Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
18
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
19
O BRASIL IM PERIAL — VOLUME 3
20
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
21
O BRASIL IM PE RIA L — V O LU M E 3
22
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
Para senhores e escravos, o mundo não seria mais o mesmo depois de então.
As bases da legitimidade escravista tinham-se enfraquecido decisivamente.
Os cativos mais antigos potencializavam as pressões pela alforria e, em
grande parte dos casos, a alcançavam. Os últimos africanos (em sua maio
ria chegados ilegalmente ao país entre 1830 e 1851) e seus descendentes
diretos representavam a maior parte da população escrava remanescente.
A opinião pública da época, mesmo que insipiente, tinha amplo conheci
mento, portanto, da ilegalidade da situação. O abolicionista Luiz Gama
não se cansaria de alardeá-la nos jornais e tribunais paulistas, já na década
de 1870. Ele próprio teria sido escravizado ilegalmente quando criança,
segundo sua autobiografia.20 O tema foi também um dos mais frequentes
nas crônicas abolicionistas de José do Patrocínio na Gazeta da Tarde.1' A
primeira proposta da Lei dos Sexagenários, apresentada pelo Ministério
Dantas, em 1884, recusava indenização aos senhores, implicitamente fun
damentada naquela convicção. A proposta derrubou o gabinete. A maio
ria dos escravos africanos matriculados após a lei de 1871 teve sua idade
aumentada para esconder o fato de que entraram no país à época do trá
fico ilegal. A Lei Saraiva Cotegipe, que substituiu a proposta original apre
sentada por Dantas, exigiu indenização em serviços e se fez acompanhar
23
O BRASIL IM PE RIA L — VO LU M E 3
24
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
25
0 BRASIL IMPERIAL — VO LUME 3
26
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
27
O BRASIL IMPE RIAL — VOL UME 3
28
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
neiro sua mãe, tia Justina, africana, liberta, quitandeira, já então muito
doente, que faleceu no mesmo ano. Seu enterro tornou-se um aconteci
mento político, ainda hoje citado em sua biografia como fundador da
cadeira n° 21 da Academia Brasileira de Letras. Mas não se limitou a isso:
além de reivindicar publicamente a origem escrava e africana da mãe,
fez questão de se envergonhar, também publicamente, da condição de
escravocrata do pai.34
A gora m esm o (...) quis Deus que eu fosse vítima de uma dor p ro
funda. Fui rever uma lista de africanos livres, confiados à guarda de
pessoas da m aior excep ção ; africanos que, tendo sido aprisionados,
tinham pelo Estado garantida a sua liberdade. N ão é a prim eira vez
que folheio este tristíssimo d ocum ento, em que estão os nom es de
pessoas de grande vulto em nossa história [as que ficaram co m a
guarda dos africanos]. M as um nome me havia escapado. Era o nome
de um sacerdote de Jesus C risto, de um côn ego h onorário e p rega
dor da C apela Im perial, co n d eco rad o com as ordens da Rosa e do
C risto, vigário da vara de C am p os, exam inad or sinodal do bispado
do R io de Jan eiro e, na ép o ca, deputado provincial p o r esta provín
cia, o bacharel Jo ã o C arlos M on teiro. Este é o nom e do meu pai!
Pois bem , eu declaro (...) que estes africanos foram reduzidos à es
cravidão (...) Deles proveio a escravatura de meu pai, que subiu a
9 2 pessoas. Estes desgraçados, p o r m orte do senhor, foram vendi
dos para pagar as dívidas do hom em que os havia escravizado!
29
0 BRASIL IMPE RIAL — VO LU M E 3
30
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
31
O BRASIL IM PE RIA L — VO LU M E 3
32
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
Notas
1. Para uma visão panorâmica do tema, ver Robin Blackburn, The Overthrow o f
C olonial Slavery, Londres, Verso, 1988 (A queda do escravismo colonial 1776-
1849, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002). Para o caso dos Estados Uni
dos, ver Ira Berlin, Generations o f Captivity. A history ofAfrican-american slaves,
Cambridge, The Belknap Press of Harvard University Press, 2 0 0 3 . (Gerações de
cativeiro, Rio de Janeiro, Record, 2006).
33
O BRASIL IM PE RIA L — V O L U M E 3
34
RA ÇA E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
35
0 BRASIL IM P E RI A L — VO LU M E 3
19. Angela Alonso, Ideias em m ovim ento: a geração de 1870 na crise do Brasil im pé
rio, São Paulo, Paz e Terra, 2002.
20. Sud Menucci, O precursor do abolicionism o (Luiz Gama), Rio de Janeiro, Cia.
Editora Nacional, 1938; Elciene Azevedo, Orfeu da carapinha. A trajetória de Luiz
Gama na imperial cidade de São Paulo, Campinas, Ed. Unicamp, 1999; Beatriz
Gallotti Mamigonian, “To be a liberated African in Brazil: labour and citizenship in
the nineteenth century”, Ph.D. em História, University of Waterloo, 2002.
21. José do Patrocínio, Campanha abolicionista. Coletânea de artigos, Rio de Janei
ro, Biblioteca Nacional, 1996, p. 3 9 -1 7 5 .
22. Robert Conrad, Os últimos anos da escravidão no Brasil, Rio de Janeiro, Civiliza
ção Brasileira, 1978; Joseli Maria Nunes Mendonça, Entre as m ãos e os anéis. A
L ei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil, Campinas, Ed. Unicamp,
1999; Hebe Mattos, 1998, op. cit., parte 4.
23. Sobre os direitos políticos dos libertos: Hebe Mattos, 2 0 0 0 , op. cit.; Keila Grinberg,
O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tem po de Antônio
Pereira Rebouças, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2 0 0 2 , e Código Civil e
cidadania, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2 0 0 2 ; Sidney Chalhoub, 2 0 0 6 , op. cit.
24. Entre outros, Robert Conrad, op. cit.; Hebe Mattos, 1998, op. cit., parte 3 ; Sidney
Chalhoub, 1999, op. cit., e 2 0 0 6 , op. cit.
25. Sobre os partidos políticos no Segundo Reinado, ver José Murilo de Carvalho,
1980, op. cit., cap. 8. Sobre o Poder Moderador e a rotatividade eleitoral em nível
local, ver Renato Lessa, A invenção republicana, Rio de Janeiro, Topbooks, 1995.
Sobre as listas de qualificação de votantes e os direitos políticos no Brasil imperial,
ver Maria Odila da Silva Dias, “Sociabilidades sem história. Votantes pobres no
Império, 1824-1 8 8 1 ” in Marcos Cezar de Freitas (org.), Historiografia brasileira
em perspectiva, São Paulo, Contexto, 1998; Hebe Mattos, 1995, op. cit.; José Murilo
de Carvalho, Cidadania no Brasil. O longo caminho, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003, e D. Pedro II, São Paulo, Cia. das Letras, 2007.
26. Maria Emilia Marques Zimmermann, O PRP e os fazendeiros de café, Campinas,
Ed. Unicamp, 1987.
27. José do Patrocínio, op. cit.
28. Para a reforma de 1881, entre outros, José Murilo de Carvalho, 1990, op. cit.,
2 0 0 3 , op. cit., e 2 0 0 7 , op. cit. Sobre as correntes políticas na chamada geração
1870 e no movimento republicano, ver Angela Alonso, op. cit., e Celso Castro, A
proclam ação da república, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2 0 0 0 .
29. É o caso, especialmente, de André Rebouças e Joaquim Nabuco. Cf., entre ou
tros, Angela Alonso, op. cit., e Maria Alice Rezende de Carvalho, O quinto sécu
lo. André Rebouças e a construção do Brasil, Rio de Janeiro, Iuperj/Ucam/Revan,
1998.
30. Lilia M. Schwarcz, O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial
no Brasil (1870-1930), São Paulo, Cia. das Letras, 1993.
31. Manoel Salgado Guimarães, “Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o pro
jeto de uma história nacional”, Estudos Históricos, n° 1, 1988, e “História e
36
R A Ç A E C I D A D A N I A NO C R E P Ú S C U L O DA M O D E R N I D A D E E S C R A V I S T A NO B R A S I L
37