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Resumo
O presente trabalho tem como objetivo entender a dinâmica da greve de 1979 através de sua
contextualização histórica. Para isto, a greve será inserida em um contexto histórico mais
amplo, que foi o processo de abertura política (1974-85) e também o ciclo de greves de 1978-
80, que teve como núcleo as greves dos metalúrgicos do ABC Paulista.
Abstract
This study aims to understand the dynamics of the strike by its historical context. For this, the
strike will be inserted in a broader historical context, which was the political opening process
(1974-85) and also the 1978-80 strikes cycle, that had it’s core in the strikes of ABC
Paulista’s metalworkers.
1
Introdução
Antes de nos debruçarmos sobre a greve da construção civil de 1979, a noção que
podemos ter sobre o tema é que foi um movimento isolado e localizado apenas em Belo
Horizonte. Porém, ao aprofundarmos o assunto, vemos que a mesma fez parte de uma
conjuntura muito maior. Isso pode ser mais bem compreendido ao entendermos o
enquadramento histórico no qual o movimento está inserido, além da série de fatores que
contribuíram tanto para seu início, quanto para o seu fim. Em suma, podemos entender que as
greves, de um modo geral, são um meio histórico de lutas e reivindicações dos trabalhadores,
que de alguma forma tem seus direitos negados por alguém, seja uma empresa ou mesmo um
governo.
De acordo com o dicionário político da UnB, a greve pode ser definida como “a forma
mais difundida através da qual se expressa o conflito industrial organizado” e consiste em
uma abstenção organizada do trabalho, que pode ser formada por um grupo mais ou menos
extenso de trabalhadores (BOBBIO, 1998, p.560). Muitas vezes, o operário tem seus
problemas agravados para além do âmbito fabril. Isso aconteceu quando o Brasil passou de
um regime democrático para um regime ditatorial, após o golpe civil-militar em 1964.
Em síntese, os objetivos deste trabalho são: situar a greve de 1979 dentro de uma
conjuntura histórica mais abrangente, que seria a abertura política (1974-85), além da
chamada “onda grevista”1 iniciada no ABC paulista a partir de 1978, e tentar compreender os
motivos que fizeram um movimento que mobilizou um tão grande número de pessoas e
chegou a chamar a atenção nacional, não obter sucesso em suas reinvindicações. Também
falaremos a respeito da imprensa da época, sobretudo a revista Veja e o jornal Folha de São
Paulo, que contribuíram para a formação de uma opinião pública sobre a greve.
Quando ocorre uma paralisação de trabalhadores em um regime onde são negados os
direitos básicos de qualquer cidadão, essa paralisação passa a ter não somente um caráter
reivindicatório no que diz respeito aos direitos trabalhistas, mas é também encarada como
uma contestação ao próprio regime instalado. Portanto, quando os operários da construção
civil de Belo Horizonte “cruzaram os braços” em 30 Julho de 1979, seu movimento foi
entendido como uma contestação à ditadura civil-militar, que, em sua legislação, estabelecia
que as greves eram proibidas, e o próprio sindicato da construção civil estava desde muito
1
Série de greves que tiveram início na região do ABC Paulista, se espalhando depois para outras regiões entre
1978-80.
2
tempo sob intervenção federal (SADER, 1988, p. 179). O governo passou, então, juntamente
com o sindicato patronal, a tomar medidas que visavam desarticular a mobilização grevista.
A curta duração da greve é uma incógnita difícil de ser explicada. A mobilização
atingida pela mesma, nunca mais foi alcançada por nenhum movimento grevista da
construção civil em Belo Horizonte, comparando com as outras grandes greves, como a de
1990 e 20072. As estimativas falam em até 30 mil trabalhadores (OLIVEIRA, 2006, p.52). O
momento era propicio a tais movimentos, uma vez que a inflação era crescente e o arrocho
salarial, cada vez mais intenso, tornava difícil a vida dos operários. Além disso, em 1979 a
ditadura militar já estava enfraquecida pela a abertura política em curso, proporcionalmente
ao aumento da pressão oriunda de outros setores da sociedade pelo retorno da democracia e de
suas respectivas liberdades. Para se entender o motivo da breve duração da “greve dos peões”,
como era chamada pela imprensa da época3, buscamos motivos internos no movimento, e
somente depois analisamos alguns fatores como a reação patronal e a repressão por parte do
Estado. Também faz-se mister uma comparação com outras paralisações ocorridas no
contexto brasileiro do período, em especial as do ABC paulista. Sendo assim, procuramos
entender o que faltou para que a greve atingisse seus objetivos.
2
78 Anos de fundação do sindicato: Viva os 22 anos de retomada pelos operários da Marreta. Marreta – Liga
Operária, jan. 2011.
3
A VIOLÊNCIA vai à rua. Veja, p. 20, 8 ago. 1979.
3
beneficiavam a classe operária urbana, como por exemplo, o salário mínimo e as férias
remuneradas, mas ao mesmo tempo adotou medidas que engessavam a luta classista
(SANTOS, 2015, p.7).
Com Vargas, os sindicatos passaram a sofrer constantes intervenções do Estado.
Agora, os sindicatos não eram sustentados por contribuições voluntárias, mas por um imposto
sindical obrigatório, que consistia na contribuição no valor de um dia de trabalho, anualmente,
de cada operário (FERREIRA e DELGADO, 2003, p.xxx) para a manutenção do sindicato da
sua categoria. Porém, o maior meio de controle direto do Estado para com os sindicatos foi o
fato das lideranças sindicais não serem mais eleitas pelos trabalhadores, mas nomeados pelo
Ministério do Trabalho e Emprego. Isso representava, na prática, a perda de autonomia dos
trabalhadores. O líder nomeado pelo governo deveria ser um elo entre os patrões e os
empregados, evitando que se desencadeassem greves e paralisações, mas também zelando
para que o patronato não descumprisse as leis trabalhistas.
Essa política continuou após o golpe civil-militar de 1964, no entanto, com um novo
contexto de queda da produção nacional. O regime adotou uma postura que prejudicava os
trabalhadores, que então não tinham mais seus interesses básicos atendidos, como nos tempos
de Vargas e do período democrático (1946-1964). Os trabalhadores passaram a se organizar
em uma nova posição com relação à luta operaria, e esta ficou conhecida como “novo
sindicalismo”.
Com o decorrer dos governos militares, a população brasileira começou a sofrer com
as políticas sociais e econômicas, e a classe trabalhadora também passou a ser afetada pelo
arrocho salarial, a ter seus direitos trabalhistas prejudicados. Antes dos trabalhadores serem
afetados por essas medidas, a “afirmação da ausência de resistência da classe trabalhadora ao
golpe militar de 1964 encontrou apoio na passividade ou conformismo, pois o operariado
metalúrgico estava satisfeito com os benefícios e altos salários pagos pelas empresas
automotivas” (NEGRO, 19944 Apud. SANTOS, 2015, p.12), não encontrando razões ou
motivos para reivindicarem direitos até então.
As medidas econômicas e políticas do pós-1964 foram em direção contrária aos
interesses de caráter social, principalmente no que diz respeito às classes mais pobres e ao
operariado. O governo adotou uma posição ideológica que buscava reprimir as lutas sociais,
que vinham ocorrendo no governo de João Goulart (FERREIRA e DELGADO, 2003, p.353),
e ao mesmo tempo colocou em prática medidas que prejudicavam diretamente a classe
4
NEGRO, Luigi Antônio. Ford Willys anos 60: sistema auto de dominação e metalúrgicos do ABC.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1994.
4
operária. O “novo sindicalismo” seria, então, a resposta dos trabalhadores às intervenções
constantes do Estado sobre seus direitos e organização dos seus sindicatos.
De um ponto de vista histórico, essa greve pode ser entendida dentro de um contexto
mais amplo, que seria a “onda grevista”, que ocorreu entre 1978-80. Essa onda teve como
núcleo as greves da região do ABC paulista, que depois se espalhou para outras regiões, como
Minas Gerais. Por meio destes movimentos, os trabalhadores lutavam contra as consequências
da política econômica do governo civil-militar, como o aumento do desemprego, arrocho
salarial, e legislação sindical restritiva (OLIVEIRA, 2006, p.15).
Durante o governo do presidente Médici (1969-1974), o Brasil viveu uma verdadeira
euforia econômica, que contava com taxas de crescimento superior aos 10% anuais (REGO e
MARQUES, 2006, p.122). Esse crescimento refletiu-se sobre a sociedade urbana através da
criação de indústrias, obras de infraestrutura e geração de empregos. Porém, também trouxe
consigo arrocho salarial, e concentração de renda.
Minas Gerais também experimentou, na primeira metade da década de 1970, um
grande surto de crescimento econômico, com a instalação de diversas multinacionais no
estado, tais como a Açominas e a italiana FIAT. Para Le Ven, houve um verdadeiro “milagre
econômico” mineiro (LE VEN, 1987, p.29), esse seria um reflexo do “milagre” brasileiro, que
fazia o PIB crescer a números alarmantes, fruto do bom andamento da economia mundial, e
dos constantes empréstimos obtidos pelo governo brasileiro no exterior, mas que em poucos
anos, aumentou de modo exorbitante a nossa dívida externa (REGO e MARQUES, 2006,
p.124).
A partir do golpe civil-militar de 1964, iniciou-se certo distanciamento entre o Estado
e os trabalhadores, sendo estes representados diretamente pelos sindicatos, agora ainda mais
enfraquecidos do que nos tempos do corporativismo varguista, que perdurou no período
democrático (1945-64).
Por aí se tem uma ideia do rigor hierárquico e da distância imperial que o
governo estabelecia diante de seus eventuais interlocutores. Enquanto para
os operários de fábrica os dirigentes dos sindicatos apareciam como agentes
de um aparelho de cúpula, para o majestático "chefe da Nação", eles eram
representantes das "bases”, à espera de uma humilde e imponderável de uma
simples audiência. A humilhante insignificância que os sindicatos
representavam para o governo era o reverso da medalha de sua perda de
funções enquanto organismo de representação das reinvindicações
operárias.” (SADER, 1988, p.179).
5
Assim, a década de 1970 veria nascer uma nova corrente dentro do sindicalismo, que
ficou conhecida como “novo sindicalismo”, ou “sindicalismo autêntico”. Os mesmos
propunham uma nova postura dos sindicatos com relação à representação dos trabalhadores
(SANTOS, 2015, p.3).
A manipulação dos índices de reajuste salarial pelo governo forneceu uma justificativa
ideológica para o novo sindicalismo na luta pelos direitos trabalhistas. O regime vigente criou
uma nova forma de cálculo para o reajuste salarial, de acordo com o decreto lei 4725 de 1965.
O reajuste se daria de forma anual, com base no salário médio real dos últimos 24 meses, mais
um acréscimo da taxa de produtividade nacional no ano anterior, sendo que todos estes dados
seriam fornecidos pelo governo (SADER, 1988, p.179). Grande parte dos sindicatos se
adaptou comodamente à nova legislação, que embora diminuísse drasticamente o poder de
luta dos trabalhadores, não lhes retirou nenhum direito básico, como o salário mínimo, férias,
e uma jornada máxima de trabalho diário. No entanto, essa situação começou a mudar quando
se descobriu uma fraude nos índices inflacionários, que eram elementos básicos para o
reajuste salarial. O governo manipulava os índices de inflação, divulgando sempre uma
inflação menor do que era de fato.
Na gestão do general Geisel (1974-1979) teve início a abertura democrática no Brasil,
afinal desde o golpe de 1964 existia a pressão de alguns setores da sociedade que pediam o
retorno às normalidades democráticas (REIS, 2014, p.125). O fim do “Milagre Econômico” e
a posterior recessão da economia dificultou a vida de grande parte da população brasileira,
além de o “Milagre” em si não ter beneficiado em nenhum momento as massas, uma vez que
o próprio ministro Delfim Netto dizia que “era preciso primeiro crescer o bolo e só depois
dividi-lo”. Assim, o grande crescimento da primeira metade da década de 1970 foi feito em
benefício apenas das camadas médias e altas da sociedade brasileira, justamente as classes
que haviam apoiado o golpe ao se sentirem ameaçadas pelas reformas que poderiam vir à tona
no governo de Goulart (FERREIRA e DELGADO, 2003, p.398).
Já no final da década de 1970, o regime vinha enfraquecendo devido a fatores como a
mudança no cenário político internacional, em que o comunismo, cuja ameaça foi uma das
principais justificativas para o golpe, já não encontrava mais respaldo, dada a decadência do
mesmo no leste da Europa. A perda de força da ditadura civil-militar fez com que grupos
descontentes encontrassem voz novamente, já que a abertura democrática veio acompanhada
de anistia e abrandamento da censura, diminuindo assim a força repressiva da ditadura.
6
Agora, esses grupos encontravam um novo cenário onde podiam atuar como agentes diretos
de contestação (FERREIRA e DELGADO, 2003, p.359).
Com a perda da força econômica, o regime não conseguiu satisfazer os anseios de
todos os seus apoiadores. Assim, podemos observar que antigos apoiadores do regime civil-
militar, agora atuavam como atores na luta pela redemocratização. Entre esses, podemos
destacar alguns políticos, e até mesmo os meios de comunicação.
Os anos finais do regime tornaram propícia à luta pela democracia, não somente por
uma democracia política, mas também por uma democracia mais inclinada às causas sociais.
Podemos compreender essa busca ao observarmos o grande número de movimentos grevistas,
um verdadeiro ciclo de greves, entre os trabalhadores que viam seus salários corroídos pela
inflação e pela falta de segurança social. As greves constituíram um importante meio de
contestação ao regime, como também à sua política social, que ignorou o operariado na
distribuição “do bolo” do crescimento econômico (REGO e MARQUES, 2006, p.125). Desde
o ano de 1974, o milagre econômico experimentado durante o governo Médici dava claros
sinais de enfraquecimento, e como resultado direto houve um aumento inflacionário, além de
um forte arrocho salarial. Isso ocasionou greves cíclicas Como argumentou Eduardo Noronha:
A partir de 1978 assistiu-se no Brasil à deflagração crescente de greves nas
mais diversas categorias profissionais e regiões do país. As paralisações se
alastraram pelas montadoras do ABC paulista e revelaram um potencial de
conflitos de trabalho que havia sido encoberto pela força dos governos
militares. Daí em diante, o Brasil tornou-se um dos países do mundo com
maior incidência de greves, o que representou uma ruptura com seu histórico
de conflitos do trabalho. (NORONHA, 2009, p. 124).
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No ano de 1979, a situação dos trabalhadores no Brasil se agravou. O fim do milagre
econômico fazia aumentar cada vez mais o número de desempregados, a inflação corroía os
salários que não eram reajustados em quantidade suficiente para repor a perdas sofridas
(SADER, 1988, p.183). Os trabalhadores da construção civil de Belo Horizonte sentiram de
forma instantânea e direta os reflexos do fim do crescimento econômico, e em 30 de julho de
1979 o operariado cruzou os braços, dando início a maior paralisação dos operários da
construção civil já realizada na capital mineira. O movimento perduraria até 03 de agosto do
mesmo ano.
O estopim da greve foi uma divergência entre a direção do sindicato e os operários
quanto à questão salarial. Os trabalhadores se sentiram prejudicados com o dissídio salarial
acertado entre o sindicato da categoria e os patrões, já que para os operários o sindicato
fechou um reajuste muito menor do que estes esperavam. O prelúdio da greve foi no dia 15 de
julho de 1979, quando o presidente do sindicato, Francisco Pizarro, convocou uma
assembleia, a fim dar início ao dissídio salarial do ano seguinte. No entanto, os trabalhadores,
ao contrário do que ocorreu nos anos anteriores, não aceitaram o reajuste proposto pela
direção do sindicato.
A assembleia do dia 15 de julho, surpreendeu a liderança sindical, que esperava um
número de no máximo 2 mil trabalhadores para a homologação da proposta de reajuste
salarial. Todavia compareceram 10 mil operários (OLIVEIRA, 2006, p.51), que não somente
fizeram oposição ao reajuste proposto, como também apresentaram uma pauta de
reivindicações, com um índice de reajuste muito superior ao que havia sido colocado em
pauta pelo sindicato. Segundo Oliveira, após breve análise de depoimentos dos operários que
participaram da greve, conseguimos ver que o aumento gigantesco no número de participantes
nas assembleias que votavam os dissídios salariais foi provocado pela enorme dificuldade
financeira pela qual passavam os trabalhadores da construção civil em Belo Horizonte. Em
consequência dessa dificuldade, estes recusaram uma proposta de reajuste que não atenderia
às suas necessidades básicas. Uma vez que a sede do sindicato não comportava o número de
trabalhadores que compareceu à assembleia, ficou acertado que uma nova assembleia seria
realizada no dia 29 de julho no estádio do Clube Atlético Mineiro.
Na assembleia do dia 29 de julho de 1979 compareceram 30 mil operários
(OLIVEIRA, 2006, p.52), e estes reafirmaram as reivindicações feitas no dia 15 de julho. O
sindicato patronal decidiu por rejeitar o reajuste desejado pelos trabalhadores, e pediu um
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prazo para que pudessem apresentar uma contraproposta, que foi rejeitada pelos operários. A
greve foi declarada por estes a partir da zero hora do dia seguinte.
Cotidiano da Greve
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FREITAS, Marina Mônica de. A Rebelião dos Pedreiros: um estudo sobre a grande greve dos operários da
construção civil de Belo Horizonte no ano de 1979. Monografia (Bacharelado em História) - FAFICH/UFMG,
Belo Horizonte, 1993.
10
Fatores que levaram ao fim do movimento
7
OPERÁRIOS param Belo Horizonte. Causa Operária Online, 18 out. 2009.
8
Onde hoje fica o shopping Diamond Mall
9
Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais
11
morte do operário Orocilios Martins, transformado posteriormente em mártir da construção
civil em Minas Gerais (OLIVEIRA, 2006, p.72).
Em uma entrevista concedida em 1992, o dirigente sindical da época, Francisco
Pizarro Neto, argumenta que um dos motivos que o levou a propor o fim da greve em
assembleia, foi o fato de que, devido à forma de pagamento semanal, em pouco tempo os
operários entrariam em dificuldade financeira, o que os obrigaria a retornarem aos canteiros
de obras, pondo dessa maneira um fim ao movimento. É possível então entender que não
houve um planejamento para a paralisação, mas esta surgiu espontaneamente. Não foi uma
consequência linear da “Abertura política”, nem efeito das lutas populares para a reconquista
de liberdades e direitos civis e políticos (LE VEN, 1987, p.27).
Os trabalhadores do ABC paulista, que realizaram um planejamento anterior às
paralisações, organizavam um fundo de greve. Este consistia em doações recebidas por
metalúrgicos e moradores da região, que assim puderam formar uma poupança que seria
utilizada para o sustento dos trabalhadores durante a duração do movimento. O papel
desempenhado pelo fundo de greve vai além do sustento e auxilio fornecido aos trabalhadores
grevistas, foi um instrumento de aproximação entre os trabalhadores sindicalizados e a sua
direção. O fundo aproximou mais os operários da sua causa, sendo um meio de
conscientização da classe em relação à própria luta. A contribuição para o fundo era feita de
forma voluntária, portanto, não obrigatória como era o imposto sindical. Foi proporcionado ao
trabalhador uma inserção direta nas reivindicações de sua categoria, tornando-o um agente nas
reivindicações operarias (SCOLEZO, 2013, p.160).
Durante a greve de 1979, tendo como base o que foi analisado até agora, em nenhum
momento foi criado qualquer tipo de auxilio que pudesse garantir a subsistência dos operários
durante a sua paralisação (FREITAS, 199310 Apud. OLIVEIRA, 2006, p.58). Com os salários
suspensos pelas empresas da construção, e sem qualquer ajuda externa ao movimento, os
trabalhadores da construção estavam condenados a regressarem em pouco tempo aos canteiros
de obras. Portanto, é possível argumentar que a falta de apoio financeiro colaborou mais para
o fim da greve do que a própria repressão policial e a articulação patronal. Conforme citado
anteriormente, os operários foram levados pelas circunstâncias do momento, tais como baixos
salários e inflação crescente. Realizaram uma greve que tinha um caráter de urgência em suas
reivindicações salariais, devido ao estado de quase miséria em que se encontravam os
10
FREITAS, Marina Mônica de. A Rebelião dos Pedreiros: um estudo sobre a grande greve dos operários da
construção civil de Belo Horizonte no ano de 1979. Monografia (Bacharelado em História) - FAFICH/UFMG,
Belo Horizonte, 1993.
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operários. Um operário que participou da greve, Osmir Venuto, resumiu a situação em uma
entrevista a Ricardo Oliveira:
No momento da greve foi um momento de fome, na verdade, então, a gente
tava reivindicando salário. Nós tava reivindicando oito conto, oito cruzeiros
por mês pra servente e doze pra oficial. O mestre de obra e o encarregado
nunca se preocupou com isso porque é uma turma de puxa saco, nunca se
preocupou com isso. Então, nós queríamos oito conto pra servente e doze pra
oficiais. E foi em cima disso que a gente bateu e a gente bateu sem direção
nenhuma. (OLIVEIRA, 2006, p.52)
Devido a essa natureza emergencial, não houve um planejamento que pudesse dar um
maior sustentáculo à paralisação. Ademais, também devemos lembrar que não é possível uma
comparação direta com as greves dos metalúrgicos do ABC Paulista em relação ao
planejamento da greve. Os operários da construção civil de Belo Horizonte estavam em uma
situação insustentável, e seus salários eram bem mais baixos que os salários dos metalúrgicos
do ABC, que faziam greves que duravam até 41 dias.
Outro possível motivo que contribuiu para o fracasso do movimento foi a falta de um
apoio expressivo do sindicato da categoria, que não estava sob a direção dos trabalhadores no
momento da explosão da greve, mas coordenada por um interventor nomeado pelo governo
federal, e que, segundo relatos de operários que participaram do movimento, foi levado
apenas pelas circunstancias a liderá-lo, e não por uma ideologia que o ligasse diretamente a
classe trabalhadora da construção civil (OLIVEIRA, 2006, p.81). Assim, os trabalhadores
grevistas foram entregues à própria sorte, sem um sindicato que defendesse de forma segura e
eficiente os anseios da categoria, e sem apoio expressivo do sindicato da construção, os
trabalhadores perdiam o que poderia ser uma de suas bases de sustentação, uma vez que
durante a greve não se percebe nenhuma fonte destacada de liderança emergida dos próprios
operários. Dadas as circunstâncias, os participantes do movimento esperavam que o sindicato,
mesmo que não dirigido por representantes da categoria, fizesse valer suas reivindicações
frente ao sindicato patronal.
A greve não foi um movimento homogêneo dos operários da construção, essa foi
realizada, sobretudo, por serventes e oficiais. Não contou com um apoio expressivo de
encarregados e mestres de obras, embora estes apareçam nas pautas de reivindicações
salariais. Isso pode ser entendido mais como uma tentativa de unir os operários em uma escala
hierárquica de baixo para cima do que uma prova de que esses dois setores, encarregados e
mestres, estivessem presentes nas manifestações e participando da greve como um todo
(OLIVEIRA, 2006, p.52).
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Um fator jurídico merece destaque quando se quer entender a maneira rápida com que
a greve teve fim. O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais declarou a greve como
sendo legal, determinando o pagamento dos dias parados e o reajuste salarial. Esse foi um
passo fundamental para o fim do movimento, uma vez que o reajuste proposto pelos patrões
atendia apenas as reivindicações dos encarregados e mestres de obra, o que causou uma forte
divisão entre os operários na hora de votarem pelo fim ou pela continuação da greve.
Os juízes do TRT-MG determinaram que fosse concedido reajuste também para
serventes e pedreiros, embora menor do que reivindicavam. Ficou então estabelecido que os
serventes ganhariam 3.600 cruzeiros, enquanto a reinvindicação era de 5.000 cruzeiros, e os
oficiais ganhariam 6,500 cruzeiros, sendo que estes almejavam 8.000 cruzeiros. Essa decisão
não foi aceita por unanimidade entre os operários, que, mesmo após ser decidido o fim da
greve em assembleia, ainda tentaram articular a continuidade do movimento grevista, o que
não foi possível devido ao seu pequeno número, cerca de 150 pessoas. No entanto, após o fim
da greve, a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais foi derrubada por uma
ação do sindicato patronal, movida junto ao Superior Tribunal do Trabalho, que declarou a
greve ilegal, retendo assim os reajustes alcançados. Percebe-se então que este reajuste
concedido, e derrubado um mês depois pelo Superior Tribunal do Trabalho, estava em
concordância com as estratégias patronais, que visavam o fim da greve. Logo, é perceptível a
união entre o patronado e governo, na empreitada para a desarticulação do movimento
grevista No final desse processo, os operários ficaram sem nenhum tipo de reajuste, voltando
à “estaca zero” (OLIVEIRA, 2006, p.59).
Considerações Finais
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construção de Belo Horizonte, podem ser entendidos também como uma contestação à
estrutura sindical brasileira vigente na época, que atrelava os sindicatos ao Ministério do
Trabalho, retirando sua liberdade na organização da luta operária. Podemos, então,
compreender a greve dentro do chamado “novo sindicalismo”, que buscava justamente
romper com as cadeias do “sindicalismo corporativista”.
O movimento, embora tenha tido uma curta duração (esse foi um fator que buscamos
entender e esclarecer na presente obra), conseguiu atrair para a causa operária da construção
mineira os olhares do restante do Brasil, recebendo significativa cobertura na imprensa da
época. Contudo, a cobertura feita pela impressa é questionável, uma vez que é possível
perceber elementos e estereótipos que reforçam o preconceito social, por exemplo, quando se
referiam aos operários de maneira pejorativa, chamando-os com frequência de “peões” e
“provocadores de baderna”. A greve conseguiu levar para as páginas dos jornais impressos a
dura realidade do operariado da construção civil de Belo Horizonte: sequer possuíam uma
correta anotação em suas carteiras de trabalho, somando a isso os baixos salários corroídos
pela inflação, além das péssimas condições de trabalho.
A curta duração do movimento foi ocasionada por uma série de fatores, que
colaboraram, cada um à sua maneira, para o fim deste. A falta de apoio do sindicato no início
do movimento mostra claramente como o “sindicalismo corporativista” dificultava a
organização de greves, sendo um empecilho para os trabalhadores que objetivavam esses
movimentos como um meio de luta. A reação patronal, com todas as suas articulações que
visavam dividir os operários, foi somada à repressão policial, que sob a égide do regime civil-
militar, tratava as causas sociais (greves e outras manifestações) como elementos subversivos.
Embora o movimento não tenha alcançado seus objetivos básicos na questão salarial e
consequentemente, na melhoria da condição de vida dos trabalhadores da construção civil,
este pode ser considerado um exemplo de luta e de grande capacidade de mobilização. Logo,
essa greve também aponta para as mazelas brasileiras, que, com o êxodo do campo para as
cidades, forçava muitos dos camponeses a ingressarem na construção civil, onde passavam a
ser explorados em troca de baixos salários, além de servirem de “contingente de reserva” para
o mercado enquanto não conseguiam emprego.
A greve de 1979 produziu “o mártir” da construção civil em Belo Horizonte, o
operário Orocilio Martins, que é considerado um herói pelo sindicato atual da categoria.
Também podemos perceber sua morte como um reflexo da maneira como o regime tratava os
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que ingressavam em movimentos, que, de alguma forma, traziam questionamentos à política
dos militares e dos seus aliados civis.
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Referências
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