Docente: Prof. Dr. Eduardo Scheid Discente: Gabriel Pires Machado Corrêa (201910206411) Disciplina: América III
1) Atualmente, muitos historiadores criticam o uso do conceito de populismo. Com que
argumentos o conceito está sendo criticado?
Devido à crise do liberalismo no pós-Primeira Guerra e a Revolução Russa de
1917, a direita latino-americana passou a enxergar as camadas populares como uma ameaça real ao seu domínio e hegemonia, temor este que existia desde os processos de independência da América Latina no século XIX. A fusão entre preservação da ordem socioeconomia e maior participação do Estado na área social e na economia representou, na América Latina, o que ficou chamado de Populismo, conceito controverso e vítima de diversas críticas (Capelato, 2010, p.128-131).
Primeiramente, por se tratar de um conceito que se propõe a abordar
experiências diversas e distintas entre si, a palavra Populismo acaba por perder o sentido e causar imprecisão. Os exemplos são vastos. No caso brasileiro, o período populista é caracterizado entre 1930-194, iniciado com o Estado Novo varguista e findado pelo golpe militar de 1964, por todo período varguista (1930-1954) ou apenas pelo segundo período (1951-1954). No cardenismo e peronismo, a delimitação é um pouco mais precisa, contemplando os períodos (1934-1940) e (1946-1955), respectivamente (Capelato, 2010, p. 131). Utilizar-se de um único conceito para retratar contextos políticos tão dispares que variam desde a América do Norte com o México até o extremo sul da América Latina causa uma simplificação excessiva no qual o sentido do conceito é esvaziado (Capelato, 2010, p. 134).
Para além da crítica do vazio conceitual que a palavra populismo carrega,
autores como Gino Germani consideram o populismo uma etapa essencial para a travessia das sociedades latino-americanas de suas sociedades tradicionais para as modernas sociedades capitalistas. Dessa forma, os fenômenos populistas seriam uma resposta à industrialização e formação das sociedades urbanas na América Latina, de forma a suprir a carência de uma sólidas identidade e ideologia autônomas (Capelato, 2010, p. 136). Essa noção é criticada por Guita Grin Debert, já que para Germani os conflitos de classe não seriam a chave para a compreensão dos processos de mudanças nos períodos ditos populistas, mas sim uma “disfunção” de um sistema que deveria ser estável e equilibrado no processo de modernização.
De acordo com a autora, as análises sobre o conceito de populismo dividem-se
em dois grupos principais: os generalistas e os particularistas. O que há de comum em ambos é a dificuldade de articulação do conceito entre o geral e o particular. Ao se atentar apenas ao particular, o processo histórico e fragmentado, perdendo o fio que conecta um fenômeno mais amplo. Já ao se buscar a generalização, caímos na tendência de forçar que fenômenos distintos se encaixem em categorias conceituais que não os cabem (Capelato, 2010, p. 139).
Em resumo, a crítica ao conceito de populismo é um reflexo das preocupações
em torno de sua imprecisão e seu uso frequente como rótulo pejorativo na arena política. A simplificação excessiva de movimentos políticos complexos como meramente populistas muitas vezes obscurece as nuances subjacentes e limita a compreensão dos fatores que impulsionam esses movimentos. No entanto, apesar das críticas, é essencial reconhecer que o populismo não pode ser ignorado ou descartado completamente, uma vez que ele influência de maneira significativa o cenário político global. Portanto, o desafio reside em promover um debate construtivo e uma análise cuidadosa, a fim de entender as implicações do populismo de maneira mais holística, sem cair em generalizações simplistas que possam distorcer a realidade política.
2) Comente sobre as relações das classes trabalhadoras com o cardenismo e
com o peronismo. O início do século XX foi marcado por diversas crises políticas e econômicas que assolaram principalmente as camadas mais empobrecidas da sociedade latino- americana. Nesse sentido, em resposta a tais crises, figuras e movimentos políticos de diversas vertentes surgiram como alternativas a esses processos, com destaque para o cardenismo e o peronismo, que possuíram como personalidades centrais, respectivamente, Lázaro Cárdenas del Río (1895-1970) e Juan Domingo Perón (1895- 1974). De acordo com Capelato (2010, p. 144), tanto o regime peronista quando cardenista foram fortemente apoiados por sindicatos independentes. Isso significa que, os períodos tanto de Perón quanto Cárdenas representaram uma aliança de classes cuja força era variável de acordo com o contexto.
Após a crise capitalista de 29, a produção industrial argentina cresceu
vertiginosamente. A população operária duplicou, a representação sindical era expressiva com 20%, chegando até 42% nas décadas de 1950. Essa representação expressiva não foi coincidência. Juan Domingo Perón, tanto na Secretaria de Trabalho e Previdência quanto na Presidência da República trabalhou efetivamente para a sindicalização do operariado argentino. Esse esforço se materializou na Lei de Associações Profissionais, que objetivava regular e garantir as negociações e representação dos trabalhadores para com os patrões (Capelato, 2010, p. 145). O cenário econômico argentino propiciava tais avanços. De acordo com a autora, o salário dos trabalhadores industriais cresceu 53%. Fato este que colaborou para a subordinação gradual dos sindicatos ao Estado. Apesar dos avanços, Perón considerava a desigualdade social como algo natural, e propunha apenas aliviá-la e não a superar (Capelato, 2010, p. 146). As interpretações sobre a relação dos trabalhadores e sindicatos com o Estado peronista variam. Ricardo Sindicaro aponta para uma perda de autonomia dos sindicatos perante o governo, mas de ganho diante de suas bases (possibilitada principalmente pelas leis peronistas). Já Daniel James analisa a relação sindicato-Estado enquanto uma relação de controle quase que total, onde os sindicatos deveriam servir ao Estado peronista numa harmonia entre capital e trabalho.
A relação dos trabalhadores com o cardenismo, período associado à presidência
de Lázaro Cárdenas no México de 1934 a 1940, foi marcada por mudanças significativas nas políticas e nas condições de trabalho. Lázaro Cárdenas é frequentemente lembrado por suas políticas de cunho progressista e por seu compromisso com os direitos dos trabalhadores. Cárdenas buscou apaziguar a relação os conflitos políticos, religiosos e sociais que assolavam o México desde as revoluções no início do século XX. De acordo com Ilán Semo, Cárdenas teve um papel ambíguo: ao mesmo tempo que promoveu as liberdades políticas e direitos civis, também criou as bases para o autoritarismo no México. Ao mesmo tempo que redistribuiu as terras aos pueblos, também criou as condições para a concentração da produção em poucas mãos. Fato semelhante ocorreu com a classe trabalhadora: embora tenha incentivado a organização coletiva dos assalariados, não garantiu autonomia política alguma (Capelato, 2010, p. 154). Já Alan Knight destaca o cardenismo como um período crucial na história do México, caracterizado pelo nacionalismo revolucionário, reformas agrárias, apoio aos trabalhadores e uma série de políticas sociais que tiveram um impacto duradouro na sociedade mexicana e na política do país (Capelato, 2010, p. 158- 160).
Portanto, podemos concluir que, apesar dos avanços e retrocessos dos
trabalhadores e sindicatos, e independente de qual vertente analítica adotarmos, durante o governo Perón e Cárdenas, a classe trabalhadora experimentou uma melhora substancial na qualidade de vida, mesmo que isso significasse uma maior ou menor subordinação ao Estado.