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ESTADO
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Por Atilio A. Boron
ES
A problemática do Estado sempre teve, por razões distintas, particular relevância no debate político e
ideológico da América Latina. Alguns aspectos devem ser levados em conta na explicação do fenômeno.
Em primeiro lugar, a matriz político-cultural latino-americana é fortemente estatal. As sociedades
constituídas como produto da conquista e colonização ibérica sempre atribuíram ao Estado um papel
fundamental na vida social. Contrariando o título do livro de grande sucesso nos anos 1980, Bringing the
State back in (Trazendo o Estado de volta), a América Latina jamais teve necessidade de trazer de volta o
Estado, porque este sempre esteve presente, diferentemente do que ocorreu em outras latitudes.
Sociedades como as latino-americanas, que experimentaram a mais prolongada ocupação colonial da
história moderna, cujas populações nativas foram dominadas e exterminadas e tiveram suas riquezas
repartidas entre os invasores, não poderiam ter incursionado em uma aventura semelhante sem o apoio
permanente de um aparato armado, ou seja, sem o Estado em seu “grau zero” e primordial, concebido
como o monopólio da força.

A essa constatação inicial devem agregar-se pelo menos outros dois fatores. Em primeiro lugar, o fato de
que o padrão de desenvolvimento, a partir da independência e, sobretudo, quando se consolidou uma
certa ordem política interior, descansava de maneira exagerada nas capacidades estatais para controlar
territórios e submeter populações cada vez mais rebeldes depois de três séculos de dominação colonial.
Essa forte presença estatal reforçou-se em meados do século XIX, quando as grandes transformações em
curso no Reino Unido, o então coração do sistema capitalista internacional, abriram a oportunidade para
ensaiar-se uma estratégia de desenvolvimento orientada para a satisfação da demanda internacional. Mas
seu aproveitamento exigiria apoderar-se de terras e minas, afastar as populações nativas, realizar vastos
investimentos em infraestrutura e assegurar o que eufemisticamente se denominava “paz interior”. Tal
expressão referia-se à estabilização de uma ordem social classista, marcada por profundas desigualdades,
que tornasse possível a operação de um modelo no qual se sintetizassem os interesses do capital
imperialista e aqueles das distintas frações das classes dominantes locais. Em segundo lugar, a própria
debilidade da burguesia nessa parte do mundo agigantou a importância do Estado no processo de
acumulação capitalista, transferindo a este grande parte das tarefas que nos países metropolitanos haviam
permanecido nas mãos daquela classe. Por esse motivo, foram muitos os autores que assinalaram o
caráter estatista ou estadocêntrico do desenvolvimento capitalista na América Latina, tanto em sua fase
oligárquico-dependente (que nos países mais avançados da região se estendeu entre 1880 e 1930) como
na etapa da industrialização substitutiva e na fase neoliberal subsequente, a partir dos anos 1980 do
século XX.

Tudo isso, unido ao peso da Igreja Católica e à gravitação que o pensamento social europeu, especialmente
o francês e o alemão, teve na esfera político-cultural, permite entender as razões pelas quais a
problemática do Estado sempre ocupou um lugar de destaque na vida dos povos latino-americanos. Seria
possível dizer que essa problemática declinou nos últimos tempos? A pergunta remete a um debate atual
acerca do futuro do Estado como instituição central das sociedades latino-americanas.

Moda recorrente
Converteu-se em lugar-comum postular como inexorável o desaparecimento do Estado. Não se trata,
como em certos textos do passado, de um prognóstico fundado na tese marxista da “extinção do Estado”, e
sim de um diagnóstico sobre algo que, segundo alguns teóricos, já está ocorrendo por causa da
avassaladora dinâmica desencadeada pelo processo de globalização. De acordo com essa interpretação, os
Estados nacionais vão se desagregando, aceleradamente, em um processo irreversível de perda de
autonomia, em face aos grandes atores, públicos ou privados, que se movem no cenário internacional. O
desfecho desse diagnóstico aponta, nada menos, para a insignificância de qualquer esforço para travar
uma batalha emancipadora, tendo como montaria o corcel do Estado nacional.

Trata-se de uma tese profundamente equivocada, mas, antes de fundamentar as razões desse equívoco,
convém examinar a forma como a problemática do Estado apareceu no pensamento social da América
Latina na segunda metade do século XX. Um olhar atento sobre o tema permite identificar várias etapas
em sua evolução. Com efeito, do fim da Segunda Guerra Mundial até o começo dos anos 1960, prevaleceu
na região um conjunto de teorias sociais, políticas e econômicas fortemente influenciadas pela ascensão
dos Estados Unidos à condição de nova metrópole imperial. Um traço comum a todas elas era a radical
negação da importância do Estado, desde a teoria do desenvolvimento por etapas de Walter Rostow até as
formulações do estrutural-funcionalismo, principalmente as que brotavam de seu máximo expoente,
Talcott Parsons, com sua teoria da modernização do Estado.

A rigor, essas teorizações não refletiam a história real do desenvolvimento capitalista dos Estados Unidos
ou da Europa, no qual a presença da instituição estatal fora (como continua a ser nos dias atuais) muito
importante. Antes, expressavam as peculiaridades na forma como a classe dominante, em especial a
norte-americana, relatava a história do país. Na década de 1960, o influxo ideológico dessas correntes
desvaneceu-se consideravelmente. O trabalhoso andaime construído pelas ciências sociais norte-
americanas desde o fim da Segunda Guerra Mundial desmoronou por força da luta de classes na Europa,
que culminou com os grandes movimentos de 1968, bem como por obra dos impetuosos movimentos em
favor dos direitos civis nos Estados Unidos e pela reafirmação dos movimentos de liberação nacional no
Terceiro Mundo, aos quais se agregaria, pouco depois, o impacto demolidor da Guerra do Vietnã.

Na América Latina, essa crise teórica se acentuou pela presença da Revolução Cubana e pela progressiva
deterioração da situação econômica, social e política dos países de maior desenvolvimento capitalista,
uma vez esgotado o ciclo da industrialização substitutiva, o que promoveu o auge das diversas correntes
da teoria da dependência. Em suas distintas variantes, que vão desde a obra de Ruy Mauro Marini e
Theotônio dos Santos até Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, passando por Aníbal Quijano,
Agustín Cueva e tantos outros, a teorização da dependência tinha como um de seus traços unificadores a
relevância atribuída à problemática estatal.

Em meados dos anos 1970, uma nova mudança no paradigma dominante foi precipitada pela crise política
generalizada na região – emblematizada pela violenta liquidação da via chilena ao socialismo liderada por
Salvador Allende e a Unidade Popular, pelo experimento radical democrático de Juan José Torres e a
Assembleia Popular na Bolívia, e pelo sangrento desenlace do retorno do peronismo na Argentina. Nesse
caso, tratou-se muito menos de uma derrota no plano das ideias que das consequências do período mais
ferozmente repressivo conhecido pela América Latina contemporânea, que levou muitos dos teóricos da
dependência e seus seguidores ao exílio, ao cárcere e, em não poucos casos, à morte. Esse inverno cultural
perdurou até meados da década de 1980, quando, simultanea​mente com o retorno das democracias na
região (democracias de baixa intensidade, sem cidadãos nem autogoverno e que não justificavam o nome),
apareceu um novo conjunto de ideias. Como as que chegaram em fins da Segunda Guerra Mundial, essas
ideias também se caracterizavam pelo menosprezo a tudo o que fosse estatal e, paralelamente, por uma
exaltação dos mercados e da sociedade civil como os âmbitos nos quais se refugiava a “verdade” das
sociedades latino-americanas. Com o auge do paradigma da globalização, pois esse é o nome sob o qual
prospera esse conjunto de ideias, o Estado passou a ser considerado novamente uma inútil relíquia do
passado que devia ser piedosamente enterrada.

A sociologia científica
O pós-guerra abriu caminho a uma acelerada profissionalização das ciências sociais. Esse fenômeno, que
ocorreu em escala mundial, foi sentido com particular intensidade na América Latina, onde a velha
tradição dos pensadores sociais – que fizeram tão brilhantes contribuições para a compreen​são de nossas
sociedades desde meados do século XIX – foi rapidamente abandonada e, mais ainda, estigmatizada como
anticientífica. Desse modo, obras como as de Joaquim Nabuco, no Brasil, José Pedro Varela, no Uruguai,
Domingo Faustino Sarmiento e Juan Bautista Alberdi, na Argentina, Francisco Bilbao, no Chile e os
chamados “científicos”, no México, passaram a gozar de esquecimento.

Um processo como esse não ocorreu no mesmo momento nem teve a mesma intensidade em todos os
países. A profundidade dessa profissionalização, que levou ao nascimento da sociologia científica,
principalmente em países como Argentina, Brasil, Chile e México, foi muito diferente de um caso para
outro mas, em todos eles, recebeu o padrão da sociologia norte-americana. Enquanto os pensadores
sociais eram intelectuais obcecados com a necessidade de interpretar a realidade e, a partir daí, modificá-
la (sem que agora convenha analisar o patente europeísmo desse projeto de mudança ou os componentes
ilusórios que o animavam), o fervor da nova geração de sociólogos de pós-guerra estava posto no rigor
metodológico, na precisão dos dados e na complexidade da análise estatística. As implicações políticas de
seu projeto intelectual, se não eram negadas, pelo menos passavam a um discreto segundo plano. Essa
mudança afetou os conteúdos da reflexão tanto como as formas de comunicar ideias a um público mais
amplo. Os pensadores sociais produziam ensaios e panfletos, escritos em linguagem sóbria e, em alguns
casos, elegante. Seu objetivo e seu público eram a classe política e a opinião do povo – segmento social que
nessa época abrangia apenas uma pequena porção da sociedade. Seu propósito era persuadir as elites da
época da necessidade de acelerar a europeização das sociedades latino-americanas. O ensaio era, nas
palavras de Carlos Real de Azúa, um dos estudiosos do tema, “mais comentário que informação, mais
interpretação que dados, mais proposição que verificação, mais opinião que afirmação conclusiva”. O
certo é que, com estilo, os pensadores sociais atribuíram grande relevância ao estudo e à transformação
prática do Estado e da política de seu tempo.

Essa tradição intelectual e política foi expulsa da academia reorganizada nos anos do pós-guerra. A
profissionalização da sociologia veio pelas mãos da supremacia incontestada do paradigma estrutural-
funcionalista e muito especialmente da versão plasmada na obra do sociólogo norte-americano Talcott
Parsons. Suas ideias vieram acompanhadas pelo surgimento de uma metodologia positivista, de
perspectiva sumamente estreita, que refletia a adoção, simples e acrítica, do cânone e dos procedimentos
daquilo que na época se denominavam ciências duras, terminologia que por boas razões caiu em completo
desuso.

Está claro que a difusão da sociologia norte-americana como modelo para as ciências sociais esteve longe
de ser um fenômeno regional. Suas teorias, seus métodos e suas estruturas organizacionais prevaleceram
em todo o mundo, inclusive na Europa, a pátria da teoria social. Como não podia deixar de ser, sua
influência foi avassaladora na América Latina. Em termos teóricos, a expressão mais importante dessa
revolução paradigmática, que se estendeu como um rastilho de pólvora, foi a teoria da modernização, que
teve seu máximo representante no sociólogo ítalo-argentino Gino Germani.

Uma certa influência também coube a uma expressão muito mais atenuada das novas ideias: trata-se da
exercida por José Medina Echevarría, humanista e soció​logo espanhol fortemente influenciado pela obra
de Max Weber. Após uma rápida passagem pelo México, onde chegou como refugiado republicano no final
da década de 1930, Echevarría contribuiu na fundação do Fondo de Cultura Económica, e finalmente
dirigiu-se a Santiago, no Chile, convidado por Raúl Prebisch para trabalhar na Divisão de Assuntos Sociais
da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), onde exerceu um papel crucial na
criação da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Não é por coincidência que nos dois
casos deparamos com sociólogos europeus, ambos vítimas das perseguições do fascismo na Itália e na
Espanha, que encontraram refúgio na América Latina.

A teoria da modernização
Em sua versão mais dura, a teoria da modernização era cega diante da relevância da política e, muito
especialmente, da importância do Estado. A ideia subjacente, que articulava todo o seu discurso teórico,
era que as nações em desenvolvimento se encontravam em trânsito pela mesma trilha anteriormente
percorrida pelos países industrializados. O desenvolvimento econômico, a modernização social e a
democratização política constituíam um triângulo inquebrantável, um processo natural que, embora capaz
de ser perturbado por alguns “obstáculos”, concebidos como patologias alheias e externas ao processo
histórico, nem por isso deixaria de chegar ao destino. E esse não era outro senão um tipo de sociedade, a
chamada sociedade moderna, cujos traços teóricos mostravam, sobretudo no caso de Talcott Parsons,
uma assombrosa similitude com algumas das características mais salientes da sociedade norte-americana.
O pressuposto, então, era que todas as sociedades desenvolvidas haviam sido, em um momento ou outro,
subdesenvolvidas, e que, por esse motivo, todas estavam fadadas a transitar pelo mesmo caminho. Tal
como havia assinalado o teórico conservador Samuel Huntington, essa suposição constituía o fundamento
axiomático da chamada sociologia científica. Tal fundamento refletia um componente crucial do credo
americano, segundo o qual todas as coisas boas vêm juntas. Em função desses pressupostos, podia-se
postular que as transições, desde os estágios mais elementares da vida social rumo ao mundo da
modernidade e da industrialização, eram um processo unilinear e evolutivo, no qual existiam estreitas
margens para a vontade política e a intervenção estatal, para não falar do conflito político. Esse forte
determinismo evolucionista induzia a pensar que as sociedades se desenvolveriam naturalmente na
direção do sistema industrial graças à difusão universal de valores, crenças e instituições modernas que,
produzidas e geradas pelos países do centro capitalista, penetrariam nas mais diversas regiões arcaicas e
tradicionais. Esses teóricos estavam dispostos a reconhecer, contudo, a possibilidade de ocorrer tropeços e
obstáculos diversos que tornariam mais lento o ritmo da marcha, mas o destino final dessa jornada jamais
era posto em questão. Mais ainda, alguns autores sustentavam que até os países governados pelos
comunistas contornariam, em algum momento, esse obstáculo e convergiriam com os outros na marcha
em direção à sociedade de consumo, ao livre mercado e à democracia liberal.

A teoria da modernização mostrou-se particularmente incapaz de oferecer uma compreensão adequada


dos traços histórico-estruturais que diferenciavam as sociedades do centro e da periferia. O pressuposto
fundamental dessa teoria, portanto, era irreal e insustentável. Por esse motivo, não tinha resposta para as
dilacerantes questões colocadas pelo colonialismo, pelo processo de descolonização e pela persistência do
imperialismo como sistema internacional de exploração e opressão.

Uma revisão sumária da literatura da época demonstra que tais questões eram um não problema, um
buraco negro teórico pelo qual transcorria a história de 80% da humanidade e para a qual a teoria da
modernização não oferecia explicação alguma. Seu otimismo panglossiano era completamente infundado,
como o demonstraram as duras lições que os países da América Latina sofreram poucos anos depois.
Ainda segundo Germani, de longe o expoente mais sofisticado e realista da teoria da modernização, seria
inútil buscar uma reflexão sistemática em torno do Estado, de seus aparelhos e do papel da burocracia
estatal. Esse era um arranjo teórico inexistente em sua complexa trama conceitual, apesar de se tratar de
um autor com clara percepção dos problemas políticos de seu tempo. Suas análises do populismo latino-
americano, especialmente do caso argentino, tinham algumas ressonâncias gramscianas significativas. O
mesmo acontecia com sua discussão sobre o fascismo e os regimes autoritários, ainda que essa exploração
não implicasse a elaboração de uma teoria do Estado ou sequer um exame das contribuições de outros
autores a esse problema. Essa clamorosa ausência justifica a irreparável debilidade da teoria da
modernização, incapaz de explicar, e ainda menos de prever, a sucessão de golpes militares e regimes
autoritários que se manifestaram com estrépito no cenário latino-americano a partir dos anos 1960. As
róseas expectativas da teoria também foram contrariadas com o fracasso dos projetos de desenvolvimento
econômico e com a progressiva desintegração das sociedades latino-americanas, resultado das políticas
econômicas ortodoxas que potencializaram a exclusão social e a pobreza das massas.

Em resumo, a teoria da modernização desabou sob o peso combinado da perpetuação do


subdesenvolvimento, da crescente dependência externa, da crise política permanente e da desintegração
da sociedade. Suas promessas e expectativas demonstraram ser simples ilusões, reflexos ideológicos da
crescente preponderância que a sociedade norte-americana adquiria no mundo do pós-guerra.

As teorias da dependência
A vingança da história contra uma teoria que se empenhava em negá-la abriu espaço para uma
vertiginosa, ainda que breve, tentativa de renovação teórica no campo das ciências sociais e do
pensamento político. Junto com a profunda inadequação desse modelo teórico para interpretar e explicar
os processos em curso nas sociedades da periferia, a crescente comoção social, política e cultural que
estava sacudindo as sociedades do capitalismo avançado em começos da década de 1960, desferiu o golpe
de misericórdia no paradigma teórico dominante. O ressurgimento do conflito de classes nas sociedades
europeias, o despertar dos afrodescendentes nos Estados Unidos e suas lutas pelos direitos civis, os efeitos
devastadores da Guerra do Vietnã no centro hegemônico e a indisfarçável decadência de suas instituições,
práticas e lideranças políticas colocaram a sociedade norte-americana sob uma nova luz, evidenciando
traços que tinham pouco a ver com as idílicas reconstruções próprias do aparato teórico parsoniano. A
obra de C. Wright Mills e Alvin Gouldner, nos Estados Unidos, terminou por demolir esse cambaleante
edifício. Na Europa, o livro de Nicos Poulantzas, Clases sociales y poder político en el Estado capitalista (
Poder político e classes sociais , Martins Fontes, 1977), pensando sobretudo em seu impacto sobre a teoria
do Estado, constitui uma referência ineludível, cuja influência durante longos anos foi simplesmente
avassaladora. Em termos mais gerais, cabe assinalar a importante influência exercida pela ressurreição do
pensamento teórico marxista, especialmente na França e na Itália. No primeiro caso, pelas mãos de Louis
Althusser e seus discípulos; no segundo, a partir do redescobrimento da obra de Antonio Gramsci.

Enquanto isso, a ofensiva contra a teoria da modernização adquiriu uma eficácia extraordinária na
América Latina. A pertinaz negação da problemática do Estado e, mais geralmente, da dimensão política
dos processos sociais, foi decisiva para alimentar a revolta teórica contra o paradigma dominante. Mas
isso não era apenas reflexo de uma evidente insatisfação teórica: os fortes ventos de transformação social
e política que sopravam na região desde o triunfo da Revolução Cubana outorgavam ao debate uma
urgência e eficiência políticas desconhecidas desde muito tempo. Para a plêiade de autores que
começavam a questionar com rigor o pensamento dominante, a questão do Estado adquiria uma
relevância excepcional. Vistas as coisas com o benefício da perspectiva histórica, esse período, que
principiou pouco depois de iniciada a década de 1960, seria testemunha de uma inovação intelectual e
política poucas vezes verificada, e que ainda surpreende pela escassa atenção que mereceu, tanto entre
seus contemporâneos como entre os historiadores da época. Pela primeira vez na história, uma vigorosa
reflexão sobre os problemas do Estado moderno e do imperialismo teve lugar na periferia do sistema.
Mais ainda, esse trabalho teve força suficiente para reconfigurar, de maneira radical, a própria agenda das
ciências sociais no mundo desenvolvido. Se a princípio os patriarcas das ciências sociais do mundo
desenvolvido observaram com desdém as diversas teorizações incluídas sob o rótulo comum da teoria da
dependência, consideradas por eles como produto do infantilismo revolucionário de intelectuais terceiro-
mundistas, sempre inclinados ao abuso de retóricas inflamadas, pouco tempo depois não tiveram outro
remédio senão reconhecer que seus colegas do Sul haviam identificado um conjunto de problemas, alguns
antigos e outros novos, que eles haviam ignorado por completo. A mesma coisa ocorreu com a obstinação
latino-americana em reincorporar às discussões da época a problemática do Estado, que havia sido
solenemente desterrada do âmbito acadêmico por David Easton e seus colegas, no início dos anos 1950.

Essa verdadeira contraofensiva ideológica latino-americana foi produto de numerosos intelectuais de


primeira grandeza. Sobressaíram nessa empresa os brasileiros Florestan Fernandes, Ruy Mauro Marini,
Fernando H. Cardoso, Francisco de Oliveira, Maria da Conceição Tavares, Octavio Ianni, Francisco
Weffort, Vania Bambirra e Theotônio dos Santos. Na Argentina, as principais contribuições correram por
conta de Guillermo O’Donnell, Pedro Paz, Marcos Kaplan, Silvio Frondizi e Tomás Amadeo Vasconi.
Também estão entre os protagonistas de alguns dos momentos mais criativos desses debates: Agustín
Cueva, do Equador; Antonio García e Orlando Fals Borda, da Colômbia; Pablo González Casanova, José
Luis Ceceña, Sergio de la Peña e Alonso Aguilar, do México; Edelberto Torres-Rivas, da Guatemala; Aníbal
Quijano, do Peru; Aníbal Pinto, Enzo Faletto, Julio César Llobet e Hernán Ramírez Necochea, do Chile;
Salvador Maza Zabala, José Agustín Silva Michelena e Héctor Malavé, da Venezuela; e Gérard Pierre-
Charles, do Haiti. A eles é preciso acrescentar o incansável labor desenvolvido pelo Conselho Latino-
Americano de Ciências Sociais (Clacso), de seus grupos de trabalho (GT) dedicados ao tema: o GT sobre
Estado e o de Estudos de Dependência, os quais desempenharam um singular papel ao articular as
elaborações dos cientistas sociais da região assim como em dar-lhes uma projeção internacional até então
desconhecida.

Novas concepções
A revalorização da política e do Estado, como consequência dessa inovação teórica radical produzida na
América Latina, cristalizou-se pouco depois em uma nova e mais complexa teorização sobre o Estado.
Nela, essa instituição apareceu como:

a) um pacto de dominação, por meio do qual um bloco de classes e grupos sociais que controlam a
riqueza, os vínculos com os mercados internacionais e o poder, forjam uma aliança que impõe a
modalidade de acumulação que melhor se ajusta a seus interesses particulares;

b) uma arena privilegiada da luta de classes e lugar onde se ajustam as mais importantes contradições
sociais;

c) o complexo de aparelhos e instituições, manejado por uma burocracia que, sob certas circunstâncias,
desenvolve interesses próprios. Embora não transcendam os marcos da sociedade capitalista, tais
interesses podem se contrapor aos de algumas frações particulares do capital;

d) o representante simbólico da unidade da nação, flutuando acima dos interesses das classes e das
frações nas quais se divide a sociedade burguesa e assumindo a representação dos interesses gerais da
sociedade, tanto na esfera da política interna quanto na arena internacional.

Sob essas novas concepções, o papel do Estado adquiriu uma importância excepcional. Cristalização de
uma correlação de forças que estabilizava as condições necessárias para a acumulação do capital, o Estado
assumia seu caráter estratégico ao organizar as classes dominantes e fomentar a desorganização das
classes dominadas. É desnecessário enfatizar que esses requisitos político-estatais da acumulação
capitalista variam segundo as diferentes etapas históricas do capital e conforme sua localização na
estrutura internacional do sistema. Não são iguais os que se requerem no núcleo e os demandados na
periferia. Em todo caso, se existe algo que ficou suficientemente claro com essa renovação teórica é que o
papel do Estado permanece fundamental na preservação das condições necessárias e insubstituíveis de
que o capital necessita para se reproduzir e consolidar seu domínio, tanto na fase de desenvolvimento
para fora dos capitalismos latino-americanos como na da industrialização substitutiva e na atual,
dominada pela internacionalização dos mercados e pela hegemonia financeira na economia, conhecida
pelo nome de globalização.

Claro está que essa indispensabilidade do Estado, negada por algumas teorizações de moda, mas de futuro
pouco promissor, mal pode ser interpretada a partir de um esquema reducionista que faça dele um
simples epifenômeno das leis férreas da acumulação capitalista. Nesse sentido, é impossível deduzir as
formas e modalidades do Estado a partir de uma leitura dos processos econômicos de base. Na fase do
desenvolvimento para fora, a América Latina teve governos civis, naturalmente oligárquicos, mas surgidos
de um jogo institucional baseado no sufrágio restrito, que se assemelhava aos existentes nos países
europeus em fins do século XIX. Os casos da Argentina, do Chile e do Uruguai inscrevem-se, em linhas
gerais, nessa categoria. Mas, por sua vez, nesse mesmo período, existiam governos autocráticos e
ditaduras militares que cumpriam funções similares em outros países.

Nos anos da industrialização substitutiva, também chamados de anos de desenvolvimento para dentro,
coexistiram regimes populistas, na Argentina e no Brasil, com formas tradicionais democrático-burguesas
no Chile e no Uruguai e experimentos singulares como a Revolução Mexicana. Na fase subsequente, de
internacionalização dos mercados e reestruturação reacionária do capitalismo, as formas estatais latino-
americanas assumiram, em sua maioria, um rosto profundamente tirânico: as tristemente célebres
ditaduras de seguridade nacional. No entanto, nessa mesma época, algumas democracias de baixa
intensidade, como a colombiana, a venezuelana e a costa-riquenha sobreviveram enquanto o Estado
mexicano se reorganizava para fazer frente aos novos requerimentos do capital. Na fase atual da
globalização, predominam por toda parte as pseudodemocracias capitalistas, ou seja, ordens estatais
formalmente democráticas, mas cujo democratismo se limita ao mero momento eleitoral, sem nenhum
compromisso posterior dos governantes em governar em função do mandato popular. Ainda assim, nada
permite supor que as necessidades da acumulação capitalista prescindiriam de qualquer outra forma
estatal, autoritária ou despótica, caso os frágeis capitalismos democráticos não consigam conter as
explosões de populações cada vez mais insatisfeitas.

A debilitação do Estado
A hegemonia intelectual das correntes renovadoras das ciências sociais latino-americanas teve curto
fôlego. Não por motivos teóricos, mas sim em consequência da súbita deterioração das condições políticas
e sociais predominantes na região. O golpe militar brasileiro de 1964, ativamente promovido e
monitorado pela Casa Branca, inaugurou um período sombrio que alcançou seus níveis mais trágicos na
década de 1970, quando o Chile, o Uruguai e a Argentina foram submetidos às mais sanguinárias tiranias
de sua história. Acadêmicos e intelectuais, juntamente com ativistas e militantes populares foram
perseguidos, encarcerados, torturados e, em muitos casos, “desaparecidos” ou simplesmente massacrados.
Os que puderam escapar a tal destino foram para o exílio onde, em muitos casos, o contexto sociopolítico
que os recebeu carecia dos estímulos necessários para garantir a continuação de sua obra. Como
resultado, produziu-se uma debilitação muito significativa do pensamento crítico e, em pouco tempo, os
representantes do paradigma convencional das ciências sociais recuperaram sua primazia. Diante deles, o
campo em que antes se encontravam seus adversários estava deserto.

A progressiva substituição das ditaduras por regimes formalmente democráticos não alterou as coisas. O
clima neoliberal que se estabeleceu desde os anos 1980 em alguns países, e praticamente em todos na
década seguinte, sobreposto ao verdadeiro “epistemicídio” praticado pelas ditaduras, impediu a
reconstituição de um pensamento crítico sobre a problemática do Estado e a dependência, precisamente
nos momentos em que aumentava extraor​dinariamente a importância prática de ambas as questões.

O peso das grandes constelações internacionais de poder, com as quais invariavelmente se aliavam as
classes dominantes locais, redefiniu a estrutura e as modalidades de funcionamento dos Estados na
periferia. Uma de suas consequências foi a debilitação ostensiva destes, em um processo que esteve longe
de ser linear. Isso quer dizer debilitação para enfrentar os monopólios, as transnacionais, as frações mais
concentradas do capital. Debilidade para introduzir ou sustentar regulamentações nos mercados, ou para
adotar políticas que garantissem o fornecimento de bens públicos. Debilidade por aceitar, como se fosse
um arrazoado técnico, a independência dos bancos centrais que, na prática, significava ratificar a
subordinação absoluta deles ao capital financeiro internacional e seus sócios locais. Porém, convivendo,
por outro lado, com a força para impor políticas econômicas draconianas que reconcentraram renda,
congelaram salários, privatizaram empresas, serviços públicos e a seguridade social e consagraram a
tirania irrestrita dos mercados. Em resumo: impotência para conter o killing instinct da burguesia, tão
elogiado pelas teorias neoclássicas, e a prepotência para garantir a submissão e obediência dos
explorados. Impotência para os mercados, prepotência para a sociedade civil.

Essa dialética fortalecimento/debilitação dos Estados na periferia coexiste com tendências similares
registradas nos capitalismos desenvolvidos. Só que nestes, e principalmente na potência dominante – os
Estados Unidos –, o fortalecimento dos aparelhos repressivos do Estado, com ingerência não apenas
interna, mas também e, sobretudo, internacional, adquire dimensões absolutamente descomunais.

Que sentido tem falar, como fazem alguns autores, do desaparecimento dos Estados em um momento em
que um deles, o centro insubstituível do sistema imperialista mundial, despende por si só a metade de
todo o gasto militar do planeta? O que resta do discurso neoliberal que fala da porosidade do Estado, de
sua progressiva dissolução no marco de poderes abstratos, construídos graças à globalização no cenário
internacional, diante dos quais as velhas criaturas surgidas da paz de Westfália aparecem como inermes
relíquias?

Voltando ao caso dos Estados Unidos, que grau de validade pode ter a tese dos teóricos da globalização
quando se presencia a acentuada gravitação do Estado, visível na proliferação de controles e regulações de
todo tipo sobre a sociedade civil – não sobre os mercados, evidentemente – e expressada de maneira
paradigmática no exorbitante incremento do sistema carcerário e da população penal, para não falar da
crescente intrusão daquele em áreas associadas à própria essência dos direitos e das liberdades
individuais?

O discurso da globalização
Diante de tais evidências, o discurso teórico que se reconstitui no marco das ditaduras da década de 1970
e das chamadas “democracias” dos anos 1980 e 1990 caracteriza-se, à semelhança de sua predecessora – a
teoria da modernização –, pela radical subestimação da problemática estatal e da política. O
neoliberalismo, ao demonizá-las, terminou por excluí-las das preocupações dos acadêmicos. Na
reacionária atmosfera intelectual de fins do século passado, a política – e por extensão seu cenário
privilegiado, o Estado – apareciam como ruídos nocivos, que alteravam a calma e fria operação dos
mercados.

Para os teóricos adeptos dessa visão, a política potencializa a irracionalidade e as paixões, tudo o que
conspira contra a racionalidade e a neutralidade dos cálculos mercantis. A disputa política, estimulada
pelas ambições e pela demagogia dos políticos, excita as esperanças e ilusões das massas, perturbando a
tranquilidade requerida para o normal funcionamento dos mercados.

Dada a esmagadora hegemonia ideológica adquirida pelo neoliberalismo na região, não parece estranho
comprovar que a ciência política que emerge com a redemocratização tenha sido fortemente influenciada
por essas ideias. O discurso dessa disciplina revela a mesma “estadofobia” que caracteriza os cultores do
pensamento único: porém agora, ao desdém e à desconfiança em relação ao Estado, agrega-se uma
argumentação que assegura ser este uma instituição que já está batendo em retirada, que a irresistível
globalização dos mercados deu origem a uma nova variedade de capitalismo, um “capitalismo sem
fronteiras”, que por sua própria estrutura e dinâmica sanciona a irrelevância prática dos Estados
nacionais.

Cabe destacar, pois não se trata de um detalhe secundário, que a antiga soberania exercida por estes,
enquanto mandatários e representantes da soberania popular, definha em favor de uma nova soberania
assentada sobre os mercados internacionais, as grandes empresas transnacionais e as novas organizações
supranacionais. O discurso da globalização, assim como seu antecessor, o da modernização, também
resolve, por via axiomática, que o problema do Estado não existe, simplesmente porque se trata de uma
instituição que defronta-se com seu irremediável desaparecimento. Será mesmo assim?

Evidências
Uma inspeção quantitativa e qualitativa sobre a saúde dos Estados no mundo contemporâneo, inspirada
pelo desejo de examinar à luz da experiência os postulados da ciência política, revela que essa espécie,
supostamente em extinção, ainda dá mostras de uma vitalidade invejável. Tal fato era admitido no final do
século XX, com uma mescla de amargura e decepção, pela revista conservadora britânica The Economist.
Isso porque os dados concretos, em contraposição à retórica dos porta-vozes do livre mercado, são de uma
contundência avassaladora. Os antecedentes trazidos por fontes tão insuspeitas de simpatias estatais
como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstram que desde a década de 1980, precisamente em
coincidência com o auge das ideias neoliberais (e não com as práticas de livre-comércio que elas
supostamente propõem), a quase totalidade das democracias industrializadas aumentou o gasto público
em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB). Mais ainda, elas também aumentaram os ingressos
tributários, seus déficits fiscais, sua dívida externa e o emprego no setor público.

Essa flagrante incongruência entre os sermões neoliberais, pregados pelos chefes de Estado do mundo
desenvolvido e seus ideólogos e publicistas, e as opções concretas de políticas macroeconômicas que eles
adotam para seus países deveriam ter profundos efeitos educativos. Tal contradição evidencia o abismo
que separa as recomendações dirigidas a um consumo externo – leia-se aos governantes das nações do
Terceiro Mundo – daquelas que, com maior sigilo, aplicam-se para o manejo dos assuntos domésticos.
Essa contradição permite trazer à luz o papel ideológico do FMI e das chamadas instituições financeiras
intergovernamentais, na realidade, simples agências de propaganda e agendas de coação, desenhadas para
disciplinar os governos e as sociedades da periferia do sistema.

Devido à extrema vulnerabilidade financeira das economias latino-americanas e, fundamentalmente, pelo


peso da dívida externa, as recomendações do Consenso de Washington são servilmente aprendidas e
diligentemente obedecidas e aplicadas pelos governantes da região, até mesmo por aqueles que foram
eleitos com o mandato explícito de buscar novas alternativas de política econômica.

Uma rápida olhada no dispêndio público dos países do capitalismo avançado demonstra o caráter
mitológico do que alguns dos propagandistas do neoliberalismo apresentam como as consequências
inelutáveis da globalização. Trata-se aqui da redução do gasto público e do tamanho do funcionalismo
estatal. A acreditar em suas prédicas, seria razoável encontrar uma ativa política de desmantelamento do
setor público, acompanhada por maciços cortes nos orçamentos fiscais. Tal como reza o discurso oficial,
somente esse conjunto de políticas dolorosas, porém fecundas, tornará possível a inserção madura e
competitiva das economias periféricas nos aguerridos mercados mundiais, imitando, com algumas
décadas de atraso, as opções tomadas pelos países do Grupo dos 7. Um mundo de mercados livres e
abertos, com total mobilidade do capital e com um leque sumamente limitado de intervenções estatais não
deixa outro caminho. No entanto, quando se concede a palavra aos dados, observam-se comportamentos
que nada têm a ver com as recomendações do pensamento único.

Argumento insustentável
Os dados do gráfico abaixo demonstram que, nos capitalismos realmente existentes, o tamanho do
Estado, medido pela proporção do gasto público em relação ao PIB, cresceu sistematicamente em todos os
países selecionados. Ainda que as cifras, em sua comparabilidade, cheguem até o ano de 1995, todos os
indícios isolados, reunidos a posteriori, não fazem senão ratificar a continuidade das tendências
observadas no último quarto do século passado.

Gasto público total (1970-1995)


(% do PIB a preços de mercado)

1970 1980 1990 1995

Áustria 39.2 48.8 49.3 52.7

França 38.9 46.6 50.5 54.1

Rep. Fed. da Alemanha 38.5 48.0 45.3 49.1*

Itália 34.2 41.9 53.2 53.5

Japão 19.4 32.6 32.3 34.9

Suécia 43.7 61.2 60.7 69.4

Reino Unido 37.3 43.2 40.3 42.5

Estados Unidos 31.6 33.7 36.7 36.1

* Dados da Alemanha unificada.

Esses dados confirmam, por um lado, que o discurso dominante sobre as vantagens da redução do Estado,
apregoadas com tanta empáfia pelos governantes do Primeiro Mundo e seus representantes ideológicos
nas ciências sociais, nada tem a ver com a realidade. É simplesmente uma mentira cuidadosamente
difundida para facilitar os negócios de suas empresas transnacionais. Por outro lado, comprovam que o
ocorrido nos anos 1980 foi uma desaceleração no ritmo de crescimento do gasto público, especialmente
quando comparado com os índices registrados nos anos do pós-guerra, mas não uma interrupção e, muito
menos, uma redução.

O caso britânico mostra algumas peculiaridades que de maneira alguma conseguem isolá-lo da tendência
geral predominante no conjunto dos capitalismos avançados. Apesar da inflamada retórica da primeira-
ministra Margaret Thatcher e de seu sucessor, John Major, depois de quase dezoito anos de governos
conservadores (1979-1997), a redução relativa do gasto público em relação ao PIB do Reino Unido foi de
apenas 0,7%, cifra que qualquer análise rigorosa poderia simplesmente considerar como a margem
mínima de erro de qualquer estatística macroeconômica e que fala de modo eloquente acerca do hiato que
divide a retórica antiestatal da realidade da política econômica.

Em síntese: o argumento neoliberal é insustentável à luz da experiência e demonstra que em democracias


consolidadas, com direitos de cidadania amplamente garantidos há quase um século, as possibilidades de
reduzir o gasto público, indispensável suporte financeiro da cidadania, são praticamente nulas. O famoso
roll back (redução) do gasto público a seus níveis pré-keynesianos não deixa de ser uma ilusão, pelo
menos no mundo desenvolvido; na periferia, em contrapartida, foi praticado com total impunidade às
custas da significativa deterioração da qualidade da experiência democrática.

Nos capitalismos avançados, o gasto público, que assegura o fornecimento de uma série de bens públicos
fundamentais, converteu-se em uma parte não negociá​vel do contrato social desses países, e nenhuma
mudança na correlação eleitoral de forças pode rescindi-lo. Os governos conservadores britânicos não
acreditaram que fosse assim e pagaram um alto preço por sua obstinação.

Nos Estados Unidos, o contrato social keynesiano nunca teve a solidez e a extensão conhecidas na Europa.
Apesar disso, e à revelia das ameaçadoras promessas eleitorais dos governos republicanos da década de
1980, de Ronald Reagan e George Bush (pai), o certo é que, durante seus mandatos, o gasto público
cresceu quase 10%. Essa tendência expansiva verificou-se também em países nos quais a austeridade fiscal
é uma regra de ouro, como o Japão, e, com uma tônica muito mais forte, nos países europeus, nos quais o
contrato social elaborado nos anos do pós-guerra contempla uma série impressionante de conquistas da
cidadania, cuja contrapartida necessária é o gasto público.

Assim, uma olhada sóbria nos dados macroeconômicos produzidos por múltiplas organizações
internacionais, revela que na esmagadora maioria das democracias industrializadas o gasto público como
proporção do PIB cresceu consideravelmente. Essa tendência foi acompanhada por um maior
endividamento público, maiores ingressos tributários e um aumento do emprego público. Em relação a
este último, note-se que em meados de 1990 a proporção de empregados públicos sobre a população total
era de 7,2% nos Estados Unidos, 8,3% na Alemanha, 8,5% no Reino Unido e 9,7% na França.

Essa gravitação do funcionalismo público contrasta visivelmente com o raquitismo que esse setor social
evidencia nas terras da América Latina, onde o neoliberalismo se impôs sem atenuantes. Nessas latitudes,
a destruição do Estado, apenas dissimulada sob o eufemismo de reforma do Estado, teve como uma de
suas mais lastimáveis consequências o número de empregados públicos equivalente apenas a 3,5% da
população no Brasil e a 2,8% na Argentina e no Chile, cifras que ainda não consideram a fase final do
processo de desmantelamento estatal levado a cabo nos últimos anos da década de 1990.

Em um continente no qual quase a metade da população carece do fornecimento de água potável,


eletricidade e rede de esgoto adequada e onde os hospitais e as escolas públicas são claramente
insuficientes, com trabalhadores e profissionais malremunerados e pouco motivados, os publicistas do
neoliberalismo não cessam em pregar que o problema da América Latina é que existe demasiado
estatismo, que a máquina estatal é excessivamente grande, que há um número exagerado de funcionários
públicos e que a única maneira de resolver sua crise consiste em aprofundar ainda mais o
desmantelamento do setor público.

Eficácia: questão de tamanho?


Em resumo, o conselho supostamente técnico oferecido pelos ideólogos neoliberais não tem esse caráter.
Trata-se, pelo contrário, de uma recomendação eminentemente política, destinada a influenciar as
iniciativas tomadas pelos governos da periferia, em favor dos interesses dominantes do sistema.

Como demonstra a experiência das privatizações na América Latina, a liquidação das empresas públicas
(vendidas, em todos os casos, a preços muito inferiores aos reais) e o enfraquecimento das capacidades
reguladoras dos Estados produziram uma verdadeira avalanche de superlucros, que abarrotaram os cofres
das grandes transnacionais, da banca credora e de seus aliados locais. Os números referentes ao
orçamento público no centro e na periferia avalizam as palavras de John Williamson, um dos mais
sofisticados defensores das políticas neoliberais: “Washington nem sempre pratica o que prega”. Ao que se
poderia acrescentar: não apenas Washington, mas também Berlim, Roma, Paris e Tóquio. É precisamente
por esse motivo que a já citada revista britânica The Economist concluiu, em um de seus informes
especiais, publicado em 1997, que:

o crescimento dos governos das economias avançadas nos últimos 40 anos (1965–2005) tem sido
persistente, universal e contraproducente. No Ocidente, o progresso em direção a um governo menor
tem sido mais aparente do que real.

O problema dos Estados latino-americanos não é, portanto, seu tamanho, medido pelo número de seus
funcionários, nem a magnitude do gasto público em relação ao PIB, e sim o fato de que são débeis,
disformes, macrocefálicos, vítimas de uma crônica debilidade financeira e, em geral, profundamente
corruptos. Comparados com os Estados de capitalismo avançado, aqueles aparecem como anões
monstruosos e viciosos: são quantitativamente pequenos, desproporcionais, ineficientes e corruptos.

O argumento central dos “livre-mercadistas” é que os pendores deficitários do Estado são incontroláveis e
conduzem ao caos econômico. No entanto, deixam de assinalar que a deplorável situação das contas
fiscais latino-americanas não se originou na desmesura do gasto, e sim na crônica incapacidade dos
governos locais em assegurar ingressos suficientes por via de um regime tributário razoável e progressivo.

Contrariamente ao que pregam alguns dos mais fervorosos exegetas neoliberais, o tamanho do Estado na
Argentina ou no Brasil, por exemplo – medido pela proporção do gasto público sobre o PIB – é
substancialmente menor que o nos países industrializados. Dizer, portanto, que os Estados latino-
americanos estão em crise porque são demasiado grandes e gastam mais do que devem – ocultando o fato
de que, proporcionalmente, esses países gastam muito menos do que França, Alemanha, Canadá, Estados
Unidos e muitos outros gigantes da economia mundial – equivale a faltar com a verdade.

Mais da metade das economias industrializadas destinaram, em 1985, acima de 50% de seu produto bruto
ao gasto público, e desde essa época a proporção não diminuiu. Na Argentina, por exemplo, em fins dos
anos 1980, o gasto público equivalia a 33% do PIB e, apesar do acúmulo de problemas sociais que
permaneceram não resolvidos, em meados dos anos 1990 essa proporção havia decrescido para 26%. Ou
seja, o tamanho do Estado argentino está longe de constituir um dado aberrante na economia
internacional.

Um estudo recente do Banco Mundial revela que o gasto público nos países de baixos ingressos (entre os
quais não se contam países como a Argentina ou o Brasil e sim as empobrecidas nações da África e da
Ásia) oscila em torno de 23%, enquanto nas economias industriais de mercado, talvez por sua
incontrolável adesão ao populismo econômico, o gasto se situa ao redor de 40%. Na América Latina, o
gasto público da Guatemala é de 11,8%; no Gabão, essa cifra mergulha até abismais 3,2%. Na Suécia, em
contrapartida, um cálculo que não leva em conta todos os componentes do gasto público revela que essa
proporção chega a 55%. Ainda que alguns assegurem que pelo caminho do consistente encolhimento do
Estado a América Latina está seguindo em direção ao Primeiro Mundo, será que na realidade ela não está
marchando rumo à Guatemala ou ao Gabão?

Está claro que existem matizes nacionais nessa caracterização global, especialmente no tocante à
corrupção. Em alguns casos é mais escancarada, ao passo que em outros se preservam certas aparências,
mas a caracterização global não muda muito. O problema é que não existe um caminho para o
desenvolvimento, capitalista ou não capitalista, que possa prescindir de um Estado forte e bem organizado
como um de seus prerrequisitos.

Por forte não se entenda o mesmo que a direita latino-americana sustentou toda a vida: um Estado
autoritário ou despótico, sempre disposto a reprimir as classes populares, desmantelar sindicatos, fechar
congressos e parlamentos e suprimir todas as liberdades públicas ao mesmo tempo em que desempenha
um papel servil em relação às classes dominantes e ao capital imperialista. Forte quer dizer um Estado
dotado das capacidades necessárias para disciplinar os mercados e os agentes econômicos e para
estabelecer regras de jogo civilizadas para regular as relações que se produzem no âmbito da sociedade
civil.

Um Estado desse tipo só é possível a partir de uma sólida legitimidade popular, sem a qual sua fortaleza se
dissipa como a névoa matinal. Forte, por exemplo, para dotar de água potável os 1,5 bilhão de pessoas que
carecem dela no Terceiro Mundo, e cujas chances de obter esse recurso vital e insubstituível por meio dos
mecanismos do mercado são nulas. Quem investiria grandes somas para construir obras de engenharia
requeridas para fornecer água potável aos condenados da Terra, que sobrevivem apenas com um ou dois
dólares diários, que habitam barracos de papelão em terrenos invadidos, sem nenhum título de
propriedade nem domicílio legal, que sequer possuem um documento de identidade, cronicamente
desocupados e vítimas de um déficit educativo que decreta sua não empregabilidade na economia
contemporânea? Quem, senão um ator emancipado da lógica mercantil, como supostamente deveria ser o
Estado, poderia encarregar-se de satisfazer essas demandas?

A questão da reforma do Estado


Depois de todas essas observações, é possível assinalar quais seriam os elementos constitutivos de uma
legítima reforma do Estado, diferente da verdadeira contrarreforma que destruiu ou debilitou os Estados
latino-americanos no último quarto de século.

Em primeiro lugar, é necessário travar uma batalha sem tréguas para reconstruir, ou refundar, uma
ordem estatal, sem a qual não haverá qualquer saída possível para a crise. Tal reconstrução requer a
implementação de um conjunto de medidas entre as quais sobressaem-se as seguintes:

a) fortalecimento fiscal do Estado, isto é, ampliação e fortalecimento das bases financeiras sobre as quais
repousa o funcionamento dos aparatos estatais;
b) hierarquização do funcionalismo público, satanizado e aviltado no discurso ideológico até agora
predominante;

c) realização de uma profunda reforma nas estruturas administrativas e burocráticas do Estado;

d) luta frontal contra a corrupção, potencializada até limites desconhecidos pelo desequilíbrio fenomenal
entre mercados e Estado;

e) redefinição de uma nova estratégia – e criação de novos instrumentos – de intervenção do Estado na


vida econômica e social, a partir do reconhecimento da ineficácia das velhas modalidades e instrumentos
próprios da era keynesiana;

f) melhoramento dos mecanismos de funcionamento estatal, a fim de possibilitar maior transparência e


controle dos cidadãos sobre o processo de tomada de decisões. Inovações tais como o orçamento
participativo, implementado originariamente na cidade de Porto Alegre, ou a institucionalização do uso
dos referendos e a eventual revogação de mandatos, por exemplo, seriam passos importantes nessa
direção.

Para que tudo isso seja possível, é preciso avançar sem delongas na reforma tributária. A América Latina
não é só o continente com a pior distribuição de ingressos e riquezas do mundo; é também o continente
em que a cidadania fiscal, ou seja, a equidade na sustentação financeira do Estado, ainda é uma questão
em aberto.

Sem atacar essa pesada herança, que provém da época colonial, não haverá Estado munido das
capacidades mínimas necessárias para estar à altura dos desafios atuais. Isso supõe, então, pôr fim ao veto
impositivo de que gozam os ricos e as grandes empresas, situação tão escandalosa que até os próprios
informes e estudos do Banco Mundial e do FMI não podem deixar de denunciar.

A luta contra esse veto pressupõe um combate contra a evasão e as brechas tributárias, assim como o
desenho de uma estrutura impositiva, que abandone a regressividade radical atual e a substitua por um
modelo de tributação progressiva. Não é uma meta visionária propor que, num prazo de cinco anos, a
estrutura tributária dos países latino-americanos adote parâmetros similares aos registrados nas nações
de menor desenvolvimento da União Europeia, como Irlanda ou Portugal. Se isso não ocorre é porque,
simplesmente, falta vontade política para fazer com que, nesse mundo globalizado, as empresas europeias,
norte-americanas e japonesas paguem impostos semelhantes aos que os aceitam sem reclamar em seus
próprios países.

Em segundo lugar, é necessário colocar em marcha uma profunda reforma democrática, que aperfeiçoe
radicalmente a qualidade das instituições e práticas democráticas. Nos países latino-americanos, a
democracia corre o risco de ser essa “casca vazia” de que falava Nelson Mandela, uma casca vazia na qual
cresce uma classe política cada vez mais irresponsável e corrupta, indiferente ante a sorte do conjunto dos
cidadãos. Que isso acontece fica demonstrado pela enorme desconfiança popular em relação aos
dirigentes políticos, aos partidos e aos parlamentos, um fenômeno que se registra em cada um dos países
da região, se bem que com intensidade variável em cada caso. Por esse motivo, torna-se imprescindível
emancipar a política dos mercados.

Atualmente, a classe política é financiada pelas empresas e pelos setores de mais recursos. A política
converteu-se, nessa era massmidiática, em uma atividade sumamente onerosa, financiada pelos ricos e
poderosos. Não é de estranhar que, depois de eleitos, os governantes atuem em proveito exclusivo de seus
mandantes e financiadores.

O financiamento público e transparente da vida política constitui, portanto, um dado fundamental do


novo ordenamento democrático. O acesso irrestrito aos meios de comunicação de massas é outro pilar de
uma de​mocracia aperfeiçoada.

Em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx assinalou com agudeza que a burguesia francesa “fez a
apoteose da espada; a espada a dominou”. Parafraseando Marx, pode-se dizer que as burguesias latino-
americanas fizeram a apoteose dos mercados e os mercados as dominaram (e as dominam). E um Estado
que é refém indefeso dos mercados jamais pode ser democrático.

Uma autêntica reforma do Estado exige, por último, a entrada em vigor de novas políticas estatais
orientadas para a provisão de um conjunto de bens públicos que, em épocas recentes, sofreram agudos
processos de “mercantilização”. Esse, e não outro, foi o caminho percorrido pelas nações europeias no
segundo pós-guerra, um caminho que permitiu, em um mundo devastado pelo conflito bélico e cuja
legitimidade democrática se achava seriamente deteriorada, a vitoriosa reconstrução da economia e da
sociedade civil.

Essas novas políticas públicas, completamente antiéticas em relação às emanadas pelo Consenso de
Washington, não apenas se encaminham para a obtenção de um fim nobre em si mesmo, constituem,
além disso, uma contribuição fundamental para a reconstrução de uma sólida legitimidade democrática
que, por sua vez, é imprescindível para dotar o Estado da fortaleza requerida para disciplinar as forças do
mercado, enquadrar as empresas e neutralizar a pressão de outros Estados mais poderosos. Um Estado
que recupere a soberania econômica e política perdida, que aperfeiçoe a ordem política e que permita
empreender a inadiável reconstrução da sociedade civil.

Conclusões
Desde 1955 o pensamento social latino-americano passou da negação do Estado à sua reivindicação como
um problema ao mesmo tempo teórico e prático, e chegou até sua nova negação, no fim do século XX. O
abandono do problema pela teoria da modernização, da década de 1950 e início da seguinte, iguala-se à
negação que, nos tempos atuais, efetuam as distintas vertentes da teoria da globalização.

A tentativa de reconstrução teórica ensaiada na América Latina na segunda metade dos anos 1960 e
começo da década seguinte deve ser retomada para se poder enfrentar com êxito os desafios atuais.
Porém, sem um mapa adequado da complexa geografia do Estado contemporâneo será muito difícil, para
não dizer impossível, cumprir a tarefa de criar um mundo mais livre, justo e humano que o atual.

Uma boa teorização sobre o Estado, como a que se encontra esboçada em grandes traços na teoria
marxista, oferece um ponto de partida de excelentes perspectivas para avançar nesse empreendimento.
Uma teoria que descreva e explique o funcionamento do Estado, suas modalidades de intervenção nas
mais diversas esferas da vida social, e que identifique seus pontos de quebra e ruptura, de modo a
iluminar as vias de sua transformação.

É importante sublinhar que o pensamento socialista se encontra em posições antípodas em relação a


algumas concepções fortemente estatistas, fundamentalmente inspiradas na tradição intelectual alemã e,
em especial, na obra de Max Weber ou Carl Schmitt.

Para o marxismo, o Estado é um mal necessário e, sempre e sob qualquer modo de produção, um
instrumento de dominação de uma classe, ou aliança de classes, sobre as demais. O projeto socialista
consiste, essencialmente, na cuidadosa desmontagem desse aparato e em sua substituição por um novo
tipo de organização política, orientada a trocar “o domínio dos homens pela administração das coisas”,
para usar a conhecida formulação de Engels. Portanto, não há lugar para o estatismo ou para a
reivindicação nostálgica do antigo Estado, como se este, o da fase da industrialização substitutiva, não
houvesse sido, também ele, um Estado de classe.

O que se requer é uma nova elaboração, a salvo de ambas as atitudes, que possa enfrentar as novidades
que o Estado apresenta nessa fase da acumulação capitalista em escala global e que permita identificar sua
anatomia e seu funcionamento. A revisão do passado sempre é conveniente, desde que não fiquemos
presos a uma época já superada. Em contrapartida, se for tomada como uma plataforma de lançamento de
um novo empreendimento teórico e prático, animado por um projeto de transformação social, a releitura
daqueles textos dos anos 1960 e começo dos 1970 poderá ser de enorme proveito, não apenas teórico, mas
também, e acima de tudo, prático.

Bibliografia
Boron, Atilio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. São Paulo: Vozes, 1996.
GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo (Org.). El Estado en América Latina: Teoria y práctica. México: Siglo
Veintiunio Editores, 1990.
KAPLAN, Marcos. El Estado latinoamericano. México: UNAM, 1996.
OSÓRIO, Jaime. El Estado en el centro de la mundialización. México: Fondo de Cultura Económica,
2004.

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