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JV Lara. VIII CIH.

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AS ORIGENS TEÓRICAS DA ALIANÇA PARA O PROGRESSO


Doi: 10.4025/8cih.pphuem.4005

José Victor de Lara, UEM

Resumo

Objetiva-se examinar os aspectos teóricos, as experiências na


política internacional e o contexto engendrado pela Revolução Cubana que
serviram de base para a criação e implementação da Aliança para o Progresso.
Esse vasto programa de ajuda externa elaborado pelos Estados Unidos para
a América Latina, ainda no início da administração John F. Kennedy (1960-
1961), alterou profundamente as relações interamericanas, na tentativa de
oferecer a região uma alternativa modernizadora capitalista que se
contrapusesse ao ideário socialista. Analisaremos como as experiências da
Operação Pan-Americana e do Point Four – outros programas de cooperação
Palavras Chave:
direcionados a América Latina – influenciaram na construção da nova
Aliança para o
doutrina. A Aliança partia do pressuposto que as profundas desigualdades
Progresso; Política
sociais no interior das sociedades latino-americanas levavam a radicalização
Externa; Estados
política e, consequentemente, ameaçavam a segurança nacional dos EUA.
Unidos; Teoria da
Essa perspectiva deu origem ao que ficou conhecido como teoria da
Modernização.
modernização, tendo como principal idealizador W. W. Rostow. Desta forma,
os EUA se colocavam como indutor da modernização das sociedades latino-
americanas por meio da ajuda externa. Demonstraremos a evolução desse
pensamento e como ele alcançou o alto staff acadêmico nos EUA na década
de 1950 e norteou toda a visão do governo Kennedy para a América Latina.
De fato, a Aliança vinha para suprir um anseio dos países latino-americanos
desde o pós Segunda Guerra, quando tentaram barganhar a criação de um
Plano Marshall para o subcontinente. No entanto, a Aliança para o Progresso
terminou contraditoriamente apoiando ditaduras militares de viés autoritário
pela América Latina, distanciando-se de sua concepção inicial.
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Introdução beneficiários dos recursos do programa


deveriam promover a reforma agrária e
Em 1961 os Estados Unidos fiscal para aumentar a eficácia dos
deram início a um ambicioso programa de recursos alocados ao desenvolvimento,
ajuda externa destinado à América Latina bem como promover a extensão de
denominado Aliança para o Progresso. direitos políticos. Dessa forma assumiu-se
Podemos facilmente discutir as relações um consenso que o crescimento
entre os EUA e o subcontinente nesse econômico, a equidade social, a
período com base nas premissas do estabilidade política e a democracia
programa. Obviamente que nem todos constitucional poderiam levar a América
esses pressupostos foram unanimidade Latina a uma década de prosperidade
entre os arquitetos da Aliança, porém, é (LOWENTHAL, 2017).
certo que se formou uma síntese sobre o
A Aliança para o Progresso pode
papel dos EUA naquele contexto
ser vista também como uma reação
balizando os pronunciamentos e práticas
urgente a Revolução Cubana de 1959.
durante os anos do governo de John F.
Após a vitória das forças de Fidel Castro
Kennedy.
contra Fulgêncio Batista e sua entrada no
Desde o fim da Segunda Guerra, bloco soviético que se formaliza em 1961,
lideranças latino-americanas almejavam os EUA passaram a temer que o
um programa de desenvolvimento descontentamento se espalhasse pela
econômico nos moldes do Plano Marshall. América Latina, principalmente nas
No caso do Brasil, a participação no grandes cidades em expansão, entre
conflito mundial tinha claros propósitos trabalhadores e camponeses organizados
de alcançar uma relação especial com os em movimentos radicais de caráter anti-
EUA e assim angariar recursos para estadunidense. Exemplos como o de
avançar no projeto de industrialização Castro poderiam surgir em outros lugares
nacional. O programa, porém, só chegou do Hemisfério Ocidental, ameaçando a
em 1961, em Punta Del Leste, quando o segurança nacional dos EUA.
governo John F. Kennedy apresentou aos
Outro espectro rondava a
países da América Latina a Aliança para o
América Latina naquele momento. A
Progresso. Com o objetivo de promover o
crença mais ou menos consistente da
rápido crescimento econômico –
necessidade de modernização; para os
fundamentado na construção de acordos
policy-makers de Washington era clara a
regionais de comércio de commodities e na
conexão entre a desigualdade social e a
integração econômica regional com
efervescência política. As mazelas sociais
financiamento de fontes de capital privado
que atingiam os países latino-americanos
e estatal – o programa consistia na
era fruto dos graves problemas gerados
aplicação de cerca de 20 bilhões de dólares
pela pobreza. Um grande número de
em 10 anos, destinados à construção de
intelectuais, políticos, funcionários de
hospitais, portos, estradas, moradias,
diplomacia, estadunidenses e latino-
usinas de energia e escolas. (TAFFET,
americanos, se reuniam em torno desse
2007).
ideário, traduzido em duas palavras:
Em contrapartida os países modernização e desenvolvimento1.

ser uma das principais referências. No Brasil, o


1A teoria da modernização, como não deixaria de
economista Celso Furtado assumia o papel de
ser, possuía diversas vertentes e se expressava de
debatedor divergindo dos teóricos da
forma diferenciada em cada país. Na Argentina a
modernização, argumentando que esse
partir de 1956, no pós peronismo, a ideia de
pensamento levaria a continuidade do
modernização se apresenta com pujança nos
subdesenvolvimento brasileiro, desacreditando
meios intelectuais, o clássico de Gino Germani
nas formulas apresentadas. No entanto, nossa
Sociologia de la Modernización, de 1969, continua a

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O historiador temporalmente pós Segunda Guerra, é o surgimento dos


afastado do evento histórico pode novos estados nacionais, em sua maioria
facilmente enxergar como a Aliança para o com graves problemas sociais e
Progresso se distanciou profundamente econômicos. No contexto da Guerra Fria,
de seus objetivos iniciais. A série de onde dois blocos políticos disputam o de
ditaduras militares que se instauraram na poder mundial, esses países chamaram a
América Latina a partir da década de 1960, atenção dos EUA, engendrando uma certa
promovidas com o amplo apoio dos EUA, racionalidade:
vai na direção contrária de todos os
pressupostos básicos da Aliança. No Esta racionalidade propunha um
entanto, numa perspectiva crítica, o esquema, que em linhas gerais, foi a
base de todo o processo. A ajuda
objetivo central do programa foi
externa americana teria dois
cumprido: impedir o surgimento de novos maiores objetivos: promover o
governos socialistas ou comunistas na desenvolvimento econômico dos
América Latina, mesmo que freados por países subdesenvolvidos e
golpes militares. contribuir para o fortalecimento
militar de certas nações no sentido
Neste trabalho, não analisaremos
de promover a segurança nacional
a Aliança para o Progresso em americana contra inimigos externos.
funcionamento, nem seu legado, a nosso Estes objetivos apontavam para
ver, catastrófico. Nosso objetivo é mapear conjuntos diferentes de meios a
as origens teóricas do pensamento que serem usados, e a ênfase da política
norteou o governo John F. Kennedy e pendeu de um para o outro. Após
como ocorreu a evolução da teoria da algum tempo, mas não de forma
modernização até onde esta se torna uma duradoura, os objetivos foram
ideologia com eco na política externa unidos numa única, linear equação:
estadunidense, seguindo a tese de Latham o desenvolvimento dos países do
(2000). A Aliança representou uma Terceiro Mundo era importante
para a segurança nacional americana
modificação profunda na forma como a
(RIBEIRO, 2008, p. 28).
ajuda externa foi utilizada durante a
Guerra Fria, ao contrário de outros Ainda na perspectiva de Ribeiro,
programas com vistas a desenvolver ou a ajuda externa remonta por várias razões
reconstruir uma região economicamente ao New Deal. O sucesso do plano de
deficiente, a Aliança para o Progresso recuperação econômica de Roosevelt e seu
caracterizou-se pela tentativa de reformar brain trust assegurou o futuro da política
as bases estruturais das sociedades latino- liberal progressistas. Corrigindo o
americanas, tendo como elemento mercado e suas disfunções, o New Deal
norteador os valores culturais provou que o planejamento nacional
estadunidenses. Analisar essa trajetória é o poderia conduzir a expansão econômica.
objetivo central deste trabalho.
Assim, a experiência do New
As Experiências Passadas: New Deal, numa perspectiva liberal, possibilitou
Deal, Plano Marshall, Operação a recuperação econômica dos Estados
Pan-Americana e o Point Four Unidos, superando a grande depressão.
Obviamente que esta perspectiva pode ser
Segundo Ribeiro (2006), o fator facilmente contestada, porém, não cabe
explicativo para a que a ajuda externa aqui adentrar a esse espinhoso debate. O
tenha se tornado tema central da política New Deal tornou-se um paradigma de um
interna estadunidense, surgindo com um tipo de política pública, sendo retomado
sentido positivo e de forma substancial no como elemento norteador em

preocupação se concentrará em como esse mais especificamente a vertente de Walt W.


pensamento se originou nos Estados Unidos, Rostow.

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empreendimentos futuros. Porém, o fator governamental, criando laços estreitos


elementar para nossa análise é seu legado: com empresas privadas e comitês
a consolidação de uma geração de técnicos consultivos4. Em suma, nossa
e burocratas afeiçoados com o argumentação é que a política da
planejamento público, que durante um produtividade desenhada com o Plano
longo período vão atuar nas mais diversas Marshall para a Europa, pretendia levar o
frentes do governo estadunidense2. velho continente a liberalizar o comércio
intra-europeu, usando instituições para
A maioria desse staff atuaria de
coordenar políticas nacionais, eliminar
forma direta durante a elaboração e
preocupações vistas como arcaicas sobre
vigência do Plano Mashall3. Com toda
auto-suficiência nacional e autonomia e
certeza as dimensões desse programa de
abolir os velhos hábitos de acordos
ajuda externa é evidentemente maior e está
bilaterais e protecionismo. Era necessário
inextricavelmente ligada ao contexto do
dar espaço para uma economia mundial,
limiar da Guerra Fria. Michael Hogan
racionalmente ordenada e organicamente
argumenta que o Plano Marshall deve ser
integrada, fazendo da Europa uma
entendido com a busca dos EUA por uma
extensão dos EUA. Obviamente essas
nova ordem não apenas na dimensão
visões não se consolidaram. A invasão da
externa, mas também na política
Coréia em novembro de 1950, precipitou
doméstica. Formando um conceito que
o fim do plano Marshall e levou a política
Hogan chama de “capitalismo
externa estadunidense a uma guinada. A
corporativo”,
coalizão conservadora que se forma no
uma economia política americana Capitólio, conduziu a diplomacia
fundada em grupos econômicos estadunidense a adotar uma abordagem
autogovernados, integradas por muito mais militarizada.
uma coordenação institucional e
mecanismos normais de mercado, Logo após a Segunda Guerra, os
liderados por uma elite pública e policy-makers perceberam que outras
privada cooperante entre si, ferramentas poderiam ser usadas para a
alimentada por um poder Guerra Fria, além do poder econômico. A
governamental limitado, porém enorme capacidade técnica e as novas
positivo, legitimada por um tecnologias poderiam ser elementos
crescimento econômico por todos poderosos para aumentar a capacidade de
compartilhado (HOGAN 1987, p. produção de regiões mais pobres. Foi com
3). essa intenção que em 1949 Harry Truman
Essa perspectiva alterou os lançou um programa de assistência técnica
rumos da diplomacia estadunidense, que denominado Point Four.
buscou reestruturar a economia mundial No discurso de posse de
em linhas similares a da ordem corporativa Truman, ao delinear sua política externa
interna dos EUA. O Plano Marshall se em quatro pontos, o último afirmava que:
formou a partir dessa perspectiva, unindo “devemos pôr em execução um novo
vários quadros fora da burocracia programa audaz, para que os benefícios de

é o caso da United States Relief and Rehabilitation


2A trajetória do embaixador Lincoln Gordon,
Administration – UNRRA, que teve como objetivo
conhecido por sua atuação no golpe de 1964, é
auxiliar os povos pobres que tinha sido sofrido
emblemática para este caso. Entre 1952 e 1955,
com a guerra. O Brasil contribuiu com o
Gordon trabalhou no Departamento de Estado
programa fornecendo café e carne bovina.
como Diretor do Plano Marshall na embaixada
dos EUA em Londres. Em 1960, integrou a Força 4É significativo a participação do grande nome da
Tarefa de John F. Kennedy. Fundação Ford Paul Hoffman no Plano Marshall
entre 1948 e 1950.
3 Outros órgãos com a finalidade de promover
ajuda externa surgiram no fim da Segunda Guerra,

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nossos avanços científicos e progresso concepção de que somente a ajuda


industrial sejam colocados à disposição do econômica não resolveria os graves
melhoramento e crescimento das regiões problemas da América Latina, era
subdesenvolvidas5”. Com o Point Four os necessário complementar aspectos
EUA estendiam efetivamente seus políticos e econômicos. A OPA marca
programas de ajuda para além da Europa também uma reviravolta do governo
e do Japão. A ideia era que a combinação Eisenhower (1953-1961), que até o
de ajuda técnica atrairia investidores para momento negligenciava as exigências
os países do chamado Terceiro Mundo. latino-americanas. Com a Operação Pan-
Americana um novo esforço foi iniciado
No interior do Departamento de
para trazer as nações do terceiro mundo
Estado foi cria o Technical Cooperation
Administration – TCA que ficou para o bloco ocidental.
encarregado de conduzir os trabalhos. O Após 20 anos de governos
primeiro país a receber os recursos democratas, Eisenhower se diferenciava
técnicos do Point Four foi o Irã em 19 de de seus predecessores por substituir as
outubro de 1950. O fato do programa não doações de ajuda externa por
se focar em um local específico foi um empréstimos, além de colocar o capital
inovação em termos de ajuda externa. Para privado como principal eixo condutor do
Truman era uma forma de se contrapor ao desenvolvimento nos países
discurso da propaganda comunista que as subdesenvolvidos, era a tentativa de
nações capitalistas não poderiam fornecer ressuscitar uma política de expansão do
aos seus cidadãos um padrão de vida capitalismo dirigida pelo setor privado em
decente nas áreas subdesenvolvidas do vez do capital estatal, como havia ocorrido
planeta (RIBEIRO, 2006). com Roosevelt e Truman. Sua negligência
e o fato de não reconhecer que as
Nossa outra análise de
desigualdades sociais possuíam um
experiência é a Operação Pan-Americana
potencial disruptivo na América Latina,
(OPA), formulado durante o governo
engendrou um período de intensos
Juscelino Kubitschek. A OPA foi uma
movimentos anti-estadunidenses na
proposta de cooperação internacional de
região, bem como alimentou um forte
âmbito hemisférico, na qual se insistia que
sentimento nacionalista – elemento que as
o desenvolvimento e a erradicação da
lideranças estadunidenses tinham grandes
miséria como ferramentas eficazes para
dificuldades de compreender e quase
evitar a penetração de ideologias
sempre interpretavam essas ações
comunistas que se apresentavam como
nacionalistas como ações da esquerda.
solução para países atrasados. Sua
idealização começou a partir de uma troca Para entender a OPA como uma
de cartas entre JK e o presidente força importante no debate do fim da
Eisenhower, entre 28 de maio e 5 de junho década de 1950, é preciso compreender
de 1958. O objetivo era reformular um essa conjuntura. Um dos mais
ideal pan-americanista que, por emblemáticos episódios foi a desastrosa
intermédio da cooperação econômica, viagem de Richard Nixon – então vice-
reuniria a população do hemisfério em presidente do governo Eisenhower – por
direção ao desenvolvimento e formaria algumas cidades latino-americanas. A
um escudo de proteção contra o passagem foi marcada por uma onda de
comunismo (CERVO; BUENO, 2015). manifestações anti-estadunidenses. Em
Lima, Nixon sofreu cusparadas por onde
Seu diferencia estava na
passou, fato amplamente explorado pela

5Discurso extraído de BLACK, L. A Estratégia da


Ajuda Externa. Rio de Janeiro: Edições O
Cruzeiro, 1968, p. 28.

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imprensa da época. Em Caracas, o vice- destaca que o medo de que esta estivesse
presidente foi cercado e apedrejado, providenciando um exemplo superior de
fazendo com que as forças armadas dos desenvolvimento animou o pensamento
EUA posicionadas no Caribe entrassem dos cientistas sociais e do governo dos
em estado de alerta. Para Washington EUA (RIBEIRO, 2006).
tratava-se de uma evidência clara da
A doutrina delineada por Walt
disseminação do comunismo na região,
Rostow e Max Millikan esta exposta na
considerando o padrão aparentemente
obra A Proposal: Key to an Effective Foreign
coordenado das manifestações
Policy, obra escrita no âmbito de um
(RIBEIRO, 2011; FICO, 2008). extenso programa de pesquisa do Center for
A Operação Pan-Americana foi International Studies (CIS) do Massachusetts
o pináculo da política externa de Institute of Thecnology (MIT). O livro A
Kubitscheck, porém, não obteve os Proposal foi um dos primeiros a examinar
resultados esperados, apesar do ímpeto sistematicamente os problemas da política
que suscitara. Em 1960 era mais intenção americana para as regiões
do que um projeto concreto. Para Cervo e subdesenvolvidas e redigir uma proposta
Bueno, isso se devia por falta de concreta. Na segunda metade dos anos de
consistência para a sua implementação, 1950, os autores e especialmente Rostow,
sendo uma ideia feliz, aceita e quase todo estavam no apogeu de suas carreiras
o hemisfério, mas que carecia de projetos acadêmicas, realizando uma intensa fase
específicos para passar à ação. A questão produtiva publicando ensaios e
que se deve salientar é que a OPA, mesmo participando de palestras nos mais
não tendo logrado seus objetivos iniciais, renomados espaços.
lançou bases tanto para o que viria a ser a A obra é bem estruturada e
PEI no Brasil, quanto para a Aliança para facilmente compreensível até mesmo para
o Progresso nos EUA (CERVO; um público leigo em conceitos
BUENO, 2015). econômicos ou de Relações
A Teoria da Modernização: W. W. Internacionais. Outro ponto elementar de
Rostow e Max Millikan A Proposal é que ele é a expressão de uma
nova e liberal perspectiva que veio tornar-
Desde o final da década de 1940 se a principal visão dos anos Kennedy,
até meados da década de 1960, tanto os influenciando o pensamento e a política
elaboradores da política externa dos EUA do presidente estadunidense sobre o papel
quanto os seus pares da URSS estavam dos EUA em relação ao mundo
convencidos de que o mundo atravessava subdesenvolvido. Arthur Schlesinger
um momento crucial do seu credita a Rostow a articulação do principal
desenvolvimento. Nesse contexto, ambos propósito do programa de ajuda de
os lados acreditavam que a história estava Kennedy: empurrar as nações pós-
do seu lado. Nos EUA, destacados coloniais para o take-off em direção ao
intelectuais ligados ao círculo das elites crescimento auto-sustentado. De acordo
dirigentes, como Talcott Parsons, Walt W. com os autores:
Rostow, Daniel Lerner, Max Millikan,
entre outros. “[...] a tese deste livro é que um
vasto programa a longo prazo de
A teoria da modernização nasce participação americana no
em um momento de febre ideológica, no desenvolvimento econômico das
contexto da Guerra Fria. Ela foi áreas subdesenvolvidas poderia ser
formulada para conter o apelo do um dos principais meios para fazer
marxismo-leninismo para os países do avançar os objetivos da política
Terceiro Mundo, sedução ampliada pelas externa americana. Nós
acreditamos que tal programa é um
aparentes conquistas da URSS. Ribeiro dos poucos instrumentos concretos

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disponíveis para alcançar o duplo os países da América Latina, e também


resultado de (1) aumentar a discursou em favor da necessidade urgente
consciência de que os fins, de reforma agrária na região 6.
aspirações e valores do povo
americano são os mesmos de outros Foi em setembro de 1960, no
países, (2) desenvolver sociedades entanto, que Kennedy começou a dar
democráticas viáveis, enérgicas e forma ao que viria a ser sua política
confiantes através do Mundo externa para a América Latina,
Livre.” (ROSTOW; MILLIKAN, distanciando-se do governo Eisenhower-
1957, p. 01). Nixon. Numa viagem de Kennedy ao
Essa teoria de estágios de Texas, já como candidato democrata à
desenvolvimento ofereceu um bom presidência dos EUA, um de seus
instrumento analítico para os policy-makers principais assessores, Richard N.
americanos e, sua especial visão da história Goodwin7, teve contato com o periódico
e do caminho para a modernidade, espanhol Alianza, de onde, após algumas
fornecendo uma ordem ao caos que considerações e refinamentos, chegou ao
parecia ser o mundo emergente no pós- nome Aliança para o Progresso.
guerra. Toda a diversidade podia ser Na sequência da eleição de
reduzida a um esquema simplista, que se Kennedy em novembro, Goodwin
transformou em um método técnico de coordenou o estabelecimento uma Força-
desenvolvimento, que poderia ser aferido Tarefa sobre os problemas latino-
através dos indicadores do grau de americanos. O grupo foi presidido pelo
modernização de um dado país. Assim, as ex-secretário de Estado Adolf Berle,
obras de Rostow e Millikan Etapas do Arturo Morales-Carrion, Teodoro
Desenvolvimento Econômico e a Proposal Moscoso, Lincoln Gordon, o cientista
ajudaram a modelar a Aliança para o político Robert Alexander e historiador
Progresso e os outros esforços da ajuda Arthur P. Whittaker. A Força-Tarefa foi
norte-americana no período em questão. encarregada de avaliar as relações EUA-
John F. Kennedy e a Força-Tarefa América Latina e priorizar as tarefas da
nova administração na região,
Em 15 de dezembro de 1958, apresentando um relatório ao Presidente
num jantar do Partido Democrata em San em 4 de janeiro de 1961.
Juan, Porto Rico, John F. Kennedy Esse relatório sintetizou as
proferiu seu primeiro discurso seguintes percepções sobre a América
direcionado a América Latina. Na fala, o Latina. 1) que a região continuará a ser
tom foi de solidariedade com os povos uma área de principal preocupação para os
latino-americanos no combate a subversão Estados Unidos; 2) a nova Administração
comunista na região, aprovou a criação de empreenderia uma nova abordagem para
um Banco Interamericano para o lidar com os sérios problemas latino-
Desenvolvimento, um acordo comercial americano e outros que poderiam surgir;
para a exportação de commotidies, enfatizou 3) que a nova abordagem deve ser buscada
a necessidade de estreitar os laços culturais com confiança no sucesso da nova
e educacionais entre os Estados Unidos e administração em melhorar

1959 e após a vitória presidencial, passou a atuar


6John F. Kennedy Speeches Remarks of Senator
como conselheiro especial do presidente. Foi um
John F. Kennedy at the Democratic Dinner,
dos principais membros da Força Tarefa que
Billings, Montana, June 15, 1958. Acesso em
sistematizou a Aliança para o Progresso. De 1963
29/08/2017:
a 1964, Goodwin serviu como secretário-geral do
https://www.jfklibrary.org/Research/Research-
Peace Corps e também se tornou conselheiro
Aids/JFK-Speeches/Billings-MT_19580615.aspx
especial do presidente Lyndon B. Johnson.
7 Richard Naradof Goodwin se juntou a equipe de
redação de discursos de John F. Kennedy em

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substancialmente a política de seu monumental esforço estadunidense em


antecessor, mas também reconhecendo o propor uma visão de mundo, uma via de
fato de não poderem resolver todos os desenvolvimento para os países
problemas, mas só pode ajudar os latino- subdesenvolvidos para se contrapor a
americanos; 4) que é e continuará a ser a perspectiva comunista. Por fim, podemos
política dos Estados Unidos de manter e concluir que não tratou-se de um processo
desenvolver o Organização dos Estados simples, esse tipo de pensamento liberal
Americanos; 5) que o fermento presente progressista, concebido retoricamente,
na América Latina, que facilita a mas com amplo respaldo histórico foi a
penetração comunista, é o sinal externo de chave de interpretação dos EUA para os
uma onda de mudanças sociais e políticas países da América Latina até meados da
que os Estados Unidos não podem e não década de 1960.
devem solucionar; 6) do ponto de vista
Referências
dos Estados Unidos, o atual desafio
comunista na América Latina é LATHAM, M. E. Modernization as Ideology –
semelhante ao foi o nazi-fascismo no American Social Science and “Nation
período Franklin Roosevelt e exige uma Building” in Kennedy Era. Chapell Hill and
resposta ainda mais ousada e mais London: The University of Carolina Press, 2000.
imaginativa8. LOWENTHAL, Abraham F. Alliance Rhetoric
versus Latin American Reality. Foreign Affairs. 5
Considerações Finais Sept. 2017. Web. 5 Sept. 2017.
RIBEIRO, Ricardo Alaggio. A Aliança para o
Como pudemos observar a Progresso e as Relações Brasil-EUA. Tese
Aliança para o Progresso foi a síntese de (Doutorado em Ciência Política) Universidade de
uma teoria que se converteu numa forma Campinas. São Paulo, 2006.
de ideologia. Os políticos da New Frontier HOGAN, M. J. The Marshall Plan. Cambridge:
de Kennedy ousaram sistematizar uma Cambridge University Press, 1987.
série de premissas presentes na teoria da
ROSTOW, W. W. Etapas do Desenvolvimento
modernização, principalmente na Econômico – Um Manifesto Não-Comunista.
perspectiva elaborada por W. W. Rostow Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966 a.
e Millikan, unindo-a com as experiências MILLIKAN, M.; ROSTOW, W. A Proposal:
de política de ajuda das décadas anteriores. Key to an Effective Foreign Policy. New York:
A Aliança, portanto, constitiu-se num Harper & Brothers, 1957.

United States, 1961-1963, American Republics, V.


8Fonte: Department of State, Central Files, 732.5-
XII, Washington, 1996, p. 934.
MSP/9-861. Secreto in Foreign Relations of the

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