ingredientes para que as
Igrejas funcionem bem. Porém, como todo sistema, está
sujeito a distorções que prejudicam o seu funcionamento.
Podemos classificar as principais distorções do sistema
presbiteriano da seguinte forma:
1. Distorções que ferem o princípio democrático – Elas
acontecem quando surgem líderes que pretendem man-
dar sozinhos e passam por cima dos concílios. Também
acontecem quando as pessoas se aglutinam ao redor de
um líder e, astuciosamente, procuram impor seus pon-
tos de vista sobre todos, apresentando-se como donas
da verdade. Há casos tristes e curiosos de líderes e de
grupos que desrespeitaram conselhos, presbitérios e até
a Assembleia Geral.
2. Distorções dos princípios de representatividade –
Geralmente acontecem sem que as percebamos. Há
oficiais que se esquecem, depois de terem sido eleitos,
que o mandato é uma representação recebida. Passam
a agir de acordo com suas próprias ideias e preconcei-
tos, sem procurar ouvir a comunidade que os elegeu.
Além disso, quando as pessoas eleitas não comparecem
às reuniões conciliares ou ficam caladas o tempo todo,
sem participarem das discussões, a representatividade
acaba sendo prejudicada.
3. Distorções do princípio federativo – Acontece quan-
do as Igrejas locais não cumprem ou não acatam as

80
decisões dos concílios superiores (presbitérios, síno-
dos e assembleia geral). Outra distorção do sistema
federativo se manifesta quando as Igrejas locais dei-
xam de enviar suas contribuições à tesouraria central
da Igreja, lançam mão de artifícios para mandar me-
nos dinheiro do que o devido ou não enviam os recur-
sos com pontualidade. Isso acaba provocando sérias
dificuldades, pois é a tesouraria central da igreja que
sustenta pastores aposentados e missionários, susten-
ta os seminários, etc.

Outras distorções poderiam ser apontadas. No entan-


to, para terminar, queremos fazer duas observações:
a) as distorções não significam que o sistema presbiteria-
no de governo é ruim. Na verdade, distorções ocorrem
em todos os sistemas. O importante é combatê-las e
evitá-las.
b) Precisamos conhecer bem o sistema presbiteriano de
governo. Somente assim estaremos dando um grande
passo na superação de suas distorções.

CONCLUSÃO
No sistema presbiteriano de governo, são frequentes
as eleições. Todos os membros participam, podem votar
e serem eleitos. Para o seu bom funcionamento, é muito
importante que exista sempre uma participação consciente
de todos. Isso quer dizer que há uma necessidade muito
grande de responsabilidade. Além disso, é de importân-
cia fundamental que todos participem procurando seguir
a orientação divina. Por isso, todas as reuniões devem ser
acompanhadas de muita oração.

81
PARA DISCUTIR EM CLASSE
1. Quais as principais vantagens do sistema presbiteriano
de governo da Igreja?
2. Que distorções do sistema presbiteriano você tem ob-
servado em sua Igreja ou região?
3. Como membro de uma Igreja local, qual pode ser a sua
contribuição para o bom governo da Igreja Presbiteria-
na Independente do Brasil?

82
Lição 10

A ALTA IDADE MÉDIA:


BERÇO RACIONAL
DA REFORMA
PROTESTANTE
INTRODUÇÃO Texto básico
A teologia tem um único 2 Reis 22.8-11
objetivo: descobrir Jesus Cris- Ide e consultai o Senhor por
to; e o Evangelho só pode ser mim, pelo povo e por todo o
pregado na própria língua do Judá, acerca das palavras deste
povo. Erasmo de Roterdã livro que se achou; porque
(1469-1536). grande é o furor do Senhor
O texto básico desta lição que se acendeu contra nós,
é sugestivo ao tratar também porquanto nossos pais não
de reforma religiosa. Todos deram ouvidos às palavras deste
nós sabemos que o curto rei- livro, para fazerem segundo
nado de Josias é marcado pela tudo quanto de nós está escrito.
reforma do culto realizado no (2Reis 22.13)
templo. E a base dessa reforma
foi, com certeza, a descoberta Leituras diárias
do Livro da Lei, que possivel- Segunda: 2 Reis 22
mente seja uma cópia das leis Terça: 2 Reis 23
que estão no Deuteronômio. Quarta: Deuteronômio 6
A reforma de Josias sugere o Quinta: Romanos 3
tema do retorno ao princípio Sexta: Gálatas 4
dos propósitos de Deus para Sábado: Hebreus 9
seu povo contidos na sua Pala-
vra escrita.

83
O contexto da alta Idade Média é semelhante ao da
reforma de Josias. Toda a base da Reforma Protestante é
caracterizada pela redescoberta dos propósitos de Deus
para seu povo contidos na Bíblia. A vida religiosa - tanto
no período do rei Josias, quanto na pré-reforma - estava
completamente desvirtuada.
Os primórdios da reforma coincidem com o renasci-
mento, iniciado na Itália no século XIV. Renascença é a ex-
pressão dada ao fato de a antiguidade renascer em meados
deste século. O renascimento auxiliou na formação de um
novo contexto racional, levando à busca da latinidade clássi-
ca, dos autores gregos, romanos e ainda ao estudo da língua
hebraica1. O renascimento provocou novo sentimento de
vida. Redescobriu a antiguidade sob todas as suas formas:
literaturas, artes e ciências. O aperfeiçoamento da imprensa
inventada por Gutenberg, em meados do século XV, revo-
lucionou a transmissão do pensamento.
Obras outrora reservadas a alguns privilegiados são am-
plamente difundidas; surgem edições dos autores antigos,
dos Pais da Igreja, da Bíblia e dos manuais de piedade2. A
fome de saber e de agir sacudiu a sociedade europeia neste
período. Este também é o mesmo período do humanismo.
A característica básica do humanismo era o antropocentris-
mo (o ser humano no centro); é a compreensão da pessoa
humana, bela e educável, tal qual se encontra nos clássicos3.
A grande inspiração para os humanistas, na sua maioria, era
o desejo de que seus trabalhos viessem
a melhorar a Igreja e a vida religiosa.
1DREHER, Martin N. A crise e a
renovação da Igreja no período da
Era como a implantação de uma refor-
Reforma. São Leopoldo, Sinodal, 1996, ma social e religiosa, porém, na con-
p. 11. tramão do poder eclesiástico.
2COMBY, Jean. Para ler a História da Erasmo de Roterdã (1469-1536)
Igreja. São Paulo, Loyola, 1994, p. 10.
em sua obra célebre, O Elogio da Lou-
3ZAGHENI, Guido. A Idade Moderna.
São Paulo, Paulus, 1999, p.47. cura, (1511), esboçou o seu desejo de

84
restaurar a teologia por meio do retorno às fontes bíblicas
e aos Pais da Igreja. Para Erasmo, a teologia tinha um único
objetivo: descobrir Cristo. Pregava que o Evangelho deveria
estar acessível a todos e em todas as línguas. Erasmo exerceu
forte influência sobre todos aqueles que desejavam a reforma
religiosa e da igreja; entre estes, encontrava-se o próprio Lu-
tero. A causa primeira que suscitou a reforma protestante foi
religiosa. Apesar de todas as crises sociais, políticas e ainda
a imoralidade do clero, o povo cristão estava sedento espi-
ritualmente4. Para André Biéler, duas coisas asseguraram o
êxito da Reforma Protestante: a Bíblia na língua do povo e a
justificação pela fé. Reforma de costumes, reforma social, re-
forma eclesiástica, eclosões políticas, tudo isto, seguramente,
a reforma de Lutero provocaria. Deste modo, podemos dizer
que este contexto da alta Idade Média foi berço da reforma
protestante.

1- OS ABUSOS DA IGREJA DOMINANTE NO


CONTEXTO DA ALTA IDADE MÉDIA
A época anterior à Reforma foi de intensa efervescência
religiosa e social. A tensão existente entre Igreja e Estado
se encarregou de trazer um dos mais tumultuados momen-
tos na história da cristandade ocidental. Para assegurar a
independência da Igreja, o papado buscou enfraquecer o
poder do Estado. Em consequência, os papas chegaram
até a assumir o comando político do mundo ocidental de
então. Os bispos, com frequência, se tornavam mais guer-
reiros do que pastores e se envolviam
nas intrigas políticas da época, para
4BIÉLER, André. O Pensamento
o bem de seus interesses políticos e Económico e Social de Calvino.
econômicos5. São Paulo, CASA EDITORA
Mas, usando dos mesmos recur- PRESBITERIANA, 1990, p.42
sos, a força imperial passou a exigir a 5GONZALES, Justo L. A Era dos
Reformadores. São Paulo, Vida Nova,
autonomia do Estado em relação ao 1986, p.21.

85
poder religioso. E o resultado foi o surgimento das igre-
jas territoriais, dependentes do poder imperial, que tan-
to podia ser representado pelo rei ou pelo príncipe como
pelos conselhos municipais. Isso trouxe vários problemas
de ordem religiosa. Havia muitos bispos que não tinham
qualquer interesse em questões espirituais e buscavam so-
lidificar suas posições por meios políticos. Já os príncipes
procuravam fortalecer seu poder assumindo o controle da
Igreja. O critério para a escolha e nomeação dos bispos e
dos cardeais não era primariamente pastoral nem buscava
o bem da igreja; baseava-se, na maioria das vezes, na per-
tença à nobreza por nepotismo6. Esta trama político-reli-
giosa concedeu direitos de padroado aos reis de quase toda
a Europa e levou a vida religiosa à beira do colapso. Os reis
determinavam a vida religiosa e ainda o preenchimento de
cargos eclesiásticos. O príncipe passou a controlar as ofer-
tas do povo.
A pregação de indulgências só era permitida caso o
príncipe tivesse participação nos lucros7. Os abusos e de-
sordens na Igreja, especialmente no alto clero, em todos
os níveis provocaram desejos de reforma. A igreja já não
atendia às expectativas dos cristãos. Pois, para a maior
parte do clero, a igreja era considerada sua propriedade,
da qual retiravam lucros e prazeres. O vício e a orgia rei-
navam no alto clero. Havia regiões em que o vício era tão
comum, que os fiéis não mais se chocavam com ele. O de-
sejo ávido pelo lucro era tanto que, quando se criavam no-
vas paróquias, a preocupação determinante não era com
o culto e com o auxílio espiritual dos fiéis, mas fazer boas
obras com o fim de garantir parte nos tesouros da graça8.
O baixo clero, embora distante do
6ZAGHENI, op.cit, p.29. poder e dos luxos dos prelados, não
7DREHER, op.cit, p. 15. estava em melhores condições para
8DREHER, op.cit, p. 18. servir ao povo.

86
Os sacerdotes eram ignorantes, em sua maioria, inca-
pazes de responder às mais simples perguntas religiosas da
parte dos paroquianos9. Eram frequentes, nesse período, as
reclamações a respeito da formação do clero e dos religio-
sos, para os quais não existiam seminários nem programas
de formação teológica10. Todas estas descrições levaram
os cristãos à alternância entre ódio e medo em relação a
Roma. Durante cem anos apresentaram-se queixas contra
tais situações, mas todas foram abafadas pelo papado. Se o
desejo de reforma da vida religiosa e social não foi realiza-
do pela igreja, deveria ser por outro viés. A vida religiosa,
no final da Idade Média, era o setor da vida eclesial onde
a urgência de uma reforma era mais sentida e o discurso
sobre ela era mais frequente. É importante lembrar de que,
diante desse contexto, a Renascença é a primeira via de re-
volta contra os abusos da Igreja e do Estado.
Contudo, trata-se da via racional. É a filosofia huma-
nista que surgirá como proposta libertadora da sociedade
ocidental. Como vimos na introdução, toda a produção
cultural renascentista marcou fundamentalmente os refor-
madores, inclusive Lutero e Calvino. Portanto, do ponto
de vista reacional, a Reforma Protestante é extremamente
devedora à Renascença.

2- LUTERO E O RESGATE DA DOUTRINA


DA FÉ CONTRA OS HORRORES DA
DOUTRINA DA PENITÊNCIA
Martinho Lutero nasceu no dia 10 de novembro de
1483, na cidade de Eisleben, Alemanha. A formação
cultural e religiosa de Lutero oscilou entre o humanis-
mo e o misticismo11. A sua dedica-
ção à leitura dos autores místicos se 9GONZALES, op.cit.p.21.
deu entre os anos 1505-1507, perí- 10ZAGHENI, op.cit.p.30.
odo em que esteve no mosteiro. Foi 11Idem, p.59.

87
ordenado padre em 3 de abril de 1507. Em 1508 foi en-
viado para a Universidade de Wittenberg, onde lecionou
filosofia moral. Em Wittenberg, continuou seus estudos
teológicos. No ano de 1511 foi convocado para assumir
a cátedra bíblica. Em outubro de 1512 tornou-se doutor
em teologia. Desta data em diante, toda a vida de Lute-
ro passou pela dedicação à exegese bíblica. Era profun-
do conhecedor das línguas grega, hebraica, latina e da
própria língua alemã. É certo dizer que o tempo gasto
lendo e interpretando as Sagradas Escrituras garantiu
algumas respostas para a tão conhecida inquietação e
angústia sofridas por Lutero.
O tema da salvação e do castigo o incomodava profun-
damente. Para Tillich, teólogo alemão do século XX, tal
inquietação era comum no fim da alta Idade Média, dado o
peso do sacramento da penitência na Igreja Romana12. À
semelhança do Livro da Lei encontrado no reinado de Jo-
sias, podemos dizer que doutrina da graça na Idade Média
estava também em meio aos escombros da teologia domi-
nante da Igreja Romana. Precisava urgentemente ser res-
gatada. A imposição da doutrina da penitência empurrou a
cristandade da Idade Média para o mais alto grau da ansie-
dade. Tillich considera o sacramento da penitência o fator
preponderante da ruptura de Lutero com a Igreja Romana.
O peso da penitência incomodava toda a cristandade. No
mosteiro, Lutero chegou à conclusão de que as boas obras e
o próprio sacramento da penitência são insuficientes, tanto
para aliviar a consciência de pecado quanto para a justifica-
ção diante de Deus. As pessoas não conseguiam encontrar a
misericórdia de Deus e nem se livrarem da má consciência. A
arte desse período expressa intensamente essa ansiedade. As
peregrinações cada vez mais frequen-
12TILLICH, Paul. História do tes, a coleção e adoração de relíquias,
Pensamento Cristão. São Paulo, ASTE,
2000, 2a edição, p.229. as repetições das orações, a dádiva do

88
dinheiro, a compra de indulgências e qualquer outra coisa
que pudesse livrar os cristãos da culpa13 funcionavam como
arma ideológica nas mãos da Igreja.
A superstição e as crendices estavam arraigadas na
mente incauta do povo. Fraudes e falsas relíquias eram usa-
das para estimular ainda mais tal crendice. Entre as fraudes
das falsas relíquias, posteriormente descobertas, estava um
suposto braço de Santo António, muito milagroso. Mais
tarde, verificou-se que nem mesmo tratava-se de um osso
humano, mas da canela de um veado14. A teologia de Lu-
tero, que o levou a romper com a Igreja, era baseada na tese
de que a relação do ser humano com Deus é pessoal, rela-
ção do tipo Eu-Tu. A expressão Sola Fide tornou-se o foco
central da teologia de Lutero. É possível que essa expressão
seja a principal influência de Lutero para o pensamento de
Calvino. A fé e as Escrituras ocupam o mesmo lugar de
destaque na teologia de Lutero e de Calvino15. Portanto,
o desvirtuamento da vida religiosa, marcado pelo peso da
doutrina romana da penitência no contexto da alta Idade
Média, foi o marco desencadeador da Reforma Protestan-
te. Podemos dizer que fatores como: a formação humanista
de Lutero, o seu conhecimento das línguas grega, hebraica,
latina e alemã, o seu método teológico de interpretação bí-
blica e ainda as suas experiências espirituais foram funda-
mentais para a formulação das 95 teses bíblico-teológicas
que deram início à Reforma Protestante.

3- CALVINO E O RESGATE
DA DOUTRINA 13TILLICH, op.cit.p.229.
DA GRAÇA COMO 14Calvino e a Igreja. In: Caderno de O
ANTÍDOTO LIBERTADOR ESTANDARTE. São Paulo, Pendão
DA CRISTANDADE Real, 2001, artigo escrito por Manoel
Alves Guerra.
João Calvino nasceu no dia 10 de
15COMBY, Jean. Para fera História da
julho de 1509, na cidade de Noyon, Igreja. São Paulo, Loyola, 1994, p.23.

89
capital da Picardia, França16. Aos 14 anos João Calvino
foi enviado à Paris para estudar no College Montaigu. No
início de 1528 completou seus estudos com ênfase espe-
cial em filosofia, dialética e metafísica; obteve o grau de
Mestre em Artes. Em 1532 João Calvino formou-se em
Direito. Depois da morte de seu pai, Calvino dedicou-se
ao estudo do grego e hebraico no College Royal, institui-
ção humanista17. Calvino retomou também os estudos
literários, frequentando os círculos humanistas de Paris,
onde se encontrava com simpatizantes da Reforma Pro-
testante. Em 1532 Calvino lançou a sua primeira obra, era
um comentário sobre o tratado de Sêneca: A clemência.
A obra era muito erudita e fortemente marcada por va-
lores morais, sem, contudo, frisar conceitos religiosos18.
Por causa da publicação de diversos textos difamatórios,
Calvino é obrigado a refugiar-se na região protestante da
Basileia.
Em 1536, Calvino, aos 26 anos de idade, publicou pela
primeira vez a sua obra de cunho teológico, intitulada Ins-
tituição da Religião Cristã. Esta edição foi feita na Basileia,
em latim, inicialmente contendo 516 páginas, divididas
em seis capítulos. Esta obra foi dedicada a Francisco I, rei
da França, que vinha difamando e perseguindo os amigos
protestantes de Calvino na França. Era uma obra bastante
completa e, até então, era a única que apresentava detalha-
damente a fé protestante. Os primeiros quatro capítulos
tratavam sobre Lei, o Credo, o Pai Nosso e os Sacramen-
tos. Os últimos dois, em tom mais polêmico, resumiam a
teologia protestante com respeito aos
16WALKER, W. História da Igreja “falsos sacramentos” romanos e à li-
Cristã. São Paulo, ASTE, 1967, volume
11, p.67.
berdade cristã19.
17WALKER, op.cit.p.67. Cabe destacar aqui as bases da te-
18Idem, p. 70 ologia de Lutero que estão fortemen-
19GONZALES, op.cit.p.111 te presentes na teologia de Calvino.

90
Temas como: a radical pecaminosidade do ser humano, o
cristocentrismo, a plena eficiência da graça, a justificação
somente pela fé e a centralidade da palavra pregada são ex-
traídos diretamente da teologia de Lutero20. A principal
obra de Calvino, intitulada Institutas da Religião Cristã, re-
flete uma estreita influência dos escritos de Lutero.
À semelhança de Lutero, Calvino também criticou du-
ramente o sacramento da penitência pelo fato de transferir
para o homem e sob o controle da igreja, a incumbência
de aliviar as culpas provocadas pelo pecado. Era isso que
Calvino chamava de falsa religião. Segundo ele, só os hipó-
critas procuram aplacar a ira de Deus com a aparência dos
sacrifícios; pois, em lugar de servir a Deus com a santidade
da vida e a integridade do coração, realizam vãs e frívolas
cerimônias sem valor algum para obterem a graça e o favor
de Deus. Os hipócritas esperam poder satisfazer a Deus
com suas oferendas; em lugar de colocar a confiança única
e exclusivamente em Deus, colocam-na em si mesmos21.
Calvino chama de remédio divino a graça que corrigirá a
depravação da natureza. Ele cita o texto Paulino segundo
o qual Deus, ao começar a boa obra na humanidade, ha-
verá de aperfeiçoá-la até o dia de Jesus ( Fp 1.6). Calvino
diz que a obra da regeneração depende exclusivamente de
Deus, pois, a natureza decaída não dispõe de meios para
aproximar-se de seu criador. Para Calvino, Deus é quem
restaura em nós a vontade pela qual teremos o desejo de
buscar a reaproximação; é Deus quem opera tal querer;22
e, assim, qualquer bem na vontade é
obra unicamente da graça. 20DREHER, op.cit, p. 98.
Finalmente, o texto básico desta li- 21CALVINO, Juan. Institución de Ia
ção que retrata a reforma religiosa do Religión Cristiana. Buenos Aires, Nueva
rei Josias, é sugestivo na medida em Creación, Edicion revisada em 1967, libro
I, Cap. IV, p. 13.
que todo o pensamento da pré-refor-
22As Institutas. op.cit. Vol H, Cap.III,
ma e em seguida dos reformadores é p.55.

91
fortemente marcado pelo desejo de uma reforma religiosa.
E a base de ambas as reformas - a de Josias e a Protestante
- foi a Palavra de Deus.

CONCLUSÃO
A leitura atenciosa desta lição revelará a importância
que nós, protestantes, sempre demos ao conhecimento bí-
blico-teológico. A formação pastoral deve sempre privilegiar
tanto a vocação quanto a formação teológica. Deve-se notar
também que, da mesma forma que os reformadores estavam
atentos aos acontecimentos do mundo, nós cristãos tam-
bém devemos acompanhar as mudanças sociais e culturais
de nossa época. Não somente acompanhar, mas atuar como
igreja que deve ser o sal da terra e a luz do mundo.

92
Lição 11

SIMONTON: O
PRIMEIRO MISSIONÁRIO
PRESBITERIANO EM
SOLO BRASILEIRO
INTRODUÇÃO Texto básico:
Há pessoas que vivem in- 2 Coríntios 8.1-15
tensamente o tempo que Deus Não somente fizeram como
lhes concede, servindo ao Se- nós esperávamos, mas também
nhor e acreditando num mun- deram-se a si mesmos primeiro
do melhor. Dessa maneira, se ao Senhor, depois a nós, pela
destacam através da entrega, da vontade de Deus (2 Coríntios
perseverança, da renúncia e do 8.5)
amor. Ashbel Green Simonton
foi uma dessas vidas preciosas. Leituras diárias
Para falar um pouco a respeito Segunda: Mateus 25.14-30
de seu compromisso com Deus, Terça: 1 Coríntios 13.1-3
comparo sua atitude de entrega Quarta: Atos 5.17-32
referente à sua participação na Quinta: Romanos 12.6-8
missão de Deus com a atitude Sexta: 2 Coríntios 9.1-15
de entrega dos macedônios para Sábado: Mateus 16.24-28
com os pobres da Judeia (2Co
8.1-15). Ambas se configuram
com ações que identificam ver-
dadeiras vidas cristãs.

ASHBEL GREEN SIMONTON


Ashbel Green Simonton nasceu no dia 20 de janei-
ro de 1833, na Pensilvânia. Fez sua pública profissão de

93
fé aos 22 anos, embora tivesse sido batizado com cinco
meses de idade. Seu pai, Dr. Willian Simonton, era mé-
dico e político de prestígio em sua cidade no Estado da
Pensilvânia, e sua mãe, Martha Snodgrass Simonton era
filha de pastor. Simonton era o caçula de uma família de
onze filhos. Perdeu seu pai quando tinha apenas treze
anos. Ainda jovem, abandonou seu curso de Direito para
fazer teologia no Seminário de Princeton (1855-1858).

O CAMINHO DA ENTREGA
Tanto para Simonton, quanto para os macedônios, ha-
via um ponto de partida: Primeiro eles se deram a si mesmos
ao senhor (2Co 8.5), e isso tem um significado muito im-
portante, pois, só quando há entrega do “ser”, é que somos
capazes da entrega do “ter”. Quem não “é” não entrega o
que tem, porque não entende que o que tem não é dele.
Em outras palavras, só quem se dá de corpo e alma ao Se-
nhor é capaz de entregar tudo, de entregar o melhor.
Os irmãos da Macedônia não se sentiam dignos de
contribuir, de participar da obra de Deus, mas tamanha
era a vontade de participar que eles pediam que essa pos-
sibilidade lhes fosse criada pela graça de Deus. Ou seja,
que Deus lhes concedesse a graça de servir. ... pedindo-nos
com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos
santos (2Co 8.4).
Na manhã do dia 18 de junho de 1859, quando embar-
cou para o Brasil, escreveu em seu diário: “Estou só. Sinto
agora, pela primeira vez, a realidade que havia frequentemen-
te antecipado com temor”. No dia 12 de agosto de 1859, na
Baía de Guanabara, após cinquenta dias de viagem num
navio mercante, escreveu em seu diário: “Já me desfiz da in-
dumentária marítima; dei-a ao camareiro, que me prestou bons
serviços na viagem. Estou pronto para o desembarque”. Como
disse alguém: “De fato, ele se desfez muito mais do que a sua

94
roupa de viagem. Ele se desfez do conforto e segurança do seu
lar materno para se gastar e deixar-se gastar na espinhosa e glo-
riosa missão que abraçou: anunciar ao povo brasileiro que Jesus
Cristo é o único Senhor e Salvador!” A atitude de Simonton,
antes de tudo, foi a de entrega da própria vida, para que
assim tivesse o privilégio de ser usado por Deus na obra.

O CAMINHO DO AMOR
Só consegue entregar, contribuir, quem, pela graça de
Deus, aprendeu a amar. Paulo diz que aquele gesto dos ma-
cedônios provava a ...sinceridade do amor que eles possuíam...
(2Co 8.8). É possível entregar, contribuir sem amor, mas
é impossível amar sem entregar, sem contribuir. Eu posso
dar o que eu tenho, sem amor, mas, se eu fui impactado
pela graça de Deus e tomado pelo mesmo sentimento de
Deus para com a minha vida, é impossível que eu não en-
tregue, que eu não contribua. Deus...amou de tal maneira,
que deu..., e porque amou, deu o melhor, deu a primícia,
ou seja, o seu próprio Filho. Quando nós fazemos alguma
coisa a alguém, nós estamos fazendo ao próprio Deus, es-
tamos ofertando a Deus.
Simonton chegou ao Brasil solteiro, como missionário
da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Dois meses
após sua chegada, escreveu em seu diário: “Ser missioná-
rio sem ter o amor fervoroso por Cristo e zelo pelas almas é
mau negócio. Devo renovar minha consagração”. Depois de
algum tempo, registrou: “....Minha religião é muito morta,
minhas orações caem por terra, faltando-lhes o impulso do
sentimento jubiloso e vivo. Por isso vou implorar a Deus; Vou
buscar a renovação de minha vocação e consciência de amor
Aquele cuja Palavra prego. Senhor, fala comigo como fizeste
com Pedro, convencendo-me da necessidade de amor e pro-
duzindo pelo poderoso comando a graça celeste que me torne
capaz de alimentar teus cordeiros e tuas ovelhas”.

95
Em julho de 1862 Simonton fez uma viagem aos Esta-
dos Unidos, devido a problemas de saúde de sua mãe. No
ano seguinte, casou-se com Helen Murdoch, retornando
ao Brasil com quatro meses de casado. Em 1864, nasce a
primeira filha do casal, mas a terra ficou mais pobre com
a morte de Helen, nove dias após, devido a complicações
no parto. Diante do sofrimento pela perda, Simonton, a
exemplo do salmista, expressa sua dor através de uma sú-
plica: “Deus tenha piedade de mim agora, pois águas profun-
das rolaram sobre mim. Helen está estendida em seu caixão,
na salinha de entrada. Deus a levou de repente que ando como
quem sonha”. Somente quem possui um profundo amor
por Deus e pelas vidas que compõem o seu reino pode en-
contrar forças para seguir em frente, diante da árdua, mas
importante tarefa de pregar o evangelho.

O CAMINHO DA ALEGRIA
Apesar das lutas, a vida cristã é marcada pela alegria
do serviço. Segundo Paulo, os macedônios manifestaram
abundância de alegria (2Co 8.2). Não há nada mais belo
do que contribuir com alegria. O texto de 2 Coríntios 9.7
registra: Deus ama a quem dá com alegria. Não por obri-
gação, por mandamento, não como fardo, não para rece-
ber alguma coisa em troca, mas com alegria. É por isso
que todas as vezes que era chamado a contribuir, o povo
de Israel o fazia uma grande festa. Esta também deve ser
a nossa atitude, ou seja, porque fomos alcançados pela
graça de Deus, por amor, participarmos das coisas de
Deus com alegria. Vidas permeadas pela alegria de servir
deixam registradas na história as marcas do compromisso
com a promoção da vida.
Se não levarmos em conta o período de um ano e
quatro meses que passou nos Estados Unidos, Simonton
viveu apenas sete anos no Brasil, mas o suficiente para,

96
juntamente com sua equipe, deixar marcas na história do
protestantismo brasileiro através de ações expressivas,
como por exemplo: a fundação de uma igreja no Rio de
Janeiro (1862); a fundação do primeiro jornal evangélico
no Brasil, Imprensa Evangélica (1864); a organização do
primeiro Presbitério, do Rio de Janeiro (1867); a funda-
ção do primeiro seminário teológico, no Rio de Janeiro
(1867). Em pouco tempo de ministério, numa época em
que ser evangélico no Brasil era ser herege, Simonton re-
cebeu 70 pessoas à comunhão da igreja e ordenou ao sa-
grado ministério o primeiro pastor brasileiro, o ex-padre,
Rev. José Manoel da Conceição.

CONCLUSÃO
Em 1867, vítima da febre amarela que assolava
o país, Simonton faleceu em São Paulo, sendo o seu
corpo sepultado no Cemitério dos Protestantes. Como
acontece com raras vidas, morreu achando que poderia
ter feito mais. Em suas últimas anotações no seu diário,
escreveu: “Não posso ir além da prece do publicano: ‘Ó
Deus, sê propício a mim, pecador!’...Quem me dera um
batismo de fogo que consumisse minhas escórias; quem me
dera um coração totalmente de Cristo.”
Os resultados desse caminho de entrega, amor e alegria
percorrido por Simonton foram e continuam sendo desa-
fiadores. O texto básico da nossa lição reforça essa afirma-
ção: “o que muito colheu, não teve demais, e o que pouco, não
teve falta” (2Co 8.15). Tudo foi recolhido e distribuído com
justiça pela medida. Deus supriu as necessidades, utilizan-
do-se para este fim, da entrega, do amor e da alegria dos
macedônios, de Simonton e de tantos outros que entende-
ram a graça de servir. Por isso, até hoje colhemos os frutos
de uma vida consagrada que ousou dizer “sim” à preciosa
tarefa de semear o evangelho no solo brasileiro.

97
PARA DISCUTIR EM CLASSE:
1) De que maneira as atitudes dos macedônios e de Simon-
ton podem nos desafiar na preciosa tarefa de expansão
do Reino de Deus?
2) Quem não “é” não entrega o que “tem”. O que essa afirma-
ção tem a ver com o atual contexto da atuação protes-
tante no Brasil? E em particular, na IPI do Brasil?

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE
Maiores informações sobre a vida de Simonton: O Di-
ário de Simonton – 1852-1866 – Editora Cultura Cristã,
2002.

98
Lição 12

O PRESBITERIANISMO:
DOS EUA PARA O BRASIL
INTRODUÇÃO Texto básico:
A história de nossa Igreja, Apocalipse 3.1-6
começa com a Reforma Protes- Falando a verdade com espírito
tante do Século XVI, que teve de amor, cresçamos em tudo
vários líderes, como Martinho para alcançar a altura espiritual
Lutero, na Alemanha, e João de Cristo, que é a cabeça. E o
Calvino, na cidade de Gene- corpo todo, debaixo do poder
bra. O crescimento das igrejas de Cristo, fica bem ajustado, e
calvinistas foi muito grande. todas as partes ficam ligadas
Espalharam-se por vários pa- entre si, por meio da união de
íses da Europa. Seguidores de todas elas. Porque, quando cada
Calvino acabaram vindo para a parte trabalha bem, o corpo todo
América do Norte. cresce e se desenvolve por meio
Nos Estados Unidos, o do amor (Efésios 4.15-16)
presbiterianismo cresceu mui-
to. No ano de 1706, foi orga- Leituras diárias
nizado o primeiro Presbitério. Segunda: Apocalipse 2.1-7
Dez anos depois, em 1716, foi Terça: Apocalipse 2.8-11
organizado o primeiro Síno- Quarta: Apocalipse 2.12-17
do. E, em 1789, foi instalada Quinta: Apocalipse 2.18-29
a Assembleia Geral da Igreja Sexta: Apocalipse 3.1-6
Presbiteriana. Sábado: Apocalipse 3.7-13
A Igreja Presbiteriana dos
Estados Unidos desenvolveu
uma preocupação com o tra-
balho missionário. Assim, acabou enviando missionários
para vários países do mundo, entre os quais o Brasil.

99
Foi no dia 12 de agosto de 1859 que desembarcou, no
Rio de Janeiro, o Rev. Ashbel Green Simonton. Tinha ele,
então, somente 26 anos de idade. Não sabia falar portu-
guês. Mas o trabalho desse jovem pastor foi notável. É di-
fícil expô-lo em poucas linhas. Deixemos que alguns fatos
falem por si mesmos:
1863 – Simonton organizou a Primeira Igreja Presbi-
teriana do Rio de Janeiro.
1864 – Foi fundado o primeiro jornal evangélico, cha-
mado “Imprensa Evangélica”, que foi sucedido, mais tar-
de, pelo jornal “O Estandarte”, que continua a ser, até
os dias de hoje, o órgão oficial da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil.
1865 – Foi organizada a Primeira Igreja Presbiteriana
de São Paulo, pelo cunhado do Rev. Simonton, o Rev.
Alexander Latimer Blackford.
1865 – Organizou-se o primeiro Presbitério brasileiro
1867 – Com apenas 34 anos de idade, o Rev. Ashbel
Green Simonton faleceu e foi sepultado na cidade de
São Paulo.

Devemos, portanto, a Simonton a implantação do pres-


biterianismo no Brasil. Ele lançou a semente de uma árvore
que haveria de crescer e de produzir muitos frutos.
O trabalho dos primeiros missionários foi um trabalho
heróico. O Brasil é um país com dimensões continentais.
E, na segunda metade do século XIX, as dificuldades de
transportes e comunicações eram imensas.
Aos poucos foi surgindo um grupo de pastores nacionais
que, ao lado dos missionários norte-americanos, atendia a
todo o rebanho, muitas vezes espalhado pela zona rural.
Não se pode esquecer também que muitas Igrejas depen-
diam de uma liderança leiga muito ativa, pois os pastores e
missionários eram poucos e visitavam esporadicamente as

100
várias comunidades protestan- PARA MEDITAR
tes que se organizavam. O protestantismo deu uma
Deve-se acrescentar ain- grande contribuição à educa-
da que os missionários pres- ção. Entre os protestantes sem-
biterianos norte-americanos pre foi muito reduzido o nú-
também se preocuparam com mero de analfabetos por causa
a educação. Foi por isso que, do interesse pela leitura da Bí-
ao lado de muitos templos blia. Ao batizarem seus filhos,
presbiterianos, surgiram tam- os protestantes prometem,
bém muitas escolas, que tive- entre outras coisas, ensiná-los
ram grande influência na for- a lerem as Escrituras Sagra-
mação de novas gerações de das. Será que, nos dias de hoje,
brasileiros. continuamos a ter influência
na educação? O que podemos
COMPLICAÇÕES fazer nesse sentido?
NO NOVO CAMPO
MISSIONÁRIO
Na época em que foram
enviados os primeiros missionários presbiterianos ao
Brasil, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos divi-
diu-se em duas partes, por causa da questão da escravi-
dão e da Guerra de Secessão (1861-1865). Assim como
os Estados Unidos se dividiram entre o Norte e o Sul,
da mesma maneira a Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos se cindiu, formando a Igreja do Norte e a Igreja
do Sul.
Isso significou que o Brasil passou a ser o alvo do tra-
balho missionário de duas igrejas presbiterianas do mes-
mo país. Vários missionários que trabalhavam entre nós
eram filiados ao “Board” de Nova Iorque (Igreja do Norte
dos Estados Unidos). Outros missionários eram filiados
ao “Committee” de Nashville (Igreja do Sul dos Estados
Unidos). E o problema era que nem sempre havia acordo
entre esses dois grupos de missionários.

101
Com o passar do tempo, foi se formando um grupo de
pastores brasileiros. Com isso, a complicação no presbite-
rianismo brasileiro aumentou ainda mais. Nem sempre os
pastores nacionais estavam de acordo com a forma de tra-
balho dos missionários estrangeiros. Consequentemente,
havia três grupos diferentes no presbiterianismo do Brasil:
os missionários do Norte dos Estados Unidos; os missio-
nários do Sul dos Estados Unidos; e os pastores brasileiros.
A respeito de muitas questões, esses grupos tinham
opiniões diferentes. Talvez a mais importante delas foi a
questão da evangelização indireta. O fato é que grandes
somas de dinheiro eram em-
pregadas nas instituições de
PARA MEDITAR ensino organizadas pelos mis-
A unidade da Igreja é de sionários. Eles alegavam que,
fundamental importância para através dessas instituições, o
o sucesso da evangelização e evangelho estava tendo influ-
missão. Todavia, a unidade é ência na sociedade brasileira.
difícil de ser mantida. O que Porém, alguns líderes do pres-
podemos fazer para manter a biterianismo brasileiro acha-
unidade de nossa Igreja? Será vam que esse dinheiro seria
que até mesmo igrejas diferen- mais útil se fosse empregado
tes não poderiam desenvolver diretamente na evangelização.
alguns trabalhos em conjunto? E, neste ponto, destacamos a
figura do Rev. Eduardo Carlos
Pereira.

REV. EDUARDO CARLOS PEREIRA


Nasceu em 1855, em Minas Gerais. Em 1875, fez
sua pública profissão de fé, na Igreja Presbiteriana de
São Paulo, perante o Rev. George Chamberlain. Cin-
co anos depois, iniciou sua carreira ministerial na
cidade de Campanha, em Minas Gerais. Em 1884,
juntamente com Remígio Cerqueira Leite, fundou a

102
Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos para a
publicação e divulgação de textos sobre assuntos bíbli-
cos e teológicos.
Nessa Sociedade já se manifestavam os primeiros sinais
de tudo aquilo que Eduardo Carlos Pereira representaria
para o presbiterianismo brasileiro. Algumas das caracterís-
ticas dessa Sociedade eram:
- Seria sustentada por recursos nacionais;
- Teria espírito de cooperação interdenominacional, evi-
tando publicar textos sobre temas e assuntos de contro-
vérsia entre as Igrejas;
- Publicaria trabalhos escritos por autores brasileiros;
- Preocupar-se-ia com temas e assuntos de relevância na
realidade nacional.

Foi assim que foi publi-


cado, em 1886, o trabalho do
próprio Rev. Eduardo sobre “A
religião e suas relações com a TAREFA
escravidão”. É bom lembrar de Temos dado alguma contri-
que, nessa época, o problema buição, hoje, para a solução dos
da libertação dos escravos es- problemas nacionais? O que
tava sendo amplamente discu- temos feito, em nossas Igrejas,
tido no Brasil. A obra lançada para cooperar na solução de
pela Sociedade mostrava que problemas concretos em nos-
a Igreja não se omitia, mas ti- sos bairros e cidades?
nha uma contribuição a dar à
sociedade brasileira na solução
de seus problemas.
Em 1886, o Rev. Eduardo Carlos Pereira formulou um
arrojado Plano de Missões Nacionais, que foi aprovado
pelo seu Presbitério, com os seguintes propósitos:
- Despertar a consciência nacional para as responsabili-
dades da obra missionária;

103
- Sustentar, com dinheiro brasileiro, pastores, evangelis-
tas, professores e estudantes em preparação para o exer-
cício do ministério;
- Publicar a Revista das Missões Nacionais.

Quem era o Rev. Eduardo Carlos Pereira? Seria ele um


visionário ou um sonhador?
Numa época em que todo o trabalho evangélico no
Brasil dependia do dinheiro e das resoluções que vinham
dos Estados Unidos, sua voz se levantava para defender
missões nacionais, reflexão teológica sobre assuntos na-
cionais e sustento do trabalho da Igreja com dinheiro
nacional.
Eduardo Carlos Pereira era uma prova de que já tí-
nhamos no Brasil um presbiterianismo forte, um pres-
biterianismo adulto, um presbiterianismo que não pre-
cisava ser tutelado. Os próprios fatos indicavam essa
realidade: em 1888, a Primeira Igreja Presbiteriana de
São Paulo elegeu o Rev. Eduardo Carlos Pereira como
pastor, dispensando o trabalho missionário. Nesse mes-
mo ano, instalou-se o Sínodo da Igreja Presbiteriana do
Brasil. Era um sinal de que a obra presbiteriana estava em
pleno desenvolvimento.

O NASCIMENTO DA IGREJA PRESBITERIANA


INDEPENDENTE DO BRASIL
Tudo o que estamos descrevendo era um indício segu-
ro de uma nova situação. Os missionários e as Igrejas dos
Estados Unidos deveriam ter percebido isso e deveriam,
também, passar a atuar no sentido de emanciparem a Igre-
ja Presbiteriana que aqui tinham organizado. Entretanto,
não foi isso o que veio a acontecer.
Na base de tudo, estava um problema muito sério: o
da preparação dos pastores para a Igreja Presbiteriana do

104
Brasil. Desde a organização do Sínodo, em 1888, a ques-
tão que dividia a Igreja era a da criação de um Seminário.
Os missionários do Norte dos Estados Unidos queriam
que ele fosse organizado em São Paulo, onde já possuíam
uma escola (a atual Universidade Mackenzie). Os missio-
nários do Sul queriam que o Seminário fosse instalado
em Campinas, onde também já tinham uma escola. Por
causa dessa divergência o tempo foi passando sem que se
efetivasse a criação de um Seminário no Brasil.
O Rev. Eduardo Carlos Pereira e sua Igreja envolve-
ram-se diretamente nessa questão. Afligia-os o fato de não
haver instituição para a preparação adequada dos futuros
pastores da Igreja.
Foi em meio a essa situação que, a partir de 1898, sur-
giu mais um problema: a questão maçônica. A origem des-
sa questão foi uma série de artigos de Nicolau Soares do
Couto Esher, publicados em O Estandarte, pretendendo
demonstrar a incompatibilidade entre a maçonaria e a fé
cristã. O assunto era explosivo. Vários pastores e missio-
nários pertenciam à maçonaria.
Em 1901, o Rev. Eduardo Carlos Pereira publicou o li-
vro “A maçonaria e a Igreja Cristã”, comprovando que a ma-
çonaria não era compatível com a Igreja Cristã. E, a seguir,
lançou, através de O Estandarte, uma Plataforma com os se-
guintes pontos:
- Independência absoluta ou soberania espiritual da
Igreja Presbiteriana do Brasil;
- Desligamento dos missionários dos presbitérios
nacionais;
- Declaração oficial da incompa­tibilidade entre a maço-
naria e o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo;
- Conversão das missões nacionais em missões presbite-
riais ou autonomia dos presbitérios na evangelização de
seus territórios;

105
- Educação sistemática dos filhos da Igreja pela Igreja e
para a Igreja.

Em 1903, reuniu-se o Sínodo. A Plataforma de Eduar-


do Carlos Pereira foi colocada em discussão. Os dois pri-
meiros pontos foram rejeitados, sendo considerados sinais
de ingratidão para com os missionários. O terceiro ponto
também foi recusado. O Sínodo decidiu que a maçonaria
continua a ser permitida para os membros da Igreja e que
não se poderia mais discutir esse assunto.
O Rev. Vicente Themudo Lessa descreveu assim os
acontecimentos: “Então, pede o Rev. Eduardo a palavra para
despedir-se. Fala primeiro aos missionários: ‘Irmãos missioná-
rios, permiti-me dirigir-vos cordial despedida. Procurei um pla-
no de cooperação entre os missionários e os nacionais. Vós não
o quisestes. Creio que errastes; o futuro, porém, o dirá. E vós,
meus patrícios, reagi quanto pude em favor do vosso prestígio
moral. Nada consegui. A maçonaria cavou um abismo entre
nós e vós. Ela foi, porém, o instrumento e, se me permitirem
a expressão, a mão do gato para tirar as castanhas do fogo...”

CONCLUSÃO
Somos, hoje, uma Igreja Presbiteriana Independente.
Continuamos a nos caracterizar pela não aceitação da ma-
çonaria. É essa a nossa marca registrada. Mas, como ficou
demonstrado na exposição acima, a nossa Igreja apresen-
ta outras características. Todas elas apontam numa única
direção: somos uma Igreja nacional. Em outras palavras,
somos uma Igreja Presbiteriana Brasileira!

PARA DISCUTIR EM CLASSE


1. Como está o trabalho missionário de sua Igreja local?
Como está o nosso trabalho missionário nacional e

106
internacional? Você conhece a Secretaria de Missões de
nossa Igreja?
2. O que você sabe a respeito da maçonaria? Debata, com a
classe, a importância desse tema nos dias de hoje?
3. Atualmente, muitas Igrejas não se preocupam com a
preparação de seus pastores. Nossa Igreja é diferente.
Sempre foi uma Igreja preocupada em ter um ministé-
rio bem preparado. O que você pensa a respeito desse
assunto? Você conhece a Faculdade de Teologia da IPI
do Brasil?
4. O que significa ser leal ao sonho do Rev. Eduardo Car-
los Pereira para que tenhamos uma Igreja brasileira e
missionária?

107
Unidade IV

VIVENDO
AUTENTICA-
MENTE A FÉ
CRISTÃ HOJE
Lição 13

O EFEITO DA GRAÇA
DIVINA NO SER
HUMANO
INTRODUÇÃO Texto básico
Nesta lição vamos abordar Lucas 19.1-10
a doutrina da graça de modo Senhor, resolvo dar aos pobres
prático na vida do ser humano a metade dos meus bens; e, se
regenerado em Cristo. Veri- nalguma coisa tenho defraudado
ficaremos, por exemplo, que alguém, restituo quatro vezes
segundo a narrativa bíblica da mais. (Lucas 19.8)
conversão de Zaqueu, nasce um
novo conceito de vida. A pala- Leituras diárias
vra regeneração significa nascer Segunda: Filipenses 1.3-11
de novo. É o mesmo sentido Terça: João 10.24-29
que encontramos na palavra de Quarta: 1Pedro 1.3-9
Jesus dita a Nicodemos em João Quinta: Romanos 7.7-25
3.5. O efeito exclusivo da graça Sexta: Efésios 4.25-32
salvífica no ser humano é o sinal Sábado: 2 Tessalonicenses
de vida nova. Porém, é preciso    3.3-5
ter cuidado para não confundir
os sinais de vida nova com mero
“moralismo”. Para tanto, vamos
utilizar os recursos bíblicos para melhor entendermos os
efeitos da graça divina na vida do ser humano.

1- A MUDANÇA DE ATITUDE
É CONSEQUÊNCIA NATURAL
NA VIDA REGENERADA
O efeito direto dessa graça é a regeneração. O novo

111
nascimento (regeneração) acontece mediante a ação do Es-
pírito Santo. Em João 1.13 encontramos a afirmação de que
o novo nascimento não se dá por meio de sangue, nem da
vontade da carne e nem da vontade humana, mas de Deus.
Temos ainda outros textos no Evangelho de João indicando
que o novo nascimento vem do alto ( Jo 3.3,7); é operação
do Espírito de Deus ( Jo 3.5,8). Esse mesmo ensino pode
ser também encontrado em Efésios 2.4,5 e lJoão 2.29; 4.7.
O novo nascimento como consequência “natural”, não
diz respeito à velha natureza humana caída. Ao contrá-
rio, o ser humano regenerado começa a viver sob os efeitos
profundos da graça regeneradora. Esse novo ser humano
passa a viver em retidão, em amor e em novidade de vida. É
como o apóstolo Paulo diz em Colossenses 3.1-4: se fostes
ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as cousas lá
do alto, onde Cristo vive; pensai nas cousas lá do alto, não
nas que são aqui da terra. Essa mudança de atitude é o que
podemos perceber, por exemplo, na conversão de Zaqueu.
Antes do novo nascimento, o pecado, a ganância e o po-
der controlavam sua vida; porém, logo após sua conversão,
percebemos em suas palavras que houve alteração em sua
mente e atitudes. Numa atitude de amor -inexistente an-
tes da conversão - resolve dividir seus bens com os pobres,
e ainda, como nova atitude, resolve reparar os prejuízos
aos que, porventura, defraudara na coleta dos impostos.
Este gesto de Zaqueu demonstra que houve mudança de
atitude; ou seja, a graça regeneradora causou mudanças
profundas e permanentes em sua vida. Essa mudança per-
manente é também ensinada em lJoão 5.18 ao afirmar que
“todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado”. João
ensina que há diferença entre “pecar” e “viver no pecado”. A
possibilidade do pecado ainda existe mesmo para os rege-
nerados( Rm 7.17-25). Entretanto, o ser humano regene-
rado, naturalmente, tem prazer na lei de Deus.

112
2- A SANTIDADE É SINAL EXCLUSIVO NA
VIDA DO SER HUMANO REGENERADO
Outro efeito importante da graça salvífica que deve ser
considerado é o da santificação. Vale dizer que a santifica-
ção, como fruto da graça, não nasce da vontade humana,
mas de Deus. Apesar de certas discordâncias por parte das
ciências do comportamento, pode-se dizer que a santificação
é o processo no qual o poder do Espírito Santo transforma
a personalidade do ser humano regenerado. Essa transfor-
mação é interna e ocorre à medida que cremos que a san-
tificação é parte integrante da graça redentora; é também
externa ao crermos que a ação do Espírito Santo faz algo no
espírito humano que ele não poderia fazer por si mesmo1.
Não existe vida santificada sem antes ter ocorrido a mani-
festação da graça regeneradora. Como diz Tillich, “se devoção
religiosa, obediência moral, ou honestidade científica pudessem
obrigar o Espírito divino a “descer” até nós, o Espírito que teria
“descido” seria apenas o espírito humano revestido de másca-
ra religiosa2”.Isto sugere que é preciso ter cuidado para não
se confundir ascetismo ou moralismo com santificação. O
puro sentimento religioso pode, muitas vezes, sugerir que
existe santificação. O sentimento não é bom companheiro
para se compreender a obra da graça divina. Aliás, Hegel,
filósofo alemão, fez dura crítica ao método teológico de
Schleiermacher, que defendia a religião como um princípio
do sentimento. Disse Hegel: “se religião é somente sentimen-
to, o meu cão é o maior dos cristãos”3. Para Tillich, citando
lCoríntios 13, a presença do Espírito divino no espírito hu-
mano redunda em ágape-amor e gnosis-conhecimento. Por-
tanto, a santificação deve ser entendida
como o estado do ser humano acolhido 1TILLICH, Paul. Teologia Sistemática.
São Paulo, Paulinas, 1984, p.471
pela manifestação do Espírito Santo.
2Idem.
Contudo, a manifestação do Espírito
3Texto de E.Bloch sobre La filosofia de Ia
Santo no espírito humano não altera religion en Hegel.

113
completamente a estrutura racional. Como vimos anterior-
mente, o ser humano, mesmo regenerado permanece sob a
possibilidade do pecado. Desse modo, entendemos que san-
tificação não é divinização, ou seja, não é a transformação do
espírito humano em espírito divino.
O Batismo também está presente no processo de santi-
ficação. Entretanto, é preciso conceituar alguns pontos so-
bre o efeito dele na vida do balizando. A Teologia católica
ensina que o sacramento do batismo, quando aplicado, rea-
liza a obra da regeneração. A tradição reformada não seguiu
essa linha teológica. Apesar de crermos que no ato do batis-
mo pode acontecer a ação de Deus, preferimos ensinar que
o ser humano no ato do seu batismo (purificação externa)
já tenha sido regenerado (internamente). A Confissão de Fé
de Westminster, em seu capítulo XXVIII, artigo V, ensina
que, de fato, a regeneração da pessoa não depende da opera-
ção do batismo. O contrário também é verdadeiro, ou seja,
nem todos os batizados são indubitavelmente regenerados.
Portanto, a vida regenerada e santificada, naturalmente,
apresentará sinais externos - conduta, e não moralismo - na
prática do amor, justiça, solidariedade e fidelidade.

3- A PERSEVERANÇA DOS SANTOS COMO


EFEITO DA GRAÇA DIVINA NO SER
HUMANO
Como vimos até aqui, a mudança de atitude e a santidade
são sinais evidentes do efeito da graça divina na vida do ser
humano regenerado. A permanência em Cristo é o terceiro
sinal que podemos apontar como efeito da graça divina no
ser humano. A palavra perseverança é de origem estritamen-
te bíblica. No Antigo Testamento a sua raiz significa ficar de
pé - permanecer. Esta palavra traduzida para o grego do Novo
Testamento significa perseverar. Semelhante à graça divina,
que é de via única, ou seja, a graça é sempre o ato de Deus em

114
favor do ser humano, a palavra perseverança é usada especial-
mente em relação a Deus. Dá o sentido de que o relaciona-
mento de Deus com o ser humano nunca é interrompido. Por
exemplo, o Salmo 111.3,9 afirma: “Em suas obras há glória e
majestade, e a sua justiça permanece para sempre. Enviou ao seu
povo a redenção; estabeleceu para sempre a sua aliança”. Deus
está sempre pronto para mostrar misericórdia (Is 30.18).
O Novo Testamento continua o pensamento do Antigo
e fala do caráter imutável de Deus, que sustenta a sua Pala-
vra4. Em lPedro temos: “pois fostes regenerados não de semente
corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a
qual vive e é permanente”. Assim, aqueles que foram regenera-
dos, isto é, aqueles que nasceram de novo mediante a palavra
de Deus, que é permanente, recebem da parte do Espírito
Santo não somente a experiência da santificação, mas tam-
bém o poder de Deus para perseverarem continuamente. É
como nos ensina João: “Sabemos que todo aquele que é nascido
de Deus não vive em pecado (...) e o Maligno não lhe toca”. Na
literatura paulina o termo perseverança é também muito ci-
tado. A vida nova criada pelo Espírito Santo é irrevogável.
Temos em Rm 8.31-39 a forte afirmação de que nada pode
revogar o efeito da graça regeneradora: “Quem nos separará
do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição,
ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Porque eu estou bem
certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os
poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer ou-
tra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em
Cristo Jesus, nosso Senhor”. A Confissão de Fé de Westminster
tratou também acerca da perseverança. Calvino, ao defender
a doutrina da predestinação, natural-
mente, teria que tratar da perseverança 4MUNZER, K. In: Dicionário
dos predestinados (santos). No capítu- Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1989,
lo XVII, artigo I, a Confissão afirma: Verbete: Permanecer,p.533

115
“os que Deus chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito
não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente;
mas com toda certeza hão de perseverar nesse estado até ao fim
e estarão eternamente salvos”. A Confissão ainda afirma no ar-
tigo seguinte que esta perseverança dos santos não depende
do próprio livre arbítrio deles. De fato, estas afirmações estão
fundamentadas biblicamente. A perseverança é efeito exclu-
sivo da graça divina no ser humano regenerado. Entretanto,
temos de evitar especulações acerca da expressão “salvos para
sempre”. Se entendida incorretamente, essa expressão pode
sugerir que o ser humano regenerado pode pecar livremente
e continuar salvo. Ê preciso dizer que o verdadeiro regenera-
do não tem mais prazer no pecado; ou, como João afirma,:
‘Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele
que vive pecando não o viu, nem o conheceu” lJo 3.6. Aliás, João
severamente afirma que o verdadeiro regenerado não vive na
prática do pecado. Isto não quer dizer que não pecará, pois,
se pecar, tem um advogado junto ao Pai. Porém, diz também:
“Aquele que pratica o pecado procede do diabo” lJo 3.8.
Portanto, a graça é o ato de Deus suficiente para causar
no ser humano tanto a sua regeneração quanto sua santifi-
cação. O Espírito Santo é o selo que consolida no regene-
rado a mente de Cristo e o faz perseverante na fé. Esse é o
efeito da graça divina no ser humano.

CONCLUSÃO
É preciso dizer que a graça divina, quando operada na
vida do ser humano, causa naturalmente o efeito da rege-
neração, que, por sua vez, media a atitude dos santos na
força e iluminação do Espírito Santo. E a perseverança dos
santos não diz respeito aos méritos humanos. É como Pau-
lo afirma em l Co 15.10: “pela graça de Deus, sou o que sou”.
É exclusivamente por esta graça que podemos perseverar
na fé e ter certeza da tão maravilhosa redenção em Cristo.

116
Lição 14

OS DEVERES DOS
MEMBROS DA IGREJA
INTRODUÇÃO Texto básico:
O cristão, que crê em Cristo 2 Coríntios 9.1-9
como salvador e torna-se mem- Cada um dê conforme resolveu
bro de uma igreja, goza de mui- no coração, não com tristeza
tos privilégios e oportunidades. nem por obrigação, pois Deus
Mas, por outro lado, tem res- ama quem dá com alegria
ponsabilidades e deveres. (2 Coríntios 9.7)
Nesta lição, estudaremos a
vida do crente sob dois aspec- Leituras diárias:
tos: o cristão como mordomo e Segunda: 1 Coríntios 6.19-20;
o cristão como ministro.*     Romanos 14.7-8
Terça: 1 Timóteo 6.9;
O CRISTÃO COMO     1 Coríntios 4.7;
MORDOMO    João 3.27
A palavra mordomo quer Quarta: Romanos 11.36;
dizer administrador. A Bíblia     1 Coríntios 10.31
apresenta quatro bases sobre Quinta: 2 Coríntios 9.7
as quais se fundamenta a dou- Sexta: Malaquias 3.10;
trina e a prática da mordomia:    Mateus 23.23
Sábado: 1 Coríntios 16.1-2;
1. NÓS NÃO     Atos 11.27-30
PERTENCEMOS A
NÓS MESMOS –
1 CORÍNTIOS 6.19-20;
ROMANOS 14.7-8
Nós fomos comprados pelo san- Antes de seguir, consulte a tarefa na
gue precioso de Jesus Cristo, de tal página seguinte

117
TAREFA maneira que já não somos
Durante o estudo das lições donos de nós mesmos. Temos
anteriores, certamente você já um Senhor, que é o nosso
descobriu muitos dos privilégios proprietário.
e oportunidades do crente no
Senhor Jesus. Faça uma lista de 2. TUDO O QUE NÓS
tais privilégios e oportunidades. TEMOS NÃO É
Nem sempre nos lembramos NOSSO – 1 TIMÓTEO
deles. Aproveite para render 6.9; 1 CORÍNTIOS 4.7;
graças a Deus por tudo que Ele JOÃO 3.27
nos oferece graciosamente. Essa verdade bíblica vai
contra o nosso egoísmo e a
nossa auto-suficência, porque
somos sempre tentados a pen-
sar que o que está em nosso poder é nosso, exclusivamente
nosso. Todavia, a Palavra de Deus diz que não é assim.

3. TUDO O QUE NÓS TEMOS É DE DEUS


– 1 CORÍNTIOS 29.1-4; SALMO 24.1; 1
CORÍNTIOS 8.6; TIAGO 1.17
Tudo aquilo que está em nossas mãos ou que está sob o
nosso poder pertence a Deus. Ele é o criador e o possuidor
de todas as coisas. Temos de aprender a repetir sempre as pa-
lavras de Davi, quando orou a Deus, dizendo: “O meu povo
e eu não podemos, de fato, te dar nada, pois tudo vem de ti, e
nós somente devolvemos o que já era teu” (1Cr 29.14).

4. TUDO O QUE NÓS TEMOS E SOMOS DEVE


SER USADO PARA A GLÓRIA DE DEUS
– ROMANOS 11.36; 1 CORÍNTIOS 10.31;
COLOSSENSES 3.17
Somos, portanto, administradores não só da nossa pró-
pria pessoa, com os dons, talentos e oportunidades que rece-
bemos de Deus, mas também dos bens, poucos ou muitos,

118
que estão, por algum tempo, em PARA MEDITAR
nossas mãos. Como escreveu Leia os textos bíblicos in-
o apóstolo Paulo: “Nenhum dicamos acima. Faça uma ava-
de nós vive para si mesmo e liação de sua vida pessoal. Será
nenhum de nós morre para si que temos sido bons mordo-
mesmo. Se vivemos, é para o mos de Deus? Temos encara-
Senhor que vivemos; e, se mor- do os nossos bens da maneira
remos, também é para o Senhor ensinada pela Bíblia? O que
que morremos. Assim, tanto se mudaria, se levássemos a sério
vivemos como se morremos, so- o ensino bíblico a respeito da
mos do Senhor” (Rm 14.7-8). mordomia?

A MORDOMIA DO
DINHEIRO
A vida do cristão deve ser de serviço e de coopera-
ção na causa do Senhor. Um dos pontos mais difíceis
de se colocar em prática na vida cristã é a mordomia do
nosso dinheiro para a expansão e manutenção da Igreja.
Vemos como a Bíblia nos dá orientação a respeito desse
assunto:

1. MOTIVAÇÕES BÁSICAS PARA


A CONTRIBUIÇÃO
Podemos e devemos contribuir por dois motivos
principais:
a) Fé em Deus, isto é, contribuímos porque temos confiança
em Deus;
b) Coração agradecido, isto é, quem contribui com tristeza
ou só para cumprir uma penosa obrigação não está con-
tribuindo corretamente. A nossa contribuição deve ser
sempre expressão alegre de gratidão: “Deus ama a quem
dá com alegria” (2Co 9.7).

2. MÉTODOS BÍBLICOS DE CONTRIBUIÇÃO

119
Em todas as ocasiões, na Bíblia, quando aparece a prá-
tica da contribuição, há um princípio claro: contribuímos
porque recebemos e não para receber.
Todos os métodos de contribuição baseados em outros
princípios não são corretos, do ponto de vista bíblico. Por
exemplo: quermesses, leilões, bazares, rifas, venda de objetos,
etc., são métodos que, além de não serem bíblicos, desorgani-
zam as finanças da igreja local e deseducam os cristãos.
Para a prática da contribuição, a Bíblia oferece três
sugestões:
a) Contribuição mínima – é também chamada de dízimo,
que significa a décima parte do que uma pessoa recebe.
O dízimo deve ser dado para o trabalho do Senhor (Ml
3.10 e Mt 23.23). Foi a contribuição adotada em Israel,
no Antigo Testamento, e que se tornou obrigatória para
a velha dispensação.
b) Contribuição média – pode ser descrita pelas expres-
sões bíblicas: “dar o que puder” ou “de acordo com as
posses”. Essa contribuição foi usada no Antigo Testa-
mento, quando as pessoas traziam ofertas de acordo
com a sua condição econômica. Sempre era além do dí-
zimo. Incluía as chamadas “ofertas alçadas” ou as ofertas
que eram trazidas para o sacrifício. Esse método de “dar
o que puder” também foi usado no Novo Testamento:
na Igreja de Antioquia (Atos 11.27, 30); na Igreja de
Corinto (1 Coríntios 16.1-2); e na Igreja da Macedônia
(1 Coríntios 8.3).
c) Contribuição máxima – esse método pode ser descrito
pelas expressões bíblicas: “dar além do que puder” ou
“dar além das possibilidades”. Exemplos: a oferta de
Abel (Gn 4.3-4); a oferta da viúva pobre (Lc 21.1-4);
a oferta de Zaqueu (Lc 19.8); as ofertas dos crentes de
Jerusalém (At 2.45); as ofertas da Igreja da Macedônia
(2Co 8.3). Naturalmente, a contribuição máxima era

120
usada em situações espe- TAREFA
ciais, mas não deixa de re- Leia os textos bíblicos in-
velar grande fé e profunda dicados acima sobre os méto-
gratidão dos contribuintes. dos bíblicos de contribuição.
Faça uma comparação com os
Devemos trazer nossos dí- métodos que estão sendo em-
zimos ou ofertas periodicamen- pregados atualmente nas mais
te: por semana, quinzena, mês, diversas igrejas. Verifique o que
trimestre ou anualmente, de está correto e o que precisa ser
acordo com a natureza de nosso mudado.
trabalho e segundo a maneira
que recebemos o pagamento
pelo trabalho que realizamos.

O MINISTÉRIO DO CRISTÃO
Cristo nos chamou para exercermos um ministério
como parte do seu povo. A Bíblia afirma que somos cha-
mados para o ministério e que o Espírito Santo distribui os
dons entre os vários ministros. Basta ler alguns textos bí-
blicos, como Efésios 4.11-12 ou 1 Coríntios 12.1-10, para
ficarmos certos de que ministro não é apenas o pastor, mas
todos aqueles que foram salvos por Cristo. Naturalmente,
cada ministério tem as suas características. Alguns deles
exigem mais preparo e dedicação.
Três são as direções do ministério do cristão:

1. PARA DEUS
O fim principal do ser humano é glorificar a Deus, em
espírito e em verdade. Nesse aspecto do ministério, o cris-
tão deve ler a Palavra de Deus, deve orar, deve participar
no culto com a comunidade e deve receber os sacramentos.

2. PARA A IGREJA
O cristão participa da comunidade formada por aqueles

121
que crêem em Jesus Cristo. Além da contribuição que ele
deve fazer com parte de seus bens, também deve cooperar
com vários trabalhos, onde se sentir vocacionado e capa-
citado. Todos os cristãos têm contribuição a dar pessoal-
mente no desenvolvimento de sua comunidade.

3. PARA O MUNDO
O cristão é enviado por Cristo ao mundo, para testemu-
nhar positivamente a respeito do evangelho. Há várias figuras
que foram usadas por Jesus para tratar desse aspecto. Ele disse
que seus discípulos são o “sal da terra”, a “luz do mundo”, o “fer-
mento que leveda a massa”. Isso quer dizer que o cristão tem
de expressar sua fé no mundo,
isto é, o cristão não foi chamado
TAREFA para ficar encerrado nas quatro
Leia o texto de Efésios paredes de sua comunidade. Ao
4.11-12. Escreva a sua inter- contrário, ele é convocado para
pretação pessoal a respeito sair e ser missionário no mundo,
desse texto bíblico. em qualquer lugar ou situação
em que Deus o colocar, no lar, na
escola ou no trabalho.

CONCLUSÃO
Quando fazemos a nossa pública profissão de fé, pas-
samos a ser, oficialmente, membros da Igreja. Certamente,
isso nos garante muitos privilégios. Na lição de hoje, po-
rém, procuramos destacar os deveres que assumimos com
o ato de professarmos a nossa fé.
De um modo geral, as pessoas sempre se lembram de seus
direitos e privilégios, esquecendo-se de seus deveres e obriga-
ções. Para que isso não venha a suceder conosco, tenhamos
sempre, na mente e no coração, a convicção de que somos mor-
domos e ministros de Deus. É esse o ensinamento bíblico. Se-
jamos, pois, fiéis mordomos e dedicados ministros do Senhor.

122
PARA DISCUTIR EM CLASSE
1. O que significa a palavra mordomo, de acordo com as
Escrituras?
2. Segundo a Bíblia, o princípio fundamental da contri-
buição é: contribuímos porque já recebemos e não para
receber. Será que esse princípio tem sido respeitado?
Quais os desvios que existem na sua observância?
3. “O dízimo é o mínimo” – O que você pensa dessa afir-
mação? É assim que o dízimo tem sido observado?
4. O que significa a palavra ministro, segundo a Bíblia?
5. “ Todos os cristãos são ministros de Deus, ministros da
Igreja e ministros do mundo” – Qual o significado dessa
afirmação? Do ponto de vista bíblico, está ela correta? Te-
mos seguido essa norma na vida de nossa comunidade?

123
Lição 15

O CULTO COMO
EXPERIÊNCIA DE FÉ
INTRODUÇÃO Texto básico:
O culto é uma significativa João 4.20-24
experiência para as pessoas que Deus é Espírito, e por isso os
se reúnem para louvar a Deus. que o adoram devem adorá-lo
Para a Igreja, o culto sempre em espírito e em verdade ( João
foi um fator fundamental e 4.24).
revitalizante em seu trabalho
e missão. Ao se reunirem para Leituras diárias
louvar a Deus, os cristãos têm Segunda: Levítico 23.1-44
buscado e encontrado a força Terça: Salmo 27.1-14
necessária para prosseguirem Quarta: Salmo 63.1-11
na jornada como discípulos de Quinta: Isaías 6.1-13
Jesus Cristo. Sexta: Isaías 55.1-9
Na lição de hoje, vamos me- Sábado: Romanos 12.1-7
ditar sobre o significado pro-
fundo do culto, para que nossa
participação nele seja uma fon-
te de bênção e de glorificação a Deus.

DEUS E O CULTO
A experiência de cultuar é tão antiga quanto à existên-
cia do ser humano. Costuma-se dizer que o ser humano
é possuidor de um sentimento religioso. Esse sentimento
teria originado as práticas de culto para o relacionamento
com os deuses. Nas religiões pagãs, os cultos foram criados
para que os deuses fossem agradados e, assim, abençoas-
sem as pessoas. Em outras palavras, os cultos não passa-
vam de instrumentos de manipulação das divindades.

125
TAREFA O culto bíblico é pratica-
Leia os textos de Gênesis mente o oposto de qualquer
15.9 e Levítico 23.1. São dois outro culto pagão. A origem do
textos que se referem a fatos culto judaico está em Deus mes-
históricos muitos distantes en- mo. Na história de Abraão, é o
tre si. O primeiro é da época de Senhor quem determina como
Abraão. O segundo é do tempo o culto deve ser feito (Gn 15.9).
de Moisés. Observe que os dois No caso das festas religiosas, é
textos têm algo em comum, isto Deus quem convoca o povo para
é, é Deus quem toma a iniciativa se reunir (Lv 23). As festas são
de indicar como deve ser reali- de Deus e é Deus quem estabe-
zado o seu culto. Será que, em lece tanto o sacerdócio levítico
nossos cultos, temos nos preo- como os ritos sacrificiais. Tudo
cupado em saber o que Deus isso serve para mostrar que o
quer e o que agrada a Deus? Deus da Bíblia é aquele que se
adianta e toma a iniciativa de se
relacionar com o ser humano.
Assim, o culto, na Bíblia,
é o serviço prestado a Deus pelo povo escolhido por Ele
mesmo. Cultuar a Deus é relacionar-se com Deus.

CULTO É ENCONTRO
O fato de o ser humano poder se relacionar com Deus
faz dele um ser totalmente diferente de todos os outros se-
res criados.
Na verdade, o culto bíblico é o encontro entre Deus e o ser
humano, entre Deus e o seu povo. Quanto mais intenso for o
diálogo entre Deus e o ser humano, mas frutífero se tornará o
culto. Assim, tudo o que acontece no culto precisa levar sem-
pre em consideração essa experiência de encontro com Deus.
Algumas pessoas pensam que as diversas partes do
culto e a disposição de seus elementos numa determinada
ordem dependem de um costume estabelecido ou, então,
das preferências do pastor. Outras pessoas imaginam que

126
é preciso transformar o cul- PARA MEDITAR
to num bom espetáculo, que Será que os nossos cultos
atraia e agrade as multidões. não têm sofrido a tendência de
Nós, porém, afirmamos se transformarem em espetácu-
que a forma do culto depende los do tipo que vemos na tele-
de seu significado. E o elemen- visão? Será que as pessoas que
to fundamental do culto é a dirigem os cultos não estão se
experiência do encontro com comportando, cada vez, como
Deus. Por isso, todos os ele- animadoras de auditório?Me-
mentos do culto têm de estar dite a respeito dessas questões,
relacionados com isso. tendo em vista o ensino bíblico
sobre o culto a Deus.
OS ELEMENTOS DO
CULTO
A vocação do profeta Isaías
apresenta um relato muito significativo de encontro de
Deus com o ser humano (Is 6.1-13). Esse texto serve como
base para a elaboração da ordem do culto. Nele aparece
uma série de elementos que constituem uma boa forma de
culto.
A ordem em que se dão os acontecimentos é a seguinte:

1. ADORAÇÃO
Encontramos a visão que o profeta teve de Deus, em um
alto e sublime trono. Assim deve ser o culto. A contemplação
de Deus ou a consciência de sua presença tem de ser sempre a
primeira condição para que o culto aconteça. Quando a con-
gregação se reúne no templo, seu objetivo é o de contemplar e
adorar a Deus, na beleza de sua santidade. Por isso, o primeiro
momento do culto é o de adoração.

2. CONTRIÇÃO
Diante da grandeza de Deus, o profeta sentiu toda a
sua miséria. Frente à santidade de Deus, o ser humano

127
toma consciência de seu pecado. Temos aqui duas obser-
vações a fazer:
a) a convicção do pecado brota de uma visão de Deus, e
não de um convencimento intelectual;
b) há o reconhecimento do alcance social do pecado. O
profeta Isaías reconheceu que era pecador e que habita-
va no meio de um povo de lábios impuros.

3. PERDÃO E LOUVOR
Ao confessar o seu pecado, Isaías foi purificado por
uma brasa tirada do altar. Para esse momento do culto,
podemos usar textos bíblicos ou hinos de louvor, a fim de
manifestarmos nossa alegria e gratidão pela bênção do per-
dão divino.

4. EDIFICAÇÃO
É constituída pela leitura da Palavra de Deus e sua ex-
posição, através da proclamação feita pelo pregador. Foi isso
o que aconteceu com Isaías que, depois de ter sido perdoa-
do, ouviu a Palavra do Senhor, que interrogava: “A quem
enviarei? Quem há de ir por nós?”

5. DEDICAÇÃO OU CONSAGRAÇÃO
Diante da Palavra de Deus, Isaías respondeu: “Eis-me
aqui! Envia-me a mim!” Este é o momento apropriado tan-
to para a consagração de nossa vida ao serviço do Senhor,
como para que sejam recebidas as oferendas trazidas à
Casa do Senhor.
Como se pode notar, o que temos, do início até o fim
dessa forma de culto, é um diálogo. Deus se manifesta,
e o ser humano o adora e confessa seus pecados. Deus
concede seu perdão e o ser humano o louva. Deus faz ou-
vir a sua voz e o ser humano responde com sua própria
consagração.

128
PRINCÍPIOS BÁSICOS TAREFA
DO CULTO Leia cuidadosamente o
Queremos, agora, apontar texto de Isaías 6.1-13. Anote
três pontos fundamentais, que todas as partes do culto que aí
nunca poderão ser deixados de são apresentadas. Observe o
lado, se quisermos cultuar bibli- que acontece em cada uma das
camente a Deus. partes. Escreve suas conclusões
para compartilhá-las com os
1. O CULTO BÍBLICO É colegas de classe.
UMA EXPERIÊNCIA
CORPORATIVA
E, NÃO,
INDIVIDUALISTA
Quando as pessoas se reúnem para o culto a Deus, elas
expressam o fato de que formam uma comunidade. Paulo
utiliza uma linguagem muito significativa para falar dessa
comunidade. Ele fala do corpo que é “um e tem muitos mem-
bros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só
corpo” (1Co 12.12).
No culto, essa ideia expressa uma ligação íntima, cujo
poder vem da presença do Senhor Jesus Cristo, que se entre-
gou por todos. O culto deve manifestar a existência de uma
nova família, criada por Jesus, e que constitui o seu povo.
Assim, nossas orações, leituras e cânticos precisam ex-
pressar ao máximo essa realidade. Temos de evitar manifes-
tações de caráter individualista. Quem ora deve se esforçar
para fazê-lo em nome de todos. As letras dos hinos devem
preferir o “nós” em lugar do “eu”.

2. O CULTO É SERVIÇO A DEUS E NÃO


ENCONTRO CASUAL PARA O LAZER
No Antigo Testamento, a ideia de serviço está tão ligada
à ideia de culto que, na língua hebraica, o mesmo termo serve
para designar as duas coisas. A perda desse sentido original

129
desvia a ênfase que deveria ser dada à participação de todos
no ato de adoração. Muita gente costuma agir, no culto, como
quem assiste a um programa, talvez a um espetáculo. O fato
real, entretanto, é que, no culto, estamos todos a serviço de
Deus. Por isso, deve haver participação de todos nos atos do
culto.
A disposição para atuarmos no culto nos livra de uma
atitude passiva, que se limita apenas a receber ou assistir.
Na participação constante, descobrimos um forte elemen-
to para a revitalização do culto.

3. O CULTO BÍBLICO TRAZ EM SI UMA


ÍNTIMA LIGAÇÃO ENTRE ADORAÇÃO E
VIDA
Temos aqui uma das grandes preocupações com o culto
hoje. Frequentemente, identificamos a adoração a Deus so-
mente com as reuniões no templo. Assim, acabamos desvin-
culando o culto do viver diário.
O problema do culto desvinculado da vida é sua incoe-
rência e hipocrisia. Foi isso que o profeta Amós condenou,
quando disse em nome do Senhor: “Eu odeio, eu detesto
as suas festas religiosas. Não tolero as suas reuniões solenes...
Parem com o barulho de suas canções religiosas...Em vez disso,
que haja tanta justiça como as águas de uma enchente e que
a honestidade seja como um rio que não pára de correr” (Am
5.21-24).
A hora do culto tem de ser
TAREFA uma continuação da vida coti-
Faça uma lista de providên- diana. Da mesma forma, a vida
cias a serem tomadas para que diária deve ser um prossegui-
o culto seja corporativo e não mento do culto. Qualquer dis-
individualista, serviço e não tinção profunda entre culto e
encontro para o lazer, ligado à vida invalida totalmente a ado-
vida e não divorciado dela. ração ao Senhor.

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CONCLUSÃO
Para terminar, queremos dizer que todos nós precisa-
mos aperfeiçoar, constantemente, nossa participação no
culto.
Não podemos cultuar a Deus por simples hábito. Temos
de adorá-lo conscientemente, isto é, reconhecendo as mani-
festações da graça de Deus em nossa vida e em nosso mun-
do. Somente assim o culto será agradável a Deus e edificará
a cada um dos membros da Igreja.

PARA DISCUTIR EM CLASSE


1. Em nossos cultos, temos dado ênfase ao encontro com
Deus?
2. Quais são, de acordo com a Bíblia, as partes do culto?
Qual o significado de cada uma delas? Em nossos cul-
tos, todas essas partes têm sido observadas?
3. O que os nossos cultos têm produzido na vida da Igre-
ja? Como podemos aperfeiçoá-los de acordo com o en-
sino bíblico?
4. A partir do texto de João 4.24, como podemos alcançar
maior ligação entre o culto e a vida diária?

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